sábado, 26 de dezembro de 2015

Gloria in Excelsis Deo

Notas do meu cantinho
       
                                            Aos meus Netos e Bisnetos
                 
       Estava-se na véspera do Natal. Em casa do Mário, um miúdo à volta dos seis anos, havia uma azáfama grande a preparar a árvore do Natal, o Presépio e a casa, para o dia da Festa.  O Mário e os irmãos mais velhos, pois ele era o menino da Família, estavam cansados de trazer para a árvore os enfeites, e para o Presépio as pedras queimadas, os musgos e as outras ervinhas ajudando, assim, a Mãe a armar esses dois sinais festivos. O Mário estava cansado e logo ao anoitecer adormeceu. A Mãe tinha pensado em levá-lo à Missa do Galo, mas o miúdo não se aguentava com o sono e teve de ser metido na cama. Os outros dois manos prepararam-se para acompanhar os pais, mas o Mário não mais acordou e a solução foi deixá-lo a dormir. Não havia perigo algum pois ele não tinha por hábito acordar durante a noite e, demais, o tempo, apesar de ser Inverno, estava maravilhoso.
          Era meia noite. No campanário da Igreja Paroquial, os sinos repicavam festivamente. A igreja iluminara-se com grande esplendor. O grupo coral cantava o hino litúrgico Glória a Deus nas Alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!
          Ao som alegre dos sinos o Mário acordou e chamou pela Mãe, mas esta não lhe respondeu. Viu-se só, àquela hora adiantada da noite, e não sabia o que fazer. Levantou-se e foi até à janela. Olhou curiosamente e viu ao longe a igreja toda iluminada e os sinos em contínuos toques festivos. Vestiu-se,  saiu para a rua, e foi andando até chegar junto da Igreja toda iluminada e entrou.
          No altar o sacerdote celebrava a Missa. A capela continuava a cantar o hino litúrgico. As pessoas, com ar alegre, ainda se cumprimentavam. O Mário foi andando pela igreja dentro e encontrou os Pais e os irmãos mais velhos que assistiam à chamada “Missa do Galo”. Naturalmente, ficaram surpreendidos com a presença do filho e irmão.
          Acolheram-no, carinhosamente, e envolveram-no numa manta, pois ele já acusava o frio que se sentia.
          Terminaram as cerimónias e o celebrante, depois de dirigir uma última saudação aos assistentes, retirou-se para a sacristia. Os miúdos correram, imediatamente, para junto do Presépio a admirar as figuras, que caminhavam pelas veredas e atalhos dos pequenos montes, e a pequena cabana onde estavam Maria e José e um Menino reclinado numa manjedoira, em frente de dois animais: a vaca e o burro. Entretanto, o povo ia saindo a pouco e pouco para as suas casas. Juntavam-se as famílias e os amigos saudavam-se, alegremente: “Boas Festas, Boas Festas!” – e caminhavam aos ranchos. O escuro da meia noite e o frio habitual do mês de Dezembro não aconselhavam que as pessoas se demorassem nos percursos.
          Rapidamente, todos chegaram às suas habitações. A casa do Mário iluminou-se e, na sala maior, uma pequena árvore que a mãe e os irmãos  haviam ali colocado, sem que ele se apercebesse quando saíu da cama, para ir junto da janela e descobriu a igreja iluminada; junto dela  vários pacotes, atados com fitas de cores e o nome de cada membro da família. Depois veio o grande momento: ao Mário entregaram um grande pacote que ele, sofregamente, desfez e, aos gritinhos, encontrou um pequeno avião, “tripulado” por dois “aviadores”. Rodando uma pequena chave ele iluminava-se e as hélices começavam a girar. Quando atingiam maior velocidade o pequeno avião levantava voo para descer um pouco além. Foi a grande surpresa e a alegria maior do Mário.
          Seguiu-se a habitual consoada, mas o Mário nem disso se interessou. E quando foi novamente para a cama, apesar da recomendação da Mãe que lhe havia retirado o precioso brinquedo, nem dormia a pensar na “viagem” que, no dia  seguinte, faria no seu avião. Por fim, o sono chegou. No dia seguinte, quando acordou, voltou a admirar, com enorme alegria, a oferta do Pai Natal. De todos os brinquedos que lhe ofereceram naquele dia nenhum outro foi capaz de despertar a alegria e o entusiasmo que lhe proporcionava a posse de tão interessante brinquedo - uma coisa rara que a poucos era dado usufruir.
          As festas continuaram. Os Pais e irmãos do Mário mantinham os velhos costumes. Ao almoço do dia de Natal tiveram como convidados os seus pais e outros familiares. Não faltaram o “bolo do Natal” e outros manjares tradicionais. A “caçoilha” foi o prato forte, como era costume na família. Foi, na realidade, um grande dia.
          Mas, para o nosso “herói”, nada mais lhe interessou. O avião, que subia e descia por alguns instantes, era o seu enlevo, a sua grande alegria.

Natal de 2015

Ermelindo Ávila

PE. DOMINGOS F. R. ANGELO

A MINHA NOTA

Recordo com o devido respeito a personalidade inconfundível do Padre Ouvidor  Domingos Ferreira da Rosa Ângelo. Lembro-o ainda quando paroquiava Santa Cruz das Ribeiras, principalmente agora que a respectiva paróquia vai celebrar com brilhantismo, como é tradição daquele lugar, o primeiro centenário da erecção do antigo curato a paróquia.
O Padre Domingos havia sucedido, ao antigo Cura, Pe. José Silveira Peixoto, natural desta vila e que ali fora colocado em 10 de Abril de 1899, passando, depois, à situação de manente.
O Pe. Domingos, como sempre foi conhecido, em 1916, entendeu elevar o curado a Paróquia. O processo foi organizado com a aquiescência do Vigário de S.ta Bárbara, Pe. Manuel José Alves, natural das Velas, a cuja paróquia estava sujeito o Curato de Santa Cruz, e foi este que, com o seu parecer, o enviou à Cúria Diocesana, não sem informar que “o povo não tem por costume receber bons despachos” o que não deixou de causar veemente protesto do cabido.
O processo foi despachado favoravelmente e o P. Domingos nomeado Vigário da nova paróquia, onde se conservou até 1927, ano em que foi transferido para Vigário e Ouvidor da Matriz de S. Roque do Pico, onde se manteve até ao falecimento .
Excelente músico, com voz brilhante de soprano, estava presente nas principais festas da ilha, quer como músico notável a auxiliar as respectivas capelas, quer como orador sacro, cujos sermões eram verdadeiras peças oratórias.
Conheci-o de perto e ainda recordo a sua estada em S.ta Cruz das Ribeiras e, depois, em S. Roque do Pico. É que ele, amigo íntimo do Pároco e Ouvidor do Pároco das Lajes, não faltava aqui nas festas maiores, principalmente a de Nossa Senhora de Lourdes e da Semana Santa.                                                                                                                                                                            
Quando se instituiu a festa de Santa Teresinha, após a sua canonização em  1925, o Pe. Domingos era o orador permanente, assim como o ouvidor das Lajes não faltava à festa instituída, depois, na Matriz de S. Roque.
Raramente, o P. Domingos se fazia substituir pelo seu colega e amigo, Pe. José Maria Fernandes, apesar deste ser igualmente um excelente orador sacro.
O P. Domingos, como atrás se refere, foi transferido de Santa Cruz para S. Roque, onde se conservou até ao falecimento. Como notável músico que era, foi o quarto regente da Filarmónica de S.ta Cruz, Recreio Ribeirense, até à transferência para a Matriz de S. Roque.
Dele escreve o P. José Idalmiro Ávila Ferreira, também natural de S. Roque e seu pároco e ouvidor: Difícil ao tempo encontrar alguém que se disponibilizasse a assumir esse cargo (Presidente da Câmara) pois ele teria de ser exercido gratuitamente e com a agravante de a ele estar anexa a administração do Concelho, com os poderes policiais alargados à prisão dos supostos delinquentes, o que naturalmente trazia sérios dissabores numa terra onde todos são conhecidos, muitos deles parentes, vizinhos e amigos...(1)
O exercício do cargo acarretou-lhe sérios dissabores de que se livrou com a ajuda dos seus paroquianos, numa ocasião em que, falando em momento solene, respondendo ao Governador do Distrito, que visitava o concelho, não se escusou de afirmar, e cito:
“Pois, Exa., o sentimento generalizado do meu povo do qual faço eco, é este: Isto não é governo de Deus, mas do diabo...) (2)
E mais se poderia dizer do P. Domingos Ferreira da Rosa Ângelo, uma das mais relevantes figuras da Igreja, no século que passou. O referido basta para pôr em destaque tão distinta personalidade eclesiástica e civil.

________
1) FERREIRA, Idalmiro, Esta Terra – Esta Gente, 2002, pág,245.
2) idem, pag. 246

Lajes do Pico, 26-11-2015
Ermelindo Ávila



A FESTA QUE O GUIDO NÃO TEVE


          Guido foi um menino feliz na sua infância e adolescência. Os pais eram pessoas da sociedade, na cidade em que viviam. Eles e os irmãos tinham uma vida sem dificuldades. Na escola distinguiam-se pelo seu trajar, pelos utensílios que utilizavam. Eram, mesmo, bastante considerados e estimados pelos professores e companheiros. Pois se nada lhes faltava...
          Viviam numa das cidades mais prósperas do seu País. O pai era um industrial rico e a Mãe professora num colégio estrangeiro. Viviam numa excelente moradia, ricamente mobilada e a mesa era abundante e servida por pessoal especializado.
Mas um dia, sem saber como, a infelicidade bateu-lhes à porta. Tudo se transformou e o Guido viu-se numa situação muito triste: um atentado terrorista levou-lhe os pais e os irmãos.
Na cidade rebentou, entretanto, uma revolta entre os diversos partidos políticos. Reforçou-se a Polícia, mas foi incapaz de suster os revoltosos. Vieram reforços do Exército e começaram a bombardear a cidade para repor a ordem. Os canhões, as metralhadoras, as armas ligeiras, os carros de assalto, toda a máquina de guerra foi posta a funcionar. A pouco e pouco foram atingidos edifícios, os habitantes foram sendo mortos e as ruas ficaram intransitáveis com os escombros das casas demolidas pelo fogo da artilharia. O fogo começou a propalar-se e não houve corporação de bombeiros que fosse capaz de extingui-lo.
Os que escaparam, conseguiram fugir para os campos. Separaram-se e nunca mais se encontraram.
Guido, encontrando-se sozinho, caminhou por terra dentro. Há dias que andava a divagar, sem encontrar alguém que o acolhesse. As roupas iam ficando esfrangalhadas. A fome era muita e valia-se da fruta que, aqui e ali, encontrava em alguns campos de fruta, por onde passava. Certo dia, porém, ao cair da noite, achou-se numa pequena povoação.
Aproximou-se de uma casa modesta, bateu à porta e gritou que o acudissem. Não tardou o socorro da velha dona da casa, uma senhora, já entrada em idade, que vivia só, pois o marido tinha falecido e os filhos haviam emigrado. Recebeu o pobre pedinte e indagou da sua vida. Ficou triste e condoída com a situação calamitosa que o Guido lhe contou. Acolheu-o com carinho, lavou-o, arranjou-lhe umas roupinhas que ainda guardava dos filhos e preparou-lhe uma singela refeição quente.
Quando o Guido se encontrava algo reconfortado, a Senhora quis aprofundar a “história”. A custo, emocionado e muito saudoso dos pais e irmãos, contou-lhe como tudo acontecera.
Estava-se na semana do Natal. A mãe já havia preparado a casa, armado o Presépio e coberto de luzes e outros adereços, a tradicional árvore do Natal. Tudo, porém, desaparecera com os bombardeamentos. A casa transformou-se num montão de ruínas, sem nada que se aproveitasse, e os pais e irmãos, aqueles que não puderam fugir, cadáveres cobertos pelos escombros do prédio. E outras mais famílias havia naquele triste estado. Até a igreja da sua paróquia fora atingida. Uma grande parte da cidade estava no chão.
Os que escaparam à tremenda tragédia, diziam que eram actos de terrorismo, praticados por pessoas estranhas à cidade. Mas ele, pequeno como era, nem sabia o que era o terrorismo.
A Senhora, ouviu a triste e horripilante narração e tudo procurou fazer para que o Guido esquecesse um pouco o seu drama e tivesse uma festa de Natal, com algum conforto.
E assim aconteceu. Na noite de Natal o Guido, ao ir deitar-se, encontrou, no quarto onde havia sido albergado, um pequeno altar com a imagem do Menino Jesus, ao lado Sua Mãe e S. José, e, junto da janela, uma arvorezinha enfeitada com fitas coloridas. Debaixo dela, no chão, uma pequena caixa com um carrinho de corrida e dentro dele um bilhete onde alguém, naturalmente a senhora que o acolhera, havia escrito: Presente do Menino Jesus.

          Nesta Festa que se aproxima quantos mais Guidos, não haverá por esse mundo que se diz civilizado? Encontrarão eles uma mãe adoptiva que os acolha maternalmente ?

Natal de 2015


Ermelindo Ávila

OS ANTIGOS TRAJOS

NOTAS DO MEU CANTINHO

OS ANTIGOS TRAJOS

          Os picoenses – ou picarotos, como queiram -  sempre usaram, no decorrer dos tempos, um trajo característico, mas não tanto como alguns passaram por vezes, exageradamente, a descrevê-lo.
Os irmãos Joseph e Henry Bullar, que por aqui andaram a meados do século XIX,  deixaram uma descrição algo picaresca do homem do Pico que  ao Faial se deslocava a negociar os produtos da terra.
E assim o descrevem: Alguns aldeões do Pico vestem-se inteiramente de vermelho. Usam jaqueta curta de estamenha, vermelha, colete e calções do mesmo tecido e cor, com polainas abotoadas sobre os pés. Estes andam descalços ou cobertos de sandálias de coiro (onde não raras vezes ficaram restos do pelo do boi) por sobre o dedo grande. Todavia não  deixaram de lhes dar o  trato de “gentleman da velha guarda”.
Andarem os trabalhadores da terra, ou agricultores, de sandálias ou “albarcas” de coiro de boi mal curtido ou, mais tarde, de “albarcas” de borracha de pneu, quando começaram a aparecer os automóveis já a meio do  primeiro quartel do século XX, conheci-os eu, mas nunca de trajos de cor vermelha.
Os agricultores vestiam , geralmente, calças de cotim e camisas e casacos (sueras ou frocas) de cor cinzenta, tecidos de lã de ovelha, nos teares domésticos.
Depois, quando começaram a vir da América do Norte as “sacas de roupa”, enviadas pelos parentes (irmãos, filhos, amigos ou conhecidos,) passaram a usar as calças ou alvaroses (calças com uma pala a cobrir o peito) de angrim, que hoje são um luxo para as senhoras.
Curioso que os trabalhadores rurais, quando andavam pelos campos, amarravam um atilho na altura dos joelhos, como medida de precaução, para evitar que o pó da terra lhe subisse pelas pernas.
A camisola de lã não era dispensada, mesmo no verão, embora provocasse grande calor, pois absorvia a transpiração e evitava as constipações.
Para assistir aos actos religiosos o picoense, de qualquer categoria social, vestia o seu fato preto e punha gravata – o fato domingueiro como diziam.
O trajo da mulher era bastante diferente daquele que agora usam.  Durante a semana trajava saia abaixo do joelho e, normalmente, calçava galochas com piso ou sola de madeira de cedro por ser leve e nada porosa, Vestia uma blusa de tecido leve com manga a cobrir todo o braço, e, na cabeça, usava lenço de qualquer cor ou chapéu de palha no verão. Sobre os ombros um xaile de qualquer cor, conforme as circunstâncias.
Ao domingo, as mais jovens, usavam vestido de tecido leve, para o que havia costureiras em quase todas as freguesias, e punham chapéu, de diversos feitios conforme a moda corrente. À igreja nenhuma pessoa do sexo feminino ia sem ter a cabeça coberta. Hoje é ao contrário: as mulheres baniram o chapéu e os homens, com chapéu ou boné entram em qualquer parte.
Se estava de luto ou tinha marido ausente (nesses tempos o marido emigrava por poucos anos) o xaile era de cor preta. O luto durava meses ou ano, conforme o grau de parentesco com o falecido, mas se era marido ou mulher o luto durava a vida inteira a menos que mudasse de estado.
Uma das minhas bisavós - faleceu no ano em que atingiria um século – dizia-me que usava sete saias, que iam dos joelhos aos pés. A saia de fora era provida de algibeiras. Quando estas não existiam, tinha uma bolsa pequena, ou matrona, que ligava à cintura, onde guardava os “cobres” e pequenos objectos. 
De registar que, normalmente, quando algum indivíduo das freguesias, durante a semana, descia à Vila para tratar de qualquer assunto, ou até pagar as contribuições ao Estado, vinha com trajo domingueiro, pelo respeito que lhe mereciam as repartições públicas e os respectivos funcionários.
As pessoas cumprimentavam-se quando se cruzavam na via pública, e os mais novos tinham por obrigação ou hábito tirar o chapéu ou boné quando se cruzavam com qualquer mais idoso e não só.
Os hábitos e costumes eram bastante diferentes e o respeito pelos parentes e/ou mais idosos uma obrigação.
 Com certeza que os irmãos Bullar veriam os picoenses e açorianos de maneira diferente...



Lajes do Pico,
22-XI-2015

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

PROFESSOR DOUTOR JOSÉ ENES

NOTAS DO MEU CANTINHO


Num gesto singelo de profunda e respeitosa homenagem, trago hoje a este “Cantinho” a personalidade inconfundível do Professor Doutor José Enes, de seu nome completo José Enes Pereira Cardoso, que nasceu nesta ilha, melhor nas Lajes do Pico, em 1924 e faleceu em Lisboa, quase aos noventa anos, em 2013.
Conhecíamo-nos desde a infância, e sempre mantivemos uma amizade simples, mas bastante sincera. Conservo do Professor Doutor José Enes, com muito respeito, algumas das cartas que me escreveu, principalmente de Luanda, onde tive o privilégio de com ele passar uma manhã na Universidade daquela cidade ultramarina. Já lá vão mais de quarenta anos.
A recordar o seu “Pensamento e Obra”, realizou-se em Outubro passado um Colóquio na Universidade dos Açores, nos dias 26 e 27, continuado em Lisboa nos dias 29 e 30, com o alto patrocínio do Cardeal Patriarca de Lisboa D. Manuel Clemente. Nada mais sei desse acontecimento científico e já histórico, porque não tive o grato prazer de a ele assistir, até porque foi reservado, ao que sei, a altas personalidades culturais e científicas. (A Imprensa quase ignorou o notável evento...) No entanto, foi-me possível adquirir o livro póstumo lançado nessa ocasião, em Ponta Delgada, “Portugal Atlântico”, - Estudos de Fenomenologia Política, com Prefácio do Prof. Doutor Carlos E. Pacheco Amaral e Nota Introdutória da Prof.ª Doutora Maria Fernanda Diniz Teixeira Enes, esposa do Doutor José Enes. Em Anexo, entre outros, o discurso pronunciado nesta vila aquando da Homenagem que a Câmara Municipal, da presidência do Eng. Cláudio Lopes, prestou ao insigne lajense, na celebração do quinto centenário da instauração do concelho.
E transcrevo, com a devida vénia e o maior respeito: “Olhei de relance para o horizonte distante dos meus trabalhos literários, históricos, culturais, sociológicos, de desenvolvimento económico e social, de política e de relações internacionais a ver se divisava alguma memória abordável para a inesperada rota deste cais baleeiro. (...) E foi na ânsia desta angústia que me surgiu a ideia salvadora. Já que o Pico e suas gentes a homenageavam pela originária autoridade histórica da Vila das Lajes, por onde começou o seu povoamento e sua primeira capital, então esta conferência oferecia-me a oportunidade de retribuir prestando a minha homenagem ao Pico e às suas gentes. (...) O que na ansiedade da resposta à segunda pergunta do Sr. Engenheiro Cláudio relampejou no meu intuito foi a evocação vivencial do que devo ao Pico e às suas gentes no que sou e no que tenho feito.
Recordou os baleeiros, os marítimos, os ferreiros e aqueles que até foram poetas, como Amélia Ernestina Avelar, ou Diasde Melo e José Carlos. Mas antes recorda o Pico, - “A montanha do meu destino”, poema maravilhoso de que é Autor. E não esquece alguns notáveis, que por aqui passaram como Nemésio, Chateaubriand, Sarmento Rodrigues e outros mais. A conferência que aqui pronunciou no dia dos quinhentos anos da criação da Vila e, simultaneamente, da homenagem que o Município, ainda a tempo, prestou ao emérito lajense, é toda ela um verdadeiro hino de glorificação: “a evocação vivencial do que devo – diz – ao Pico e às suas gentes no que sou e no que tenho feito
No final da sua Nota Introdutória escreve a Doutora Maria Fernanda Enes: “Quando em 2010 sofreu o enfarte do miocárdio e foi contaminado por uma bactéria hospitalar, recuperou muito pela ajuda da leitura dos seus poemas, marcados pela insularidade, e com a audição constante do seu poema “MONTANHA DO MEU DESTINO” (escrito em Roma em Setembro de 1946 e que ele titulara simplesmente “Pico”), musicado por um dos seus alunos – Emílio Porto, de saudosa memória – e cantado pelo Coro da sua terra natal. As Lajes.”
E com estas referências – e outras poderia fazer se de maior espaço dispusesse - expresso com o maior respeito a minha homenagem sentida e indelével à memória do erudito e notável lajense, excelente e erudito Amigo (pois assim sempre e benevolamente me tratou), Doutor José Enes, uma das personalidades mais distintas, e porque não das mais agigantadas - - não somente do Pico, sua e nossa ilha querida, mas dos Açores e de Portugal.
Vila das Lajes,
Ilha do Pico,
Novembro de 2015

Ermelindo Ávila

sábado, 31 de outubro de 2015

O TURISMO QUE NOS ESPERA

NOTAS DO MEU CANTINHO


Está anunciada, nos órgãos de Comunicação Social, a vinda de voos charters da Holanda para ilha do Pico. A notícia, a confirmar-se, é bastante satisfatória para esta ilha, pois vai fazê-la melhor conhecida dos meios internacionais e representa uma nota bastante agradável para os picoenses.
Há muito que se vem escrevendo que o Turismo é a indústria do futuro. A ilha do Pico pouco mais tem para vender ou exportar além das suas belezas paisagísticas, do seu bom clima, da calma e sossêgo das suas gentes. Não contam ou não devem influenciar os casos raros de natureza judiciária que acontecem por esse mundo, com maior intensidade e agressividade. Aqui toda a gente é bem recebida e tratada. Esses poucos que, principalmente na época estival, nos visitam, andam por aí despreocupadamente e até tem um sorriso cativante para com as pessoas com quem se cruzam nas suas andanças.
E não vêm cá somente para vigiar baleias e golfinhos, muito embora a baía das Lajes seja o “santuário” privilegiado para esses cetáceos serem apreciados no seu deambular despreocupado nos mares que nos rodeiam. Mas há muito mais.
E isso prova os encontros que já tivemos com alguns casais que percorrem a ilha, descem aos lugares mais afastados dos povoados, como sejam a Manhenha, o Calhau, a Engrade, e aí eles preferem andar pelos atalhos e veredas ou trilhos, e por cima desses calhaus que afastam a terra do mar.
Há muitos anos que o turismo me preocupa como actividade industrial. Desde os tempos da antiga da Comissão de Planeamento da qual fiz parte, integrado no Grupo de Turismo. Certo é que nada consegui, mas isso não me impede de estar novamente aqui, como já o fiz em outras ocasiões, a pugnar pela organização da indústria do Turismo nesta Ilha. E essa organização não se limita ao agora chamado “turismo rural” que já funciona em várias localidades picoenses.
Com o desenvolvimento dessa actividade, torna-se indispensável a criação de outros estabelecimentos hoteleiros, pois sabe-se que os existentes são insuficientes para receber, no futuro, quantos desejem visitar a ilha e nela permanecer, em repouso reconfortante, que sejam somente horas.
Desenvolvendo-se o turismo aparecem, necessariamente, outras actividades comerciais e industriais, criam-se novos postos de trabalho e, dest`arte, evita-se o desemprego e a saída da juventude para os sítios onde possa encontrar trabalho.
Bons restaurantes, além dos que já existem, felizmente, que ofereçam pratos regionais, que aqui se produzem dos melhores, cómodas instalações, pessoal habilitado, e - importa que se diga – a preços acessíveis. Não se julgue que o industrial do turismo pode enriquecer de um dia para o outro. Tudo deve ser programado, orientado e executado com inteligência e competência.
E já agora, uma referência. E volto ao esquecido campo de golfe. Porque não conclui-lo e pô-lo em actividade? Não será um elemento em certo modo atractivo para aqueles que escolhem o Pico para repousar? E, depois, seguir-se-iam as naturais competições. Mas isso é já para o futuro...
Julgo que em breve se iniciará na vila das Lajes a construção de uma unidade hoteleira. Nem sei com quantas estrelas irá ser classificada. Indispensável que o seja, pouco importando o número, pois é sabido que o turista, normalmente, não vem para residenciais ou pensões, como antigamente. Hoje é mais exigente. Importa satisfazê-los.
Referindo a viagem aérea da Holanda para a Ilha do Pico, no jornal “Tribuna das Ilhas”, donde respigo com a devida vénia esta notícia, escreve MJS : Operada pela “TUI”, esta operação abrirá mais uma porta de entrada na região, nomeadamente nas ilhas do Triângulo, beneficiando não só da proximidade entre elas, mas também das condições de transporte marítimo já disponíveis entre estas três ilhas”.
E porque não táxis aéreos? Será utopia da minha parte?
Que a “TUI” venha e continue com os voos entre a Holanda e o Pico é o que mais importa. O Aeroporto do Pico e igualmente os picoenses têm condições para os receber. Mal seria se influências estranhas procurassem desviar os aviões holandeses para outras paragens.


Lajes do Pico,
18 de Outubro de 2015

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

COSTUMES ANTIGOS

A MINHA NOTA



Costumes ou tradições que vão desaparecendo com a adopção de outros sistemas de vida. E é pena porque eles traziam consigo, desde os primórdios tempos, maneiras diferentes mas que, em certa, medida facilitavam a vida das pessoas.
Em anos passados - quatro ou cinco dezenas já se contam – um dos dias do ano que as gentes do centro da ilha – norte e sul – se reuniam no Baldio praticamente comum, para a tosquia do gado ovelhum, era conhecido como o dia do arrodeio.
Durante o ano os rebanhos das ovelhas e dos carneiros pastavam despreocupadamente no Baldio comum às freguesias da Prainha e Lajes. Esses rebanhos eram pertença dos agricultores das duas freguesias. Pastavam juntos mas cada um dos animais tinha um sinal que os identificava e os donos, no dia um de Setembro de cada ano, reuniam-se para fazer a separação dos animais e igualmente aqueles com a que haviam nascido durante o ano e que não deixavam de acompanhar os pais. Aos cordeiros era-lhes então posto o sinal do proprietário e procedia-se à tosquia.
Amigos velhos que ali se encontravam todos os anos, faziam, por vezes, as refeições juntos e, acabado o repasto, davam inicio às chamarritas, pois havia sempre quem levasse uma viola.
Um dia festivo, embora de algum trabalho, e sobretudo de confraternização de velhos e novos. E, entre estes últimos, nascia por vezes o namoro que, normalmente, se tornava em união feliz. Conheci alguns desses casais.
As lãs recolhidas - pretas e brancas - eram aproveitadas para, depois de tecidas, delas se fazerem roupas de agasalho e meias para serem usadas nos trabalhos agrícolas, e não apenas. Aquela que tinha melhor qualidade era fiada e servia para o tear, que vários existiam.
Para os elementos do sexo masculino, faziam-se camisolas e meias. Parece que alguns usavam roupas interiores de lã, normalmente no Inverno.
As mulheres, quando em trabalhos agrícolas, usavam meias e saiotes também em lã.
Alguma lã era utilizada em mantas de agasalho, tecidas em tear doméstico pois, normalmente, havia em cada família uma tecedeira que quase só trabalhava no tear próprio.
Nos últimos anos, porém, apenas o Manuel Cravo, quando passou a residir nesta vila, trabalhava no seu tear, um instrumento muito antigo e que agora está arrecadado no Museu dos Baleeiros. Aqui nas Lajes o seu trabalho quase exclusivo, ao menos nos anos em que conheci, era o tecer “colchas da terra” e peças de tecido para vestuário, em lã. No entanto, havia quem enviasse a lã para a ilha de São Jorge, para lá ser tecida, pois sempre houve bons tecelões naquela ilha, principalmente nas Fajãs.
Arredado que estou da vida activa, nem sei o que actualmente se passa, com o trabalho das lãs. Julgo que pouca se colhe pois o gado lanígero praticamente desapareceu do Baldio, quando aqueles terrenos passaram à administração dos Serviços Florestais que os utiliza unicamente para apascentar gado bovino.
Os lavradores deixaram, praticamente, de criar gado lanígero e somente um ou outro daqueles animais é apascentado com o gado bovino. Dele é necessariamente retirada, anualmente, a lã com a qual se fazem as meias que eram utilizadas nos trabalhos agrícolas. Mas serão bem poucos, como poucos são nesta ilha os que, actualmente, aos trabalhos agrícolas se dedicam.
O primeiro de Setembro, dia do arrodeio, era um verdadeiro dia de festa, principalmente para as gentes das Lajes e Prainha do Norte.
Afinal, outros tempos, outros costumes.


Lajes do Pico, Setº 2015
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Ermelindo Ávila 

LENHAS E COMBUSTÍVEIS

CRÓNICAS DO MEU CANTINHO


Dou-lhe este título como podia dar-lhe outro, talvez mais apropriado. Mas vai o primeiro que saiu do teclado, pois, neste caso, o título pouco importa.
Até meados, ou pouco antes, do século passado, as donas de casa cozinhavam com lenha colhida nos prédios do alto. Era uma trabalheira para a conseguir. Tinha de ser cortada com antecedência de alguns meses e, depois, trazida em feixes à cabeça das mulheres, aos ombros dos homens, nos burros ou cavalos ou em carros de bois, para as residências e nelas preparada (aturada) para os lares.
Aqui nas Lajes as terras do alto, a Leste do burgo, só produziam lenhas, (faias e incensos) como ainda hoje. A lenha, depois de cortada ficava a secar e, quando própria para ser utilizada, era preparada em pequenos feixes, ou molhos, e atada a uma roldana de ferro, e esta a um fio que ligava o alto ao quintal da habitação. Normalmente era ao entardecer, no fim do trabalho, que os operários faziam os pequenos feixes e os enviavam pelo fio para as residências. O deslizar da roldana no fio produzia uma réstia de fogo durante o percurso. Para a miudagem, era um regalo ver o deslizar precipitado dos pequenos molhos. Com a construção da estrada Lajes - Piedade (1943) os fios que tinham forçosamente de atravessar a estrada, foram retirados.
O fogo para as cozeduras era mantido no “lar” e a grelha, ou trempezinha que nele se colocava, suportava os “caldeirões” e tachos onde eram cozinhados os alimentos. Depois apareceram as achas trazidas em carros tirados por um só animal bovino, pelos carreiros da freguesia de S. João, que abatiam a lenha no interior do Mistério onde ela (faias e incensos) ia crescendo. Geralmente, nos chamados dias úteis, o Manuel de Simas e o Inácio traziam à vila os seus carros tirados, cada um por um animal bovino, com achas, normalmente meio milheiro, para fregueses certos. Todos os dias vinham às Lajes com os seus carretos e, na volta, levavam os géneros que lhes haviam sido encomendados. Um serviço útil e simpático.
As achas, para serem utilizadas nos fogões, tinham de ser cortadas ao meio e desse trabalho se encarregava o Jaime (Jaime Teixeira) que outra coisa não fazia. E que fragoso era !...
As achas, passaram a ser utilizadas, principalmente, nos fogões vindos dos Estados Unidos ou importados do continente, até que os ferreiros locais os foram construindo à semelhança daqueles.
Continuaram, porém, e ainda hoje são utilizados, os fornos a lenha onde são cozidos o pão e o bolo e outros manjares e até assada a carne de vaca.
A meados do século surgiram os fogões a gás e, a partir daí, foram desaparecendo os fogões a lenha. As cozinhas passaram a ser providas de fogões a gás ou eléctricos. As salgadeiras, onde se conservava o peixe e a carne, foram substituídas pelas “arcas frigoríficas” e pelos frigoríficos.
Mas, recuando um pouco, e antes que fossem instaladas as redes eléctricas, ou mesmo existisse à venda o petróleo, as casas eram iluminadas com velas de cebo e, depois, de esteriarina e as cozinhas, normalmente, com candeias de azeite de moleiro, toninha, ou albafar. Raro era utilizarem óleo de baleia. Mesmo nas casas de abegoaria, onde nos serões do Outono decorria a desfolhada, a candeia servia para a ofuscada iluminação. Quando era “espevitada”, havia um dito popular: “O que cai da candeia de cima fica na candeia de baixo.”
O cheiro não era nada agradável e a luz muito ténue, mas os candeeiros a petróleo ainda não tinham cá chegado.
É por isso que, ainda na década de vinte, o Administrador do Concelho fez publicar um Edital determinando que o derretimento das carcaças de toninha ou boto só poderia fazer-se a partir das nove horas da noite. Era a hora do recolher. A partir dessa hora não era permitido andar pelas ruas. A Câmara dava sinal, no sino próprio. E até houve um tempo, ainda no século dezanove, que o sino avariou e o presidente da Câmara oficiou ao vigário da Matriz pedindo para ser utilizado o sino da igreja a fim de anunciar a hora de recolher...
Os tempos eram outros. Hoje seria muito diferente.
Quando o petróleo apareceu, a vila passou a ser iluminada com candeeiros a petróleo, até que um pobre louco, conseguindo fugir do recinto onde se achava detido, encontrou no caminho um carro de bois estacionado junto à moradia do proprietário, retirou de lá um fueiro e passeou pela vila partindo alguns dos candeeiros que já então iluminavam as ruas até à hora de recolher. A partir de então, e até que surgisse a electricidade (1932 ?) andou a vila às escuras...
E por hoje, aqui fico.
Lajes do Pico,
13 de Outubro de 2015.

Ermelindo Ávila

domingo, 18 de outubro de 2015

Potes e canecas

Notas do meu cantinho


Estes e outros mais eram utensílios domésticos fabricados da madeira de cedro, (da família Juniperus brevifolia).
        Segundo Ruy Telles Palhinha (in Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores) trata-se de uma espécie arbórea Muito procurada por causa da madeira. Na ilha do Pico atingia grande desenvolvimento e era utilizada, inicialmente, na construção de casas e igrejas. Depois passou a ser utilizada somente em vasilhas de uso doméstico: celhas para lavar roupas, para servir de preparativos culinários: bolo ou pão, potes para colher água dos poços, e outros mais. Enquanto não chegou o vasilhame de folha de Flandres.
Eram as canecas de cedro que serviam para receber o leite das ordenhas das vacas e cabras – e havia-as de todas as medidas: meia canada, cana, três, quatro e cinco canadas.
Era um vasilhame sempre muito bem cuidado, para que não transmitisse qualquer impureza ao líquido transportado. E, a propósito, recordo o que tive oportunidade de escrever: as moças a transportar à cabeça e nos ombros as grandes canecas, quase sempre rolhadas com urze, (Calluna vulgaris) transportando leite ordenhado das vacas que haviam descido das pastagens e vinham comer o refúgio que havia sido semeado nas terras de milho, após a colheita. A estrada ainda não estava construída e todo o trânsito passava pela rua principal, ou rua Direita da vila, como vulgarmente era conhecida, caminhavam aos ranchos, pois não havia trânsito que isso impedisse. O leite colhido era utilizado, geralmente, na alimentação familiar e no fabrico do queijo caseiro, uma especialidade – o queijo do Pico - que praticamente desapareceu. Hoje fabrica-se queijo com aquele rótulo, mas está muito distante do genuíno queijo que se fabricava até meados do século passado. Quem dele não tem saudades?!
Utensílios esses fabricados por tanoeiros experimentados e que, normalmente, só se dedicavam a essa actividade. Por aqui conheci quatro: dois na Ribeira do Meio e dois na vila. Esses, praticamente só se dedicavam à preparação das barricas que serviam para a exportação do azeite de baleia. Eram os mestres Tomé Alves e José Alves, que haviam andado na caça da baleia nas barcas americanas e que, ao regressarem, se dedicaram a essa faina. Não me lembro de produzirem artigos domésticos.
Os outros, com oficinas na Ribeira do Meio, o Mestre Tabuão e o Mestre Manuel Brão dedicavam-se a toda a espécie de utensílios e até aos cepos das galochas, em madeira de cedro, muito utilizadas por homens e mulheres.
Era interessante vê-los trabalhar. As oficinas conservavam um aroma especial da madeira de cedro, que caminhava longe.
Mas, além dos tradicionais utensílios, o cedro eram utilizado na construção de prédios urbanos, como disse. Aqui há anos, indo à ilha das Flores, entrei na igreja da freguesia dos Cedros, recentemente construída e detectei logo o aroma especial que ali pairava, pois toda a madeira utilizada era de cedro.
De facto Ruy Telles Palhinha, no livro citado, informa: Pelas dimensões das madeiras de cedro que se encontram em edifícios antigos, reconhece-se que os havia de grande porte; no travejamento de algumas igrejas podem observar-se peças com mais de um metro de largo. Ainda se encontram exemplares com cinco a seis metros de altura e 40 a 60 cm de diâmetro mas são cada vez mais raros.”
E porque é mais rara está proibida, segundo creio, a sua utilização. Mas isso pouco importa pois deixou de haver tanoeiros e os potes, celhas, canecas e cepos de galochas são hoje substituídos por utensílios importados. E é pena. O artesanato podia utilizar essa preciosa madeira, sem prejuízo do seu desaparecimento.


Lajes do Pico,
30-9-2015

Ermelindo Ávila

OS FERREIROS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando os povoadores cá chegaram, com eles vieram operários dos diversos ofícios. Não aparece porém, na primeira lista de moradores, nenhum que exercesse a profissão de ferreiros. Resolveram, daí, fazer uma postura para trazerem um ferreiro para a ilha. A postura é datada de 23 de Março de mil quinhentos e seis e foi subscrita por Pedro Alvares, juiz ordinário, Diogo Gonçalves Galeão, vereador da Câmara e Pedro Enes, procurador.

Contrataram com o ferreiro Gonçalo Enes, para vir para a ilha e morar nela durante quatro anos, dando-lhe em pagamento dois moios de trigo, fazerem-lhe uma casa igual à casa do concelho e pagarem-lhe o frete dele e do seu fato (família) no valor de quinhentos reis. (1)

Naturalmente que Diogo Gonçalves por cá ficou e ensinou a arte a outros residentes, visto ser uma arte que se espalhou pela ilha e quase, ou todas as freguesias passaram a ter um ou mais artistas.

Recordo haver na vila das Lajes o mestre Manuel Inácio Fagundes cujos filhos Manuel e Francisco continuaram a actividade numa oficina que ainda existe e que, actualmente, está adaptada a garagem de recolha de veículos.

Na Silveira, houve vários ferreiros e serralheiros, como passaram a ser denominados. No ano de 1888, a Silveira tinha seis ferreiros, todos eles da mesma família, o mais velho dos quais, Manuel Pereira Domingos Sénior, era viúvo, tinha 82 anos e vivia só. Nesse ano, na freguesia havia mais três ferreiros.

Os ferreiros, além das ferramentas para uso dos agricultores, ferros de arados, alviões e sachos, foices e foicinhos, “caliveiras” ou arados de ferro semelhantes aos que, anteriormente, vinham dos Estados Unidos da América, trazidos pelos antigos emigrantes retornados, passaram a fazer todos os utensílios da caça à baleia: arpões, lanças, “espeiros” e outros. E construíam também outros mais, especialmente fogões de cozinha em que alguns eram de uma perfeição notável. Nas ferramentas de corte: arpões e lanças da baleação ou foices de diversos tipos utilizadas na lavoura, alguns artistas eram mais experientes pela “têmpera” que davam ao instrumento.

Anteriormente, porém, uma das especialidades dos ferreiros era o fabrico de pregos para a construção civil. Daí, talvez, a necessidade dos homens bons do século XVI trazerem um ferreiro para a ilha, pago pelos cofres públicos.

Conta-se até que certo indivíduo, ao construir a respectiva moradia, contratou um ferreiro para o fabrico dos pregos a utilizar. Contou quantas pancadas do malho, na bigorna, eram necessárias para fazer um prego. Depois, deu-se ao trabalho de contar as pancadas que o ferreiro dava diariamente e, ao fim do dia, contava os pregos para saber se o artista levava alguns consigo. Uma autêntica esperteza saloia. Hoje seria tarefa escusada.

A profissão de ferreiro era uma das mais desejadas, pois não lhes faltava trabalho, e até pode ser considerada uma arte nobre. Alguns dos ferreiros eram artistas de verdade, chegando a fundir instrumentos de cobre, e ainda hoje, alguns – os poucos que existem – fazem trabalhos em alumínio.
Hoje a arte de ferreiro quase desapareceu. Os jovens acham-na um ofício menor e, que eu saiba, apenas na Ribeirinha existem mestres que continuam a trabalhar com dedicação e esmero, se bem que haja desaparecido a indústria baleeira e a agricultura esteja praticamente limitada à pecuária.

O Museu dos Baleeiros incorporou nas suas instalações a oficina de ferreiro de Manuel António Macedo, “Piloto”, tal como o artista a deixou ao falecer. E ela lá se encontra equipada com todas as ferramentas utilizadas por um dos melhores ferreiros no fabrico de ferramentas de corte. Mas falta ainda uma nota indicativa: a identificação do antigo proprietário. No entanto ainda é tempo de remediar o esquecimento. Os visitantes apreciariam.

_________

1) Frei Diogo das Chagas “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”,(1646) edição de 1989, pag.
518.

Lajes do Pico,
7-Outubro-2015

Ermelindo Ávila

A CHAMARRITA

A minha nota


A Chamarrita – será chama a Rita?- ainda hoje é um dos bailhos mais característicos de cada ilha com coreografia própria. A chamarrita do Faial difere algo daquela que é dançada na ilha do Pico e até mesmo acontece que, de freguesia a freguesia há sempre diferença. Mas, no conjunto, trata-se de um bailho muito semelhante e até tradicional. Pena é que haja sido esquecido, como esquecidos ficaram os conhecidos “bailhos de roda”, de uma riqueza coreográfica que hoje nem sei se haverá quem seja capaz de os bailar.
A chamarrita era o bailho preferido nas festas familiares e até mesmo nos serões promovidos pelas sociedades recreativas. Os jovens, e até os de mais idade, deslocavam-se de terra em terra, da Silveira às Terras, quando sabiam de haver chamarritas ou bailhos.
E quando esses bailes se promoviam, havia convites aos tocadores de viola e aos cantadores. Cada ilha tinha viola de estilo diferente, cuja construção era executada por hábeis marceneiros -violeiros. E todos eles primavam por fazer instrumentos de boa sonoridade, quer violas, guitarras ou bandolins, pois os outros, normalmente eram importados.
Lembro aqui, alguns artistas além de outros, cujos nomes não registei: mestre Augusto Bemfeito, nas Ribeiras; o mestre Manuel José da Terceira e depois o José Joaquim Verónica e por último o Ramiro Brum Ávila, na Ribeira do Meio. Na Terra do Pão havia um grande artista, o Saca. Na realidade quase todas as freguesias tinham artistas de instrumentos de corda. Instrumentos tradicionais mas com características próprias em cada Ilha, pois se até havia a viola de “dois corações”!...
A extinta Junta Geral do antigo Distrito Autónomo da Horta, para perseverar o folclore das ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo criou uma Comissão de Recolha e Divulgação do Folclore do Distrito da Horta. Foi a essa Comissão que incumbiu a edição do trabalho de recolha dos “Bailhos, Rodas e Cantorias – Subsídios para o registo do folclore das ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo”, da autoria do professor Júlio de Andrade que produziu um excelente trabalho. Segundo o Dr. José da Silva Peixoto, em artigo publicado no extinto “Correio da Horta”, a 30 de Janeiro de 1996, aquando da comemoração do centenário de Júlio Andrade, o livro deve ter sido editado em 1948. Referindo-se à Folga, escreve o Autor a páginas 13: De ilha para ilha, e até mesmo entre freguesias da mesma ilha, os costumes do nosso povo, e neste caso os bailhos e as danças, por vezes são tão diferentes que, embora já notados por outros autores, mas apenas dando a letra ou a música, não resisti à tentação de estudar e pôr em livro o resultado de tal trabalho.
A chamarrita é o bailho mais tradicional e que, na verdade, animava as festas tradicionais. Faziam-se convites aos tocadores e cantadores, para que o brilho da dança não ficasse diminuído. O mandador dava início ao bailho, cantando normalmente: Chega pares, chega pares / chega pares ao terreiro / Chega raparigas novas / e rapazes solteiros. E quando algum cantador vinha atrasado botava logo esta cantiga ou outra semelhante: Ainda agora aqui cheguei / Mais cedo não pude vir / estive embalando os rapazes / que ficaram a dormir. E o baile continuava até que o mandador desse o sinal – olé! – para terminar.
Mas o bom cantador era normalmente um apreciado improvisador.
Consta que a chamarrita do Pico vai ser considerada Património Mundial. Folgo que isso aconteça pois será a maneira mais segura de salvaguardar um dos mais característicos elementos do folclore açoriano.
Pena é que não haja quem faça reviver os antigos bailhos de roda, de uma grande riqueza coreográfica e aos quais era tão agradável assistir.

Lajes do Pico,
2 de Outubro de 2015.

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

P´RA ESCOLA !

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há quantos anos não ouço esta cantilena! E era algo agradável, quando os alunos da escola que nos ficava em frente, numa “gritaria” ensurdecedora, chamavam os colegas para a aula, pois o recreio, passado no pátio em frente, havia terminado. Outros tempos. Quase um século é passado.
Era no tempo em que os professores eram poucos, quase todas as escolas, principalmente as que funcionavam nas localidades fora das sedes de concelho, eram mista ou comuns aos dois sexos. E poucos eram os alunos que as frequentavam.
Nas localidades sem escola havia quase sempre alguém que ensinava as primeiras letras, principalmente em escolas nocturnas aos jovens que desejavam emigrar, normalmente para os Estados Unidos. Lá ninguém entrava que fosse analfabeto. E eram esses “mestres–escola” que, pacientemente, ensinavam o a b c, utilizando a velha cartilha de João de Deus. Cartilha Maternal se intitulava, em duas partes. Na primeira aprendia-se o alfabeto e, em lições diversas, as vogais e as consoantes, separadamente. A Mestra sabia de cor e salteado a Cartilha e obrigava os alunos a ler correctamente as lições. Quando algum falhava recebia o castigo: uma, duas ou três palmatoadas com “palmatória” de osso de baleia - a “Maria dos cinco olhos” lhe chamavam, porque tinha cinco furos.
A segunda parte, para os alunos mais adiantados, era constituída por pequenos contos, ou histórias, que os alunos decoravam, por vezes gostosamente.
No final, uma série de quadras, narra a miséria em que vivia a ceguinha e o filho: Era já noite cerrada / Diz o filho – “Oh minha mãe, / Debaixo daquela arcada / Passava-se a noite bem!” E no final: “Então ceguinha e filhinho, / Vendo a sua esperança vã, / Deitaram-se no caminho/ Até romper a manhã.”
Recordo, respeitosamente e com alguma saudade, a minha Mestra que pacientemente me ensinou a cartilha de João de Deus, e a outros da mesma idade que a minha, e a decorar a tabuada, fazendo as quatro operações da Aritmética: somar e diminuir, multiplicar e dividir.
Quando chegávamos à escola já conhecíamos o alfabeto e algumas coisas mais.
Nas localidades onde não existiam escolas oficiais eram os Mestres-escola, conhecidos por “professores” que ensinavam a ler e escrever, principalmente aos moços que desejavam partir para a América. Conheci os mestres - escolas das Terras e de São João pessoas respeitáveis e estimadas das populações.
E, a propósito de emigração, um facto curioso: Após a grande guerra de 1939-45, a Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, navegava para os Estados Unidos, podendo transportar, além de carga diversa, doze passageiros. Próximo do Natal um indivíduo açoriano desejou ir passar a Festa com a família imigrada naquele País. E lá foi num dos Carregadores. Quando chegou a New York o barco foi visitado pelo Agente. O Comandante, algo preocupado, informou-o que levava um passageiro analfabeto, o que não deixou de incomodar também o Agente. Mas este teve uma ideia luminosa: Pediu ao Comandante uma Bíblia e disse ao passageiro: -Quando o Oficial de Imigração chegar a bordo e te mandar ler, abres a Bíblia e rezas muito pausadamente o Pai Nosso. E assim aconteceu. O funcionário americano, ao ouvir o primeiro versículo, exclama:-OK! e mandou desembarcar o velho passageiro.
O próprio agente narrou, passado algum tempo, o episódio em crónica publicada no jornal micaelense “A ILHA”. Lia a saborosa crónica e fixei com gosto o “milagroso” acontecimento.
Hoje é tudo diferente. Até o tempo em que as aulas dos diversos estabelecimentos escolares iniciam a sua actividade. Setembro deixou de ser um dos meses de férias. Actualmente, as aulas principiam quando o verão ainda vai decorrendo e muitos aproveitam as baías para os banhos refrescantes. Nem tempo dão aos filhos dos vinhateiros para provar o mosto das uvas colhidas durante o mês.
Outubro deixou de ser o tradicional mês de abertura das aulas. Bem? Mal? – Pouco importa.



Lajes do Pico,
Setembro de 2015

Ermelindo Ávila

Ermelindo Ávila agradecendo:


Quiseram os meus filhos, netos e bisnetos assinalar, de maneira especial, a passagem do meu aniversário natalício.
A eles se associaram as autoridades regionais e municipais e outras entidades oficiais, com destaque para a “Filarmónica Liberdade Lajense”, além da Imprensa, particularmente “O Dever”, o “Diário dos Açores”, o “Correio dos Açores”, “O Jornal do Pico”, o “Ilha Maior”, o “Tribuna das Ilhas”, a RTP-Açores e tantos outros amigos, alguns - não poucos - com gentis lembranças, e não só, que me é totalmente impossível a todos dizer directamente o quanto agradecido e reconhecido lhes estou.
Lembro respeitosamente os Revmos. Sacerdotes que concelebraram na Eucaristia de Acção de Graças, Revmo. Ouvidor Marco Martinho, e Revmos. P. João Neves, P. Francisco Rodrigues e Frei Luís de Oliveira, que pronunciou a homília.
Sirvo-me, pois, abusivamente embora, deste meio de comunicação, e disso peço me desculpem, para a todos e a cada um em particular deixar aqui o meu reconhecimento, a minha gratidão e o meu respeitoso obrigado por tantas provas de consideração e de amizade que sempre recordarei com respeitosa estima durante os meses ou anos que o Senhor me reservar.
Deus lhes pague tantas e tamanhas gentilezas.
Lajes do Pico, 23 de Setembro de 2015

Ermelindo Ávila                       

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Turismo, próspera indústria da actualidade

A  minha nota

Quem viveu o século vinte assistiu, após a segunda guerra mundial, a uma evolução industrial notável, principalmente no sector turístico, indústria até então quase desconhecida.
Na vila das Lajes existia somente a Pensão da Maria José e era nela que se hospedavam os caixeiros viajantes que anualmente visitavam as diversas ilhas dos Açores, o cocheiro, condutor do carro da mala do correio entre a Madalena e Lajes e, anualmente, a Junta de Recrutamento Militar e pouco mais.
Idênticas situações existiam nas outras vilas picoenses e até nos Açores. Na Madalena mais tarde apareceu a do Estevão e, no Cais do Pico, a Gomes, e depois a do Garcia, em edifício próprio. Nesta os magistrados que eram colocados na comarca, cuja sede era no Cais do Pico, não se hospedavam porque o proprietário era funcionário judicial…
No princípio do século, foi fundada em Ponta Delgada, a sociedade Terra Nostra que assumiu a construção do Hotel das Furnas e a Pensão Terra Nostra na cidade.
Em Angra existia, salvo erro, a Pensão Lisboa, junto ao Cais da Alfandega e a Pensão Lourenço, em frente ao Jardim Público.
Na Horta, havia o Hotel Fayal que após legislação especial passou a denominar-se Pensão Continental – Antigo Faial Hotel.
A meados do século XX foi criada a Comissão Regional de Planeamento constituída por diversos grupos de trabalho. E lá surgiu o grupo de Trabalho de Turismo, do qual faziam parte e “pontificavam” os vogais das Comissões Distritais de Turismo. Uma maneira hábil de fazer vingar os seus projectos. 
Foi construído, na Horta, o Hotel Faial com a ajuda do Governo, embora, para o efeito, se fundasse uma sociedade por quotas ou semelhante. 
Na ilha do Pico o próprio governo veio a construir o Hotel Caravelas, na Vila da Madalena e por aí ficou.
Presentemente, o Pico possui alguns estabelecimentos hoteleiros embora não aqueles que necessita e que há muito vem reclamando.
Temos o hotel “Aldeia da  Fonte”, mas distante do  centro da Vila. 
Nas Lajes existe o Hotel do armador de whale-watching, Serge Viallele, mas praticamente destinado aos visitantes das baleias e o Alojamento Bela Vista, pertencente ao armador Camilo Simões 
Pela Ilha vai surgindo com alguma intensidade o agora denominado Turismo rural que está a ser bastante aproveitado pelo turismo estrangeiro. No verão vale aos jovens, principalmente em grupos, que aqui aparecem, o Parque de Campismo que presta óptimos serviços. Igualmente de assinalar a Pousada da Juventude instalada, acertadamente, no antigo convento franciscano, no Cais do Pico. Mas tudo isso não basta. 
Importa cultivar um turismo de qualidade, chamo-lhe assim, e para isso construir edifícios próprios para hotéis nas localidades centrais. Sem os hotéis centrados nas vilas picoenses o turismo não vingará nem será indústria do futuro.
Lajes do Pico, 8-9-2015
Ermelindo Ávila


CAPELAS E ERMIDAS

NOTA DO MEU CANTINHO



A Ilha do Pico tem diversas capelas dedicadas aos mais diversos santos da devoção dos seus habitantes. E vem de longe essa devoção.
A primeira que ainda existe e foi a Paroquial dedicada a São Pedro, talvez porque esse era o nome do capelão que acompanhou os povoadores, Frei Pedro Alvarez Gigante, ainda se conserva e hoje é considerada imóvel de interesse nacional. (Falta-lhe, porém, a placa indicativa).
Frei Diogo das Chagas, o mais antigo historiador açoriano, embora a sua obra se tivesse conservado quase inédita até 1989, regista no “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, escrito por volta de 1646, indica, que a ilha do Pico possuía já treze freguesias das quais quatro eram curatos: “Santa Luzia, Boa Nova nas Bandeiras, Nossa Senhora da Candelária e São João em que administra um dos dois Curas que havia nas Lagens.”
No Relatório de 1867, o governador civil Santa Rita, refere as ermidas com confrarias: Imaculada Conceição, no Cabo Branco; Santa Ana, no lugar do Pesqueiro; Benditas Almas, no lugar dos Toledos.
Nas Bandeiras, também havia três ermidas: Nossa Senhora do Desterro, no Cais do Mourato; Nossa Senhora dos Milagres, no Cachorro; e S. Caetano, no Cabeço Chão. Na Criação Velha, uma dedicada a N.ª Senhora do Rosário, ”que dá nome ao sítio onde está edificada”.
Na Candelária, havia duas ermidas: uma dedicada a Nª Senhora da Conceição, no porto e outra à Senhora da Boa Nova, no porto do Guindaste.
A paróquia de S. Mateus possuía três ermidas: Nª Senhora da Conceição, junto ao porto; de S. Jerónimo, ao pé do porto, e S. Caetano, no porto da Prainha do Galeão.
Nas Lajes havia a igreja da Misericórdia, já caída, a de S. Pedro e a dos Remédios, já bastante deteriorada, como refere o relatório.
Na Silveira, a de S. Bartolomeu; a de S. Sebastião, na Ribeira do Meio e a de Santa Catarina. Não faz referência à igreja ou ermida de Nª Senhora da Conceição por estar anexa ao convento franciscano, onde já funcionavam as repartições públicas.
Em São João exista, e recentemente foi completamente restaurada, a ermida de Santo António, que serviu de paroquial após as erupções vulcânicas de 1720. Havia uma outra ermida por fora da qual foi construída a actual igreja paroquial, começada em 1829.
Nas Ribeiras havia as ermidas do Bom Jesus, actual igreja paroquial de S.ta Cruz e a de Nossa Senhora do Socorro, em S.ta Bárbara.
Na Calheta não existia qualquer ermida, enquanto na Piedade havia três: a de S. Tomé, na Manhenha, de Santo Antão, na Ribeirinha, hoje igreja paroquial, e a da Conceição da Rocha, no sítio do Calhau.
S. Roque possuía duas ermidas: S. Miguel Arcanjo e Nossa Senhora das Dores. Além da paroquial tinha a igreja de São Pedro de Alcântara, anexa ao extinto convento franciscano. Existia a ermida da Misericórdia em completa ruína e que há muito desapareceu.
Em Santo Amaro não existiam ermidas. A Prainha tinha três ermidas: A da Senhora das Dores, na Areia do Mouro, a da Prainha de Cima e a de S. Pedro no lugar de S. Pedro.
Em Santo António a ermida de Santa Ana, situada no lugar do mesmo nome; a de S. Domingos, no lugar das Almas; a de S. Vicente, situada no Ginjal; a da Madre de Deus, erguida no Areal.
Em Santa Luzia registou a ermida da Senhora da Pureza, no sítio do Lajido e a de São Mateus, no sítio do Cabrito.
Uma parte das ermidas situava-se em lugares de veraneio, tinha património próprio e como protectores certos titulares da antiga nobreza.
Algumas das ermidas desapareceram e outras foram construídas como é o caso da ermida da Almagreira, dedicada à Rainha S.ta Isabel; a do Coração de Maria, edificada no lugar das Terras; a Nª. Senhora de Fátima nas Pontas Negras; a de S. João, na Ribeira Grande; a de S.to António, nos Fetais da Piedade; a de Nª Senhora da Boa Viagem no caminho de Baixo; nas Ribeiras, e uma outra com a mesma invocação no Caminho de Baixo das Ribeiras. A de São João Paulo II, da Engrade, do Cais do Galego, na Piedade, e de S. Pedro, na Baixa, na Ribeirinha.
No sitio da Mirateca foi há anos construída uma Capela dedicada a S. Nuno Alvares Pereira; e, em S. Mateus foi também construída uma ermida, no lugar das Relvas, dedicada a Nª Senhora da Alegria.

Lajes do Pico,
25 de Agosto de 2015

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

REGATAS BALEEIRAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há muito que a baleação terminou. A recordá-la ficaram o Museu dos Baleeiros e as artísticas e elegantes canoas que um antigo calafate lajense idealizou e construiu. Bastante jovem tinha a vontade forte de construir uma canoa bem melhor do que aquelas que vinham importando dos Estados Unidos e que mais não eram do que pequenas embarcações que navegavam a bordo dos antigos barcos baleeiros. (Isto já foi escrito e reescrito mas importa recordar, para conhecimento daqueles que teimam ignorá-lo). E recordo que estive a bordo da última baleeira que restava da numerosa frota, em Mistic Port, nos Estados Unidos da América, são decorridos mais de trinta anos.
Com as antigas canoas baleeiras importadas da América do Norte, nunca se fizeram regatas nos mares dos Açores. Tinham de ser reservadas para a caça a baleia, a que eram destinadas. No entanto, com a visita régia aos Açores, em 1904, realizou-se na baía da Horta a primeira de que reza a História. Venceram as canoas das Lajes que já então eram, na quase totalidade, construídas pelo calafate lajense, Francisco José Machado – o Experiente. E tão bem se houveram os baleeiros lajenses nos seus excelentes botes que o Rei Dom Carlos ofereceu um bote baleeiro às armações do porto das Lajes. Note-se que tudo isto aconteceu há mais de um século.
A caça à baleia acabou. As canoas baleeiras foram adquiridas pelo Governo Regional para compensar os sócios das armações dos prejuízos sofridos, e distribuídas pelo portos açorianos. O porto das Lajes ficou deveras prejudicado com a saída de algumas canoas, não digo as melhores porque a diferença entre essas esbeltas embarcações era quase nula.
Agora são utilizadas nas regatas promovidas durante o verão e fazendo parte dos programas das principais festas. E por lá andam as canoas lajenses que, no decorrer da baleação, enquanto ela foi praticada, fizeram história.
Trazem os nomes primitivos com que foram registadas nos Serviços Marítimos e baptizadas, pois era normal qualquer canoa, após a construção e antes de entrar em actividade, ser benzida ou, como se dizia, baptizada pelo pároco que tinha jurisdição eclesiástica no porto de baleação. E até os nomes ou denominações têm uma origem particular. Normalmente, as canoas tomavam o nome de uma criança, filha ou parente do gerente da armação proprietária, ou de algum santo da devoção de qualquer armador. A canoa que está exposta no Museu dos Baleeiros, porque foi construída para a armação de Joaquim José Machado, Lda. quando a jovem Santa de Lisieux passou a ser uma das de maior devoção dos lajenses. E ainda existem a “Maria Armanda”, a “Celina, a ”Ester” e outras mais.
Em 1897, estavam registadas nos Serviços Marítimos dezasseis canoas pertencentes ao porto das Lajes do Pico. Era a “Aurora”, a “Amélia”, mas também o “Santo Cristo”, o “Espírito Santo” ou a “Águia” e o “Capricho”... A Ilha do Pico possuía naquela ano, além das Lajes, quatro canoas em São Roque, quatro nas Ribeiras, e 3 na Calheta de Nesquim. A fugir um pouco à tradição, chamavam-se “Pátria”, “Democrata” e “Calhetense”. E eram todas construídas seguindo o modelo criado pelo Mestre Francisco José o “Experiente”. Algumas canoas foram desaparecendo com o “envelhecimento”, outras vendidas para portos de outras ilhas e algumas ficaram.
Hoje as canoas baleeiras, de estilo único, elegante, “airosas” como dizem, umas melhores para andar de vela, outras a remos, andam por aí, como já referi, a alegrar as festas em cujos programas se inclui uma regata. Seja na Semana do Mar, seja até na Festa do Bom Jesus.
As canoas lajenses, ou picoenses, criaram fama e ficaram na história marítima Foram até aos Estados Unidos onde, aliás, nasceu a baleação, para ficarem no espólio dos Museus Baleeiros daquele país. E é ainda um calafate picoense que as constrói cá, ou vai construi-las a New Bedford, como é o caso do Mestre João Tavares que agora se dedica à construção dessa invejável rainha dos mares.
É acontecimento que a História regista: a emigração dos quarenta casais de picoenses que, após a crise sísmica de 1718 e 1720, emigraram para Santa Catarina, no Brasil. Eles por lá ficaram e os seus descendentes, que hoje ocupam as mais distintas posições culturais e sociais, têm muito orgulho das suas raízes e mantém respeitosamente a tradição dos hábitos, das festas tradicionais, e dos costumes dos seus antepassados. Lá celebram com todo o esplendor as Festas do Espírito Santo e outras mais e, nos portos, conservam os barcos e batéis no estilo dos botes baleeiros introduzidos por seus avoengos. Até nas pinturas dos cascos e das cintas...
Será maldosa e cretina ideia querer agora, que a faina baleeira terminou, chamar a outros lugares a autoria da criação de um tipo de canoa, que não passou de uma iniciativa falhada. A canoa baleeira criada e construída nas Lajes do Pico por Francisco José Machado, foi e é única e a mais bela embarcação do mundo, repito, uma vez mais!

Vila Baleeira dos Açores.
Agosto de 2015

Ermelindo Ávila