quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Turismo Rural

Notas do meu cantinho

Há dias ofereceram-me um passeio pela ponta Leste da Ilha. Estive em três ou quatro freguesias e admirei o surto de desenvolvimento urbano que me foi dado apreciar ao longo do percurso. Sobretudo causou-me surpresa agradável alguns dos prédios recentemente edificados, com a particularidade de serem construídos em pedra lavrada, sem quaisquer vestígios de cimento ou cal. Uma autêntica maravilha, a fazer recordar os prédios antigos, onde a cal e muito menos o cimento entravam, mas apenas o barro da terra a segurar as taliscas
Uma das proprietárias informou-me que tinha vinte e oito camas à disposição dos visitantes e que naquele momento estavam quase todas ocupadas. Mas outros prédios, ao redor desta ilha, foram preparados para o chamado turismo Rural, uma nova modalidade que está a ser posta à disposição, principalmente do turista europeu. Disso dá testemunho o número das viagens que, durante o verão, se fizeram da Holanda para o Pico e que, sem explicação, a dar crédito à comunicação social, deixou de viajar para esta ilha, ficando somente pelas de S. Miguel e Terceira. Mas essa atitude inesperada da TUI não põe fim aos que viajam da Europa e da América para a Ilha Montanha. Há qualquer coisa de agradável que os atrai, sem grandes propagandas, a não ser aquela que transmite para o exterior a Internet.
Certo é que, não raro, quando passamos pelas estradas picoenses, do litoral ou mesmo do interior, frequentemente nos cruzamos, normalmente com casais estranhos à ilha. E examinando os mapa da ilha de que são portadores, atravessam não somente as estradas, como os caminhos vicinais e até as canadas e os trilhos, admirando as árvores, as paisagens e os panoramas, e gozando, ao que bem se julga, o clima ameno que envolve a ilha.
É interessante esta nova modalidade do turismo rural, que se está a desenvolver em todas as freguesias da ilha, mas principalmente naquelas em que a emigração deixou muitas casas desabitadas e que agora estão a ser louvavelmente aproveitadas.
O Pico, porém, não pode limitar-se unicamente ao TURISMO RURAL, pois o seu rendimento pouco mais vai além dos alugueres das camas e de uma ou outra refeição tomada nos pequenos restaurantes que todas, ou quase todas a freguesias já possuem. É interessante ver por aí, num deambular pacífico, os simpáticos turistas, mas importa retirar dessa nova actividade industrial maiores rendimentos, que beneficiem os jovens com empregos estáveis e, consequentemente, promotores de progresso e e desenvolvimento da própria economia.
É tempo de se pensar a sério na indústria hoteleira, pois não bastam os estabelecimentos de categoria diversa, que existem.
A Vila das Lajes do Pico necessita, sem demora, de estabelecimentos hoteleiros que promovam o turismo “clássico”, que possa responder às exigências de visitantes titulares de poder económico, e muitos são.
Temos restaurantes de boa categoria, mas não existem ainda, na vila e seu centro histórico, estabelecimentos que possam receber os turistas com as comunidades que alguns exigem e, para os satisfazer, necessita-se de, pelo menos, um estabelecimento hoteleiro de três ou quatro estrelas.
Vai ficar vago o edifício da Escola Secundária, com a transferência daquele serviço para as novas instalações dos Biscoitos -extra-muros, digamos.
Não será tempo de se pensar na utilização daquele grande imóvel?
Porque não utilizá-lo para um estabelecimento hoteleiro condigno? Espaço não falta. Nele podia ser instalada, ao menos, uma POUSADA DA JUVENTUDE…
Fica o alvitre.
Engrade, 12-09-2016

Ermelindo Ávila

A grande lição

Notas do meu cantinho


         Procurei, no último domingo, estar bastante calmo e aguardar o desfecho da grande “contenda”, sem sobressaltos.
Gosto de futebol. É o único desporto que me provoca certo entusiasmo, mas procuro assistir às competições que a TV nos “oferece” sem preocupações de espécie alguma. A minha idade já bastante avançada e a caminhar para o ocaso, não aconselha e nem permite grandes entusiasmos. E domingo, dispus-me a não ser diferente.
         Nunca pratiquei qualquer desporto embora saiba apreciar alguns. Nem na minha infância. Quando foi organizado o Clube Desportivo Lajense, uma instituição lajense a caminhar para o século, - criado por alvará de 28 de Abril de 1924, 92 anos são decorridos - limitava-me a ir de fugida ao “juncal” ajudar a carrear material, com outros miúdos, para a terraplanagem do futuro campo. Mas isso passou, pois outras andanças percorri...
         Nem mesmo quando andei ausente da terra-mater, por razão de estudos... Jogava o Lusitânia, o Sport Angrense, o Marítimo, entre si ou com os grupos que passavam, vindos de S. Miguel ou Madeira, mas muita vezes nem sabia o resultado, pois ver os jogos era pecado de bradar aos céus. Mas isso fica para trás, entregue ao esquecimento...
         Domingo, Portugal viveu um grande dia de futebol. A vitória da selecção nacional portuguesa empolgou toda a Nação, desde os mais altos dirigentes, e os milhares e milhares de portuguesas da Diáspora. O Mundo inteiro que acompanhava o desenrolar do Campeonato Europeu vibrou, como jamais se viu.  As bandeiras de Portugal flutuavam, em progressão, por toda a parte. As estações da Rádio e da TV transmitiam o Hino Nacional, que todos os portugueses, sem qualquer distinção – social ou política – acompanhavam com vibrante entusiasmo. Uma festa! Uma grande festa, como há muito não se via em Portugal! Aquele golo de Éder jamais será esquecido!
         O entusiasmo delirante, mas comedido, dos portugueses foi uma autêntica lição, que não pode nem deve ser esquecida. Portugal esteve unido, aos milhares, por toda a parte. Os verde-vermelho da Bandeira das Quinas, os cachecóis, os galhardetes, flutuavam, ordeiramente, em manifestação festiva. E não havia uma voz discordante: Só se ouvia PORTUGAL! Era lindo. Uma lição magnífica para toda a gente de todas as idades. Uma lição ímpar, como há muito não se via em Portugal, repito.
         Nada parecido com as manifestações arruaceiras que, de dias-a-dias, saem às ruas das cidades portuguesas, gritando “slogans” há muito “estafados” e que, por vezes, causam pejo e vergonha...
         É preciso que os portugueses não esqueçam a lição, grande lição de Domingo, que principiou ao anoitecer de domingo em Paris e continuou vinte e quatro horas depois, em terras de Santa Maria: PORTUGAL! PORTGAL! PORTUGAL!


LAJES DO PICO,
14-8-2016.

Ermelindo Ávila

Memórias da baleação

NOTAS DO MEU CANTINHO

Estão quase desaparecidos os velhos e audaciosos baleeiros que outrora tanto prestigiaram e engrandeceram esta terra. Eles andaram por toda a parte onde se estabeleceu a indústria da baleação, e agora estão esquecidos. Recordo alguns, pois de todos não é possível lembrar seus nomes: Francisco Alves, (Pé-Leve), e António Joaquim Madruga, no Cais do Pico; José Silveira Machado (Gatinho), em São Mateus do Pico; José Martiniano (Caramujo), em Santa Cruz das Flores; Manuel Carvão, na Graciosa e depois na Madeira; Manuel Moniz Barreto, na Bretanha, S. Miguel, e outros estiveram na Terceira e Santa Maria. Até em Setúbal esteve o Manuel Machadinho e o António Flores.
Restam o Museu dos Baleeiros, aqui e noutras terras, onde se praticou a actividade e algumas das elegantes baleeiras que um dia o Mestre Experiente criou, sem esquecer as regatas das antigas canoas baleeiras que vão fazendo parte dos programas das semanas festivas de diversas localidades.
Esquece-se, porém, o que representou a actividade baleeira em algumas das Ilhas e o seu importante contributo para a economia do arquipélago. Como não pode deixar de ter-se em consideração a actividade da observação de baleias - o Whale Watching -, muito embora se não a tenha em consideração, como devia, os graves prejuízos que causa às costas e aos bancos ou “marcas” de pesca local, onde esses cetáceos se vêm alimentar e absorvem toneladas de chicharros, cavalas, bonitos e outras espécies. E são os pescadores e os consumidores que estão a sofrer a falta de pexe de consumo, que se vem notando. Um alimento indispensável à subsistência dos povos e que hoje mal aparece, depois do seu comércio estar controlado por um organismo que fica à distância.
É só lembrar que o peixe pescado no porto das Lajes tem de ir à Lota, e para voltar ao posto de vendas das Lajes percorre a mínima distância de setenta quilómetros…Além disso, o pescado atingiu, com todas essas voltas, preços exorbitantes, impossíveis de serem suportados por muitas bolsas
.É tempo de serem reconsideradas todas as medidas tomadas anteriormente e, são causa permanente de todos esses atropelos prejudiciais às economias da maioria das famílias açorianas.
Deixo o momentoso problema à esclarecida consideração das entidades competentes.
A maioria do espólio baleeiro, principalmente as canoas, foram distribuídas pelos clubes navais e até por algumas juntas de Freguesia da Região, depois de adquirido pelo. Governo Regional.
Andam por aí as belas embarcações em competições desportivas, integradas nas festividades principais de cidades, vilas e freguesias.
Realmente faz gosto vê-las, em números por vezes elevados, a competir umas com as outras a ver quem chega primeiro à meta.
A febre já chegou a New Bedford, nos Estados Unidos, outrora o principal centro baleeiro do mundo, donde os picoenses trouxeram a indústria que, durante mais de um século, disse-se e repete-se, tanto valorizou a nossa economia e onde se realizam as regatas com as notáveis canoas, algumas delas recentemente construídas.
Engrade, 9 de Setembro de 2016

Ermelindo Ávila

AS FÉRIAS

NOTAS DO MEU CANTINHO

                               
         Está a chegar o mês de Agosto, anualmente dedicada a férias escolares ou profissionais. E porque de férias é o tempo normalmente destinado, durante o ano, para visitar a terra-mater, os familiares e os amigos, ou simples conhecidos. Afinal, um tempo especial, que muitos desejam aproveitar, mas que nem sempre têm possibilidades materiais para o fazer. E é pena, pois a visita à terra é sempre agradável, retemperante e  reconfortante.
         Os estudantes vão chegando de visita às famílias. Vêm de algumas ilhas dos Açores e do continente, onde frequentam as diversas faculdades e escolas superiores: Coimbra, Lisboa, Porto, Ponta Delgada, e outras mais.
          Antigamente, falar em Universidade era lembrar Coimbra dos fadistas. Actualmente, as escolas superiores estão instaladas em várias cidades onde se ministram os mais variados cursos, que não apenas medicina, direito, letras, engenharia, como há dezenas de anos.
          Os estudantes andam por aí. Vão à “praia” ou a uma pequena baía tomar banhos de mar e de sol, onde passam uma boa parte do dia. À noite frequentam as esplanadas dos restaurantes, que se abrem no verão para acolher os visitantes, ou frequentam algum festival musical que, aqui ou ali, por vezes aparece. E bem poucos se interessam pelos problemas locais. Trazem no pensamento, a colega escolhida, a profissão que pretendem exercer, a terra onde, feito o curso, desejam fixar-se. A terra-mater não interessa, pois não lhe pode oferecer uma colocação estável.
           Normalmente, quando casam, deixam de visitar a terra natal, pois há outros interesses a defender...
           Não levo a mal que a juventude de hoje, por uma razão forte da vida actual, assim pense e assim prepare o seu futuro. Mas lamento que estas ilhas, as chamadas “secundárias”, porque não têm serviços regionais dirigentes, estejam a ser “paulatinamente” abandonadas pelas respectivas populações que procuram, nos meios urbanos desenvolvidos, estabilidade social e profissional.
           Quando se criou a Região Autónoma, o projecto de Estatuto então discutido, indicava cada ilha como um todo administrativo, com organismo dirigente próprio, existindo uma entidade superior que permanecia em cada ilha durante algum tempo a presidir a esse organismo. Uma reedição do antigo juiz de fora. Julgo que seria assim. No entanto, outros pensaram diferente e a chamada maioria encontrou uma forma de manter a hegemonia política que vinha dos antigos distritos administrativos e, depois, autónomos... O resultado está à vista: o despovoamento e o atrofiamento de algumas das ilhas que só servirão para visitar na estação calmosa, está bem presente...
            Andam já por aí alguns dos estudantes picoenses, e muitos são, pois o seu número aumenta, enquanto a população diminui. Um paradoxo autêntico que  mal se sabe explicar, mas que não deixa de ser uma realidade, atestada com as dezenas, ou já centenas de casas desabitadas por essa ilha além.
            Mas não apenas os estudantes. Outros mais, jovens ou já trintões, deixam a terra para se fixarem em outros meios mais movimentados ou evoluídos, onde o andar pelas ruas pejadas de gentes, locais ou estranhas, já é uma festa... 
             O mês de Agosto, apesar da alegria dos encontros que nos proporciona, é um mês de reflexão... Devia sê-lo pelo menos. E isso pertence mais às entidades oficiais a quem incumbe encontrar o bem-estar, a prosperidade económica, o progresso e o desenvolvimento harmónico das terras que administram. Uma missão altruísta, mas por vezes bem difícil de alcançar...
             Já várias vezes abordei em escritos passados, este mesmo tema. Não faz mal repeti-lo. Água mole...

Lajes do Pico,
Julho de 2016,

Ermelindo Ávila

DOM ARQUIMÍNIO

NOTAS DO MEU CANTINHO

     

         Bem amarga foi a notícia que recebi, do falecimento do notável Bispo Dom Arquimínio Rodrigues da Costa, Prelado Emérito de Macau, e distinto picoense.
         Afinal, com o seu falecimento, fecha-se o ciclo honroso dos Bispos Picoenses que estiveram à frente da Diocese do antigo Padroado Português do Oriente, como era conhecido.
         Os católicos macaenses jamais o poderão esquecer, pois foi notável a sua acção missionária desenvolvida na antiga Cidade do Santo Nome de Deus.
          Como aluno do Seminário, desde 8 de Dezembro de 1938, revelou-se sempre estudante, sacerdote, professor e Bispo de invulgares qualidades e excepcionais dotes intelectuais. Escrevi um dia o que um seu antigo professor, Mons. Teixeira me disse no distante de 1992, e repito: ”o melhor aluno do seu curso!” Era Licenciado em Direito Canónico pela Universidade Gregoriana de Roma.
         Dom Arquimínio saiu de Macau, para dar lugar a um Bispo chinês que, ao assumir funções, quase se “apossou” do governo da Diocese. Mas voltou algumas vezes ao Oriente para tomar parte nas Conferencias Episcopais a que pertencera e a convite dos respectivos Bispos que lhe ofereciam as passagens, se bem sei. Os colegas do Episcopado não dispensavam a sua presença e a sua extraordinária competência.
         O Governo Português, ciente do Seu valor e da Obra realizada, em diversos domínios, agraciou Dom Arquimínio, com o grau de Grande Oficial da Ordem de Benemerência, em 1984, e com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, em 1988.
Em 13 de Setembro de 1986, a Universidade da Ásia Oriental de Macau concedeu-lhe o título de Doutor “Honoris Causa” em Filosofia.
Recolheu-se no Pico, em casa de familiares, mas estava sempre disponível para prestar qualquer serviço, mesmo que fosse de simples padre, como aconteceu durante muito tempo no curato de Santa Margarida, na freguesia vizinha de São Caetano, onde Dom Arquimínio se deslocava todas as semanas para celebrar a Missa Dominical e, antes, ensaiar a respectiva capela que executava os cantos litúrgicos. Na própria freguesia de São Mateus, sua paróquia, substituía o organista durante os actos litúrgicos, numa disponibilidade impressionante.
Mas não só. Sempre que o Prelado Diocesano estava impedido de ir a qualquer Paróquia delegava em D. Arquimínio as respectivas funções, que ele jamais recusava. E foi assim que foi o Bispo Sagrante da Matriz da Santíssima Trindade das Lajes e, em várias paróquias, ministrou o Sacramento do Crisma. Mas uma particularidade há a registar: a sua presença nas festas principais das paróquias picoenses, onde presidia às Concelebrações e, várias vezes, tinha a missão da Proclamação da Palavra. Entretanto, um dia recolheu-se a casa. A doença atingiu-o dolorosamente e manteve-o no leite alguns anos, sofrendo sem nunca o revelar. Era um santo, na prática e no exemplo de fé que nos legou.
         Dom Arquimínio, além das elevadas Funções Prelatícias, era um intelectual, orador, escritor e poeta. Não publicou livros mas o que nos deixou e a Imprensa arquivou revela, na realidade, a Sua invulgar inteligência e cultura.
         A quase totalidade do que escreveu – pastorais e outros escritos – foi recolhida, felizmente, pelo Pe. Tomás Bettencourt, no volume “Textos de D. Arquimínio Rodrigues da Costa. Bispo de Macau” devendo salientar-se um notável trabalho, arquivado no mesmo volume e que havia sido publicado no jornal “O Dever”: - “Questões Actuais -75 perguntas e 75 respostas” que principia por  “A religião diminui nas pessoas a capacidade de lutar pelos seus direitos?”
Ao Cardeal Dom José da Costa Nunes, seu antigo Bispo, dedicou alguns sonetos. Só este a revelar o estro poético do já saudoso Dom Arquimínio:
     Pérola do Oriente! Doce estância! / Como passaram céleres os dias/
     Em que a meus olhos, meiga, tu sorrias / Revestida de luz e fulgurância
    
   Parti... Mas a beleza que irradias, / Venceu dos horizontes a distância:
     Seguiu-me tua mágica fragância / E, ao longe, tu presente em mim vivias

E agora, que de novo te contemplo, / A meus olhos refulges como um templo/
Onde, ajoelhada, reza e canta a História...

Transponho teus umbrais e fico ouvindo/ O passado ao presente repetindo /
O hino triunfal da tua glória...
      (Macau, Dezembro de 1964) (1)

       Com o desaparecimento de Dom Arquimínio Rodrigues da Costa, aos noventa e dois anos – sessenta e seis de sacerdócio, e destes quarenta como Bispo – a Igreja sofre um rude golpe e a sua terra natal fica mais empobrecida de valores.
         Nestas singelas palavras, escritas com muito respeito e admiração indizível, presto humilde homenagem a um dos grandes Senhores da Igreja e da Pátria Portuguesa.

21 de Setº  de 2016
Ermelindo Ávila.
__________

1) Textos de D. Arquimínio Rodrigues da Costa , 1999, Coordenação de Pe. Tomás Bettencourt Cardoso, pág. 464.