terça-feira, 25 de março de 2008

DOUTORA NORBERTA AMORIM

A Doutora Norberta Amorim, é uma das figuras literárias e científicas mais distintas e brilhantes, não somente na ilha natal mas em todo o Portugal . Mundialmente conhecida pelos seus eruditos trabalhos de investigação da Demografia Histórica, tem um curriculum literário e científico que muito a enaltece e é motivo de júbilo para os seus conterrâneos.
É sabido o trabalho de investigação e de promoção que dedicadamente tem desenvolvido na sua freguesia natal. Mas, mais do que isso, é empolgante a sua carreira como professora e investigadora. E, para que as minhas modestas palavras, não venham a enfuscar o brilho da sua notável , mas até propositadamente obscura, vida cultural, permito-me transcrever, com a devida vénia, o que a jornalista Helena Mendonça, escreveu na revista “Notícias Magazine” de 23 de Setembro do ano findo e que aqui se transcreve, em parte, com a devida vénia.
« Histórias da vida e da Morte - Não é só a história de um projecto de investigação que hoje aqui trazemos. Se essencialmente no percurso da linha de investigação em Demografia Histórica do Núcleo de Estudos da População e Sociedade (NEPS) da Universidade do Minho (UM), que se cruza com a história de vida da investigadora que a criou há quarenta anos, algum tempo depois de deixar a sua ilha do Pico, contra a vontade da mãe, para cumprir o sonho de viver e estudar na capital. Norberta Amorim tinha 21 anos, um diploma do Magistério Primário e dois anos de ensino. Em Lisboa inicia o curso de História, mas é no Porto que o termina, porque o jovem licenciado em Medicina com quem entretanto casou foi colocado no Hospital de Bragança. Estava dado o mote para o início de uma investigação pioneira e interminável que tem dado a conhecer a vida quotidiana dos portugueses de tempos remotos.»
«… Norberta Amorim … começa a estudar os registos paroquiais de Rebordão, uma antiga vila perto de Bragança. Ainda sem conhecer o trabalho (do francês Louis) Henry, cria uma metodologia própria de reconstituição de famílias. Apresenta tese em 1971 e em 1973 a Imprensa Nacional publica o trabalho, considerado pioneiro a nível ibérico… Nos tempos livres, entre a docência no liceu de Bragança e a família, mergulha nos registos. Apenas por gosto. Trabalha sobre mais duas paróquias de Bragança, até que o marido é colocado em Guimarães.»
« A primeira coisa que faz depois de se instalar é visitar o arquivo da cidade. Fica fascinada com a riqueza da documentação. Sente-se como peixe na água. -Traça um plano de trabalho e lança-se no estudo de dez paróquias, urbanas e rurais, tudo feito à mão em fichas que se iam empilhando sobre a secretária. Os computadores eram ainda uma miragem, O historiador e professor da Faculdade de Letras do Porto, Luís António de Oliveira Ramos, toma conhecimento do trabalho da investigadora e lança-lhe o desafio: ”Há muita gente na universidade que não faz o trabalho que a senhora está a fazer- Devia fazer o doutoramento.” Norberta Amorim tinha já muita investigação feita e até uma inovação em relação à metodologia de Henry. Enquanto o demógrafo francês reunia informações sobre famílias em função do apelido do pai, Norberta criou uma estratégia para estudar a família a partir do indivíduo, dado que em Portugal não havia rigor na transmissão de apelidos aos filhos, recorrendo-se frequentemente aos apelidos do lado da mãe. Candidata-se a doutoramento na Universidade do Minho, em 1984 e um ano depois defende a tese com sucesso.»
« …a investigadora entusiasma-se sempre que fala nos contributos do estudo de dezenas de paróquias – sobretudo do Norte 0e dos Açores, mas também de algumas do Centro e Sul do país – para conhecimento do quotidiano das populações a partir do século XVI…»
«… Os registos paroquiais não se limitavam às datas dos baptizados, casamentos e óbitos. Dependendo do gosto e da dedicação dos padres a este trabalho, neles encontram-se frequentemente ricas descrições dos momentos marcantes da vida dos paroquianos: como nasceram, a ascendência, com quem casaram, quantos filhos tiveram, se eram ricos ou pobres, estimados ou não, se deixaram esmolas, como morreram, que mortalha levaram nos funerais…»
«… Daqui para a frente, contudo, Norberta Amorim já não surgirá como coordenadora dessas pesquisas. Cumpridos 37 anos de docência, decidiu, há quatro anos, aposentar-se para se dedicar mais à investigação e acompanhar o marido na doença. Estava longe de imaginar que essa opção a impediria de continuar a liderar projectos de investigação. Mas a mágoa que transparece ao contar o que sente como uma injustiça logo se dissipa quando descreve a pesquisa que domina agora os seus dias, sobre a base de dados demográficos do Pico. Uma parte dos resultados desse trabalho, publicado em livro, foi apresentada em Agosto, nas Lajes do Pico, durante a Festa dos Baleeiros.»
O artigo da Revista “Notícias Magazine” está ilustrado com fotografias de Ricardo Meireles.
A Doutora Norberta Amorim publicou já os seguintes trabalhos sobre a Ilha do Pico: O PICO – Abordagem de uma Ilha – Vol. I : – As Famílias de S. João nos finais do Século XIX – 2004, com a coordenação do Doutor Ricardo Madruga da Costa; Tomo II- “ As Famílias de Santo Amaro nos finais do século XIX” –2005”; Tomo III - “As Famílias no espaço de São Caetano entre os séculos XIX 4e XX” – 2006; e, Tomo IV – As Famílias das Lajes (1ª Parte) nos finais do século XIX” - 2007.
Ler e apreciar estes doutos e magníficos trabalhos, reveladores de uma erudição e cultura invulgares, é penetrar no passado desta ilha e conhecer, com respeito e admiração o que foi o viver sacrificado por vezes, das gerações passadas dos nossos avós.
Afinal, o trabalho de investigação invulgar, de uma Picoense, natural da freguesia de São João, filha de D. Inácia de Simas, natural daquela freguesia e de João Bettencourt (Cardoso), natural das Lajes do Pico diga-se de passagem, investigadora de renome internacional que muito nos honra e é motivo de justificado orgulho para todos os seus conterrâneos e muitos admiradores.
Segundo estou informado, na obra em curso da Doutora Norberta Amorim, a freguesia das Lajes ocupará mais dois ou três tomos.

Vila das Lajes.
Março de 2008
Ermelindo Ávila

domingo, 23 de março de 2008

Dia de São Vapor

Era um dia de festa o “Dia de S. Vapor”. Nas diversas cidades ou vilas onde aportavam quinzenalmente (em Ponta Delgada e Angra os barcos passavam, ou na vinda de Lisboa ou no regresso das Ilhas, normalmente todas as semanas), aos portos das Ilhas, muitos dos seus habitantes juntavam-se nas imediações do cais de desembarque para verem se chegava alguma pessoa conhecida. Mas o mesmo acontecia em Lisboa quando os barcos da Insulana partiam ou regressavam das Ilhas. Quantos açorianos – em Lisboa não se destinguiam as ilhas – residentes na Capital, só se encontravam nesses dias!… Era um saber de notícias da terra, um matar saudades…
Quando os barcos chegavam aos portos das ilhas, alguém trazia para terra um jornal publicado quinzenalmente por açorianos residentes em Lisboa, intitulado, “Portugal, Madeira e Açores”, onde se divulgavam notícias as mais variadas e sobretudo o movimento oficial do funcionalismo público, extraído do “Diário do Governo”, tais como: nomeações, transferências, aposentações, etc.
Conta-se que o Conselheiro António José Vieira Santa Rita, que esteve à frente do distrito da Horta como Governador Civil, entre os anos de 1834 e 1877, tinha por hábito, deslocar-se ao Cais de Santa Cruz, na Horta, para aguardar as notícias vindas nos vapores de Lisboa e que eram trazidas de bordo por um indivíduo que a isso se dedicava. Em certa viagem, o citado arauto, ainda no barquinho, ao aproximar-se do cais, levanta o “Portugal, Madeira e Açores” e grita: “O Governador Santa Rita foi demitido”. Parece que Santa Rita, montado numa burrinha, seu meio de transporte, - pois era defeituoso das pernas – ao ouvir o “pregão”, lhe deu uma síncope e caiu da burrinha abaixo. Certo ou não, referindo-se ao Governador Santa Rita, escreve o historiador Marcelino de Lima nos “Anais do Município da Horta”, (1943, pág. 368/9): “ Não era faialense; mas é como se fosse, pelo muito que viveu na ilha do Faial, administrando sempre muito zelosa e inteligentemente o distrito, durante largos anos, em tempos dos mais difíceis, 1834 a 1877, com três pequenas interrupções.)… Por fim, porque não servia a política como queriam, foi exonerado, recolhendo de vez a casa…”
Para quem vivia em Angra, era agradável chegar ao mês de Maio e aguardar que o facho, colocado no Pico Alto, do Monte Brasil, desse sinal da aproximação de uma embarcação vinda das “Ilhas de Baixo”. Nos anos em que vivi naquela cidade era a “Calheta”, pertencente ao porto da Calheta de Nesquim, do Pico que, durante a época estival, ligava semanalmente as ilhas do Faial, Pico, São Jorge e Terceira. Que óptimos serviços prestou às populações destas quatro ilhas! Em Angra era recebida como se se tratasse de um dos barcos da Insulana. Principalmente os picoenses e jorgenses residentes na Cidade, corriam para o Cais e raro era aquele que não recebesse um caixote ou um cabaz da família com lembranças da ilha. E tudo era desejado e apreciado! Mas o melhor seria mudar de tema. Todavia, quase um século é decorrido e, durante estes longos anos, tanta coisa se modificou que, por vezes, torna-se difícil recordar o passado, pela mágoa que causa. No entanto vale a pena recordar…
No “Lima”, que mensalmente passava no Porto das Lajes, vinham, além dos passageiros, que não eram muitos, a mala postal e a carga diversa principalmente para o comércio, porque quase tudo era importado . O mesmo acontecia no Cais do Pico com o “Carvalho Araújo”. Algumas vezes sucedia, normalmente no inverno, vir o barco atrasado e a mala só chegar à Estação Telégrafo – Postal, a altas horas da noite. Mas nem por isso deixava de ser distribuída, porque os funcionários diligenciavam para que a correspondência, especialmente as cartas, fossem entregues aos destinatários com a maior brevidade, permitindo a muitos responder no regresso do barco. Um serviço dedicado, e sem o pagamento de quaisquer horas extraordinárias, pois elas não eram nem exigidas nem conhecidas…
Com a entrada do “Funchal” ao serviço do continente e ilhas, e, nos Açores dos “Carvalhinhos” – “Cedros” e “Arnel” - o progresso resultou num atraso bastante danoso para a economia destas ilhas. As chamadas “Ilhas Secundárias” sofreram um golpe quase mortal no desenvolvimento das respectivas economias. O sistema pode ter sido benéfico para os armadores e para as cidades, então capitais de distrito, mas foi altamente prejudicial para as restantes ilhas, que ainda hoje sofrem os pérfidos resultados desse “progresso”.

Vila das LAJES,
13 de Março de 2008
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 19 de março de 2008

ALELUIAS PASCAIS

(Foto do interior da basílica da Santíssima Trindade-Fátima)



Estamos na Grande Semana. A semana em que o povo cristão comemora a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, o Redentor.
Naturalmente que hoje a Páscoa é apenas lembrada pelas férias que se gozam nos estabelecimentos escolares, à parte as lutas e as contestações que por aí se espalham, a propósito de medidas que, talvez, pouco ou muito pouco, vão contribuir para o progresso do ensino escolar…
Mas, nesta sociedade de consumo em que se vive, também é de assinalar os negócios que se fazem com as amêndoas e doçarias próprias da época.
Antigamente, - e lá vou eu recordar o passado… - a Semana Santa era vivida com recolhimento e devoção. Todos procuravam respeitar a comemoração da Paixão e Morte de Cristo, o Redentor.
A meados do século passado, com as reformas tributárias introduzidas pelo governo de então, principiaram a vir funcionários continentais chefiar os respectivos serviços de finanças. Um deles não era nada afeito às práticas religiosas e até se dizia agnóstico… Porém, na Sexta - Feira Santa apareceu com gravata preta. Alguém fez-lhe o reparo, julgando até que lhe tinha falecido alguma pessoa da família. Ele respondeu-lhe simplesmente: “Então, hoje não é Sexta - Feira Santa? Na minha terra é hábito usar-se luto neste dia “. E a conversa ficou por aí. Afinal, uma lição!
Agora seria com certeza diferente…
As cerimónias litúrgicas eram bastante concorridas. Não faltavam homens para tomarem as insígnias ou levar os andores nas procissões. Alguns tinham opas suas, que todos os dias traziam de casa para a Igreja, com a maior simplicidade e respeito, afim de auxiliarem nos actos litúrgicos.
Antes, terminado o Carnaval, fechavam-se os salões das sociedades. Acabavam as danças e os bailes e entrava-se num tempo de certo recolhimento. Aos domingos, se não se realizavam as chamadas procissões quaresmais – Procissão de Penitência, com várias Imagens, no primeiro e Procissão de Passos no terceiro - havia à tarde, na igreja paroquial, com boa assistência de fieis, a Via-Sacra, com cânticos apropriados.
O tempo da Quaresma era especialmente destinado ao cumprimento dos 2º e 3º Preceitos da Santa Igreja: “Confessar-se ao menos uma vez por ano” e “Comungar ao menos pela Páscoa da Ressurreição”.
Na Paróquia da Santíssima Trindade da Vila das Lajes do Pico era organizado anualmente o “Rol dos confessados”, “contendo toda a população existente no dia 31 de Dezembro” anterior.
No ano de 1878 – cento e trinta anos são decorridos – a freguesia, que ia do Soldão às Terras, tal como hoje a freguesia civil, tinha 3257 habitantes, sendo 1141 do sexo masculino, 1575 do sexo feminino e 541 crianças com menos de sete anos, vivendo em 806 fogos. E, ao menos nesse ano, todos cumpriram o preceito. Anote-se que o excessivo número de indivíduos do sexo feminino resultava do grande número de “maridos ausentes”, ou seja emigrados no estrangeiro.
No tempo da minha adolescência, as amêndoas só eram distribuídas após o sino tocar festivamente, nas respectivas igrejas, ao canto do Aleluia. E até aí o rapazio aguardava esse momento para deitar o pião, pois, durante as semanas da Quaresma, os pais não lhes permitiam esse singelo divertimento.
Os folares, que todas as famílias habitualmente coziam, só eram partidos no almoço do Domingo de Páscoa. Até mesmo as “brindeiras” que se coziam para os miúdos, conjuntamente com os folares, eram reservadas para essa ocasião. Costumes simples mas com um significado cristão muito expressivo, que todo o povo, mesmo aquele que não era muito afeito às práticas religiosas, procurava respeitar a tradição.
Hoje, como são diferentes estes tempos! Pois se o Poeta já dizia: “Como é diferente o amor em Portugal”! E o amor é um sentimento muito terno, quando compreendido na sua verdadeira acepção.
Presentemente, logo que terminaram as folganças festas carnavalescas, as montras dos estabelecimentos comerciais (modernamente os super e hiper-mercados) apresentaram-se atulhadas de amêndoas, das mais variadas qualidades.
Diz-se que vivemos numa sociedade de consumo… Pois que seja. Lucram os negociantes ou empresários e despejam as bolsas os homens e as mulheres que, quantas vezes, passam os dias entregues aos serviços mais rudes.
Nesta quadra festiva aqui deixo, com o maior respeito e sinceridade, BOAS FESTAS PASCAIS a todos os leitores e pessoas amigas e conhecidas.

Vila das Lajes,
Páscoa de 2008-
Ermelindo Ávila

quinta-feira, 13 de março de 2008

FROTA BALEEIRA

A frota baleeira lajense foi dispersa por essas ilhas e anda agora numa azáfama enorme.
Voltaram às regatas já que outra utilidade não têm as airosas canoas. E não se têm sucedido mal. Foram à Galiza e arrancaram de lá os troféus. Voltaram agora para os Estados Unidos e no porto baleeiro de New Bedford foram os marinheiros picoenses e faialenses mostrar, uma vez mais, o seu valor de homens do mar, já que não é a primeira vez que ali se deslocam.
Por cá as regatas programadas pelos serviços regionais, têm-se realizado em alguns portos açorianos, principalmente pelas festas principais, fazendo parte dos respectivos programas. Todavia não é só agora que isso acontece. Sempre assim sucedeu ao longo dos anos.
A canoa baleeira, que substituiu as que eram importadas dos Estados Unidos , uma criação do lajense Francisco José Machado no último quartel do século XIX, .- um homem que anda esquecido e cuja memória de artista invulgar bem merecia ser perpetuada - sempre foi “requisitada” para tomar parte em regatas. Uma embarcação conhecida como a mais bela do mundo, na opinião de críticos náuticos. A primeira que Mestre Francisco José, como era conhecido, construiu, denominava-se “SÃO JOSÉ”. Afastava-se algo das canoas importadas até então dos E.U pela sua elegância e condições náuticas. E serviu de modelo às dezenas ou centenas que passaram a ser construídas pelos artistas picoenses..
Há anos foram os botes lajenses tomar parte numa regata realizada na baía de Angra e integrada nas Festas da Cidade. A vitória foi sua. Aquando da visita régia, a 28 de Junho de 1901, à cidade da Horta, os Reis D. Carlos e D. Amélia viajaram no cruzador D. Carlos e foram recebidos por uma esquadrilha de canoas-baleeiras, a remos, que contornaram o navio e o acompanharam ao ancoradouro. No dia seguinte à chegada das Magestades, houve regatas, à vela e a remos, de canoas baleeiras e embarcações de recreio. Os régios visitantes assistiram às provas a bordo do cruzador S. Gabriel .
Não nos diz o historiador quem ganhou a regata mas sabemos que foram duas canoas das Lajes, pertencentes, respectivamente, às companhias das “Senhoras “(União Lajense, L.da) e “Judeus” (Nova Sociedade Lajense, L.da). D. Carlos ficou muito satisfeito com a homenagem dos baleeiros (que nas ruas da cidade haviam já levantado um artístico arco triunfal que se destacou entre os demais), e veio a oferecer, às armações proprietárias das duas canoas vencedoras, uma canoa baleeira.
No tempo as armações baleeiras eram sociedades irregulares. As embarcações eram registadas no departamento marítimo em nome do gerente “e outros”. Nessas condições estavam matriculadas na Delegação Marítima, no ano de 1897, 16 canoas das Lajes, 4 das Ribeiras, 3 da Calheta e 4 do Cais do Pico. Quando foram estabelecidas as zonas baleeiras, por força do Decreto 39 657, em 1935 a actividade baleeira era exercida por 107 baleeiros, nas Lajes, com 23 canoas e 5 lanchas motorizadas; 74 nas Ribeiras, com 9 canoas e 2 lanchas; e 40 na Calheta, com 5 canoas e 2 lanchas, no total de 36 embarcações (canoas e lanchas) e 231 baleeiros.
A baleação deve ter sido iniciada nesta vila a meados do século XIX. O primeiro armador João Paulino Narciso da Silveira armou um brigue, aí por volta de 1850, mas a sorte não o bafejou. Mais tarde, precisamente em 28 de Abril de 1876, é constituída a primeira armação, com contrato escrito, entre os Dabney’s, comerciantes e industriais americanos instalados na Horta e Anselmo Silveira, antigo Capitão de baleeiras americanas, regressado e residente na sua freguesia natal, a Calheta de Nesquim.
No porto de S. João foi instalada uma armação, pertencente aos Maciéis. O ciclone de Agosto de 1893 destruiu as instalações terrestres e eles acabaram por vender as canoas para o porto das Lajes, ficando a respectiva armação conhecida por “Queijeiros”.
Por força do Regulamento para a pesca da baleia, de 12 de Agosto de 1902, as armações então existentes foram obrigadas a constituírem-se em sociedades comerciais. Em algumas das escrituras notariais, lavradas em Junho e Julho de 1904, constava: ”Tendo há anos no porto desta Vila, uma sociedade particular para a pesca da baleia, cachalotes e outros similares, e venda do respectivo produto – a vem pela presente escritura constituir legalmente a mesma sociedade.” Em 1918 e 1929 novas escrituras foram outorgadas por força de legislação então publicada.
Todavia, a actividade baleeira foi preocupação do Governo que, durante mais de um século, publicou diversa legislação reguladora da pesca. Por Lei de 26 de Maio de 1862 foram concedidos certos benefícios aos navios, utensílios e indivíduos que se empregassem na pesca da baleia. Por Lei de 10 de Abril de 1877 foi prorrogada por mais 10 anos a lei de 26-5-1862. E por Portaria de 14 de Abril de 1886 foi estabelecidas normas para a execução das Leis citadas.
Em 1918 e em 1929 os pactos sociais tiveram de ser reformulados por exigência das leis publicadas nesses anos.
Em 30 de Abril de 1929 “O Dever”, em correspondência das Lajes, dava notícia de que, no dia 21 daquele mês havia sido lançada à água “uma linda lancha com motor de grande força destinada à pesca da baleia, construída nesta Vila pelos habilíssimos artistas Manuel, Joaquim e António José Machado filhos do falecido artista Francisco José Machado” Tratava-se da lancha “Zélia”, . A nova armação, conhecida por “Companhia da Zélia”, construiu ainda a canoa “Ester” e passou a girar sob a firma Joaquim José Machado, que mais tarde passou à sociedade ”Joaquim José Machado, L.da.”
Depois uma nova legislação obrigou ao estabelecimento de “Zonas” para a pesca da baleia. Uma medida controversa que, em vez de deixar livre a actividade, a condicionou à faixa de mar que ficava em frente do respectivo porto de armamento. E até se criou, com sede em Lisboa (!), por decreto n.º 34.655, de 1945, o “Grémio dos Armadores da Pesca da Baleia” para o qual cada sócio (armador) tinha de pagar a joia de 500$00 por cada 100 contos de capital e a quota mensal de 30$00, além de uma quota a fixar por cada quilo de óleo produzido!…
Com a modernização industrial deixaram de existir os caldeiros de derretimento ao ar livre, que se encontravam nos portos respectivos, instalando-se fábricas de aproveitamento. A primeira, na ilha do Faial, da qual faziam parte as armações denominadas “Da Ribeira do Meio”, depois foi a do Cais do Pico e por fim a SIBIL, constituída pelas armações dos portos das Lajes e Ribeiras, por escritura de 22 de Janeiro de 1948. Trabalhou as primeiras baleias (4 de cardume) em 15 de Julho de 1955. Mas o fim havia de chegar, como infelizmente chegou! A fábrica da SIBIL hoje, por iniciativa da Câmara Municipal, sua proprietária, é o “Centro de Artes e de Ciências do Mar. Espera-se que tenha o mais plausível êxito.
Um tratado internacional, ao qual Portugal aderiu, proíbe a caça da baleia nos mares do Atlântico. Um golpe mortal numa actividade secular. A última baleia arpoada no porto das Lajes foi em Novembro de 1987, pela canoa “Maria Armanda”, da qual era oficial Manuel Macedo Portugal de Brum e trancador João Macedo de Brum “Lé-lé”. Razão tinha o articulista de “O Dever” quando, já no recuado dia 5 de Agosto de 1939, escrevia: “Actualmente constitui um dos principais problemas a resolver, no nosso meio, a indústria da baleia, que, neste concelho, está ligada à sua prosperidade económica”.
Resta agora a “Whale-Watching”, distribuída por diversos locais das Ilhas dos Açores, alguns sem qualquer tradição baleeira. Mas, do mal o menor. No porto das Lajes estão instaladas algumas.

Vila Baleeira
Fev. 2008
Ermelindo Ávila

quinta-feira, 6 de março de 2008

OS IRMÃOS BULLAR'S

Precisamente há 170 anos chegaram aos Açores, “depois de uma tormentosa viagem de vinte e três dias, os irmãos Drs. Joseph e Henry Bullar, para aqui se demorarem “Um Inverno nos Açores e um verão no vale das Furnas”, titulo do diário que escreveram e que veio a ser traduzido, já em 1948, pelo Dr. João Hickling Anglin. Tem prólogo do Dr. Armando Cortes-Rodrigues.
Os Irmãos Bullar’s chegaram ao Faial no dia 15 de Abril e no dia 8 de Maio “Partiram ao meio dia do Faial para o Pico num barco que faz a travessia do canal, barco grande, tosco e por acabar no interior, com duas velas latinas estendidas em varas que mais se assemelhavam a ramos de árvores descascados.”
“A casa, que por amabilidade de Mr. Dabney, (consul americano), fora posta à nossa disposição, está um pouco acima do desembarcadoiro.” Pelo que se deduz do texto, devem ter desembarcado na Areia Larga, pois, dizem: ”Fomos a pé até à vizinha vila da Madalena, a principal povoação da ilha (sic), por uma vereda de areia grossa entre rochedos da costa de um lado e terrenos de vinha, negros e rochosos, do outro.”
A Igreja da Madalena, a meio da praça, está sem torre nem campanário, “assemelhando-se mais a um armazém abandonado do que às bem conservadas igrejas destas ilhas…”
Fazem larga referência ao vinho, “o melhor do que em qualquer das outras ilhas.” Aludem ao “vinho de estufa”, por ser preparado em estufa ou coisa semelhante e exportado em grandes quantidades para a Inglaterra e América. E acrescentam: “No nosso pais, embora os importadores o conheçam por “vinho do Faial”, é em geral procurado por consumidores incautos, sob o agradável rótulo de xeres. Além disto, produz-se grande quantidade do vinho vulgar do Pico…” Em nota de rodapé referem que “se remetem todos os anos do Pico para o Faial, 25 mil cascos de vinho para exportação.”
Queixavam-se de que não havia cavalos, mulas ou burros para alugar, pois “o forasteiro que não seja andarilho, não poderá dar a volta à ilha e, mesmo assim se o fizer, corre o risco de não arranjar cama nem poisada para a noite, visto não existirem nem hospedarias nem outros alojamentos.” Isso impediu que conhecessem toda a ilha, pois os caminhos tortuosos não eram convidativos a grandes caminhadas. Ficaram todavia, presos à casa que lhes foi cedida, contemplando as vinhas e saboreando os vinhos que, mesmo assim, não eram muito do seu grado. “O piso da lava, de cor parda, apresentava regos regulares, abertos pelas rodas dos carros de bois; os muros de pedra, de cada lado do caminho, tinham a mesma cor sombria e, na frente, recuando à medida que avançávamos, a montanha, coberta de uma rede de pedras negras, projectava para as nuvens soturna cor de azeitona.”
No dia 9 de Maio, acompanhados de dois guias, partiram para a subida da montanha. Um dos guias, natural do Pico, vivera na América e falava inglês. O outro guia era um homem casado que também estivera entre americanos e sabia algumas palavras de inglês.
Chegaram ao cume da Montanha mas, muitas milhas de neblina se acumulavam sobre o oceano, ocultando por completo as ilhas Terceira e Graciosa. No entanto, “livres de nuvens, viam-se claramente as ilhas do Faial e de São Jorge”. Pessoas amantes do maravilhoso dizem que, em dias muito claros, se enxerga do Pico a ilha distante de São Miguel”.
Os visitantes ingleses estranharam os diferentes trajes que encontraram nas ruas da Horta. E descrevem: “Alguns aldeões do Pico vestem-se inteiramente de vermelho. Usam jaqueta curta de estamenha, vermelha, colete e calções do mesmo tecido e cor, com polainas abotoadas sobre os pés. Estes andam descalços ou cobertos de sandálias de coiro (onde não raras vezes ficaram restos do pêlo do boi), atadas sobre o dedo grande.
“Parece, porém, que o receio do ridículo inibe estes homens de visitarem o Faial, onde os seus trajes tanto chamam a atenção e de tal modo dão motivo a troças que raramente eles se dispõem a submeter-se à prova; “e como é apenas numa parte do Pico que os habitantes se vestem por aquela forma, sucede que eles dificilmente são vistos no Faial.”
Nota-se aqui uma certa contradição, pois anteriormente haviam escrito: “Nas ruas, a que os trajes da gente do campo e dos pobres da cidade dão um ar alegre, nota-se muita animação”.
Hoje seria diferente. As modas modificam os trajes quase todas as épocas. Aquilo que ontem era simples traje do trabalhador do campo, parece que passou a ser para uma maioria, e não apenas da juventude, quase o vestuário de luxo. Usar uma calça ou uma jaqueta de ganga, mesmo com um remendo nas joelheiras, é moda e fica bem!… Se voltassem a estas paragens os Irmãos Bullar’s que diriam ?!

Vila das Lajes,
1 de Março de 2008
Ermelindo Ávila

CAMPO DE JOGOS

Foi inaugurado no passado domingo, 24 do corrente mês, o novo campo de futebol, - alguns já lhe chamaram estádio – obra levada a efeito pela Câmara Municipal e que representa um excelente e importante complexo para o desenvolvimento desportivo da juventude e recreio dos amantes do desporto rei.
Em falas diversas e em escritos na Imprensa, por vezes várias tive oportunidade de me referir ao Clube Desportivo Lajense, fundado nesta Vila em 15 de Abril de 1924 por um grupo de lajenses verdadeiramente amantes da sua terra. Para a defesa dos interesses da terra não havia cores políticas, se bem que os dois únicos partidos então existentes andassem de “costas voltadas”, mas somente nos períodos eleitorais. No Clube Desportivo Lajense nunca a política se meteu.
O antigo campo de jogos foi construído nos terrenos do Juncal, cedidos pela Câmara Municipal em sessão de 31 de Março de 1924, - o clube ainda não tinha os estatutos aprovados, - a pedido de um grupo de lajenses,” de todas as classes sociais”, representado pelo cidadão Leonardo Xavier de Castro Amorim. E em 16 de Junho do mesmo ano, foi presente à Câmara um requerimento de diversos cidadãos, - o primeiro signatário foi João Soares de Lacerda – pedindo para que , no lugar do Verdoso desta Vila,” não seja permitido cortar pedra a qual a ser tirada abaixo do muro muito prejudicará o quebra-mar que ali precisa ter a vila, quando de preferência a mesma devia ser tirada numa pedreira existente acima do muro em frente à rua de Baixo “, trazendo, naturalmente, benefícios à terraplanagem do campo de jogos.
Creio que não houve lajense, novo ou velho, que não desse a sua ajuda à construção do campo que, inicialmente tinha as medidas mínimas para nele se praticar uma partida oficial. Depois foi crescendo consoante se conseguiu a cedência de parcelas laterais. A primeira foi adquirida ao proprietário do terreno que lhe ficava a leste, o comendador António Homem da Costa que o cedeu, se não estou em erro, pela “módica” quantia de quinhentos mil reis… Ao lado ficava um terreno de vinha pertencente à família de Machado Soares. O filho não queria , nem dado –lo nem vende-lo. Um dia, porém, houve um enchente de mar, que derrubou a parede de vedação. Esse filho encontrava-se na Horta, impossibilitado de regressar ao Pico, pois o mar no canal não permitia viagem. O Presidente da Câmara de então, sabedor disso, propôs ao pai o levantamento da parede mediante a cedência da parcela de terreno para o alargamento do campo. O Senhor concordou e, no dia seguinte, a parede singela, como era, foi levantada pela companhia de pedreiros do mestre José de Melo. Quando regressou o senhor ficou exasperado mas o pai não deixou de cumprir a sua palavra. E o campo foi alargado…
Além do trabalho braçal, os lajenses tudo fizeram para que o seu Clube caminhasse a desenvolver a sua actividade desportiva.
Era difícil conseguir os equipamentos e até a bola de jogo. Os jogadores faziam os próprios equipamentos. As sapatarias locais faziam e concertavam as botas e todas as semanas tinham de refazer as “travessas”. E até a bola, era remendada, pois não era fácil outra obter.
O Clube funcionava num armazém, cedido gratuitamente.
Tudo difícil para uma época em que era débil a economia local.
Em carta datada de 23 de Setembro de 1929, Leonardo Xavier de Castro Amorim e Manuel d’Azevedo Castro Neves, um lajense residente na Horta, diziam: “Temos o prazer de incluir a importância de Esc. Ins. (Escudos Insulanos) 354$50, produto líquido do Sarau por nós organizado com o fim de beneficiar o cofre do Club a que V. Exa. mui dignamente preside.”
E assim ia vivendo o Clube.
Estou talvez a repetir o que já lembrei em outras ocasiões. Não importa.
O Lajense foi caminhando, com algumas interrupções. Teve tardes boas e más, como acontece ainda hoje a todas as associações. No entanto foram bastante agradáveis as tardes que os lajenses passaram no seu campo. Algumas, horas de glória, outras menos felizes. Nem por isso se despedia o treinador nem os jogadores abandonavam o campo ou o clube.
E aí está ele a beneficiar de nova “habitação”. Louvores à Câmara que assim entendeu dotar a sede do concelho com tão importante estrutura física, em substituição do velho campo, cujo local deverá ter uma aplicação condizente com a dignidade do velho burgo.
Que o Club Desportivo Lajense continue e consiga novas tardes de triunfo, para regalo dos próprios jogadores, dos sócios e dos lajenses em geral, são os votos que aqui deixo muito sentidamente, não deixando de recordar os bons tempos, de uma juventude já muito distante, em que todos os lajenses se concentravam no velho recinto para assistir a uma partida de futebol. E aqui, uma vez mais, presto as minhas homenagens a quantos fundaram o Clube Desportivo Lajense e a quantos, durante estes anos todos, se tem empenhado para que a velha associação rejuvenesça sempre e ultrapasse vigorosamente o centenário que já se aproxima.
Impõe-se lembrar que o velhinho campo é um património dos lajenses. Foram eles que o construíram com entusiasmo e com muitos sacrifícios. Impõe-se que lhe seja dada uma utilização condigna. Já me constou que será transformado em jardim público. Não ficará mal. Mas importa que seja um jardim cheio de beleza e encanto, com arvores, arbustos floridos, flores, muitas flores, espaço verdes, para ali se puderem passar tardes amenas e de óptimo lazer. E porque não alargar o muro, como era, para permitir passeios ao pôr do sol ou nocturnos como antes muito faziam?
A Câmara Municipal tem aqui uma palavra a dizer. E não será dispendiosa a tarefa…

Vila das Lajes
18 de Fev. de 2008
Ermelindo Ávila