segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Iluminação da Vila

NOTAS DO MEU CANTINHO    
              

          A primitiva iluminação das habitações era feita com as candeias alimentadas a óleos extraídos de peixes e animais marinhos: como o albafar,  a toninha e o moleiro (golfinho) e, depois,  a baleia. Havia cadeias de um e de dois “pratos”. Daí o adágio popular: “o que cai da candeia de cima fica na de baixo”.
          Utilizava-se, ainda, a vela de cebo de animais. Tudo uma iluminação bastante precária e até doentia. Depois apareceu o petróleo, que permitia uma melhor iluminação. E foi então que as vilas e cidades começaram a ser iluminadas com candeeiros adequados. Na Vila das Lajes, instalaram-se os candeeiros para a iluminação pública em 1897, tendo a Câmara Municipal dispendido na sua aquisição 240$790 reis. 
          Em sessão de 18 de Julho de 1898, deliberou que os candeeiros estivessem acesos nos meses de Maio a Setembro, inclusive, desde o anoitecer até às 11 horas e  nos restantes meses até às 10 h, exceptuando sempre as noites em que houvesse luar. Em 1910, a Câmara recebeu de oferta da Câmara da Horta, um candeeiro instalado em coluna de ferro, o qual foi colocado no Meio da Vila.
As Lajes tinha uma iluminação razoável e com bons candeeiros. Ainda os conheci, embora já retirados de uso. É que, em      certa noite, um doente mental que estava retido, na cadeia pública, conseguiu evadir-se e, depois de subir à sineira da igreja e tocar a rebate nos sinos, percorreu as ruas da vila a partir todos os candeeiros da iluminação pública. O presidente da Câmara, então o comendador António Homem da Costa, resolveu retirar os candeeiros e recolhê-los no antigo “curral do concelho”, onde os conheci. 
A vila das Lajes ficou às escuras durante muitos anos, o que não deixava de ser aflitivo para as pessoas. Serviam os lampiões com velas de estearinas, que já as havia, ou alguns, raros, de petróleo. Apareceram depois os candeeiros incandescentes e, em uma ou outra habitação, iluminação a gás. Tudo sistemas precários e algo dispendiosos.
          (Já noite, ia-se  à mercearia do Senhor Comendador comprar qualquer género. Ele acendia um bico de vela, servia o freguês e, depois, apagava a vela, para não gastar...)
          Estava-se em 1930. Um grupo de lajenses resolveu fundar uma empresa (sociedade anónima) para promover o fornecimento da iluminação eléctrica. A escritura foi lavrada a 11 de Outubro de 1930. Diz o historiador: “Com a realização deste empreendimento foram os lajenses os pioneiros da electrificação da sua ilha”. (1) Os primeiros corpos gerentes foram constituídos por dezasseis  accionistas.
          O projecto de electrificação da vila foi elaborado pelo engenheiro Max Corsépius que, ao tempo, era o director da estação alemã dos cabos submarinos instalada na Horta. Da Horta vieram dois electricistas que procederam à montagem da rede e executaram as instalações das residências dos futuros consumidores.
          Os lajenses não foram, porém, felizes com a aquisição do primeiro motor - gerador, que chegou a partir cinco veios, até que foi adquirido um outro motor de baixa rotação que garantiu o funcionamento da central, até que os serviços eléctricos passaram para a Câmara Municipal por escritura de 30 de Julho de 1960.
          Depois, foi constituída a Empresa de Electricidade dos Açores, por decreto Regional nº 34/81/A, de 18 de Julho, que  absorveu todos os serviços municipais e particulares de electrificação dos Açores, Entretanto, havia sido constituída a Federação dos Municípios da Ilha do Pico, para a exploração dos serviços eléctricos, que teve vida efémera, pela passagem dos mesmos serviços para a EDA.  Quando tal se deu a Federação estava a proceder à electrificação de toda a ilha. No concelho das Lajes já se encontravam electrificadas as freguesias de Lajes, São João e Ribeiras, com a comparticipação técnica e financeira da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos. Previa-se o aproveitamento da Lagoa do Paúl para a montagem de uma estação hidroeléctrica, cujos estudos estavam concluídos.
E, uma nota curiosa: o concelho das Lajes já dispunha de dez centrais comunitárias, instaladas pelas próprias freguesias e lugares – as sociedades da luz – a primeira das quais foi instalada em Santa Cruz das Ribeiras, em 1958. Um movimento simpático que resultou na melhoria de vida das respectivas populações.
          Em substituição da hidroeléctrica optou-se pela central das ondas, destruída por ondas alterosas, e montaram-se, no alto da ilha, geradores de energia eólica, esquecendo-se  que este sistema está a ser abandonado por prejudicial à nidificação das aves que se acolhem à ilha.
          Esperamos que a hidroeléctrica venha a ser instalada um dia, quando os combustíveis rarearem e se encarar, decisivamente, a instalação de energias renováveis.
Vila das Lajes,
15 - 11 – 2012
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Um olhar picoense sobre o Seminário de Angra

Veja na União Pastoral
http://www.auniao.com/fotos/uniao_pastoral/1353433526.pdf

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A UNIÃO


NOTAS DO MEU CANTINHO



Anunciam o seu desaparecimento. A notícia causou-me sério pesar e, com certeza, a muitos açorianos, que não apenas aos terceirenses.
“O jornal foi fundado, na cidade de Angra do Heroísmo, no dia 3 de Dezembro de 1893, por Manuel Vieira Mendes da Silva, que foi seu director durante 29 anos, até à data do seu falecimento, em 1922.”(1) Passou depois para a posse da Diocese, a partir do 1º de Dezembro de 1924. Nele está naturalmente arquivada a história de Angra e da Ilha Terceira dos últimos cento e vinte anos. Interessante o período em que os Deportados assumiram o governo da Ilha Terceira, em 1931.
A sua aquisição pela Diocese deve-se ao Bispo Dom António Augusto de Castro Meireles, que a governou, desde 6 de Agosto de 1924 até Agosto de 1928, pela transferência, como Coadjutor, para a Diocese do Porto. E bastaram quatro anos para desenvolver uma notável e inigualável acção apostólica e administrativa em prol da Diocese. Meses após a sua posse, “adquire para a Diocese o diário local “A União”, assim como a casa da sua redacção e impressão: e assim, no início do 32º ano daquele jornal – 1 de Dezembro de 1924 – era ele publicado por conta da Diocese. (...) Pouco depois adquiriu nas mesmas condições e com o mesmo intuito, “A Democracia”, que se publicava na cidade da Horta . Esteve prestes a adquirir também o “Correio dos Açores”, de Ponta Delgada, mas a aquisição e manutenção deste jornal era superior à soma de que podia dispor a Diocese” (2)
Foi director de A União o Cónego José Augusto Pereira que o dirigiu o diário desde Dezembro de 1924 até Outubro de 1932. Tinha como Redactor principal o Pe. António da Costa Ferreira que assumiu a direcção com a saída do Cº Pereira. Aquando do falecimento do P. Costa Ferreira, outros directores se seguiram como o Dr. Manuel Cardoso do Couto, Dr. Artur Cunha de Oliveira, o Pe Coelho de Sousa, o Dr. Álvaro Monjardino e outros mais. Actualmente exerce o cargo o Pe. Marco Gomes. Mas nem sempre foi pacífica a publicação do diário angrense. O Dr. Cardoso do Couto, quando o dirigiu, sofreu com os ataques que lhe foram dirigidos por outros jornais, embora tudo esquecesse, por os considerar “verduras dos anos”...
Menos sorte teve o jornal A Democracia. Dirigido pelo P. José Maria Fernandes, tinha como redactores os Padres Francisco Vieira Soares, nosso conterrâneo, que, aquando a sua colocação nos Cedros, ali fundou o “Eco Cedrense” e o Pe José Eduardo. D. Guilherme, ao chegar à Diocese, fez a venda do jornal a uma empresa, para o efeito fundada na Horta, e que passou a publicar, em 4 de Dezembro de 1929, o Correio da Horta. Com o surgimento da Revolução de Abril este diário faialense foi adquirido novamente pela Diocese, que manteve a sua publicação até que foi encerrado em Fevereiro de 2007. Uma perda irreparável para a Igreja e para a Cultura destas “Ilhas de Baixo”.
Mas voltando ao Bispo D. António Meireles, há que referir que não se interessou somente pela Imprensa Católica. Ele vinha de uma época revolucionária, num período em que a Igreja era combatida, ou talvez melhor, perseguida.
Havia sido, em 1915, deputado pelo Centro Católico – o 1º Representante dos Católicos no Parlamento da lª. República, - tornando-se notável a sua acção em defesa dos violados direitos da Igreja, tendo merecido, porém, em 1924, a Comenda de Oficial da Ordem de Cristo.
Por ocasião do terramoto que destruiu parte da cidade da Horta, Dom António Meireles concebeu a ideia de fundar ali uma casa para recolher, sustentar e educar as crianças órfãs e pobres da ilha, comprando para o efeito a casa pertencente à Família Arriaga. Nela chegou a funcionar a obra do Pe. Américo, sob a direcção do Pe. Genuíno Madruga.
Em Ponta Delgada, adquiriu, por doação do Dr. José J. de Andrade Albuquerque, de quem fora colega em Coimbra, uma grande casa junto do jardim António Borges e ali fundou um colégio de instrução primária e secundária, com o nome de Colégio Sena Freitas. Iniciou o funcionamento sob a direcção do Dr. José Vieira Alvernaz, que, depois, viria ser Reitor do Seminário de Angra e, Bispo de Cochim e, mais tarde, o último Arcebispo e Patriarca de Goa. O colégio foi extinto, por ordem de D. Guilherme, em 1942 e o respectivo recheio passou para o Seminário.
O diário A União vai desaparecer. É mais um elo a quebrar-se na organização católica da Diocese. Extingue-se a Imprensa, encerram-se as ouvidorias, inova-se a paroquialidade, com o sistema rotativo dos párocos... “ Que mais irá acontecer?”
Durante alguns anos dei a minha insípida colaboração ao diário “A União”. Daí o respeito e a admiração que sempre tive pelos seus dirigentes e colaboradores. Um jornal que se impôs, como propriedade da Igreja, pela sua orientação católica, pela vernaculidade dos trabalhos publicados, pela seriedade das notícias. Alguns suplementos, quer doutrinais quer literários, fizeram história.
Como disse, a história do antigo distrito de Angra, principalmente, está contida no velho e simpático A União. É um património que não deve morrer. Não haverá em Angra, entidade ou instituição, que socorra o velho diário?
Verdade que o Correio da Horta não teve essa sorte e hoje quase ninguém se lembra do antigo diário do Constantino Amaral ou do Xavier ou dos que mais recentemente o dirigiram. É caso para se dizer, como diziam os antigos latinistas: Sic transit!...
_________
  1. Andrade, Manuel Jacinto de – “Jornais Centenários dos Açores” - 1994
  2. Cónego Pereira – “A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados” – Segunda Parte – 1954

Vila das Lajes do Pico
13-11-2012
Ermelindo Ávila

sábado, 10 de novembro de 2012

AS ESTAÇÕES DO ANO E NÃO SOMENTE...


A MINHA NOTA

São quatro as estações do ano resultantes do movimento do Sol. Toda a gente tem disso conhecimento e, na organização das suas vidas, respeita normalmente os períodos mais propícios à sua vivência. As mais apetecidas são a Primavera e o Verão, se bem que o Outono, quando normal, é por cá conhecido como a primavera das ilhas, dado o clima ameno que nos oferece. A estação mais agreste é o inverno. Difícil é, por vezes a ela resistir, pelas tempestades que ocorrem durante essa estação e pelo próprio clima: chuvas e ventos, temperaturas baixas originando doenças várias.
Este ano, porém, tudo se alterou. O verão foi curto. O Outono vem sendo chuvoso e já com frio e até as tempestades: Haja em vista o furacão de meados de Outubro, que por aqui deixou marcas destruidoras.
Aqui há duas ou três dezenas de anos era bem diferente. Tudo vinha a seu tempo. O calor no Verão, o frio no Inverno. As estações intermédias eram quase sempre de temperatura amena. Na Primavera floriam as plantas de jardim, faziam-se as sementeiras para colher no Outono. O verão era quente e obrigava a fugidas para os sítios onde a temperatura era mais fresca. É por isso que o mês de Agosto era, e ainda é, o mês das férias, pois o trabalhar é mais difícil nessa época de canícula.
No Outono se fazem as colheitas dos milhos, pois dos trigos, colhidos em Agosto, já pouco se fala. E que belas eram as desfolhadas, as quais Júlio Dinis recorda em ”As Pupilas do Senhor Reitor” (pág.181). E vale a pena recordar: Julgo que pequeno será o número de leitores que não tenha assistido a uma esfolhada na aldeia ou que, pelo menos de tradição, não saibam a índole folgazã e tranquila deste género de trabalho, do qual ninguém procura eximir-se, pois antes espontaneamente correm de toda a parte a oferecer-lhe braços.
Por estas ilhas o mesmo acontecia. E acontecia porque agora raramente acontece. A maior parte das sementeiras de milho são destinadas à ensilagem.
E quem não recorda os serões de Inverno? A família reunida, cada qual com os seus trabalhos, ou escutar a leitura de um velho romance, de folhas já muito gastas de tanto ser usado, ou os contos ou “casos” contados ou recontados pelos mais velhos, enquanto o elemento feminino se ocupava em cardar, fiar e tecer as lãs colhidas em Setembro ou, mais recentemente, a fazer rendas ou tricô.
Não havia mobílias. Quando muito um arquibanco que servia também de “guarda-roupa”. Era na esteira de junco que a miudagem se sentava.
O ambiente era tépido porque o calor provindo do lar ou do forno estendia-se por toda a casa. Até mesmo porque o serão era feito na própria cozinha, o compartimento da casa onde a família, geralmente, se reunia, pois os outros compartimentos, bem poucos por vezes, só serviam de dormitórios... Na cozinha, primitivamente afastada da casa por causa dos incêndios, havia o lar e o forno e, num espaço algo afastado dessa zona com chão de madeira, ficava a mesa das refeições e os bancos para o descanso.
Actualmente, as habitações são providas de lareiras na própria sala de estar, ou de aquecedores eléctricos. Nas cozinhas, ficam os electrodomésticos e as bancas onde se confeccionam os alimentos. Há, quando possível, a mesa simples para os “pequenos almoços”.
Por esse Pico além, ainda existem as antigas moradias somente providas com as tradicionais cozinhas. No entanto, tudo se vai modificando e as habitações novas já dispõem de espaços modernos com todo o conforto que é possível imaginar-se.
Deixem-me, no entanto, recordar, na singeleza do meu rabisco, estas velharias, pois outros mais adestrados – os escritores que agora abundam – saberão melhor dizer e escrever da vida moderna que os rodeia.

Vila das Lajes,
Outº 2012
Ermelindo Ávila

MÊS DE NOVEMBRO


NOTAS DO MEU CANTINHO


É na generalidade um mês triste. Embora a meio do Outono, já faz sentir a proximidade do Inverno. Mas, para além dessa situação meteorológica, aqueles que professam a religião católica, recordam neste mês aqueles familiares que já partiram para a Eternidade.Daí ser conhecido como o mês das almas, o mês da saudade...
Logo no primeiro dia, a Igreja Católica recorda todos os santos, aqueles que, gozando da visão beatífica, não subiram aos tronos dos altares das igrejas. Segundo um teólogo moderno, “Pela filiação divina o cristão torna-se membro da família de Deus. Tem garantia de um Pai, o Senhor, a certeza de um irmão, a pessoa de Jesus Cristo, e um apoio constante na inspiração do Espírito Santo.”
O segundo dia de Novembro é dedicado aos fiéis defuntos. Diz um comentarista : “As comemorações dos fiéis defuntos, no dia 2 de Novembro, tiveram origem no mosteiro beneditino de Cluny (França). O Papa Bento XV (1914-1922), por altura da Primeira Guerra Mundial, chegou a conceder que todos os sacerdotes pudessem celebrar três Missas neste dia”.
Com as determinações do Concílio Vaticano II, essa faculdade estende-se a todos os sacerdotes e em diversas circunstâncias, como acontece presentemente àqueles que têm a direcção de três paróquias. É o caso da ilha do Pico...
No dia de todos os santos a Igreja veste-se de branco, sinal de regozijo. No dia 2 as vestes, anteriormente, eram pretas, a manifestar a sua dor pelos que partiram e se encontram ainda a aguardar a entrada na mansão celeste. Hoje, pela reforma litúrgica operada pelo Concílio, os paramentos pretos foram substituídos pelos roxos, que também não deixam de expressar dor e sentimento de angústia pelos defuntos e cujas almas se encontram em estado de purificação.
Num documento da Santa Sé pode ler-se: “Nos ritos fúnebres pelos seus filhos, a Igreja celebra com fé o Mistério pascal, com a confiante esperança de que os que pelo baptismo se tornaram membros de Cristo morto e ressuscitado, passem com Ele, através da morte para a vida. É necessário, porém, que as suas almas sejam purificadas antes de serem acolhidas no Céu, junto dos santos e dos eleitos (...) A oração pelos defuntos é uma tradição da Igreja.”
Novembro é um mês triste. Um mês de saudades muito intrínsecas daqueles que o Senhor chamou a Si antes de nós, mas que continuam presentes e que jamais poderão ser esquecidos. É quase um mês de dor contínua e permanentemente sentida.
Mas haja esperança. Como diz a Antífona de entrada da Primeira Missa do dia dos fiéis defuntos, Se em Adão todos morrem, em Cristo todos voltarão à vida”..
Não estranhe algum leitor este escrito. Num jornal da Igreja, julgo, está dentro dos parâmetros que a regem.

Vil das Lajes,
Novº. de 2012
Ermelindo Ávila 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Anos da fome


NOTAS DO MEU CANTINHO


O doutor Gaspar Frutuoso, micaelense, na sua obra “Saudades da Terra – Livro Sexto”, referindo-se à ilha do Pico, (pág. 289), escreve: “...a vila das Lagens, que é a principal e maior que há na ilha, de mais de três léguas de limite, cuja igreja é de três naves, da advocação da Santíssima Trindade e cabeça de toda ela, que terá cento e quarenta e cinco fogos, e almas de confissão quinhentas e oitenta e seis, das quais são de comunhão quatrocentas e quarenta e duas, onde foi vigário o licenciado Gonçalo de Lemos, ...e agora é o licenciado Gaspar Fernandes, também pregador e ouvidor, com quatro beneficiados, e vive gente nobre e rica... Há nesta freguesia muitas vinhas, que vão em muito crescimento, e grandes criações de gado vacum e ovelhum e algumas cabras, e terras, não muitas, de lavoura de trigo e outros legumes, e muita madeira, que ali se tiram do mato”.
O milho não era conhecido nos primeiros século do povoamento, nem mesmo a batata, o chá, e outros mais.
A população vivia do trigo e das plantas que encontrou, como seja o funcho, de que ainda hoje faz uso.
Como diz Frutuoso, a vinha veio para a ilha logo no início. Sabe-se que foi o primeiro pároco Frei Pedro Alvarez Gigante, que “plantou a primeira vinha, que se fez no Pico, na parte aonde se diz Silveira...” (Frei Diogo das Chagas, in “Espelho Cristalino...” pág 526.)
O milho veio da América para Portugal por volta de 1500 e só chegou aos Açores cerca de 1647.
Os moinhos, naturalmente, não vieram com os primeiros habitantes da ilha, pois só há referências a esses engenhos a partir de 1633. No entanto, a carta passada a Joz de Utra, 2º capitão donatário do Faial e 3º do Pico, dá-lhe direito a possuir “para si todos os moinhos de pão que houver nas ditas ilhas ...”
A batata doce chegou ao Pico em 1860, mas já existia na Florida em 1557; enquanto a batata branca só a meados do século XVII se introduziu nos Açores sua cultura.
O inhame foi introduzido no século XVI. Ficou célebre em São Jorge a revolta do inhame em 1694.
O pastel foi uma das mais antigas plantas introduzidas nos Açores. Veio da Flandres trazida pelo primeiro capitão donatário, Joz de Utre (ou Huertere), planta tintureira que era produzida no Faial e Pico e depois exportada. Do pastel veio o Pasteleiro, na Ilha do Faial.
Neste período bucólico, duma simplicidade bíblica, os primeiros povoadores viveram uma página tocante de Júlio Verne, procurando soluções, improvisando, suprindo tudo quanto o isolamento lhes negava.
À falta de forno, comeram na lage o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo (...); assavam a carne no borralho; o funcho substituiu a hortaliça que ainda não havera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes (...); inventaram molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira.” (1)
Mas, apesar disso, houve anos de fome.
De fome foi o ano de 1596. De peste e fome , o ano de 1599.
Na “Phenix Angrense” regista o Pe. Maldonado que o ano de 1647 foi de tremenda fome, em razão da esterilidade dos frutos comestíveis.
João Afonso, em “Açores em Novos Papéis Velhos,” escreve: “Fome! Tanta fome não apenas na Terceira, pois o Senado municipal delibera (...) dar licença também para se embarcarem para as ilhas de bayxo, dez moyos, visto também as necessidades que estão experimentando”.
Silveira de Macedo (2) refere os anos de 1776 e 1785 como anos de fome.
Lacerda Machado recorda o ano de fome de 1858 valendo o Capitão Manuel Machado Soares dispondo de seus teres e haveres.
Escreve Manuel Alexandre Madruga: “Foi este ano de fome (1858) de efeitos tão violentos que, na freguesia de São João Baptista, os seus habitantes se obrigaram a comer bolo feito de soca de jarro e de raiz de feto, ambos de sabor desagradável.”(3)
O ciclone de 1893 destruiu quase totalmente todas as cearas do Pico e Faial. Por essa ocasião, a súbdito americana Rosa Dabney, residente no Faial, importou dos Estados Unidos algumas toneladas de milho que fez distribuir pelas famílias mais necessitadas.
Após a Grande Guerra de 1914-1918 houve uma grande carestia de cereais, passando fome muitas pessoas do Pico. Valeu o milho que os familiares emigrados, nos Estados Unidos, enviaram para as famílias, na Ilha. No tempo era vulgar ouvir-se: todos os navios que apareciam no horizonte, vindos de Oeste, eram os navios do trigo.
Todo este arrazoado para concluir que, com a crise económica que se atravessa, não estão longe novos anos de fome.
Há que voltar à terra. Desbravar de novo os terrenos que por aí estão abandonados e incultos e fazê-los produzir o milho que era a garantia do sustento da maioria do povo. Se não... aguardemos novos anos de fome.
______________
  1. Lacerda Machado, F.S. – “História do Concelho das Lages”, 1936, pág.78
  2. Macedo, Silveira de – “História das quatro ilhas...”
  3. Madruga, M.el Alexandre - "A Freguesia de S. João Baptista da Ilha do Pico na Tradição Oral dos Habitantes"

Vila das Lajes do Pico,
17-Outº-2012
Ermelindo Ávila