segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

O meu Natal

Vivemos uma noite especial. Os sinos dos campanários das Igrejas católicas repicaram festivamente. Um acontecimento extraordinário foi celebrado, na simplicidade cristã do povo de Deus. Tal como aconteceu há 2010 anos, também agora.

Em anos passados, embora a liturgia da Igreja não houvesse sofrido muitas alterações, os filhos de Deus, de perto e de longe, nesta Noite Santa, como canta o hinário cristão, acorriam aos templos das suas localidades para celebrar a chamada Missa do Galo.
O templo encontrava-se normalmente repleto de fiéis quando o sacerdote, revestido dos mais vistosos e por vezes ricos paramentos, chegava ao altar, rodeado de acólitos, para a celebração. A capela ou o coro estavam prontos, no local costumado, para iniciar os cantos litúrgicos.

Quan Enquanto o antigo relógio da torre dava as doze badaladas, o sacerdote entoava o Glória in excelsis Deo; e a capela continuava: Et in terra pax hominibus bonae voluntatis. Tudo em latim.

Os sinos repicavam então festivamente a anunciar a boa nova. O templo ficava totalmente iluminado com lanternas de petróleo ou, mais tarde, candeeiros incandescentes, e as cortinas que vedavam o Presépio grande, abriam-se a expor a gruta iluminada com um foco eléctrico - onde não faltavam as cidades, os montes e vales, as pastagens e os lagos, nem as figuras de pastores trazendo ovelhas e cordeiros – no qual se encontrava reclinado nas palhas de uma manjedoira, o Menino Deus.

A celebração festiva continuava. Ao Evangelho o celebrante dava as tradicionais Boas Festas aos presentes e a todos os homens de boa vontade.

No final da celebração seguia-se o “beija-pé” do Menino, apresentado pelo celebrante a toda a assembleia. Nesse momento principalmente as crianças corriam para junto do Presépio a ver o Menino Jesus, Sua Mãe e S. José, com o burrinho e a vaquinha ao lado. Para elas tudo era um encanto.

A festa terminava com as tradicionais saudações entre pais e filhos, amigos e conhecidos; todos, afinal, porque não se faziam excepções.

Em regressando a casa, cada um procurava a sua prenda. E havia-as simples e pobrezinhas mas plenas de um sentimento de amor e de alegria, pelo dia especial que se vivia.

Os miúdos procuravam então as prendas do Menino Jesus. Geralmente uns doces ou figos passados. E por vezes um brinquedo simples, de latão ou feito pelo pai, em horas mortas, para que não fossem descobertos antes do grande dia. Até porque o comércio não se aventurava a importar brinquedos, pois eram poucos os pais que os poderiam adquirir.

As horas das refeições eram diferentes das actuais. O almoço era normalmente a refeição principal. A mesa já se encontrava posta. A carne, ou caçoilha, preparada de véspera, e o pão alvo (ou pão de trigo). Da adega, aqueles que a possuíam, fora trazido o vinho de cheiro para aquela ocasião, e a angelica para servir as visitas com os figos passados, secos na época do verão, colhidos das figueiras da casa. Não se conheciam os bolos do Natal, só mais tarde, enviados pelo correio por parentes e amigos imigrados nos Estados Unidos ou cá introduzidos pelos emigrantes americanos.

Pela tarde faziam-se as visitas aos familiares e amigos. Não eram esquecidos neste dia, os velhos pais, os irmãos e os parentes mais chegados. Uma tradição que se cumpria com alegria.

Nas ruas cumprimentava-se toda a gente. Não se faziam excepções. Para todos iam, prazenteiros, os votos de Boas Festas! Ninguém era excluído. O dia era de paz e alegria.

Á noite aconteciam os “Ranchos do Natal”. Não faltava o anjo com uma estrela erguida numa vara, nem os pastorinhos, trajando as roupas do trabalho, com algumas alfaias e as vulgares canecas de leite e outras figuras típicas.

Cantavam loas apropriadas: “É nascida a luz do mundo, / Altos mistérios encerra..../ Glória a Deus nas alturas / E aos homens paz na terra.”

*


Natal de outros tempos! Hoje é algo diferente. Mas este dia não deixa de ser Natal.

A propósito lembro o que escreveu o notável escritor e contista Nunes da Rosa em Pastorais do Mosteiro, e no conto “Folha que passa…”, ou melhor Natal - em 1894, e convém anotar a data : À noite, da janela do meu quarto - cenário morto do meu passado! – quando os sinos da igreja repicavam festivamente, senti uma enorme impressão de choro…Lembrava-me do Natal de outros anos: tanta criança, tanta luz, tanta alegria, tanta mocidade…e tudo morto, tudo esbatido na triste nostalgia de tempos que não voltam!... E chorei naquele dia as minhas primeiras lágrimas de rapaz…” Hoje alguns poderão o mesmo dizer.

E porque é Natal aqui deixo com muito respeito os meus cumprimentos de Boas Festas a todos os que entusiasticamente fazem este tão apreciado Programa - particularmente a Mário Jorge Pacheco e João Almeida; a quantos exercem suas actividades nesta casa, aos colaboradores dispersos pelas Ilhas, aos radiouvintes, não esquecendo conhecidos, amigos e familiares.

Boas Festas do Natal!

Bom dia!

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À laia de conto


A PRENDA DO NATAL


Era o mês de Dezembro. Chovia torrencialmente. O mar estava ovelhado, como dizem os marinheiros, e temia-se que o vapor da carreira não fizesse serviço no porto. A noite foi algo tempestuosa mas, como por milagre, a manhã despertou calma, sem vento nem chuva.

Os marinheiros dirigiram-se para o cais, pois o velho “Lima” devia em pouco aparecer ao lado do Castelete e dirigir-se, em marcha reduzida, para a baía. Lancha e barcos de descarga já estavam prontos a sair a “Carreira” para se dirigirem ao fundeadouro.

Era o mês do Natal e o comércio aguardava, com ansiedade, as mercadorias para a quadra festiva. Além disso, esperava-se algum estudante que viesse passar as férias com a família, não muitos, pois poucos eram aqueles que se davam “ao luxo” de frequentar escolas superiores.

E o “Lima” surgiu ronceiro e um tanto inclinado para bombordo, como vinha sendo habitual. O “Prático da Baía” já estava no “ancoradouro” aguardando o barco, para lhe indicar o local exacto de “deitar o ferro”. Era assim todos os meses, a menos que o mar tempestuoso não permitisse “fazer serviço” e então lá seguia o “Lima” até ao Faial onde desembarcava os passageiros e esperava que o tempo amainasse para, no dia seguinte, nos portos de regresso, fazer o serviço de carga e descarga e tomar algum passageiro, - eram sempre poucos - que nele embarcavam para as ilhas ou para o continente. E, durante os meses de Inverno, quantas vezes isso acontecia!

Há dezenas de anos o Antonico havia embarcado no mesmo navio, rumo a S. Miguel, afim de tomar o vapor que por lá passava algumas vezes no ano, rumo aos Estados Unidos. Um agente de viagens havia-lhe preparado o “visto” no Consulado Americano e reservado a passagem a pedido de um tio que havia emigrado para a Califórnia, ainda rapaz e por lá se fixara, vigiando ovelhas e, depois, trabalhando numa leitaria. Há quantos anos! Por lá se acomodara, casara e já tinha filhos e netos. E nunca mais voltara à terra.

Uma ou duas vezes no ano escrevia aos Pais mas isso deixou de fazer quando eles faleceram.

Agora era o sobrinho que para lá ia, antes de entrar na idade da Tropa, a pedido da irmã que por cá ficara e velara os Pais.

Nos primeiros anos foi difícil a vida do Antonico. O Patrão, um mexicano, era mesmo mau e tratava os trabalhadores do seu “fame” como negros. O Antonico tudo foi suportando. Da soldada que recebia mandava algumas “dólas” aos pais pelo Natal e o resto ia depositando no Banco, a conselho de um companheiro cabo-verdiano.

Passaram-se meses e anos. O Antonico continuava a trabalhar para o mesmo patrão e a juntar dólares. Certo dia, porém, resolveu ir ao banco saber qual o montante das suas economias. Não acreditou. Lá estavam, com juros acumulados, alguns milhares, não poucos. Ficou surpreendido e sem saber como proceder.

Casar não queria pois detestava a maneira de viver das americanas. À sua volta não havia portuguesas. Não se ia, pois, “enforcar” com qualquer rapariga desconhecida. Demais, não tinha jeito para negócios e o seu dinheiro, só a render juros, não seria suficiente para a velhice, quando o patrão já não precisasse dele. Conversou com o companheiro. Escreveu à mãe perguntando como era a vida por cá, se havia prédios à venda e se davam rendimento.

A resposta não tardou. O Antonico tomou uma resolução: voltar à terra donde saíra há tantos anos. Aí procurar uma moça prendada com quem casar e constituir a sua família. Comprar alguns prédios e dedicar-se a trabalhar o que era seu. E, se melhor o pensou, melhor o fez.

Despediu-se do “Bosse” e dos poucos amigos que tinha. Foi à “estoa” com o companheiro e comprou alguns fatos e peças de roupa para trazer. Foi à cidade e procurou uma agência de viagens que lhe preparou a documentação e a passagem de regresso. E... num dia de Dezembro, partiu. Estava-se próximo do Natal ou da festa do São Nicolau, como por lá se dizia. As ruas das cidades e vilas já se encontravam iluminadas para a grande festa. Antonico nem nisso reparou. Tinha um fito: chegar à sua terra e abraçar a mãe que já devia estar muito velhinha.

Tudo correu como planeara. Da Califórnia veio em carro de fogo para Boston e aí tomou um dos barcos da Fabre Line que escalavam Ponta Delgada. Quando chegou, o “Lima” já estava na doca. No dia seguinte seguiria para as “Ilhas de Baixo”. Na Alfandega tudo correu pelo melhor. Despachada a carga, tomou o “Lima” e instalou-se na segunda classe. Três dias demorou a viagem, pela Terceira, Graciosa e São Jorge.

Naquela manhã de Dezembro, desembarcou na sua ilha. Não conheceu ninguém mas lembrava-se da casa dos Pais. Não demorou muito a lá chegar e a abraçar a velha Mãe que o recebeu surpreendida e chorosa.

Nunca julguei ver-te mais, meu querido filho! Foi a melhor prenda do Natal que podia ter em toda a minha vida! Que Deus te abençoe e faça sempre feliz, como feliz me fizeste com o teu regresso a esta pobre casa!”


Vila das Lajes

Natal de 2010

Ermelindo Ávila

25 Dezembro 2010

Ermelindo Ávila

sábado, 18 de dezembro de 2010

MANHÃS DE SÁBADO18-12-2010


Nas minhas últimas crónicas tenho referido, com alguma regularidade, as festas do Natal. Afinal estamos na época própria e é sempre agradável recordar o passado, curto ou distante, em que a Festa era esperada com ansiedade e grande entusiasmo.

Hoje é tudo tão diferente. Já não esperamos prendas, nem a consoada, nem as visitas das famílias amigas. É tudo passado, que não esquecido.

Todos os anos é recordado o nascimento do Menino. Uns com sentimento religioso, outros como época de prendas e de encontros de famílias.

Verdade seja que nenhum acontecimento no Mundo teve e tem tamanha repercussão. Nenhum é comemorado há 2010 anos. Todos os outros têm vida efémera. Passado o entusiasmo das primeiras horas, volvem-se ao esquecimento e mais tarde, para os recordar, há que fazer grandes investigações históricas.

O Natal não precisa de novas investigações. Está nos Evangelhos que os chamados apóstolos evangelistas – Lucas, Mateus, Matias e João escreveram.

Vale a pena viver o Natal. Seja a celebração do Menino Deus numa cabana de animais na cidade de Belém, seja a hoje chamada “Festa da Família”.

O povo cristão vive com alegria sã estes dias de Dezembro invernoso e frio, acalentado por uma fé muito antiga mas sempre nova .

O menino Jesus no seu tempo não teve nem prendas nem bolos de Natal. Viveu pobre e ignorado. Apenas doze anos completos se manifestou no Templo aos doutores da Lei para, depois, se recolher à pobre casa de Nazaré, sujeito a Maria e a José.

Aos trinta anos rodeou-se de doze homens rudes que o acompanhavam em todas as caminhadas apostólicas, para celebrar com eles, e só com eles, a ceia pascal, como era tradição judaica. Para o repasto não convidou mais ninguém, nem os Evangelhos, os livros que contèm a história da vida Cristo, referem sequer sua Mãe. E foi nessa última Ceia que instituiu os doze seus Ministros. Depois de abençoar o pão e o vinho, disse-lhes: Fazei isto em memória de mim. A eles e só a eles, homens rudes e simples, transmitiu o poder e o privilégio de renovar o pão e o vinho no Seu Corpo e Sangue; a eles e aos seus sucessores, que não a outros ou outras.

Os católicos continuam a celebrar o Nascimento do Salvador: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade e também àqueles que aceitam viver segundo o evangelho, narração verdadeira da Palavra do Senhor.

Glória ao Menino nascido em Belém de Judá!

Vila das Lajes,

12 de Dezº. de 2010.

Ermelindo Ávila

ÉPOCA NATALÍCIA



Longe vão os tempos em que a época do Natal era vivida com entusiasmo e fervor litúrgico. Em todas as Paróquias realizavam-se as novenas do Menino Jesus, cantadas e com larga assistência de fieis. Antes, as novenas eram de madrugada com Missa privilegiada, o que permitia uma assistência mais alargada.

Os trabalhadores dos campos iam para a Novena já preparados para os trabalhos agrícolas levando as respectivas alfaias. Deixavam-nas no adro para assistir aos actos litúrgicos. Terminados estes seguiam para os campos, alegres e felizes.

Na antevéspera do Natal reuniam-se os amigos na “noite da Calhandra”. E a vítima era, normalmente, um carneiro ou um galo. Qualquer animal ou ave servia para a pantagruélica ceia. Por vezes acontecia desaparecer ao vizinho um bicho mas ele não deixava de ser convidado para o rústico repasto. E quando sabia, raramente se amofinava.

Nos últimos dias de novena iam-se preparando os diversos acepipes, ou uma frugal refeição, conforme as possibilidades de cada qual, mas normalmente era a caçoilha o grande prato da ceia do Natal. Os açougues preparavam-se com antecedência e quase sempre a carne no talho faltava.

Não se conhecias o bolo de Natal, “importado” dos Estados Unidos. Além da caçoilha, prato obrigatório, os doces reduziam-se a uns figos passados vindos do Algarve ou preparados durante o verão, das figueiras da casa. E não havia brinquedos nem árvores do Natal, uma inovação americana que só por cá apareceu com o retorno de alguns emigrantes.

Uma época diferente mas que não deixava de ser feliz.

Ninguém faltava à Missa do Galo, mesmo muitos daqueles que não tinham por hábito frequentar a Igreja. A capela preparava as melhores partituras, algumas velhas de anos, quer para as matinas quer para a Missa solene.

Acontecia virem à Matriz das Lajes pessoas de outras paróquias, para assistirem às Matinas. E isso igualmente sucedia pela Páscoa, pois eram habituais as Matinas da Quinta-Feira e Sexta-feira santas.

As capelas eram agrupamentos musicais que reuniam os melhores músicos da paróquia, alguns com excelentes vozes e lendo as partituras como verdadeiros artistas.

A iluminação era frouxa. Não havia electricidade. Candeeiros de petróleo faziam a iluminação do templo, cujos altares eram adornados com muitas flores e “bancadas” com círios. Nos trajectos serviam os lampiões de azeite de baleia e, mais tarde, os de petróleo ou de velas de estearina. E bastavam para conduzir os grupos até à igreja ou de regresso às respectivas habitações. Mais tarde apareceram os candeeiros incandescentes. Um luxo, que poucos podiam utilizar.


No presépio da igreja era colocado um foco eléctrico para ser aceso no momento do “Glória in excelsis Deo” a imitar a estrela que conduziu os pastores a Belém.

Coisas simples mas que não deixavam de ter o seu significado, com certa pureza evangélica. E o povo aceitava e acorria aos actos litúrgicos, com devoção e piedade. É caso para se dizer: “santos tempos!”

A vida moderna não permite estas singelezas. Talvez se ria quando ler estas reminiscências do passado. Um passado que não está muito distante mas que foi vertiginosamente substituído por um modernismo ateu e pouco dignificante.

A Liturgia teve de adaptar-se aos tempos modernos, simplificando os respectivos actos, para que não se tornassem longos e fastidiosos. Mesmo assim, as igrejas vão-se despovoando por razões diversas, que não vale a pena trazer aqui. Na generalidade, todas as pessoas conhecem as causas do indiferentismo e do abandono dos templos.


Dezembro de 2010.

Ermelindo Ávila

MANHÃS DE SÁBADO 11 - Dezº-2010


Dentro de quinze dias é Natal. Já se vai notando por aí um ar festivo, embora a crise que se anuncia e realmente se vive, não permita grandes e estrondosas manifestações de festa.

As árvores do Natal, que aparecem, são mais simples. As prendas mais modestas, Algumas mesas da ceia do Natal mais frugais. É, na realidade, “o cinto que se aperta”.

Mas de quem é a responsabilidade?

. Pois se povo continua a sua vida modesta, imposta por ordenados e salários baixos e por uma contínua alta de preços, até nos produtos essenciais à vida...

A maioria dos grandes, aqueles que apregoam a crise, nem sabem o que ela é. A alta finança continua a manobrar-se livremente, mantendo os dividendos e os demais rendimentos que auferem das respectivas empresas.

Os pobres, esses sim, são dignos de uma atenção que esporadicamente lhes é prestada. E basta ver o que todos os dias nos apresenta a TV: Os refeitórios comunitários cheios de gente à espera de um prato de sopa, ou a procurar, nos caixotes de lixo, os restos de alimentos dos restaurantes e hotéis. E aqueles que passam as noites na rua - os sem abrigo - à falta de um espaço acolhedor onde possam dormir?

É chocante ver as reportagens que se fazem destas situações de miséria, para as quais os movimentos de solidariedade que surgem por aí, são incapazes, naturalmente por falta de meios, de lhes acudir. E os casos de penúria não são apenas aqueles de que se fazem eco os chamados orgãos da comunicação social mas sobretudo os outros, encobertos e ignorados de uma parte da sociedade.

Dão-se noticias dos movimentos de solidariedade da época natalícia. E o resto do ano? Só haverá fome e miséria nesta quadra festiva?

Época natalícia... Todos procuram vive-la o melhor que lhes é possível. As ruas das vilas e cidades vão-se enfeitando com luzes de cores variegadas. As casas vão armando os presépios, nem todas com certeza, e levantando as Árvores do Natal.

Nestas pequenas terras a generalidade das pessoas procura, o melhor que pode, preparar a ceia do Natal, numa tradição familiar de confraternização e amizade. É o que por cá se regista, principalmente nas colectividades oficiais e particulares. E ainda bem que isso acontece.

Na verdade, no decorrer do ano, o Natal é uma época diferente na qual recordarmos aquele Menino que nasceu pobre e para o qual os Pais nem tiveram uma enxerga para o reclinar.

Está o povo cristão a comemorar o nascimento do Redentor. Na evocação dos Anjos, na Noite Santa, pelas Igrejas ainda ressoa o Glória in excelsis Deo. E nos lares cristãos, que aliás bem poucos vão sendo – basta ter presentes as estatísticas que nos indicam os casamentos católicos que ainda se realizam, - levantam-se pequenos altares em homenagem ao Infante Santo.


Valha-nos isso!

Bom dia!


6 de Dezembro de 2010.

Ermelindo Ávila

sábado, 4 de dezembro de 2010

O TRIGO E OUTROS CEREAIS

Longe vão os tempos em que, na parte Sul da ilha do Pico, os campos apresentavam, em chegando o Verão, belas cearas de trigo, à mistura com os verdejantes milheirais. Hoje é tão diferente passar por esses extensos campos e vê-los quase só destinados a milho “basto” para forragens. Mas nada é novidade. Nestes cinco séculos de vida, que estas ilhas levam, as culturas foram sendo adaptadas às exigências da vida decorrente, sem apelo nem agravo.

O trigo foi o primeiro cereal que os povoadores para cá trouxeram, embora não se adaptasse a todos os terrenos. É o que nos narra Gaspar Frutuoso, quando se refere à chegada dos primeiros povoadores à Ilha de São Miguel e que se fixaram na Povoação: Dizem que estes mesmos (povoadores) desta primeira povoação foram os primeiros que nesta ilha semearam trigo, e os campos em que foi semeado eram tão abundantes e férteis, que o trigo não dava espiga mas fazia uma cana grossa coberta de grandes e largas folhas, como dizem acontecer no Brasil...” – “E posto que a Povoação que agora se chama Velha, não desse trigo naqueles primeiros anos que o semearam, depois o deu em grande abundância e o melhor da ilha...”(1)

A ilha do Pico, dada a natureza dos terrenos, produzia pouco trigo. Raro era o ano em que esse cereal sobejava e algum podia ser exportado.

Mais tarde, em 1670, Denis Gregório de Melo, capitão - general dos Açores introduziu a cultura do milho.

A batata branca, ou batata comum, chegou aos Açores e foi distribuída pelas ilhas em 1775; e a batata doce, trazida de S. Miguel, chegou ao Pico em 1860, generalizando-se a sua cultura por toda a ilha. Só mais tarde apareceu na ilha do Faial. Todavia o inhame já era conhecido no Pico, no século XVI (2).

Com a introdução do milho e da batata doce, as culturas do trigo deixou de ter algum interesse passando o trigo a ser um cereal nobre, não só pelo trabalho que exigia, mas também pelo pouco valor nutritivo.

Até meados do século passado o trigo era raramente cultivado e a produção somente destinada a casos especiais, como sejam as funções de Coroa ou casos de doença.

Todavia não deixa de se registar a sua cultura. Os terrenos de natureza especial, principalmente menos pedregosos, eram sempre os mesmos – “o serrado do trigo” era assim designado em cada casal agrícola.

Embora o trigo não fosse cultivado todos os anos, era guardado cuidadosamente para ser utilizado em ocasiões especiais, como sejam: além das Coroações, os casamentos e baptizados, as matanças dos porcos, as festas da Páscoa e do Natal, e poucas mais.

Muitos lavradores possuíam eiras, utilizadas somente pelos proprietários, vizinhos e amigos. Nesta vila conheci três eiras: uma no alto de Santa Catarina, que ainda lá se encontra, embora arruinada, uma no juncal, perto da entrada do muro do Caneiro, praticamente desaparecida e uma outra, no Verdoso, perto da lagoa interior que lá se encontra e que era constituída por uma grande laje, no meio da qual existia (existe?) um buraco onde era colocado o “moirão”.

O dia da debulha era de festa. Até as refeições eram melhoradas. De véspera trazia-se do baldio ou das pastagens os animais necessários para serem empregados na debulha.

O trigo havia sido apanhado (ceifado) dias antes e disposto, em molhos, junto das paredes do serrado, para enxugarem.

Na eira, enquanto não se iniciava a debulha, algumas senhoras iam escolhendo as palhas mais sãs para a feitura de chapéus e outros artefactos. A restante palha, depois de retirado o grão, era destinada a colchões. A moínha destinava-se à alimentação de animais.

Maria Fernanda Simões escreveu um interessante trabalho sobre o percurso do trigo, como o classificou no Prefácio o Dr. Dinis Borges. Vale a pena lê-lo. Apesar de estar ausente da terra natal há muitos anos, soube registar em “Saudades dos Tempos Que Já Lá Vão”, uma das fainas mais interessantes da vida campesina e que praticamente desapareceu. É pena.

Permito-me transcrever, do livro citado, estas duas expressivas quadras:

Não há debulhas nas eiras,

Não há trilho e moirão,

Não há trigo pelas jeiras,

Não há brindeiras de rolão.

Tudo se foi e se abalou.

A ilha é diferente agora,

Apenas a saudade ficou

Desse passado de outrora.”


Vila das Lajes, 25-11-2010

Ermelindo Ávila

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  1. Frutuoso, Doutor Gaspar, “Livro Quarto das Saudades da Terra”- vol.l pág.18

  2. Ávila, E. “Ilha do Pico – Suas origens e suas gentes (Notas Históricas)