domingo, 20 de outubro de 2013

A HORA QUE PASSA

NOTAS DO MEU CANTINHO

A HORA QUE PASSA...


Recebi uma carta de um familiar na qual me manifesta a sua preocupação pelos tempos que estamos a viver. E escreve: “O mundo precisa de todos, nas referências, lendas vivas, que tenham ultrapassado quase tudo e estejam cá para nos demonstrar que conseguiram, são fulcros para que possamos passar a mensagem de que, enquanto houver ventos e marés, “a gente” vai continuar! Da minha parte, o que lhe garanto é que está na minha matriz a vontade de mudar o mundo, de levar a felicidade a quem a não tem; de roubar um sorriso a quem chora; de acreditar numa sociedade em que todos possam, livres de preconceitos, viver as suas vidas. Está na minha matriz não ser mais um...”
Tem razão o meu escrevente. Na realidade, o mundo precisa que alguém, na hora presente, reflicta, honestamente, sobre o seu estado e procure contribuir, com  inteligência, esforço e dedicação,  para que a situação caótica que atravessamos seja completamente modificada. Mas, julgo nas minhas reflexões íntimas, que muito mais tarde toda a situação caótica que, presentemente, nos atinge, se poderá modificar.
A  grande maioria – não digo a totalidade – dos gestores, dos líderes e dos políticos está a ser vítima de  erros e de ambições. Todos procuram ser ricos e dessa ambição desmedida resulta que a grande maioria é pobre e desprovida dos bens essenciais a uma vivência justa, honesta e digna. Os famintos, os miseráveis, os sem abrigo, os desempregados, os que andam à procura de uma situação estável, digna e reconfortante para si e para os filhos e outros familiares, constitui a grande maioria da actual geração.
Os bancos estão a falir, os velhos estabelecimentos comerciais a cair na insolvência e a encerrar as porta que abriram a primeira vez há dezenas ou centena de anos, as actividades industriais passam a ser propriedade dos  magnates da fortuna de outros países, que estão a  transferir as respectivas sedes , provocando cada vez mais um autêntico desemprego selvagem.
Portugal que, outrora, vivia sem dificuldades financeiras, anda agora de mãos estendidas por essa Europa fora, a mendigar um euro e a entregar-se nas mãos sovinas de uma Troika, que nos impõe, selvaticamente, suas medidas drásticas e atrofiantes.
É tempo de acordar e de dizer basta! É tempo de voltar atrás e de arranjar com dignidade uma nova maneira de viver. Os portugueses têm direito a uma vida desafogada e próspera como a que já viveram em tempos passados. Não somos mendigos nem atrasados mentais. Somos gente honesta, inteligente e empreendedora. Disso damos provas quando abalamos para outras terras e nelas assumimos posições de relevo económico, social, intelectual e até desportivo. Em todas as áreas os portugueses sabem distinguir-se  no estrangeiro. Porque não acontece o mesmo em Portugal? Será porque cá só vivem os mais atrasados e infelizes? Não creio. Não me julgo nessa área social, nem a totalidade dos meus familiares, que são bastantes e de todos os que conheço. Felizmente!
Portugal tem de encontrar, a tempo, as pessoas capazes de o dirigir e governar. De fazer progredir as suas actividades económicas e de afastar o espectro da miséria que nos quer atrofiar.
Portugal tem de abandonar a política, por vezes mesquinha e traiçoeira em que parece ter caído, e  saber defrontar aqueles que, retirados no seu dolce fare niente, fingem ignorar o estado caótico em que vive a maioria dos portugueses.
É tempo de acordar do letargo algo criminoso em que nos deixaram cair e fazer voltar a Nação de Quinhentos, em que “demos novos mundo ao mundo”.
É tempo de Portugal emparceirar com as outras nações que descobriu, povoou e civilizou.
Estarei errado?  Não me resta tempo para provar que tenho razão. Outros, mais tarde talvez me a darão!
Lajes do Pico,
12 de Outubro de 2013.
Ermelindo Ávila.

sábado, 19 de outubro de 2013

CONFRARIAS E IRMANDADES

NOTAS DO MEU CANTINHO


Actualmente, e segundo estabelece o Código do Direito Canónico, os fiéis têm a faculdade de, mediante a autorização da autoridade eclesiástica, criar associação nas respectivas paróquias. Assim reza o Cânone 215: “Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos fins.”
Antes da vigência do actual Código de Direito Canónico, (25 de Janeiro de 1983) as confrarias eram, praticamente, as administradoras dos bens culturais.
No “Livro da Arca das Três Chaves”, onde eram registadas as contas das paróquias, encontram-se várias referências às receitas e despesas das confrarias. E estas existiam, praticamente, para o culto de cada santo venerado em qualquer igreja ou ermida.
No ano de 1791, a Confraria do Santíssimo entregou na arca das 3 chaves a quantia de 110,220 reis, e o mordomo da Confraria de N.ª Senhora do Rosário, a quantia de 38.560 reis. E outras confrarias procederam de igual maneira: de Santa Rita, do Bom Jesus, das Almas, e outras mais, como São Pedro e Santa Catarina.
Em 1883, depois da chegada da Imagem de Nossa Senhora de Lourdes, foi a respectiva Confraria, pagando cada irmão 400 reis de pauta. Lembro ainda a Confraria dos Marítimos, que funcionava como uma caixa de socorros mútuos. Assim, igualmente a Irmandade da Santa Casa que emprestava quantias em dinheiro a muitas pessoas, mediante fianças competentes.
Todas as Irmandades ou Confrarias, que me lembre – Santíssimo, N.ª Senhora de Lourdes, Misericórdia, tomavam parte nos actos de culto e nas procissões com as respectivas opas: vermelha a do Santíssimo, como ainda hoje acontece em variadas paróquias dos Açores; N.ª Senhora de Lourdes, opa branca; e dos Marítimos, opa azul. Os irmãos da Misericórdia usavam balandrau preto: opa com capuz e mangas largas. Com ele assistiam aos funerais dos irmãos falecidos, nas cerimónias da Semana Santa, e nas Procissões de Passos e Enterro do Senhor.
A irmandade do Santíssimo assistia a todos os actos de culto solene, na matriz, e nas procissões, tal como ainda hoje se vê em diversas procissões das paróquias e santuários da Diocese.
A opa vermelha era também o distintivo do sacristão e dos que tomavam parte como acólitos nos actos litúrgicos.
As irmandades ou confrarias praticamente desapareceram. Nas procissões vêem-se algumas opas nos indivíduos que conduzem os andores, mas raros são.
A Santa Casa deixou de ter o balandrau, pois funciona mais como instituição de solidariedade social, praticamente arredada da Igreja, embora com estatutos aprovados pelo Prelado, depois da Revolução de 25 de Abril.
Em algumas paróquias picoenses, ao menos, há associações de senhoras que tomam parte nas procissões. E é só...
Não será tempo de reorganizarem as irmandades, com as respectivas opas, e como instituições de fraternidade cristã e auxiliares do culto litúrgico? Fica o repto.

Lajes, 10 de Outubro de 2013

Ermelindo Ávila 

domingo, 6 de outubro de 2013

FIM DE FÉRIAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Fim de férias e fim das festas de verão. Com o findar do mês de Agosto, terminam, praticamente, as chamadas Festas de Verão. E com o seu fim, é a abalada daqueles que aqui vieram, ou passar férias, ou visitar os familiares ou gozar as nossas festas que, para muitos, têm um cunho muito especial.
Em próximas semanas chegará o Outono que, em tempos passados era considerado a Primavera açoriana, pelo clima ameno que nos trazia. Mas tudo chegou quase ao fim...
Os emigrantes, não foram muitos, regressaram aos seus lares, no Canadá ou nos Estados Unidos, principalmente. Outros visitantes regressam aos seus trabalhos, nos diversos sectores públicos e, os reformados, às suas residências a tratar dos netos...
Os estudantes fazem as malas. Seleccionam os compêndios, reformam os vestuários, arejam as capas... Tudo se apronta para a partida. E que dolorosa é ela por vezes...
Os que cá ficam recolhem-se a um mutismo confrangedor. Faltam-lhes os filhos, os netos, os amigos. Entram num isolamento por vezes atroz.
As ruas ficam quase desertas. Os sítios de lazer abandonados. O comércio diminuído. Restam-nos os campos, agora verdejantes, dum verde exótico, que lhes empresta o arvoredo que deles se assenhorou, nas faltas das culturas. Não houve trigos nem há praticamente milhos para colher nem se fazem as tão características e familiares desfolhadas, outrora tão alegres e acolhedoras. Os campos, que eram semeados de “Outonos” para alimentação dos gados domésticos, foram substituídos pelas rações importadas.
E, se para uns é agradável a contemplação dessas matas que se estendem pelas encostas, para outros elas trazem um misto de nostalgia pelo que eram os campos onde mourejavam dia-a-dia e o que, por abandonados, hoje são. Nem todos poderão aperceber-se dessa mortificante situação. Os mais antigos sofrem-na sem que tenham a coragem de revelar a angústia que sentem.
Aos picoenses, velhos e novos, resta o Pico – montanha. Sempre o mesmo e normalmente, na época de estio, sem alterações naturais visíveis destes lados. Todavia, no dia-a-dia, vai modificando seu aspecto, consoante as mudanças atmosféricas; se num dia está encoberto de nuvens pardacentas que o cobrem e escondem à contemplação dos picoenses, noutros dias amanhece límpido, com uns raios de sol a dourar as suas encostas e a oferecer beleza e encanto quando, ao alvorecer da manhã, os mais madrugadores para ela se voltam.
Vale ao menos ter esta montanha de encanto e beleza, que enche de nostalgia aqueles que daqui partem. Levam-na consigo, bem presente no seu espírito e para ela se voltam, quando a saudade lhes surge a apoquentar –lhes os dias e noites.
Como disse o Poeta, em poema maravilhoso, é a Montanha da minha dor,/Montanha do meu chorar;(...) Génio do meu viver.
Terminaram as festas, as principais do Pico. Outras haverá ainda, como seja a de Nossa Senhora da Piedade da Ponta, que outrora era uma das principais e à qual não faltavam alguns lajenses. De cá iam os músicos para reforçar a Capela, os sacerdotes para auxiliar os actos litúrgicos e, por vezes, fazer a pregação, e nos últimos anos, a Filarmónica Liberdade Lajense para abrilhantar a parte externa das festas. Uma festa precedida de novenário solene, sempre muito concorrido e que era aguardada pelos veraneantes que, principalmente da ilha Terceira, onde se fixou um razoável número de piedadenses, todos os anos ali vêm para tomar parte na festa da terra da sua naturalidade. A Senhora da Piedade continua a ser a sua Mãe-Protectora!
No lado Norte da Ilha, a meados de Setembro, celebra-se também, com brilho e entusiasmo, a festa da Padroeira da Prainha do Norte.


Lajes do Pico
26 de Agosto de 2013

Ermelindo Ávila

RECORDANDO...

Notas do meu cantinho


Até meados do século passado, os hábitos e costumes das nossas gentes eram totalmente diferentes daqueles que hoje nos é dado viver.
O conflito internacional que assolou a Europa e, por acréscimo, o Mundo, modificou totalmente a vivência das pessoas, transformando a própria e ancestral civilização.
É certo que não podemos voltar atrás. A evolução social não o aconselha nem permite. Mas importa que se tomem medidas acertadas para que os povos possam, novamente, usufruir de bem estar e paz, indispensáveis ao seu desenvolvimento e ao progresso das suas iniciativas e actividades.
Hoje, os processos de trabalho são diferentes. A máquina substitui, em muitos casos, o braço humano. E daí resulta, inevitavelmente, o desemprego, o maior flagelo da actualidade, agudizado com o aumento de braços, de ambos os sexos, quando, antigamente, eram apenas os homens que trabalhavam fora de portas em profissões várias, pois às mulheres só era permitido desempenharem as funções de professoras e além das funções de doméstica que, praticamente, quase se extinguiram... Algumas delas, depois dos trabalhos domésticos, - cozinha, lavagem de roupas, costura e outras mais – acompanhavam nos campos os familiares, ajudando-os no amanho das terras. Hoje, isso não acontece. Bem?... Mal?...
***
Raro era o verão em que os pescadores locais não demandavam outros ilhas em cujos mares existiam “marcas” ou “bancos” de peixe. No verão acontecia, por vezes, os barcos de pesca, aos quais se acrescentavam “bordas falsas” para melhor arrumo das bagagens, irem para os portos de S. Jorge e por vezes para os Biscoitos da Terceira, à pesca de fundo.
Acontecia também navegarem até aos bancos Princesa Alice e/ou D. João de Castro, levados por um barco motorizado, pois em qualquer deles faziam grandes pescas de “peixe de fundo”.
Um ano houve em que os pescadores locais resolveram ir até ao “Princesa Alice”, no iate “São João Baptista”, rebocado pela canhoneira “Açor”, que estacionava, normalmente, no porto da Horta. A viagem fez-se regularmente e, quando se encontravam no auge da pescaria, um dos presentes chamou a atenção dos companheiros para abandonarem a faina e regressarem a terra, imediatamente. Os outros, apesar de serem marinheiros experimentados, não aceitaram a recomendação e continuaram a pesca. Mas eis que, senão quando, o mar principiou a agitar-se e, quando saíram do banco, já a tempestade se aproximava. Conseguiram, porém, chegar à costa do Faial e aí abrigar-se até ao dia seguinte em que, com o mar mais calmo, regressaram ao porto. Da tripulação faziam parte, entre outros, António Vieira Soares (Boga), Manuel Vieira Soares, António Joaquim Madruga, todos eles, além de pescadores, hábeis baleeiros e António d´Ávila, meu avô paterno, dono e mestre dum batel de pesca.
Mesmo assim evitou-se mais uma tragédia marítima, de tantas que hão acontecido.

Lajes do Pico,
1 de Setembro de 2013.

Ermelindo Ávila

O U T O N O

Notas do meu retiro


Terminou a estação calmosa que, no ano em curso, não foi de excessiva canícula. Outros anos passados foram bem piores. O Outono chegou. Outrora era a Primavera das Ilhas, com uma temperatura suave, os dias algo amenos e as noites serenas. O vento de Outono era quase imperceptível. E lá dizia a canção: “Vento de Outono / contigo estou ...”
No fim do verão e primeiras semanas de Outono, se faziam as colheitas do milho, que as do vinho já haviam passado. O mosto passara aos balseiros e, depois de fermentado, às barricas, para, em Janeiro, ser trasfegado e limpo entrando na cura.
O milho era colhido, depois de, antes lhe haver sido retirada a espiga ou bandeira para amadurecer mais rapidamente. E, depois, vinha a esfolhada, um trabalho quase sempre divertido e que reunia, ao serão, familiares e vizinhos. Hoje, são raras essas esfolhadas, pois o milho quase não se colhe para uso domésticos. A maior parte é destinado a forragem para alimentação do gado vacum. E que interessantes e alegres eram essas noites de “descascar o milho”, como por cá se dizia !
Depois de seco no forno, era “avantejado”, recolhido em arquibancos ou caixas, barricas e mais tarde em depósitos de latão, todos estes recipientes devidamente enxofrados para ser utilizado durante o ano inteiro. E casa onde havia milho para o ano era casa feliz pois a subsistência da família estava garantida. O resto vinha com o decorrer do ano: a matança do porco e a conservação dos produtos respectivos, o leite retirado da “vaca da porta” ou da cabra, a carne de vaca, pelo Natal, Páscoa e Espírito Santo, os ovos e galinhas da capoeira, e as hortaliças do quintal: couves, nabos, funchos, abóboras e bogangos, batatas brancas e doces...
Agora importa-se algum milho, para a ementa familiar, mas o mais vulgar é adquirir aquele cereal já farinado ou usar o pão de trigo das padarias. Tempos diferentes e que, por serem os de mais fácil vivência não são os melhores para a economia doméstica.
Tudo isso que quase deixou de existir, resulta do abandono dos campos, que vão regressando aos primeiros tempos do povoamento: abunda o arvoredo selvagem a assenhorear-se das terras de semeadura, como eram conhecidas. Tudo é importado. Ou quase tudo...
Mas o sistema adoptado, numa modernização de costumes, não é somente destas ilhas. Elas estão a seguir, cegamente, o que vai acontecendo por esse mundo fora, principalmente no continente português. E já ninguém fala nos serões da esfolhada ou do descascar do milho.
Vale por isso trazer aqui o que escreveu o romancista português, outrora bastante lido, Júlio Dinis ou Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871):“...não há outros serões mais divertidos também. Ali todos se riem, todos cantam, todos se abraçam, e se beijam até; e fala-se ao ouvido, e graceja-se, dança-se, e com franqueza, se apontam defeitos, e sem ofensa se recebem censuras, e até são mais acolhidas as lisonjas; e tudo isto então, toda esta apetecível desordem, todo este abandono de etiqueta, à vista da porção sisuda da companhia, à qual a tolerância fecha desta vez excepcionalmente os olhos; e, a alumiar uma azáfama, meio festiva, meio laboriosa, apenas a luz mortiça dum modesto lampião, pendurado de uma trave do tecto ou, ainda melhor, a suave claridade do luar em tempo descoberto! (...) Cada espiga (ou maçaroca) vermelha, cada espiga de milho-rei – como por lá lhe chamam – é a sentença promulgada contra o feliz, a cujas mãos ela chegou. Cabe-lhe distribuir por toda a assembleia, ou receber de toda ela, um abraço mais ou menos apertado...”(1)
Por cá os serões eram idênticos. No século dezanove, não havia candeeiros nem velas de estearina mas as simples candeias alimentadas a óleo de peixe: albafar, toninha e até baleia. No entanto, habituados que estavam, ninguém estranhava. A folia era a mesma. E, por vezes, a lua entrava e alumiava os espaços, qualquer que eles fossem, até os saguões das casas morgadias. Tudo, porém, terminava às nove horas da noite, quando o sino da Câmara dava o toque de recolher... A partir daí ninguém podia andar na rua.
Hoje, das esfolhadas quase ninguém se lembra, infelizmente. E é pena.
_________________
1) Dinis, Júlio, “As Pupilas do Senhor Reitor”, Livraria Escolar Progredior, pág.160.
Lajes do Pico,
Setembro-2013.

Ermelindo Ávila

sábado, 5 de outubro de 2013

O CICLONE DE 1893

NOTAS DO MEU CANTINHO



Completaram-se as obras do Jardim da Baleia, como o classificam. O antigo Juncal desapareceu, bem como o rectângulo que servia de campo de jogos. Uma nova feição tomou a parte oeste da vila, dando-lhe, na verdade, outra dignidade e beleza. Mas, em nosso entender, há ainda algo a executar para que aquele espaço se torne atractivo e acolhedor. Refiro, por agora, os chamados “bancos de jardim” que se tornam indispensáveis para que as pessoas possam repousar e não nos muretes de cimento que lá abundam.
O Jardim foi possível ali implantar (faltam os canteiros e as flores para que possa ser jardim e não apenas o relvado e as árvores) porque se alteou o muro de defesa e se construiu, embora com deficiências (basta olhar para o desaparecimento dos blocos de coroamento), o troço de muralha na zona da antiga “carreira”.
O muro de defesa, propriamente dito, foi alargado e alteado, nele se construindo, a espaços, bancos de descanso. Julgo que assim ficou a vila resguardada dos temporais que, periodicamente, assolavam a parte baixa, dando maior segurança aos habitantes daquela zona.
E porque estamos já no Outono e ficou para trás o Verão, será de lembrar que, nesta mudança de estações, aconteciam, por vezes, temporais e ciclones que deixavam a parte oeste da Vila num montão de destroços.
Lembro-me do ciclone de 1936 que derrubou a muralha em frente da zona Norte da Vila sem, contudo, fazer vítimas, como o de 1893.
Diz um jornal da época, citado pelo historiador Fernando Borba: “Na madrugada de 23 (aliás 28) do mês de Agosto de 1893, o vento começou a soprar com enorme violência, do quadrante S.S.E., fazendo grandes estragos no campo. Cerca das 8 horas, como continuasse com a mesma intensidade, aniquilando inteiramente os milheirais, o digno vigário desta vila celebrou preces na igreja matriz, a que concorreram muitos fieis. (...) O acto religioso ia talvez a meio, quando as pessoas que estavam próximas à porta principal da igreja, cheias d'alvoroço, soltaram este grito aflictivo: - o mar! O vento havia avançado mais para oeste, enfurecendo as ondas que, nesta ocasião, já chegavam até à igreja”.
Importa dizer que se refere o articulista à antiga matriz, que ficava na zona onde hoje está a Capela Mor da actual matriz. Uma das minhas avós contava que o mar invadira a igreja e deixara peixes em cima dos altares!
Nessa ocasião, estavam ancorados no porto o iate S. João Baptista, o caíque Espírito Santo e o barco Bom Jesus. Os tripulantes do iate e do barco conseguiram ir a bordo e reforçar as amarrações. O mesmo não sucedeu ao caíque Espírito Santo. Nele ficou o infeliz Manuel Machado, rapaz de 20 anos, por não saber nadar, desaparecendo um pouco mais tarde.
Isto, em resumo, o que nos narra o historiador citado, baseando-se na narração do jornal “Cartão de Visita”, nº107, de 24 de Setembro de 1893. (1)
A ilha ficou devastada e foram muitas as ajudas que vieram de fora, incluindo dos Estados Unidos. D. Rosa Dabney Forbes, ao tempo, residente na Horta, importou dos Estados Unidos um barco com milho que fez distribuir pela população picoense. Para as Lajes, vieram 50 sacos que foram distribuídos por 19 famílias. Algumas delas receberam quatro sacos cada.
Outros ciclones tem havido ao longo dos tempos, mas julgo que o mais devastador foi o de 93. Precisamente, há 120 anos. Destruiu a Mouraria, a Pesqueira, e a Rua Nova da Lagoa. Além do Manuel Machado, desapareceu o comerciante João Machado Alves, que se encontrava no seu estabelecimento e do qual o mar o arrebatou. Este estabelecimento estava instalado no prédio que é, actualmente, de Serge Viallelle.
A muralha que circunda a Vila, foi construída no ano de 1914. Há cem anos portanto. Foi, erradamente, lançada muito junto da parte baixa da vila, quando o podia ter sido muito próximo da costa, recuperando-se os quintais que antes existiam e que os temporais foram conquistando para o mar. Bem reclamou o jornal “As Lages”, (que ao tempo se publicava) inclusive, o estreitamento da largura que foi sofrendo ao aproximar-se da Maré. Entretanto, ia desaparecendo o “Calhau Grosso” com a contínua retirada de pedra para construções. Os habitantes da beira-mar bem reclamavam mas de nada serviu...

(1) Boletim do Museu Etnográfico da Graciosa, nº 5. pág.103 e seg.s

Lajes do Pico,
28 de Agosto de 2013.
Ermelindo Ávila


ESTÂNCIAS DE VERANEIO

A MINHA NOTA

Ainda existem por esse Pico fora. Umas mais frequentadas do que outras, mas todas optimamente situadas em zonas de clima ameno e dispondo de boas “adegas” ou casas de veraneio. E é nesses sítios que, antes da ”despedida” para as residências próprias, os veraneantes promovem as festividades dos santos Padroeiros das respectivas ermidas que, em todo o Pico, se erguem e, cuidadosamente, são tratadas por zeladoras dedicadas.
Foram-se ou estão a terminar as festas de verão por estes sítios de lazer.
Realmente são as últimas deste Verão de 2013.
As que passaram, foram reconfortantes para quantos esperam para refazer forças gastas em trabalhos e canseiras de um ano nada ameno...
Para estes lados da Ponta, estão a terminar as lides da época. Toda a gente recolhe às adegas para acautelar o vasilhame que utilizou nas vindimas e preparar-se para a partida até às residências próprias: mas somente aqueles que não têm residência pelos lugares costeiros. É que a orla costeira da Ilha é toda constituída por lugares e sítios de veraneio, onde abundam as vinhas, nem que sejam as “americanas”.
O Pico está rodeado de sítios onde abundam as adegas ou casas de verão junto dos Currais de vinha, uma característica única em toda a ilha.
A Areia Larga era, ainda será?, uma estância de verameneio dos Faialenses. A testemunhá-lo ainda lá se encontra o solar dos Salemas. Mas outros mais por lá ficaram. Um pouco além, o Cais do Mourato, o Cachorro, o Lajido, o Cabrito, a Baía de Canas, o Canto de Santo Amaro, e, depois, a Baixa, o Cais do Galego, Calhau, a Manhenha, e por aí fora.
O mês de Setembro é o das festas da Piedade. No primeiro domingo deste mês, realizou-se a festa da Padroeira. Depois, no terceiro, é no Calhau a festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, numa ermida construída há poucos anos para, no último, se realizar a tradicional festa de Nossa Senhora das Mercês com que se fecha o ciclo festivo. E talvez por isso, é uma das mais concorridas, não apenas pelos habitantes da própria freguesia como por outros, vindos das freguesias limítrofes.
É no dia de Nossa Senhor das Mercês, que se venera na ermida de São Tomé, que se prova o vinho novo e se oferece aos visitantes. Uma tradição simpática, que ainda se mantêm, apesar das vinhas estarem em decadência. Nem todas são assistidas, por falta de mão de obra. Além disso as castas existentes são pouco produtivas e nada compensa a sua manutenção. Por aí vão aparecendo, nas grandes e médias “superfícies”, diversas marcas de vinhos importadas, e que os consumidores vão preferindo. A Izabela só com as “Sopas do Espírito Santo”... e pouco mais.
Os lugares de veraneio vão crescendo à volta do Pico. E refiro o lugar da Manhenha onde habitam, permanentemente, algumas dezenas de famílias. O mesmo no Calhau e na Baixa. E é por isso que, dando continuidade a uma religiosidade tradicional, também vai crescendo o número de ermidas. Há poucos anos foi restaurada, felizmente digo, a ermida de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, no Calhau, que conta quase dois séculos de existência. E está em adiantada construção a ermida que vai ser dedicada ao Papa Beato João Paulo II.
O Governador Santa Rita, no seu relatório de 23 de Dezembro de 1867, faz referência a trinta e uma ermidas existentes no Pico, incluindo nelas as igrejas de São Pedro de Alcântara e de Nossa Senhora da Conceição dos antigos conventos franciscanos. Silveira de Macedo, na “História das Quatro Ilhas”, (1871), refere 27. Actualmente, a freguesia ou paróquia da Piedade, tem cinco ermidas: Fetais, Manhenha, Cais do Galego, Calhau (2) e a nova deste sítio da Engrade, onde já se encontram alguns moradores permanentes e o número de habitações, que há poucos anos mal chegava à meia dúzia, já vai passando das três dezenas.

Engrade,
25 de Setº de 2013.


Ermelindo Ávila