sábado, 31 de outubro de 2015

O TURISMO QUE NOS ESPERA

NOTAS DO MEU CANTINHO


Está anunciada, nos órgãos de Comunicação Social, a vinda de voos charters da Holanda para ilha do Pico. A notícia, a confirmar-se, é bastante satisfatória para esta ilha, pois vai fazê-la melhor conhecida dos meios internacionais e representa uma nota bastante agradável para os picoenses.
Há muito que se vem escrevendo que o Turismo é a indústria do futuro. A ilha do Pico pouco mais tem para vender ou exportar além das suas belezas paisagísticas, do seu bom clima, da calma e sossêgo das suas gentes. Não contam ou não devem influenciar os casos raros de natureza judiciária que acontecem por esse mundo, com maior intensidade e agressividade. Aqui toda a gente é bem recebida e tratada. Esses poucos que, principalmente na época estival, nos visitam, andam por aí despreocupadamente e até tem um sorriso cativante para com as pessoas com quem se cruzam nas suas andanças.
E não vêm cá somente para vigiar baleias e golfinhos, muito embora a baía das Lajes seja o “santuário” privilegiado para esses cetáceos serem apreciados no seu deambular despreocupado nos mares que nos rodeiam. Mas há muito mais.
E isso prova os encontros que já tivemos com alguns casais que percorrem a ilha, descem aos lugares mais afastados dos povoados, como sejam a Manhenha, o Calhau, a Engrade, e aí eles preferem andar pelos atalhos e veredas ou trilhos, e por cima desses calhaus que afastam a terra do mar.
Há muitos anos que o turismo me preocupa como actividade industrial. Desde os tempos da antiga da Comissão de Planeamento da qual fiz parte, integrado no Grupo de Turismo. Certo é que nada consegui, mas isso não me impede de estar novamente aqui, como já o fiz em outras ocasiões, a pugnar pela organização da indústria do Turismo nesta Ilha. E essa organização não se limita ao agora chamado “turismo rural” que já funciona em várias localidades picoenses.
Com o desenvolvimento dessa actividade, torna-se indispensável a criação de outros estabelecimentos hoteleiros, pois sabe-se que os existentes são insuficientes para receber, no futuro, quantos desejem visitar a ilha e nela permanecer, em repouso reconfortante, que sejam somente horas.
Desenvolvendo-se o turismo aparecem, necessariamente, outras actividades comerciais e industriais, criam-se novos postos de trabalho e, dest`arte, evita-se o desemprego e a saída da juventude para os sítios onde possa encontrar trabalho.
Bons restaurantes, além dos que já existem, felizmente, que ofereçam pratos regionais, que aqui se produzem dos melhores, cómodas instalações, pessoal habilitado, e - importa que se diga – a preços acessíveis. Não se julgue que o industrial do turismo pode enriquecer de um dia para o outro. Tudo deve ser programado, orientado e executado com inteligência e competência.
E já agora, uma referência. E volto ao esquecido campo de golfe. Porque não conclui-lo e pô-lo em actividade? Não será um elemento em certo modo atractivo para aqueles que escolhem o Pico para repousar? E, depois, seguir-se-iam as naturais competições. Mas isso é já para o futuro...
Julgo que em breve se iniciará na vila das Lajes a construção de uma unidade hoteleira. Nem sei com quantas estrelas irá ser classificada. Indispensável que o seja, pouco importando o número, pois é sabido que o turista, normalmente, não vem para residenciais ou pensões, como antigamente. Hoje é mais exigente. Importa satisfazê-los.
Referindo a viagem aérea da Holanda para a Ilha do Pico, no jornal “Tribuna das Ilhas”, donde respigo com a devida vénia esta notícia, escreve MJS : Operada pela “TUI”, esta operação abrirá mais uma porta de entrada na região, nomeadamente nas ilhas do Triângulo, beneficiando não só da proximidade entre elas, mas também das condições de transporte marítimo já disponíveis entre estas três ilhas”.
E porque não táxis aéreos? Será utopia da minha parte?
Que a “TUI” venha e continue com os voos entre a Holanda e o Pico é o que mais importa. O Aeroporto do Pico e igualmente os picoenses têm condições para os receber. Mal seria se influências estranhas procurassem desviar os aviões holandeses para outras paragens.


Lajes do Pico,
18 de Outubro de 2015

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

COSTUMES ANTIGOS

A MINHA NOTA



Costumes ou tradições que vão desaparecendo com a adopção de outros sistemas de vida. E é pena porque eles traziam consigo, desde os primórdios tempos, maneiras diferentes mas que, em certa, medida facilitavam a vida das pessoas.
Em anos passados - quatro ou cinco dezenas já se contam – um dos dias do ano que as gentes do centro da ilha – norte e sul – se reuniam no Baldio praticamente comum, para a tosquia do gado ovelhum, era conhecido como o dia do arrodeio.
Durante o ano os rebanhos das ovelhas e dos carneiros pastavam despreocupadamente no Baldio comum às freguesias da Prainha e Lajes. Esses rebanhos eram pertença dos agricultores das duas freguesias. Pastavam juntos mas cada um dos animais tinha um sinal que os identificava e os donos, no dia um de Setembro de cada ano, reuniam-se para fazer a separação dos animais e igualmente aqueles com a que haviam nascido durante o ano e que não deixavam de acompanhar os pais. Aos cordeiros era-lhes então posto o sinal do proprietário e procedia-se à tosquia.
Amigos velhos que ali se encontravam todos os anos, faziam, por vezes, as refeições juntos e, acabado o repasto, davam inicio às chamarritas, pois havia sempre quem levasse uma viola.
Um dia festivo, embora de algum trabalho, e sobretudo de confraternização de velhos e novos. E, entre estes últimos, nascia por vezes o namoro que, normalmente, se tornava em união feliz. Conheci alguns desses casais.
As lãs recolhidas - pretas e brancas - eram aproveitadas para, depois de tecidas, delas se fazerem roupas de agasalho e meias para serem usadas nos trabalhos agrícolas, e não apenas. Aquela que tinha melhor qualidade era fiada e servia para o tear, que vários existiam.
Para os elementos do sexo masculino, faziam-se camisolas e meias. Parece que alguns usavam roupas interiores de lã, normalmente no Inverno.
As mulheres, quando em trabalhos agrícolas, usavam meias e saiotes também em lã.
Alguma lã era utilizada em mantas de agasalho, tecidas em tear doméstico pois, normalmente, havia em cada família uma tecedeira que quase só trabalhava no tear próprio.
Nos últimos anos, porém, apenas o Manuel Cravo, quando passou a residir nesta vila, trabalhava no seu tear, um instrumento muito antigo e que agora está arrecadado no Museu dos Baleeiros. Aqui nas Lajes o seu trabalho quase exclusivo, ao menos nos anos em que conheci, era o tecer “colchas da terra” e peças de tecido para vestuário, em lã. No entanto, havia quem enviasse a lã para a ilha de São Jorge, para lá ser tecida, pois sempre houve bons tecelões naquela ilha, principalmente nas Fajãs.
Arredado que estou da vida activa, nem sei o que actualmente se passa, com o trabalho das lãs. Julgo que pouca se colhe pois o gado lanígero praticamente desapareceu do Baldio, quando aqueles terrenos passaram à administração dos Serviços Florestais que os utiliza unicamente para apascentar gado bovino.
Os lavradores deixaram, praticamente, de criar gado lanígero e somente um ou outro daqueles animais é apascentado com o gado bovino. Dele é necessariamente retirada, anualmente, a lã com a qual se fazem as meias que eram utilizadas nos trabalhos agrícolas. Mas serão bem poucos, como poucos são nesta ilha os que, actualmente, aos trabalhos agrícolas se dedicam.
O primeiro de Setembro, dia do arrodeio, era um verdadeiro dia de festa, principalmente para as gentes das Lajes e Prainha do Norte.
Afinal, outros tempos, outros costumes.


Lajes do Pico, Setº 2015
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Ermelindo Ávila 

LENHAS E COMBUSTÍVEIS

CRÓNICAS DO MEU CANTINHO


Dou-lhe este título como podia dar-lhe outro, talvez mais apropriado. Mas vai o primeiro que saiu do teclado, pois, neste caso, o título pouco importa.
Até meados, ou pouco antes, do século passado, as donas de casa cozinhavam com lenha colhida nos prédios do alto. Era uma trabalheira para a conseguir. Tinha de ser cortada com antecedência de alguns meses e, depois, trazida em feixes à cabeça das mulheres, aos ombros dos homens, nos burros ou cavalos ou em carros de bois, para as residências e nelas preparada (aturada) para os lares.
Aqui nas Lajes as terras do alto, a Leste do burgo, só produziam lenhas, (faias e incensos) como ainda hoje. A lenha, depois de cortada ficava a secar e, quando própria para ser utilizada, era preparada em pequenos feixes, ou molhos, e atada a uma roldana de ferro, e esta a um fio que ligava o alto ao quintal da habitação. Normalmente era ao entardecer, no fim do trabalho, que os operários faziam os pequenos feixes e os enviavam pelo fio para as residências. O deslizar da roldana no fio produzia uma réstia de fogo durante o percurso. Para a miudagem, era um regalo ver o deslizar precipitado dos pequenos molhos. Com a construção da estrada Lajes - Piedade (1943) os fios que tinham forçosamente de atravessar a estrada, foram retirados.
O fogo para as cozeduras era mantido no “lar” e a grelha, ou trempezinha que nele se colocava, suportava os “caldeirões” e tachos onde eram cozinhados os alimentos. Depois apareceram as achas trazidas em carros tirados por um só animal bovino, pelos carreiros da freguesia de S. João, que abatiam a lenha no interior do Mistério onde ela (faias e incensos) ia crescendo. Geralmente, nos chamados dias úteis, o Manuel de Simas e o Inácio traziam à vila os seus carros tirados, cada um por um animal bovino, com achas, normalmente meio milheiro, para fregueses certos. Todos os dias vinham às Lajes com os seus carretos e, na volta, levavam os géneros que lhes haviam sido encomendados. Um serviço útil e simpático.
As achas, para serem utilizadas nos fogões, tinham de ser cortadas ao meio e desse trabalho se encarregava o Jaime (Jaime Teixeira) que outra coisa não fazia. E que fragoso era !...
As achas, passaram a ser utilizadas, principalmente, nos fogões vindos dos Estados Unidos ou importados do continente, até que os ferreiros locais os foram construindo à semelhança daqueles.
Continuaram, porém, e ainda hoje são utilizados, os fornos a lenha onde são cozidos o pão e o bolo e outros manjares e até assada a carne de vaca.
A meados do século surgiram os fogões a gás e, a partir daí, foram desaparecendo os fogões a lenha. As cozinhas passaram a ser providas de fogões a gás ou eléctricos. As salgadeiras, onde se conservava o peixe e a carne, foram substituídas pelas “arcas frigoríficas” e pelos frigoríficos.
Mas, recuando um pouco, e antes que fossem instaladas as redes eléctricas, ou mesmo existisse à venda o petróleo, as casas eram iluminadas com velas de cebo e, depois, de esteriarina e as cozinhas, normalmente, com candeias de azeite de moleiro, toninha, ou albafar. Raro era utilizarem óleo de baleia. Mesmo nas casas de abegoaria, onde nos serões do Outono decorria a desfolhada, a candeia servia para a ofuscada iluminação. Quando era “espevitada”, havia um dito popular: “O que cai da candeia de cima fica na candeia de baixo.”
O cheiro não era nada agradável e a luz muito ténue, mas os candeeiros a petróleo ainda não tinham cá chegado.
É por isso que, ainda na década de vinte, o Administrador do Concelho fez publicar um Edital determinando que o derretimento das carcaças de toninha ou boto só poderia fazer-se a partir das nove horas da noite. Era a hora do recolher. A partir dessa hora não era permitido andar pelas ruas. A Câmara dava sinal, no sino próprio. E até houve um tempo, ainda no século dezanove, que o sino avariou e o presidente da Câmara oficiou ao vigário da Matriz pedindo para ser utilizado o sino da igreja a fim de anunciar a hora de recolher...
Os tempos eram outros. Hoje seria muito diferente.
Quando o petróleo apareceu, a vila passou a ser iluminada com candeeiros a petróleo, até que um pobre louco, conseguindo fugir do recinto onde se achava detido, encontrou no caminho um carro de bois estacionado junto à moradia do proprietário, retirou de lá um fueiro e passeou pela vila partindo alguns dos candeeiros que já então iluminavam as ruas até à hora de recolher. A partir de então, e até que surgisse a electricidade (1932 ?) andou a vila às escuras...
E por hoje, aqui fico.
Lajes do Pico,
13 de Outubro de 2015.

Ermelindo Ávila

domingo, 18 de outubro de 2015

Potes e canecas

Notas do meu cantinho


Estes e outros mais eram utensílios domésticos fabricados da madeira de cedro, (da família Juniperus brevifolia).
        Segundo Ruy Telles Palhinha (in Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores) trata-se de uma espécie arbórea Muito procurada por causa da madeira. Na ilha do Pico atingia grande desenvolvimento e era utilizada, inicialmente, na construção de casas e igrejas. Depois passou a ser utilizada somente em vasilhas de uso doméstico: celhas para lavar roupas, para servir de preparativos culinários: bolo ou pão, potes para colher água dos poços, e outros mais. Enquanto não chegou o vasilhame de folha de Flandres.
Eram as canecas de cedro que serviam para receber o leite das ordenhas das vacas e cabras – e havia-as de todas as medidas: meia canada, cana, três, quatro e cinco canadas.
Era um vasilhame sempre muito bem cuidado, para que não transmitisse qualquer impureza ao líquido transportado. E, a propósito, recordo o que tive oportunidade de escrever: as moças a transportar à cabeça e nos ombros as grandes canecas, quase sempre rolhadas com urze, (Calluna vulgaris) transportando leite ordenhado das vacas que haviam descido das pastagens e vinham comer o refúgio que havia sido semeado nas terras de milho, após a colheita. A estrada ainda não estava construída e todo o trânsito passava pela rua principal, ou rua Direita da vila, como vulgarmente era conhecida, caminhavam aos ranchos, pois não havia trânsito que isso impedisse. O leite colhido era utilizado, geralmente, na alimentação familiar e no fabrico do queijo caseiro, uma especialidade – o queijo do Pico - que praticamente desapareceu. Hoje fabrica-se queijo com aquele rótulo, mas está muito distante do genuíno queijo que se fabricava até meados do século passado. Quem dele não tem saudades?!
Utensílios esses fabricados por tanoeiros experimentados e que, normalmente, só se dedicavam a essa actividade. Por aqui conheci quatro: dois na Ribeira do Meio e dois na vila. Esses, praticamente só se dedicavam à preparação das barricas que serviam para a exportação do azeite de baleia. Eram os mestres Tomé Alves e José Alves, que haviam andado na caça da baleia nas barcas americanas e que, ao regressarem, se dedicaram a essa faina. Não me lembro de produzirem artigos domésticos.
Os outros, com oficinas na Ribeira do Meio, o Mestre Tabuão e o Mestre Manuel Brão dedicavam-se a toda a espécie de utensílios e até aos cepos das galochas, em madeira de cedro, muito utilizadas por homens e mulheres.
Era interessante vê-los trabalhar. As oficinas conservavam um aroma especial da madeira de cedro, que caminhava longe.
Mas, além dos tradicionais utensílios, o cedro eram utilizado na construção de prédios urbanos, como disse. Aqui há anos, indo à ilha das Flores, entrei na igreja da freguesia dos Cedros, recentemente construída e detectei logo o aroma especial que ali pairava, pois toda a madeira utilizada era de cedro.
De facto Ruy Telles Palhinha, no livro citado, informa: Pelas dimensões das madeiras de cedro que se encontram em edifícios antigos, reconhece-se que os havia de grande porte; no travejamento de algumas igrejas podem observar-se peças com mais de um metro de largo. Ainda se encontram exemplares com cinco a seis metros de altura e 40 a 60 cm de diâmetro mas são cada vez mais raros.”
E porque é mais rara está proibida, segundo creio, a sua utilização. Mas isso pouco importa pois deixou de haver tanoeiros e os potes, celhas, canecas e cepos de galochas são hoje substituídos por utensílios importados. E é pena. O artesanato podia utilizar essa preciosa madeira, sem prejuízo do seu desaparecimento.


Lajes do Pico,
30-9-2015

Ermelindo Ávila

OS FERREIROS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando os povoadores cá chegaram, com eles vieram operários dos diversos ofícios. Não aparece porém, na primeira lista de moradores, nenhum que exercesse a profissão de ferreiros. Resolveram, daí, fazer uma postura para trazerem um ferreiro para a ilha. A postura é datada de 23 de Março de mil quinhentos e seis e foi subscrita por Pedro Alvares, juiz ordinário, Diogo Gonçalves Galeão, vereador da Câmara e Pedro Enes, procurador.

Contrataram com o ferreiro Gonçalo Enes, para vir para a ilha e morar nela durante quatro anos, dando-lhe em pagamento dois moios de trigo, fazerem-lhe uma casa igual à casa do concelho e pagarem-lhe o frete dele e do seu fato (família) no valor de quinhentos reis. (1)

Naturalmente que Diogo Gonçalves por cá ficou e ensinou a arte a outros residentes, visto ser uma arte que se espalhou pela ilha e quase, ou todas as freguesias passaram a ter um ou mais artistas.

Recordo haver na vila das Lajes o mestre Manuel Inácio Fagundes cujos filhos Manuel e Francisco continuaram a actividade numa oficina que ainda existe e que, actualmente, está adaptada a garagem de recolha de veículos.

Na Silveira, houve vários ferreiros e serralheiros, como passaram a ser denominados. No ano de 1888, a Silveira tinha seis ferreiros, todos eles da mesma família, o mais velho dos quais, Manuel Pereira Domingos Sénior, era viúvo, tinha 82 anos e vivia só. Nesse ano, na freguesia havia mais três ferreiros.

Os ferreiros, além das ferramentas para uso dos agricultores, ferros de arados, alviões e sachos, foices e foicinhos, “caliveiras” ou arados de ferro semelhantes aos que, anteriormente, vinham dos Estados Unidos da América, trazidos pelos antigos emigrantes retornados, passaram a fazer todos os utensílios da caça à baleia: arpões, lanças, “espeiros” e outros. E construíam também outros mais, especialmente fogões de cozinha em que alguns eram de uma perfeição notável. Nas ferramentas de corte: arpões e lanças da baleação ou foices de diversos tipos utilizadas na lavoura, alguns artistas eram mais experientes pela “têmpera” que davam ao instrumento.

Anteriormente, porém, uma das especialidades dos ferreiros era o fabrico de pregos para a construção civil. Daí, talvez, a necessidade dos homens bons do século XVI trazerem um ferreiro para a ilha, pago pelos cofres públicos.

Conta-se até que certo indivíduo, ao construir a respectiva moradia, contratou um ferreiro para o fabrico dos pregos a utilizar. Contou quantas pancadas do malho, na bigorna, eram necessárias para fazer um prego. Depois, deu-se ao trabalho de contar as pancadas que o ferreiro dava diariamente e, ao fim do dia, contava os pregos para saber se o artista levava alguns consigo. Uma autêntica esperteza saloia. Hoje seria tarefa escusada.

A profissão de ferreiro era uma das mais desejadas, pois não lhes faltava trabalho, e até pode ser considerada uma arte nobre. Alguns dos ferreiros eram artistas de verdade, chegando a fundir instrumentos de cobre, e ainda hoje, alguns – os poucos que existem – fazem trabalhos em alumínio.
Hoje a arte de ferreiro quase desapareceu. Os jovens acham-na um ofício menor e, que eu saiba, apenas na Ribeirinha existem mestres que continuam a trabalhar com dedicação e esmero, se bem que haja desaparecido a indústria baleeira e a agricultura esteja praticamente limitada à pecuária.

O Museu dos Baleeiros incorporou nas suas instalações a oficina de ferreiro de Manuel António Macedo, “Piloto”, tal como o artista a deixou ao falecer. E ela lá se encontra equipada com todas as ferramentas utilizadas por um dos melhores ferreiros no fabrico de ferramentas de corte. Mas falta ainda uma nota indicativa: a identificação do antigo proprietário. No entanto ainda é tempo de remediar o esquecimento. Os visitantes apreciariam.

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1) Frei Diogo das Chagas “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”,(1646) edição de 1989, pag.
518.

Lajes do Pico,
7-Outubro-2015

Ermelindo Ávila

A CHAMARRITA

A minha nota


A Chamarrita – será chama a Rita?- ainda hoje é um dos bailhos mais característicos de cada ilha com coreografia própria. A chamarrita do Faial difere algo daquela que é dançada na ilha do Pico e até mesmo acontece que, de freguesia a freguesia há sempre diferença. Mas, no conjunto, trata-se de um bailho muito semelhante e até tradicional. Pena é que haja sido esquecido, como esquecidos ficaram os conhecidos “bailhos de roda”, de uma riqueza coreográfica que hoje nem sei se haverá quem seja capaz de os bailar.
A chamarrita era o bailho preferido nas festas familiares e até mesmo nos serões promovidos pelas sociedades recreativas. Os jovens, e até os de mais idade, deslocavam-se de terra em terra, da Silveira às Terras, quando sabiam de haver chamarritas ou bailhos.
E quando esses bailes se promoviam, havia convites aos tocadores de viola e aos cantadores. Cada ilha tinha viola de estilo diferente, cuja construção era executada por hábeis marceneiros -violeiros. E todos eles primavam por fazer instrumentos de boa sonoridade, quer violas, guitarras ou bandolins, pois os outros, normalmente eram importados.
Lembro aqui, alguns artistas além de outros, cujos nomes não registei: mestre Augusto Bemfeito, nas Ribeiras; o mestre Manuel José da Terceira e depois o José Joaquim Verónica e por último o Ramiro Brum Ávila, na Ribeira do Meio. Na Terra do Pão havia um grande artista, o Saca. Na realidade quase todas as freguesias tinham artistas de instrumentos de corda. Instrumentos tradicionais mas com características próprias em cada Ilha, pois se até havia a viola de “dois corações”!...
A extinta Junta Geral do antigo Distrito Autónomo da Horta, para perseverar o folclore das ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo criou uma Comissão de Recolha e Divulgação do Folclore do Distrito da Horta. Foi a essa Comissão que incumbiu a edição do trabalho de recolha dos “Bailhos, Rodas e Cantorias – Subsídios para o registo do folclore das ilhas do Faial, Pico, Flores e Corvo”, da autoria do professor Júlio de Andrade que produziu um excelente trabalho. Segundo o Dr. José da Silva Peixoto, em artigo publicado no extinto “Correio da Horta”, a 30 de Janeiro de 1996, aquando da comemoração do centenário de Júlio Andrade, o livro deve ter sido editado em 1948. Referindo-se à Folga, escreve o Autor a páginas 13: De ilha para ilha, e até mesmo entre freguesias da mesma ilha, os costumes do nosso povo, e neste caso os bailhos e as danças, por vezes são tão diferentes que, embora já notados por outros autores, mas apenas dando a letra ou a música, não resisti à tentação de estudar e pôr em livro o resultado de tal trabalho.
A chamarrita é o bailho mais tradicional e que, na verdade, animava as festas tradicionais. Faziam-se convites aos tocadores e cantadores, para que o brilho da dança não ficasse diminuído. O mandador dava início ao bailho, cantando normalmente: Chega pares, chega pares / chega pares ao terreiro / Chega raparigas novas / e rapazes solteiros. E quando algum cantador vinha atrasado botava logo esta cantiga ou outra semelhante: Ainda agora aqui cheguei / Mais cedo não pude vir / estive embalando os rapazes / que ficaram a dormir. E o baile continuava até que o mandador desse o sinal – olé! – para terminar.
Mas o bom cantador era normalmente um apreciado improvisador.
Consta que a chamarrita do Pico vai ser considerada Património Mundial. Folgo que isso aconteça pois será a maneira mais segura de salvaguardar um dos mais característicos elementos do folclore açoriano.
Pena é que não haja quem faça reviver os antigos bailhos de roda, de uma grande riqueza coreográfica e aos quais era tão agradável assistir.

Lajes do Pico,
2 de Outubro de 2015.

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

P´RA ESCOLA !

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há quantos anos não ouço esta cantilena! E era algo agradável, quando os alunos da escola que nos ficava em frente, numa “gritaria” ensurdecedora, chamavam os colegas para a aula, pois o recreio, passado no pátio em frente, havia terminado. Outros tempos. Quase um século é passado.
Era no tempo em que os professores eram poucos, quase todas as escolas, principalmente as que funcionavam nas localidades fora das sedes de concelho, eram mista ou comuns aos dois sexos. E poucos eram os alunos que as frequentavam.
Nas localidades sem escola havia quase sempre alguém que ensinava as primeiras letras, principalmente em escolas nocturnas aos jovens que desejavam emigrar, normalmente para os Estados Unidos. Lá ninguém entrava que fosse analfabeto. E eram esses “mestres–escola” que, pacientemente, ensinavam o a b c, utilizando a velha cartilha de João de Deus. Cartilha Maternal se intitulava, em duas partes. Na primeira aprendia-se o alfabeto e, em lições diversas, as vogais e as consoantes, separadamente. A Mestra sabia de cor e salteado a Cartilha e obrigava os alunos a ler correctamente as lições. Quando algum falhava recebia o castigo: uma, duas ou três palmatoadas com “palmatória” de osso de baleia - a “Maria dos cinco olhos” lhe chamavam, porque tinha cinco furos.
A segunda parte, para os alunos mais adiantados, era constituída por pequenos contos, ou histórias, que os alunos decoravam, por vezes gostosamente.
No final, uma série de quadras, narra a miséria em que vivia a ceguinha e o filho: Era já noite cerrada / Diz o filho – “Oh minha mãe, / Debaixo daquela arcada / Passava-se a noite bem!” E no final: “Então ceguinha e filhinho, / Vendo a sua esperança vã, / Deitaram-se no caminho/ Até romper a manhã.”
Recordo, respeitosamente e com alguma saudade, a minha Mestra que pacientemente me ensinou a cartilha de João de Deus, e a outros da mesma idade que a minha, e a decorar a tabuada, fazendo as quatro operações da Aritmética: somar e diminuir, multiplicar e dividir.
Quando chegávamos à escola já conhecíamos o alfabeto e algumas coisas mais.
Nas localidades onde não existiam escolas oficiais eram os Mestres-escola, conhecidos por “professores” que ensinavam a ler e escrever, principalmente aos moços que desejavam partir para a América. Conheci os mestres - escolas das Terras e de São João pessoas respeitáveis e estimadas das populações.
E, a propósito de emigração, um facto curioso: Após a grande guerra de 1939-45, a Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, navegava para os Estados Unidos, podendo transportar, além de carga diversa, doze passageiros. Próximo do Natal um indivíduo açoriano desejou ir passar a Festa com a família imigrada naquele País. E lá foi num dos Carregadores. Quando chegou a New York o barco foi visitado pelo Agente. O Comandante, algo preocupado, informou-o que levava um passageiro analfabeto, o que não deixou de incomodar também o Agente. Mas este teve uma ideia luminosa: Pediu ao Comandante uma Bíblia e disse ao passageiro: -Quando o Oficial de Imigração chegar a bordo e te mandar ler, abres a Bíblia e rezas muito pausadamente o Pai Nosso. E assim aconteceu. O funcionário americano, ao ouvir o primeiro versículo, exclama:-OK! e mandou desembarcar o velho passageiro.
O próprio agente narrou, passado algum tempo, o episódio em crónica publicada no jornal micaelense “A ILHA”. Lia a saborosa crónica e fixei com gosto o “milagroso” acontecimento.
Hoje é tudo diferente. Até o tempo em que as aulas dos diversos estabelecimentos escolares iniciam a sua actividade. Setembro deixou de ser um dos meses de férias. Actualmente, as aulas principiam quando o verão ainda vai decorrendo e muitos aproveitam as baías para os banhos refrescantes. Nem tempo dão aos filhos dos vinhateiros para provar o mosto das uvas colhidas durante o mês.
Outubro deixou de ser o tradicional mês de abertura das aulas. Bem? Mal? – Pouco importa.



Lajes do Pico,
Setembro de 2015

Ermelindo Ávila

Ermelindo Ávila agradecendo:


Quiseram os meus filhos, netos e bisnetos assinalar, de maneira especial, a passagem do meu aniversário natalício.
A eles se associaram as autoridades regionais e municipais e outras entidades oficiais, com destaque para a “Filarmónica Liberdade Lajense”, além da Imprensa, particularmente “O Dever”, o “Diário dos Açores”, o “Correio dos Açores”, “O Jornal do Pico”, o “Ilha Maior”, o “Tribuna das Ilhas”, a RTP-Açores e tantos outros amigos, alguns - não poucos - com gentis lembranças, e não só, que me é totalmente impossível a todos dizer directamente o quanto agradecido e reconhecido lhes estou.
Lembro respeitosamente os Revmos. Sacerdotes que concelebraram na Eucaristia de Acção de Graças, Revmo. Ouvidor Marco Martinho, e Revmos. P. João Neves, P. Francisco Rodrigues e Frei Luís de Oliveira, que pronunciou a homília.
Sirvo-me, pois, abusivamente embora, deste meio de comunicação, e disso peço me desculpem, para a todos e a cada um em particular deixar aqui o meu reconhecimento, a minha gratidão e o meu respeitoso obrigado por tantas provas de consideração e de amizade que sempre recordarei com respeitosa estima durante os meses ou anos que o Senhor me reservar.
Deus lhes pague tantas e tamanhas gentilezas.
Lajes do Pico, 23 de Setembro de 2015

Ermelindo Ávila