domingo, 18 de outubro de 2015

Potes e canecas

Notas do meu cantinho


Estes e outros mais eram utensílios domésticos fabricados da madeira de cedro, (da família Juniperus brevifolia).
        Segundo Ruy Telles Palhinha (in Catálogo das Plantas Vasculares dos Açores) trata-se de uma espécie arbórea Muito procurada por causa da madeira. Na ilha do Pico atingia grande desenvolvimento e era utilizada, inicialmente, na construção de casas e igrejas. Depois passou a ser utilizada somente em vasilhas de uso doméstico: celhas para lavar roupas, para servir de preparativos culinários: bolo ou pão, potes para colher água dos poços, e outros mais. Enquanto não chegou o vasilhame de folha de Flandres.
Eram as canecas de cedro que serviam para receber o leite das ordenhas das vacas e cabras – e havia-as de todas as medidas: meia canada, cana, três, quatro e cinco canadas.
Era um vasilhame sempre muito bem cuidado, para que não transmitisse qualquer impureza ao líquido transportado. E, a propósito, recordo o que tive oportunidade de escrever: as moças a transportar à cabeça e nos ombros as grandes canecas, quase sempre rolhadas com urze, (Calluna vulgaris) transportando leite ordenhado das vacas que haviam descido das pastagens e vinham comer o refúgio que havia sido semeado nas terras de milho, após a colheita. A estrada ainda não estava construída e todo o trânsito passava pela rua principal, ou rua Direita da vila, como vulgarmente era conhecida, caminhavam aos ranchos, pois não havia trânsito que isso impedisse. O leite colhido era utilizado, geralmente, na alimentação familiar e no fabrico do queijo caseiro, uma especialidade – o queijo do Pico - que praticamente desapareceu. Hoje fabrica-se queijo com aquele rótulo, mas está muito distante do genuíno queijo que se fabricava até meados do século passado. Quem dele não tem saudades?!
Utensílios esses fabricados por tanoeiros experimentados e que, normalmente, só se dedicavam a essa actividade. Por aqui conheci quatro: dois na Ribeira do Meio e dois na vila. Esses, praticamente só se dedicavam à preparação das barricas que serviam para a exportação do azeite de baleia. Eram os mestres Tomé Alves e José Alves, que haviam andado na caça da baleia nas barcas americanas e que, ao regressarem, se dedicaram a essa faina. Não me lembro de produzirem artigos domésticos.
Os outros, com oficinas na Ribeira do Meio, o Mestre Tabuão e o Mestre Manuel Brão dedicavam-se a toda a espécie de utensílios e até aos cepos das galochas, em madeira de cedro, muito utilizadas por homens e mulheres.
Era interessante vê-los trabalhar. As oficinas conservavam um aroma especial da madeira de cedro, que caminhava longe.
Mas, além dos tradicionais utensílios, o cedro eram utilizado na construção de prédios urbanos, como disse. Aqui há anos, indo à ilha das Flores, entrei na igreja da freguesia dos Cedros, recentemente construída e detectei logo o aroma especial que ali pairava, pois toda a madeira utilizada era de cedro.
De facto Ruy Telles Palhinha, no livro citado, informa: Pelas dimensões das madeiras de cedro que se encontram em edifícios antigos, reconhece-se que os havia de grande porte; no travejamento de algumas igrejas podem observar-se peças com mais de um metro de largo. Ainda se encontram exemplares com cinco a seis metros de altura e 40 a 60 cm de diâmetro mas são cada vez mais raros.”
E porque é mais rara está proibida, segundo creio, a sua utilização. Mas isso pouco importa pois deixou de haver tanoeiros e os potes, celhas, canecas e cepos de galochas são hoje substituídos por utensílios importados. E é pena. O artesanato podia utilizar essa preciosa madeira, sem prejuízo do seu desaparecimento.


Lajes do Pico,
30-9-2015

Ermelindo Ávila

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