NOTAS DO MEU CANTINHO
Há quantos
anos não ouço esta cantilena! E era algo agradável, quando os
alunos da escola que nos ficava em frente, numa “gritaria”
ensurdecedora, chamavam os colegas para a aula, pois o recreio,
passado no pátio em frente, havia terminado. Outros tempos. Quase um
século é passado.
Era no
tempo em que os professores eram poucos, quase todas as escolas,
principalmente as que funcionavam nas localidades fora das sedes de
concelho, eram mista ou comuns aos dois sexos. E poucos eram os
alunos que as frequentavam.
Nas
localidades sem escola havia quase sempre alguém que ensinava as
primeiras letras, principalmente em escolas nocturnas aos jovens que
desejavam emigrar, normalmente para os Estados Unidos. Lá ninguém
entrava que fosse analfabeto. E eram esses “mestres–escola”
que, pacientemente, ensinavam o a b c,
utilizando a velha cartilha de João de
Deus. Cartilha Maternal
se intitulava, em duas partes. Na primeira aprendia-se o alfabeto e,
em lições diversas, as vogais e as consoantes, separadamente. A
Mestra sabia de cor e salteado
a Cartilha e obrigava os alunos a ler correctamente as lições.
Quando algum falhava recebia o castigo: uma, duas ou três
palmatoadas com “palmatória” de osso de baleia - a “Maria
dos cinco olhos” lhe chamavam, porque tinha
cinco furos.
A segunda
parte, para os alunos mais adiantados, era constituída por pequenos
contos, ou histórias, que os alunos decoravam, por vezes
gostosamente.
No final,
uma série de quadras, narra a miséria
em que vivia a ceguinha e o filho: Era já
noite cerrada / Diz o filho – “Oh minha mãe, / Debaixo daquela
arcada / Passava-se a noite bem!” E no
final: “Então ceguinha e filhinho, / Vendo
a sua esperança vã, / Deitaram-se no caminho/ Até romper a manhã.”
Recordo,
respeitosamente e com alguma saudade, a minha Mestra que
pacientemente me ensinou a cartilha de João de Deus, e a outros da
mesma idade que a minha, e a decorar a tabuada, fazendo as quatro
operações da Aritmética: somar e diminuir, multiplicar e dividir.
Quando
chegávamos à escola já conhecíamos o alfabeto e algumas coisas
mais.
Nas
localidades onde não existiam escolas oficiais eram os
Mestres-escola, conhecidos por “professores” que ensinavam a ler
e escrever, principalmente aos moços que desejavam partir para a
América. Conheci os mestres - escolas das Terras e de São João
pessoas respeitáveis e estimadas das populações.
E, a
propósito de emigração, um facto curioso: Após a grande guerra
de 1939-45, a Companhia de Navegação Carregadores Açorianos,
navegava para os Estados Unidos, podendo transportar, além de carga
diversa, doze passageiros. Próximo do Natal um indivíduo açoriano
desejou ir passar a Festa com a família imigrada naquele País. E lá
foi num dos Carregadores. Quando chegou a New York o barco foi
visitado pelo Agente. O Comandante, algo preocupado, informou-o que
levava um passageiro analfabeto, o que não deixou de incomodar
também o Agente. Mas este teve uma ideia luminosa: Pediu ao
Comandante uma Bíblia e disse ao passageiro: -Quando
o Oficial de Imigração chegar a bordo e te mandar ler, abres a
Bíblia e rezas muito pausadamente o Pai Nosso.
E assim aconteceu. O funcionário americano, ao ouvir o primeiro
versículo, exclama:-OK!
e mandou desembarcar o velho passageiro.
O próprio
agente narrou, passado algum tempo, o episódio em crónica publicada
no jornal micaelense “A ILHA”. Lia a saborosa crónica e fixei
com gosto o “milagroso” acontecimento.
Hoje é
tudo diferente. Até o tempo em que as aulas dos diversos
estabelecimentos escolares iniciam a sua actividade. Setembro deixou
de ser um dos meses de férias. Actualmente, as aulas principiam
quando o verão ainda vai decorrendo e muitos aproveitam as baías
para os banhos refrescantes. Nem tempo dão aos filhos dos
vinhateiros para provar o mosto das uvas colhidas durante o mês.
Outubro
deixou de ser o tradicional mês de abertura das aulas. Bem? Mal? –
Pouco importa.
Lajes do Pico,
Setembro de 2015
Ermelindo Ávila
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