sexta-feira, 2 de outubro de 2015

P´RA ESCOLA !

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há quantos anos não ouço esta cantilena! E era algo agradável, quando os alunos da escola que nos ficava em frente, numa “gritaria” ensurdecedora, chamavam os colegas para a aula, pois o recreio, passado no pátio em frente, havia terminado. Outros tempos. Quase um século é passado.
Era no tempo em que os professores eram poucos, quase todas as escolas, principalmente as que funcionavam nas localidades fora das sedes de concelho, eram mista ou comuns aos dois sexos. E poucos eram os alunos que as frequentavam.
Nas localidades sem escola havia quase sempre alguém que ensinava as primeiras letras, principalmente em escolas nocturnas aos jovens que desejavam emigrar, normalmente para os Estados Unidos. Lá ninguém entrava que fosse analfabeto. E eram esses “mestres–escola” que, pacientemente, ensinavam o a b c, utilizando a velha cartilha de João de Deus. Cartilha Maternal se intitulava, em duas partes. Na primeira aprendia-se o alfabeto e, em lições diversas, as vogais e as consoantes, separadamente. A Mestra sabia de cor e salteado a Cartilha e obrigava os alunos a ler correctamente as lições. Quando algum falhava recebia o castigo: uma, duas ou três palmatoadas com “palmatória” de osso de baleia - a “Maria dos cinco olhos” lhe chamavam, porque tinha cinco furos.
A segunda parte, para os alunos mais adiantados, era constituída por pequenos contos, ou histórias, que os alunos decoravam, por vezes gostosamente.
No final, uma série de quadras, narra a miséria em que vivia a ceguinha e o filho: Era já noite cerrada / Diz o filho – “Oh minha mãe, / Debaixo daquela arcada / Passava-se a noite bem!” E no final: “Então ceguinha e filhinho, / Vendo a sua esperança vã, / Deitaram-se no caminho/ Até romper a manhã.”
Recordo, respeitosamente e com alguma saudade, a minha Mestra que pacientemente me ensinou a cartilha de João de Deus, e a outros da mesma idade que a minha, e a decorar a tabuada, fazendo as quatro operações da Aritmética: somar e diminuir, multiplicar e dividir.
Quando chegávamos à escola já conhecíamos o alfabeto e algumas coisas mais.
Nas localidades onde não existiam escolas oficiais eram os Mestres-escola, conhecidos por “professores” que ensinavam a ler e escrever, principalmente aos moços que desejavam partir para a América. Conheci os mestres - escolas das Terras e de São João pessoas respeitáveis e estimadas das populações.
E, a propósito de emigração, um facto curioso: Após a grande guerra de 1939-45, a Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, navegava para os Estados Unidos, podendo transportar, além de carga diversa, doze passageiros. Próximo do Natal um indivíduo açoriano desejou ir passar a Festa com a família imigrada naquele País. E lá foi num dos Carregadores. Quando chegou a New York o barco foi visitado pelo Agente. O Comandante, algo preocupado, informou-o que levava um passageiro analfabeto, o que não deixou de incomodar também o Agente. Mas este teve uma ideia luminosa: Pediu ao Comandante uma Bíblia e disse ao passageiro: -Quando o Oficial de Imigração chegar a bordo e te mandar ler, abres a Bíblia e rezas muito pausadamente o Pai Nosso. E assim aconteceu. O funcionário americano, ao ouvir o primeiro versículo, exclama:-OK! e mandou desembarcar o velho passageiro.
O próprio agente narrou, passado algum tempo, o episódio em crónica publicada no jornal micaelense “A ILHA”. Lia a saborosa crónica e fixei com gosto o “milagroso” acontecimento.
Hoje é tudo diferente. Até o tempo em que as aulas dos diversos estabelecimentos escolares iniciam a sua actividade. Setembro deixou de ser um dos meses de férias. Actualmente, as aulas principiam quando o verão ainda vai decorrendo e muitos aproveitam as baías para os banhos refrescantes. Nem tempo dão aos filhos dos vinhateiros para provar o mosto das uvas colhidas durante o mês.
Outubro deixou de ser o tradicional mês de abertura das aulas. Bem? Mal? – Pouco importa.



Lajes do Pico,
Setembro de 2015

Ermelindo Ávila

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