sábado, 28 de julho de 2007

Os Botos

Hoje chamam-lhe golfinhos. Botos ou golfinhos ou moleiros, são uma e a mesma espécie de mamíferos que os Lajenses, em tempos passados, aproveitavam para diversos usos. Todavia, não deixam de ser animais interessantes que não atacam o homem e que, em certas e determinadas épocas, cabriolam pelos mares, causando gosto aos observadores.
Não é agora que foi descoberta a observação dos botos. Eles sempre andaram pelos mares das ilhas e, quando foi necessário utilizar o óleo e a carne, constituíram uma excelente ajuda às paupérrimas economias domésticos dos povos insulares.
Aqui há setenta/oitenta anos era agradável viajar nos barcos da Insulana, o “Lima” e o “São Miguel” substituído depois pelo “Carvalho Araújo” e, encostados às amuradas dos navios, ver os botos em correrias a acompanhar os barcos à ilharga, dando cambalhotas e elevando-se por vezes fora das águas. No meio do Oceano, navegando do Pico para São Jorge ou desta ilha para a Terceira, rara era a viagem, e várias fizemos, em que não tivéssemos por agradável companhia os simpáticos animais.
Mas, como todo o ser criado tem seu destino traçado, os botos eram caçados, principalmente no porto desta Vila, para utilização das populações, tal como os outros peixes e animais marinhos e, mais tarde, o cachalote.
Ao criar o mundo “Deus criou os grandes peixes e todos os animais que têm vida e movimentos, os quais foram produzidos pelas águas segundo a sua espécie… E Deus viu que tudo era bom. E os abençoou dizendo: crescei e multiplicai-vos, e enchei as águas do mar…E depois disse: «Façamos o homem à sua imagem e semelhança, e presidia aos peixes do mar, às aves do céu e aos animais selvagens e a toda a terra…»
Utilizando os animais, as aves e os peixes, o homem está a servir-se de um mandato do Criador, que tudo pôs à sua disposição.
Recusar ao homem o direito de fruição dos animais, das aves, dos peixes, das árvores e dos bens da terra é cercear-lhe um direito que lhe foi outorgado pelo Criador, Senhor de todas as coisas criadas. Mas sobre isso não faço comentários.
Valendo-me do Comendador Ernesto Rebelo, falecido em 1902, escritor faialense, em «Notas Açorianas», publicadas no «Arquivo dos Açores», a partir do volume sétimo respigamos:
«Depois de nove horas de jornada, de haver atravessado a serra, subido e descido muita ladeira e cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada, entremeada aqui e além por moitas de rasteiras faias, descampados a que se dá o nome de Mistérios por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegámos finalmente, ao cair da noite, à Vila das Lajes»…
«Encaminhámo-nos para o velho e estragado Convento de São Francisco, que domina a Vila no qual um amigo obsequioso nos havia permitido permanecer num desguarnecido quarto.» E aqui deixo para trás as peripécias porque passou durante a noite com as chuvas que pingavam do soalho e com o barulho das cagarras que lhe pareciam gritos de vozes humanas.
O rapaz que o acompanhava de manhã, chamou-o para um grande divertimento que iam ter: «Um cardume de botos que foi avistado ao romper da manhã, já saíram algumas lanchas a ver se conseguem metê-los na Lagoa e a povoação toda está de espreita na costa, há-de ter que ver». Ernesto Rebelo descreve a seguir minuciosamente o rodear dos botos para o interior da Lagoa e, depois, a caçada.
«No fim de duas horas de trabalho, estavam estendidos na costa sessenta e nove valentes botos e começou a mais simples faina de os retalhar, para ali mesmo serem derretidos em enormes caldeiras.
«A pesca tinha sido excelente e os lucros importantes, pois quanto azeite houvesse obtinha certo e bom preço, para exportação.
«As tripulações das lanchas em um dia de trabalho, haviam ganho mais do que num ano de pescaria miúda…»
A caça ao boto era um dos principais rendimentos da classe marítima. O azeite não só era exportado, como ainda utilizado nas candeias que alumiavam os serões das famílias e a própria carne era salgada e utilizada na alimentação de suínos e como isco para a pesca. Nada era desaproveitado.
Hoje…fico por aqui.

Vila das Lajes,20 de Julho de 2007
Ermelindo Ávila

domingo, 22 de julho de 2007

A Ilha do Pico não terá direito a um campo de golfe?

Há anos, “nem eu sei há quantos”, houve uma sociedade legalmente constituída que projectou a construção de um campo de golfe na zona do Mistério da Silveira. Para tal, julgo que a Câmara Municipal, pois é a legítima proprietária do terreno, embora esteja afecto as Serviços Florestais, cedeu a essa Empresa o espaço necessário para a implantação de um complexo turístico destinado à prática do Golfe, um desporto em crescente desenvolvimento mundial.
As obras do novo empreendimento começaram naquela época – são decorridos vários anos. De alguns “quintais” da vila das Lajes foram levantados muitos metros cúbicos (centenas, milhares?) de terra para o novo campo mas, a dado momento, as obras foram suspensas. Razão? Desconheço. 0 certo é que motivos devem ter existido e, como se trata de uma empresa particular, só ela tem o direito de suspender ou prosseguir com os trabalhos. Da nossa parte só lamentamos a decisão.
Mas, julgo que embora decorridos tantos anos, há uma solução: O terreno deve ter sido cedido a título precário e, não tendo sido utilizado no fim para que foi cedido, impõe-se que volte à posse do Município.
Na Carta Turística dos Açores, (não importa que não seja este o nome técnico), distribuem-se por algumas ilhas campos de golfe. Mesmo para a Ilha do Faial onde, inicialmente, não estava prevista a construção desse complexo. Mas os faialenses tanto reclamaram, que conseguiram. A Ilha do Pico, onde já estava iniciado um campo, ficou excluída desse programa, por lapso ou propositadamente?!…
Verdade que, por razões incompreensíveis, não pertence ao grupo das ilhas da coesão. Daí, talvez, o esquecimento a que vem sendo acintosamente votada.
No entanto, porque não tem direito a ilha do Pico a um campo de golfe, se à ilha estão a chegar muitos turistas de diversas nacionalidades, fora de grupos excursionistas, que aqui se demoram, não só um dia nem dois mas muitos mais, a gozar o clima, os acidentes geográficos, os poentes multicolores, a paisagem extasiante que a própria montanha oferece ?!…
Acaba de ser fundada uma Empresa Municipal, a CULTURPICO, destinada à aquisição de equipamentos turísticos, desportivos, recreativos, culturais, ambientais e habitacionais. E a Presidente da Câmara, no “Boletim Municipal” do mês de Fevereiro deste ano, donde extraio a notícia, afirma: “O concelho das Lajes do Pico precisa, merece e há-de ter tudo o que for melhor. Não nos comparamos com o que há de pior, mas sim com o que o mundo tem de melhor para oferecer. Ser medíocre é pensar que só os outros é que merecem do melhor que há na vida.”
Subscrevo com prazer a afirmação conceituosa da Presidente da Edilidade Lajense. Mas é preciso que ela se concretize nos mais simples pormenores. E é por isso que venho chamar a atenção para a conclusão (não conheço qual o andamento das obras) de tão importante empreendimento indispensável ao progresso do concelho.
Como igualmente desconheço qual a situação jurídica deste assunto mas, se não estou em erro, creio que o Município tem competência legal para tomar posse administrativa da obra e promover o prosseguimento dos trabalhos até à sua conclusão, quer por administração directa da Empresa Culturpico, quer chamando interessados que àquela entidade se associem, não apenas para a execução dos trabalhos mas sobretudo para a futura exploração do empreendimento.
ノ uma oportunidade que urge desenvolver para que não surjam inesperados oportunistas estranhos à ilha a aproveitar-se da situação.
A Empresa recém–criada pela Câmara Municipal tem um caminho longo a percorrer para o desenvolvimento do concelho. Todavia, e segundo os economistas, o Turismo deve estar no primeiro plano das preocupações municipais pois é um sector do qual depende (em grande medida!) o progresso e, consequentemente, o futuro do próprio concelho e da ilha não pode ser relegado a segundo plano das preocupações ou projectos da Autarquia. Em todas as terras está este sector a desenvolver-se assombrosamente e nem todas elas dispõem do potencial que se encontra na Ilha do Pico.
Sabemos que o Turismo se dispersa por diversas vertentes – os caminhos pedrestes para as zonas altas, os miradouros, os lugares de lazer, a restauração e hotelaria, etc.
Mas um campo de golfe, modalidade desportiva de tanto interesse mundial, está entre o “equipamento” turístico mais apreciado pelos endinheirados e não só. ノ preciso aproveitar com urgência a oportunidade e os bens com que a Natureza nos dotou.
Vila Baleeira, 10 de Julho de 2007
Ermelindo Avila

quinta-feira, 19 de julho de 2007

D. JOSEFINA CANTO E CASTRO celebra centénário

Há cinco anos tive o prazer de assinalar, num modesto escrito, os 95 anos da distinta Senhora. Agora, com redobrado júbilo, venho, na modéstia do meu dizer, congratular-me com os CEM ANOS, que hoje celebra a distinta Poetisa, jornalista, musicóloga e professora, rodeada da ilustre Família, no Sul da Califórnia, Estados Unidos da América do Norte, onde passou a residir.
D. Josefina Amarante Freitas do Canto e Castro nasceu no dia 19 de Julho de 1907 em Providence, Rhode Island, E.U.A.. Com um ano de idade veio com os pais para S. Jorge, passando ainda menina, a residir na cidade de Angra e ali, conheceu o marido, também ele poeta e jornalista, Francisco do Canto e Castro, fixando a seguir residência no lugar do Cais do Pico, concelho de São Roque, em cujo concelho ele era ao tempo, funcionário de Finanças. Dali o casal transferiu-se para a Horta, onde residiu até emigrar para os Estados Unidos.
Na Horta, D. Josefina foi professora de piano e francês e colaborou na “Horta Desportiva”, depois de adquirida pelo marido, até regressar aos E.U.A.. É aí que a vai encontrar o Pe. Xavier Madruga, fundador e director deste semanário, aquando da sua visita à América. E, numa das suas excelentes “Cartas da América”, (cuja publicação em livro foi autorizada ao Núcleo Cultural da Horta, mas que este instituto nunca realizou), o Pe. Xavier Madruga presta homenagem à ilustre Senhora, pondo em relevo o trabalho exaustivo que estava a realizar: Poetisa e escritora, nunca escreve nem fala que não seja para cantar as Figuras máximas da nossa incomparável História, as suas grandes Datas Nacionais, a musicalidade harmoniosa da Língua Portuguesa e o dever que todos têm de a tornar conhecida e amada dos estrangeiros.
E, depois, afirma: “Pela rádio e na imprensa, nas Sociedades e Clubes da Califórnia, nos Colégios e Liceus onde se tem encontrado a ensinar, é contínuo e perseverante o seu esforço e a sua acção, porfiada, constante, obstinada pela nossa Pátria, de quem se constituiu, voluntariamente, animadora e advogada, sem credenciais, nesta grande nação.”(…)“Actualmente professora na Douglas School de Pebble Beach, próximo de Monterey ali ensina espanhol e francês, como poderia ensinar português e inglês”.
E, quase a terminar a sua “Carta da América”, publicada neste jornal no dia 15 de Março de 1947, precisamente há sessenta anos, escreve ainda o Pe. Xavier Madruga acerca de D. Josefina Canto e Castro: Rezar, sofrer, dar bom exemplo: duas mão postas, molhadas de lágrimas, são chaves de ouro capazes de abrir o coração mais endurecido ou a inteligência mais desnorteada.
D. Josefina, decorridos alguns anos, voltou ao Pico e fixou residência em São Roque, terra que primeiro habitou após o casamento. Ali viveu rodeada do maior carinho e amizade durante alguns anos, leccionando música e piano como ocupação dos “tempos livres”. E foram vários os alunos que, depois, seguiram a carreira musical. Sentindo que os anos passavam, voltou para junto dos Filhos e Netos, nos Estados Unidos e fixou-se novamente na Califórnia. Aqui iniciou a sua colaboração em “O Dever” sob a rubrica “Da Minha Janela”, continuando-a nos Estados Unidos até há cerca de dois anos. A sua colaboração era semanária e, quando o original não chegava a tempo, arreliava-se com o atraso.
Foram muitos e diversificados os assuntos e temas tratados em “Da minha Janela”, local de observação atenta dos problemas, os mais diversificados, desta ilha.
Três livros de poemas publicou a distinta e inspirada Poetisa: “Naquele Tempo…Poemas Bíblicos”, 1ª edição em 1941 e 2ª edição em 1985; “Poemas de Ontem”,1989 e “Despedida”, l996.
Sempre interessada pela literatura açoriana, numa das muitas cartas que me escreveu, (12 de Agosto de 1997), diz: Fiquei surpreendida com tantos livros publicados recentemente e a lançar este verão. Os Açores estão, deveras, a lançar a sua literatura. O que falta é mais comunicação e vendas entre as Ilhas. Não será possível melhorar a situação? Quem sabe!
O “Tribuna Portuguesa”, jornal que se publica em Modesto, Califórnia, no dia 1 de Julho corrente, ao celebrar os 100 anos de D. Josefina Canto e Castro escreveu, e aqui transcrevo com a devida vénia: …Emigrou em 1945. Teve uma vida indescritível de empenho, de solidariedade, de bem escrever, de ser mulher com M grande. Lutadora de muitas causas, a sua “Janela” é a pérola mais preciosa deste jornal. Faz l00 anos no dia 19 de Julho e vai estar acompanhada por toda a família no Sul da Califórnia. Happy Birthday.
Com emoção, respeito e amizade, também aqui deixo os meus votos de Parabéns à Veneranda Senhora, seus Exmos. Filhos e Familiares. Feliz Aniversário!
Pico,19 de Julho de 2007
Ermelindo Ávila

sexta-feira, 13 de julho de 2007

AS LUTAS LIBERAIS

Está-se a comemorar a partida dos soldados açorianos, arregimentados por D. Pedro IV, e que foram desembarcar na Praia do Mindelo um facto, que ficou na História e que os açorianos ainda recordam com todos os seus incidentes e aventuras. Celebram-se agora 175 anos e Ponta Delgada, donde partiram os “Bravos do Mindelo”, vai assinalar a efeméride com o descerramento de” um memorial em forma de pirâmide com 1,80 metros de altura, de pedra serrada, onde ficará a proclamação de D. Pedro IV”, como informa a Imprensa micaelense.
Mas não eram somente da ilha de São Miguel os soldados que o Rei-Soldado reuniu para constituir o grupo que viria a desembarcar numa das praias do Porto e, com ele, conquistar o poder ao Rei D. Miguel, seu irmão.
Os povos do Pico e Faial eram fiéis ao rei D. Miguel. Nas Câmaras Municipais havia ele sido aclamado com toda a pompa, em 9 de Setembro de 1828. Sabedor disso, o irmão D. Pedro, como representante da filha, futura Rainha D. Maria, fez desembarcar, em 21 de Abril de 1831, no porto de Santa Cruz das Ribeiras, um batalhão, sob o comando do Conde de Vila Flor. Nesse batalhão vinha incorporado o Batalhão Académico, que foi albergado em S. João, pelo Alferes Vieira de Bem.
Entrando na Vila das Lajes, em Abril de 1831, a divisão liberal comandada pelo Conde de Vila Flor, depois duque da Terceira, foi por este encarregado o capitão Manuel Machado Soares de prover às subsistências da divisão durante a estada das tropas na ilha, missão delicada, porque as populações sentindo na consciência o pecadinho da afeição pelo Senhor D. Miguel , fugiam (para os montes) à aproximação das forças liberais. “
Contava minha bisavó, que ainda conheci muito bem, que, à frente da tropa, ia um arauto avisando as populações para abaterem gado e cozerem pão para alimento dos soldados.
E Lacerda Machado (in “Os Capitães Mores das Lages”) narra o seguinte episódio: “Em 1931 desembarcou em Santa Cruz o Conde de Vila-Flôr, com a divisão liberal, marchando em direcção às Lajes. Ao passar em frente da casa do capitão José Bettencourt da Silveira, este saiu-lhe ao encontro e convidou o Conde e o seu estado-maior a tomar uma refeição.” “…no decurso da refeição, Manuel Homem encheu o copo e perguntou ao dono da casa como se chamava, no intuito de lhe fazer um brinde, ao que o interrogado respondeu naturalmente: José Bettencourt… Manuel Homem pousou bruscamente o copo na mesa, e insistiu, se era com efeito esse o seu nome. O capitão José Bettencourt, é claro, nada compreendia do que se estava passando, mas confirmou… Interveio o Conde, nobremente, dizendo, com firmeza, que mais Marias havia na terra, e que quando mesmo não houvesse, estavam numa casa onde se lhes tinha oferecido expontânea hospitalidade. – Apurado o caso, Manuel Homem julgou ter diante de si outro José Bettencourt, miguelista assanhado que, no Faial, se tornou muito conhecido, sendo por isso notado no livro negro dos liberais e que, ao ter a infausta notícia da aproximação das tropas constituicionais, se safou para o Pico metido numa pipa!”
José Bettencourt Brum da Silveira era filho de D. Izabel Brites Bettencourt Brum e Silveira e do alferes José Francisco Silveira, natural, segundo uns da freguesia Matriz das Lajes, segundo outros, de S. João, porque afinal era natural…do mistério!” (onde havia rebentado o vulcão de 1720).
Quando houve notícia da aproximação das tropas liberais, como acima se refere, não apenas o povo mas sobretudo os rapazes em idade militar refugiaram-se nas “casas de pasto” existentes nas «terras do alto” para não serem incorporados no Batalhão. No entanto, alguns apanhou-os a tropa e lá seguiram. Entre eles foi o “Pereira Soldado”, desta vila, como ficou conhecido – “o qual entretinha a velhice a contar as aventuras ocorridas durante a ausência por terras estranhas…”
Demais não foi pacífica a passagem de D. Pedro pelo arquipélago. Tenha-se presente o Decreto que suprimiu diversos mosteiros, conventos e colegiadas dos …Açores, entre eles “os conventos de religiosos menores de S. Pedro de Alcântara e de Nossa Senhora da Conceição na ilha do Pico”; decreto que foi expedido do Paço em Ponta Delgada, em 17 de Maio de 1832 e que foi assinado por D. Pedro, Duque de Bragança.
E não repito mais do que escrevi anteriormente (Vidé: “Figuras & Factos – Notas Históricas” (1993)”.
Vila das Lajes,
Julho de 2007
Ermelindo Ávila.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

AS FESTAS DA SILVEIRA

Estamos com o verão em casa. É a época das festas mais apetecidas.
Outrora, os lajenses tinham como festas principais as chamadas Festas de Verão da Silveira. Era então a Silveira a estância de veraneio. Todos para lá se transferiam, ou para as próprias adegas do “Caminho de Baixo” ou para casas de velhos amigos. Raros eram os que dispensavam uns dias na Silveira, sobretudo para aproveitar melhor a apreciada água da Fonte e gozar a frescura do lugar, com um clima excepcional.
Mas a Silveira tem um encanto especial para os lajenses, que Amâncio Victor (P. Francisco Vieira Soares), um dia, em antigo publicado na antiga revista “Eco Cedrense”, (25 - IV – 1929) que ele próprio havia fundado na freguesia dos Cedros, da Ilha do Faial, onde e encontrava como coadjutor do Pároco, assim exaltou: “Fresca e vistosa, com as suas casitas brancas de neve cercadas de luxuriantes latadas, donde pendem os mais saborosos cachos a vigiar-nos por detrás da verdura das folhas com um risinho malicioso, abraçando-nos em desejos e submetendo a uma duríssima prova o nosso respeito pelo alheio, a Silveira do Pico é, sem dúvida, o melhor lugar da Ilha onde, com sossego, depois de quase um ano de trabalho extenuante, nos podemos entregar nos braços da natureza durante uns dois meses de verão, a renovar forças e a fazer novas provisões de vida e saúde para novos trabalhos”.
E a Silveira, subúrbio da Vila das Lajes, sempre assim foi. Normalmente, ia-se para a Silveira nos primeiros dias de Julho para aproveitar as Festas de Santo Cristo, que tradicionalmente se realizam no primeiro domingo do mês.
A 15 de Agosto celebrava-se, como ainda hoje, a festa da Mãe de Deus, por certo a maior da localidade. A seguir, no dia 24 a do Padroeiro, S. Bartolomeu.
“O Dever” a 13 de Setembro de 1930 , a propósito da Imagem de Nossa Senhora de Fátima, dá seguinte notícia: “No dia 13 de Agosto de 1930, à noite, houve uma importante e encantadora procissão de velas com edificante piedade e pregação ai ar livre (no Largo do Beleza e no balcão de José Naia) em honra de Nossa Senhora de Fátima. A primeira Imagem chegada à Ilha foi entronizada na igreja da Silveira, onde se realizou a festa a que se refere a notícia. Esta passou a realizar-se no mês de Setembro."
Durante alguns anos dei o meu modesto concurso nas Festas da Igreja de S. Bartolomeu da Silveira. Mas nisto tudo há uma história algo rocambolesca.
O Pároco da Silveira era o lajense, Pe. Manuel Vieira Feliciano, que ali exerceu o seu múnus desde o falecimento do Pe. Jerónimo, em 1904, até ao seu falecimento, em 26 de Março de 1962. Embora a Silveira fosse um curato sufragâneo da Matriz das Lajes, o Pe. Feliciano, seu cura, administrava-o como paróquia dado o óptimo relacionamento e amizade que sempre existiram entre ele e o Pároco, P. José Vieira Soares, colegas de curso. A ele se ficou a dever o restauro completo da Igreja de São Bartolomeu, pasto de um pavoroso incêndio sucedido na noite de 23 para 24 de Junho de 1924.
Restaurada a igreja, e adquiridas as respectivas imagens dos santos ali venerados, foram recomeçadas as festas e organizada a respectiva capela sob a regência de Francisco Vieira Beleza, uma notável voz de baritono e que havia sido companheiro do Pe. José d’Ávila nas aulas do grande mestre Pe. João Pereira da Terra.
O Pe. Feliciano tinha por hábito servir o jantar (hoje seria almoço…) aos colegas sacerdotes e aos músicos da Capela que tomavam parte nas festividades. Estava-se nos primeiros anos da Ditadura Militar. A acção dos partidos políticos ainda não havia terminado. Durante o repasto de uma das festas, discutiram-se assuntos políticos e sobretudo a acção do Governador que, como então acontecia, se “encostara” a um dos partidos. No dia imediato o Governo Civil estava informado do que se passara em casa do P. Feliciano e, imediatamente, os sacerdotes foram chamados à Policia da Horta para declarações. Nada resultou. No entanto Pe. Feliciano, não tolerando o desrespeito da sua casa, acabou com a capela e o Beleza e seus companheiros deixaram de colaborar nas festividades de S. Bartolomeu.
Novo como era e alheio a toda a politiquice da época, passei a colaborar nas festas da Silveira com músicos de S. João, David Ferreira, João Barroso, Tomás Ganhado, sob a regência de Gil Xavier Bettencourt. Chegamos os dois a ir na moto de João de Brum Bettencourt, uma possante moto que trouxe dos E.U. e que nos levava e trazia (os três) .
Com a chegada à freguesia do Prof. Manuel José dos Santos, excelente músico, organizou ele uma capela na Silveira e assumiu a sua regência. Era organista D. Angélica Vieira. O orgão, que o segundo incêndio veio a destruir, fora construído pelo organeiro Manuel Serpa da Silva, em 1890 para a igreja dos Biscoitos, São Jorge, e fora vendido para a igreja da Silveira porque a Igreja dos Biscoitos era muito húmida e estava a estragá-lo.(P. M. Azevedo Cunha, in “Notas Históricas” - 1924).
E já agora uma nota: No frontispício da Igreja de São Bartolomeu existe uma placa onde se lê:. “Construída com esmolas do povo. Começada em 1879 . Concluída em 1888”.
Eram concorridos e alegres os arrais das festas da Silveira. Lá se encontravam as primeiras frutas da época, escolhidas e de óptimo aromo e paladar, algumas de espécies raras.
Vila das Lajes,
1 de Julho de 2007
Ermelindo Ávila