segunda-feira, 20 de novembro de 2017

PICO

Respingos

O Pico. A Ilha onde nasci, vivi os primeiros anos e, depois, os anos mais que Deus me tem dado. Mas nunca deixei de viver no Pico, quer estivesse ausente por dias, semanas, meses ou anos. É uma ilha que está sempre presente no meu espírito, no melhor do meu ser.
Mesmo ausente da terra, os seus projectos, os seus problemas, as suas iniciativas, o seu progresso vivem comigo. Recordo os meus anos de juventude, cujos estudos me afastaram meses seguidos da terra… Como era enleante subir aquele magnífico monte que defende a cidade e ver ao longe o pico do Pico. Que nostalgia… que saudades da terra. Que desejos tinha de atravessar o mar imenso que nos separava e vir somente, por um instante que fosse, pisar as “pedras negras “ do Pico.

Ainda agora é a soberba montanha que, ao amanhecer, vigio da minha janela, para que me indique o estado do tempo que vamos ter. E lá no alto, no cimo do pico do Pico vejo a direcção das nuvens… os reflexos do Sol nascente… as nuvens encapeladas… tudo indicativo do tempo que vamos ter... E o poente do Astro Rei?!...
Deixem-me que escreva, hoje, prosa solta, talvez sem nexo, somente para exaltar a beleza maravilhosa deste Pico que um dia remoto, que a História não registou, emergiu das salsas ondas para ficar no meio deste Atlântico.
O marinheiro e o agricultor, de madrugada, quando saíam do leito e espreitavam o tempo para um novo dia de trabalho, era pelo rodar das nuvens ao redor da montanha, que sabiam o tempo que os esperava: Lã crameada, chuva grada; raivas no poente, coze massa e mete gente; raivas no nascente, toca os bois e anda sempre. E tantos mais que a sabedoria popular criou e utilizou durante tantas décadas...
Mas o Pico é mais do que o barómetro natural que os naturais sabem observar e “ler”.
É, igualmente, inspiração poética para muitos que deixaram, ao redor dos tempos, poemas maravilhosos que, ainda hoje, são o encanto de quantos nele se inspiram.
Recordo Manuel de Arriaga (não discuto, por agora, a naturalidade, e podia fazê-lo…) amante do seu Pico, como tantos outros e lembro somente o saudoso Doutor José Enes, (1) com o excelente poema ao Pico, que outro saudoso picoense, o maestro Emílio Porto, inspiradamente musicou.
Fico-me pelos poentes outonais que os pintores estrangeiros e vários são os que por aqui têm passado, aproveitam para deixar impressões em suas telas artísticas.
Nunca subi à maravilhosa montanha. Um dia, por acaso, em que tive a ventura de viajar num avião da SATA, ao aproximar-se do Pico, uma hospedeira de bordo anuncia que o Comandante ia mostrar aos passageiros um espectáculo inédito: O pico do Pico. E fê-lo de maneira distinta fazendo o avião circular sobre o “eirado” e dando a volva ao Pico. Naturalmente, nós os passageiros que viajávamos da Terceira para o Faial, ficámos maravilhados com o espectáculo que não mais se me foi dado apreciar. Ao longe, a Terceira, e depois: a Graciosa, São Jorge, o Faial e o Pico…a nossos pés. Noutra ocasião, e foi só, Minha Mulher, de saudosa memória, e eu, viajávamos quase madrugada ainda, de São Miguel para o Pico. Ao aproximar-se o avião (SATA) da Ponta da Ferraria, quando se preparava para deixar S. Miguel e sobrevoar o Atlântico, Minha Mulher chama-me a atenção para o que via no horizonte, a Oeste: O Pico do Pico, um triângulo bem definido sobre o Oceano. Uma maravilha que desapareceu quando a aeronave fez rumo à Terceira. Depois só vim a descobrir entre nuvens o meu Pico, quando me aproximava da minha ilha. Fenómenos maravilhosos!
Fenómenos que não se repetem…
Lajes do Pico, Capital da Cultura da Baleia
10-Novembro- 2017
E.Ávila


(1) “Montanha do meu destino”, José Enes
Montanha do meu segredo
Montanha do meu destino
Tocaste-me com um dedo
Imprimindo em mim um signo
Quando me viste nascer

Montanha da minha dor
Montanha do meu chorar
Olhaste-me com amor
Com um fundo e puro olhar
Quando me viste nascer

Montanha dos meus desejos
Da minha louca ambição
Encheste-me a alma com beijos
Do fogo do teu vulcão
Quando me viste nascer

Montanha da minha sorte
Oh génio do meu viver
Encomenda-me na morte
Quando me vires morrer




domingo, 12 de novembro de 2017

PÃO POR DEUS

RESPINGOS

É um tema simpático para este início do chamado Ano Litúrgico.
Outrora, todos os fiéis cristãos respeitavam os ciclos litúrgicos estabelecidos pela Igreja, cumprindo as suas normas com respeito e fidelidade. Com o desenvolvimento da Sociedade moderna, tudo se modificou e hoje, nem todos estão dispostos a cumprir essas normas que de mal nada tinham.
Apesar das novas formas de vida, que alguns querem classificar de nova civilização, há lugares e terras (núcleos habitacionais antigos) que mantêm os costumes e os hábitos trazidos dos tempos, algo distantes, de seus avós.
Felizmente que isso acontece nalgumas terras destas ilhas, onde as antigas tradições se conservam com respeito.
Ontem foi dia de Finados. A Igreja Católica recorda, de modo particular, aqueles de seus fiéis que já partiram para o Pai. Fê-lo, como habitualmente, sufragando as almas dos mortos, com actos litúrgicos, por cá bastante concorridos. E não deixou de visitar as campas dos falecidos…
No dia anterior, foi o dia de PÃO POR DEUS. Um velho costume que as crianças ainda trazem até hoje: Pão por Deus! Por amor de Deus! Para as avós, eram elas que se dedicavam a esse trabalhinho, faziam umas pequenas sacolas onde os miúdos recolhiam as dádivas: moedas, doces, géneros (cambadas de milho, punhados de batatas), enfim, tudo o que fosse útil para as crianças e até adultos.
Conheci terras nos Açores em que algumas instituições criaram o sistema de, ao sábado, destinar umas tantas moedas para os pobres mendigos que lhes batiam à porta. Assisti um dia, casualmente, a um acto desses e fiquei chocado com a maneira brusca como o pobre foi recebido.
Por cá ainda se mantém o pão por Deus. Um dia diferente que é lembrado e respeitado.
Pouco ou muito, todos dão e são vários os que pedem: alguns por necessidade, outros para manter uma tradição.
Depois da colheita, porta-a-porta, era a partilha pelos companheiros. Ninguém refilava…
Talvez, outros tempos.
Vila-Capital da Cultura Baleeira
Nov. 2017

E. Ávila

NA ÉPOCA DAS COLHETAS

RESPINGOS


Não havia estradas pelo lado Sul da Ilha do Pico. Os terrenos, os melhores da ilha – diziam - eram explorados normalmente pelo sistema braçal. Quando a colheita era maior utilizavam-se carros “tirados”1 por um ou dois bovinos, no mês nas colheitas dos milhos.
Agradável era o trânsito dos carros de dois bois, atravessando as ruas da vila das Lajes, carregados, geralmente, de maçarocas de milho, das colheitas das Terras de Baixo, Granja, Estreito, ou mesma da Canada de Jorge Dutra, onde se situavam os melhores terrenos dos proprietários da Silveira, Almagreira ou Ribeira do Meio, pois era junto das respectivas habitações ou em terrenos próximos que tinham as “casas de atafona” ou de albegoaria.
E era um gosto o passar dos carros, ao anoitecer, a chilrear, enquanto a autoridade municipal não proibiu esse sistema, pois, diziam, era incómodo principalmente para as pessoas doentes.
Quando em 1943 foi inaugurada a estrada regional, a ligação entre a Vila das Lajes e o centro da freguesia da Piedade passou a ser feita em veículos motorizados, e “ficaram para o lado” os carros de bois. Estes animais, “gado da porta” como era conhecido, praticamente, era utilizado em atafonas e nos trabalhos de lavoura nos prédios “da casa”. Hoje, praticamente desapareceram e quase só existe o “gado de leite”. Trata-se, afinal, de um sistema quase prejudicial, dado que se alterou substancialmente a utilização do gado bovino e o sistema de praticar a antiga agricultura.
Nas casas do lavrador já não há, ao que creio, as noites de desfolhada, como tão bem a descreveu o Escritor Júlio Dinis. Hoje, se vivo fosse, outros assuntos encontraria para as suas saborosas crónicas.
Costumes antigos, vindos de nossos avós, que não se repetem. E tantos eles eram. Relacionavam-se entre si, constituindo “um todo” dos hábitos e costumes das gentes antigas, aquelas que foram nossos Avós.
A quase totalidade dos picoenses tinha cédula marítima para poder ir ao mar, em qualquer barco de pesca: “chata”, lancha, embarcação de pesca costeira, ou mesmo do mar alto, pescar o peixe para o inverno ou, quando profissional, fazer a “soldada” para o sustento da Família, pois esse seu quinhão, como também era conhecido, era a “moeda de troca” dos géneros, tecidos, e o mais necessário com que se mantinha a Família.
O Homem do Pico tanto exercia a profissão de agricultor de braço, como à tarde ia às vejas, ao serão aos sargos, ou, na época própria, ia ao “mar do limpo ”deitar o estremalho para apanhar o chicharro que recolhia ao amanhecer. Nessa altura, feitas as divisões, as mulheres levavam-no numa cesta até ao campo (aldeia vizinha) para trocar por milho, batatas ou outros géneros. Não se passava fome, muito embora houvesse épocas de algumas dificuldades. E quem não se lembra da matança de porco e do dia alegre que era?!...
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Em certos anos, era costume os barcos de pesca deslocarem-se para outras ilhas e fazer ”pescas de fundo”, ou até mesmo nos bancos “Dom João de Castro” e “Princesa Alice”. Preparavam-se com “bordas falsas”- aumento do costado – e na companhia das Lanchas “Lourdes” ou “Hermínia”. E por lá estavam cerca de uma semana, se a pesca era boa.
Quando se deslocavam para os mares de S. Jorge, normalmente, iam para o Norte Pequeno, outros para os Biscoitos da Terceira e outras mais ilhas, onde o peixe abundava. Esse sistema terminou, creio, com a pesca da albacora e a instalação de fábricas de conservas.
Quando a caça à baleia estava no seu auge os baleeiros lajenses eram contratados como mestres ou trancadores pelos armadores e aproveitavam as horas de vazio para a apanha de peixe para seu sustento, da família que o acompanhava, ou para venda...
Hoje tudo não passa de um sonho…
Lajes do Pico - Vila Capital da Cultura da Baleia,

Ermelindo Ávila.

1Puxados, (expressão popular)