quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

À LAIA DE BALANÇO

NOTAS DO MEU CANTINHO

                                                                                                                          
           Estamos chegados aos derradeiros dias do ano de 2016. Em pouco entraremos no 2017, que o mesmo é dizer, quase um quarto de século já se passou, desde a entrada do século vinte. E que difíceis têm sido estes primeiros dos dois mil anos decorridos após Cristo ter vindo ao mundo para remir a humanidade do pecado de Adão.
          E basta demais referir esses tenebrosos anos de guerras, sismos e calamidades que atingiram os homens de todos os quadrantes do Universo.
         Mas continuam os conflitos, as catástrofes, e as tempestades acontecem quando menos se esperam. A humanidade caminha, numa correria desenfreada para o abismo. Um abismo horripilante e cujas consequências são difíceis de adivinhar.
         Olhando para o ano de 2016, é horripilante a história que nos deixa. E em todas as nações. Até da calma América do Norte onde, embora faça a guerra em “casa dos outros”, não deixam de ocorrer acontecimentos tétricos.
          Como foi, p.e., a inesperada eleição de Donald Trump para a Presidência da Nação. E se não houve manifestações revolucionárias, mas somente manifestações de desilusão, por aquilo que é anunciado, não é de prever um estado de paz e de harmonia entre as nações vizinhas. O próprio Trump já anunciou uma nova “cortina de ferro”, à semelhança do louco Hitler, entre as nações fronteiriças. E as nações latino-americanas vão esperando o pior... Basta ter presente o que passou no Brasil, com a substituição da Presidente.
          A revista Além-Mar, no seu número de Outubro passado, traz a horripilante notícia:
   “A intensificação dos combates no Sudão do Sul, lá levou mais de 185 mil pessoas a fugir, desde Julho, deste país da África Oriental, independente deste 2011. “O número de sul-sudaneses acolhidos em países vizinhos superou a marca do milhão” avança o ACNUR,(Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). O Sudão do Sul soma-se assim a Síria, Afeganistão e Somália três países com mais de um milhão de refugiados. Além disso, outros 1,6 milhões de sul-sudaneses estão deslocados dentro do país, assolado por uma guerra civil desde 2013. A maioria dos novos refugiados sul-sudaneses cruza a fronteira em direção ao Uganda. Mais de um terço da população enfrenta uma insegurança alimentar “sem precedentes”.
          É trágica a notícia que se transcreve. E não pode dizer que seja falseada com fins políticos, pois trata-se de um órgão da Comunicação Social do maior prestígio.
          Afinal o Mundo está numa revolta permanente. Mesmo aquelas nações que vivem oficialmente em paz estão numa contínua convulsão política e social. É o que se observa no próprio Portugal, onde, por tudo e por nada, acontecem as greves, as manifestações de rua, os protestos contra medidas legislativas.
          E, com a situação de revolta permanente vem a conhecida carestia de vida, ou crise económica que atinge todos os sectores sociais.
           É, na realidade, a maior crise, aquela que estamos a atravessar, que, além das dificuldades da subsistência, acarreta consigo graves situações de subsistência e de pobreza, sem que se vislumbre melhorias de vida.
           A grande crise da actualidade, para os açorianos, é naturalmente o desemprego, principalmente da juventude, que se vê obrigada a abandonar a família e procurar noutras terras trabalho digno e seguro, pois a terra onde vivem, não tem capacidade para lhes dar.
           E trago aqui os refugiados, que vão chegando à Europa. Alguns foram encaminhados para Portugal. Se vierem para os Açores, quem lhes vai dar ocupação? Se não há para os naturais, como acolher os estranhos para uma permanência sem contagem de tempo?
           O turismo manifestou-se como um sector de acolhimento importante para a juventude. Todavia, com a ausência de visitantes, encerram os estabelecimentos hoteleiros e os empregados vão para o desemprego. Uma situação que surgiu inesperadamente e que atingiu muitos jovens que, por aí deambulam, temendo o futuro que os espera.
           Não repudiamos os refugiados. Sentimos bastante a situação de angústia em que vivem e que os obriga a abandonar as terras onde nasceram, onde organizam as suas vidas, onde deixam seus bens, as suas comodidades, alguns familiares, velhos amigos, para se defrontarem afinal com o imprevisto, a incerteza da vida que os espera.
            Os refugiados não podem nem devem ser repudiados. Têm de ser acolhidos, sem demora, pelas nações onde aportarem, pois cada dia que passa é de infortúnio, melhor dito de fome, de doença, de falta de abrigo, de miséria. Não são criminosos que se levem para os nefastos campos de concentração. Esses terríveis tempos passaram, ou vão repetir-se com novos Hitler?
            Vamos entrar no 17º ano do século 21. Que não se repitam as guerras e revoluções que se registaram no ano passado, como parece, está a acontecer.
             Nasci durante a Grande-Guerra (1914-1918). Ainda criança apercebi-me das dificuldades de subsistência, das senhas de racionamento, das sacas de farinha enviadas pelos familiares imigrados na América. Esse rosário de dificuldades foi uma constante no ano que está a findar. Tenho esperança que, aquele que está a chegar trará melhores condições de vida, de paz e de bem-estar para toda a humanidade.

Lajes do Pico,
24 de Dezº de 2016

Ermelindo Ávila. 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

NOITE DE NATAL

                                                                                                          
NOTAS DO MEU CANTINHHO

  
         Estava-se na véspera do Natal. Os miúdos andavam num contínuo desassossego em volta da Mãe ajudando-a a preparar o Presépio do Menino Jesus.
         Nuns anos era armado um altarzinho – trono, onde se colocava uma pequena imagem do Menino que durante o ano estava recolhida no oratório, onde outras pequenas imagens da devoção da família – S. José, Nossa Senhora de Lourdes e de Fátima, Santo António e qualquer outra que aparecia como oferta a algum dos miúdos.
         O altar era constituído por dois ou três degraus, forrados com uma toalha branca, onde se colocavam alguns castiçais com velas, por vezes de cor, vasos com flores, pratinhos com o trigo que havia sido posto e grelar no dia 13 – dia de Santa Luzia – duas ou três pequenas imagens dos santos de devoção da família, além das de Nossa Senhora e S. José, colocando-se no topo a antiga imagem do Menino Jesus, herança dos avós mas ornamentada com um vestidinho de seda braça e adornado com fios de tecido dourado. No altar eram colocadas laranjas “americanas” trazidas nesse mesmo dia do pomar.
         Arrumada a casa – nos tempos antigos não havia árvore, a chamada árvore do Natal – os miúdos eram postos a dormir para acordarem a tempo de ir para a Igreja assistir à Missa do Galo. E isso acontecia com a concordância de todos os que podiam acordar a tempo. Sucedia, naturalmente, que os mais pequenos não o podiam fazer e continuavam na cama, vigiados pelos avós impossibilitados pelos seus achaques de ir tomar parte na Missa do Galo.
         E era assim todos os anos. Mesmo quando os meninos eram mais crescidos e se tornavam rapazes vivos e homens feitos. Ninguém esquecia a Noite de Natal da sua infância.
         A igreja paroquial, antes de se dar começo às cerimónias do dia, estava numa quase penumbra. A maioria das pessoas que iam entrando para a Missa quase nem se conheciam. Uns pequenos candeeiros a petróleo iluminavam, frouxamente, o secular templo que fora preparado durante o dia anterior para aquela grande solenidade.
         Num dos altares laterais, havia sido armado um grande presépio, onde não faltavam montes e arruamentos, um pequeno lago, e, a um lado, o estábulo onde o Menino havia de nascer. Dispersos vários animais, com realce para as ovelhas nos montes e as vacas na pequena gruta.
         Ao alto, um foco eléctrico estava colocado de maneira a poder ser accionado no momento do Glória, a recordar a estrela de Belém.
         Um minúsculo Menino havia sido deitado na manjedoura e lá estavam Nossa Senhora e São José para o adorarem.
         Entoado o Glória in excelsis Deo, os sinos repicavam, as luzes acendiam-se, o Presépio ficava iluminado, a Capela, no coro alto, executava uma partitura já bastante conhecida, mas que era sempre escutada com muito gosto.
         Entretanto alguém, normalmente o sacristão, muito recatadamente, fazia descer dos montículos os animais que lá pastavam, para os colocar frente à “gruta” para eles também adorarem o Menino Recém-nascido.
         Terminada a Missa do Galo, a assistência cumprimentava-se, enquanto a miudagem corria para o Presépio a ver o Menino com seus Pais, na pequena cabana, e os cordeiros e as ovelhas com os pastores ajoelhados junto da gruta a adorar o Menino.
         Depois era o regresso a casa. E que alegria os assoberbava quando descobriam, debaixo do travesseiro, qualquer mimo e, acreditavam, que o Menino Jesus ali deixara, nem que fossem, somente, alguns figos passados. Nesses recuados tempos, mais não se esperava, pois a vida das famílias era muito precária.
         Não havia presentes do Natal, nem o Comércio, quase só, como agora se classifica de comércio tradicional, tinha à venda brinquedos ou objectos utilitários de qualquer natureza, a não ser aqueles que se usavam no serviço doméstico. Os de luxo, como se dizia, não existiam ainda. Uma vida modesta, mas feliz.
         No dia Natal não faltava, porém, o almoço de carne de caçoilha e o pão de trigo. Não se conheciam ainda os “bolos do Natal”, pois os primeiros vieram mais tarde dos Estados Unidos, enviados por familiares e amigos.
         A tarde do dia de Natal era destinada à visita aos avós e a outros familiares, principalmente aos velhos e doentes. E o dia terminava com o serão, junto do Presépio armado na sala ou em outro quarto principal, escutando “estórias” que os mais velhos contavam aos mais novos.
         Mas, em breve, a tradicional Noite e o Dia de Natal se modificaram. Não muitos anos decorridos, chegou a iluminação eléctrica, apareceram as “séries”, o comércio não demorou em pôr à venda bibelôs e outros enfeites para as árvores, além de diversos objectos para oferta.
         Então, não faltaram as lâmpadas e as figuras do Presépio. Uma transformação total que fez esquecer o passado e trouxe uma maneira modernista de festejar o Nascimento do Menino Jesus.          Hoje é tudo tão diferente! Até as zonas habitadas, embora um simples lugarejo, semanas anteriores ao dia de Natal, transformam-se em luzeiros multicolores de efeitos surpreendentes.
         As habitações, para além das árvores com intensa e colorida iluminação, decoram as respectivas janelas e salas, porque é uma época festiva, talvez sem ter a noção exacta de se comemorar o maior acontecimento da História Universal: o nascimento, há 2016 anos, do Menino que veio para salvar o Mundo.
         Como é tudo tão diferente!
         Mas é Natal e é isso que mais importa.

Boas Festas do Natal param todos!


Lajes do Pico,
Dezembro de 2016 

Ermelindo Ávila

domingo, 18 de dezembro de 2016

A ILUMINAÇÃO


 NOTAS DO MEU CANTINHO



             Quando os primeiros povoadores aqui chegaram, naturalmente que a iluminação nocturna era desconhecida.
         Construídos os diminutos casebres, aí se albergavam durante a noite, desde o pôr-do-sol até ao amanhecer. Não se faziam serões. Não havia quem fabricasse as candeias.
         Frei Diogo das Chagas conta que, no ano de 1506, os homens bons e mais oficiais da Câmara da Vila das Lajes, fizeram uma postura para trazerem um ferreiro para a Ilha, a quem dariam dois moios de trigo e lhe fariam uma casa tamanha como a casa do Concelho e lhe dariam 500 reis para o frete dele e do seu fato. (sic). Gonçalo Anes foi o ferreiro escolhido. Para pagamento destas despesas deitaram finta entre os moradores, que eram sessenta e sete. (1)
         Entre os moradores já existiam sapateiros, alfaiate, cardador, carpinteiros e pedreiros. Faltava o ferreiro, ofício que mais tarde passou a denominar-se de serralheiro.
         Na candeia utilizava-se óleo de peixe e de animais marinhos. E isso durou até nossos dias. Mesmo depois de aparecerem as velas de estearina e as lamparinas de petróleo, continuaram as candeias a ser utilizadas normalmente nas cozinhas e nas casas de atafona. Ainda conheci algumas.
         As velas de estearina e o petróleo só passaram a ser utilizados para iluminação, já no século dezanove. Aliás, o petróleo e seus derivados passaram a ter larga utilização com o desenvolvimento industrial.
         Contava-nos um antigo professor, que a avó foi das primeiras pessoas a usar a vela de estearina servindo-se, para conservar o pavio funcional, de um espevitador de prata...
         O petróleo, embora conhecido desde remotas eras, passou a ser utilizado para iluminação e fins industriais, como disse, a meados do século dezanove. Dele surgiram diversos produtos, como óleos e gasolina.
         Após o conhecimento do petróleo, as vilas e cidades passaram a ser iluminadas durante algumas horas da noite. A vila das Lajes tinha iluminação até às nove horas, no inverno, mas aconteceu que, em certo dia, um louco, saindo da cela onde havia sido recolhido, percorreu, já noite, as








ruas da vila, partindo os candeeiros da iluminação. A vila voltou a estar às escuras até que, cerca dos primeiros anos trinta, foi constituída uma empresa para a instalação de uma central eléctrica. Infelizmente com poucos resultados. De vez em quando, partia o veio-motor e um novo só vinha da Alemanha. Depois foi adquirido um motor inglês mais potente e que resistiu. A central eléctrica, tais como as de São Roque e Madalena passaram para uma federação de municípios até que, nos anos setenta, foi criada a Empresa de Electricidade dos Açores que absorveu todas as centrais existentes na Região.
         Entretanto, em quase todas as freguesias da ilha, haviam sido instaladas, pelos próprios residentes, pequenas centrais para a iluminação domiciliária, além de diversos postos de iluminação nos lugares públicos, tudo custeado pelos proprietários. Na ilha de São Jorge, também havia essas pequenas centrais comunitárias, cuja instalação fora orientada por um dos párocos da Ilha. Mas tudo desapareceu com a criação da EDA.
         Hoje, a energia eléctrica é utilizada não apenas para iluminação, mas igualmente para alimentação de diversos utensílios domésticos, incluindo, como é natural, a TV. Desapareceram as velas de estearina, o azeite de toninha e baleia e as respectivas candeias, e o petróleo quase não existe.
         Até havia um provérbio que rezava: O que cai da candeia de cima, fica na de baixo. É que, normalmente, a candeia era constituída por dois “pratos”. Ou este outro: “De candeia às avessas”, como dizia celebrado escritor. (2)
É deficiente, num local ou noutro, a iluminação pública, embora paga, ao que julgo, pelos respectivos Municípios.
         No entanto, aqui e ali já vai aparecendo a energia solar. A ciência e a técnica, em contínuo desenvolvimento!
____
1)  Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores” 1989, pág.582.
2)  D. Francisco Manuel de Melo.
Lajes do Pico,
3-Nov-2016
 Ermelindo Ávila 

INICIATIVA PLAUSÍVEL

A MINHA NOTA


         Pode assim classificar-se a que teve, há um ano, o Dr. José Caldeira, instalando no Cais do Pico,  em zona bastante central e desfrutando de um magnífico panorama,
         Embora se trate de um estabelecimento comercial, tem uma finalidade cultural  de muito apreço até porque, na ilha, não abundam muitas instituições do  género.
          Presentemente pode registar-se a iniciativa dos CTT, uma instituição secular do Estado e que passou a ser propriedade de uma empresa particular. Mas, para os açorianos, o seu interesse é relativo, uma vez que só dispensa a sua actividade a edições continentais.  E, as edições açorianas já são bastantes para justificarem o interesse que lhes devia dispensar a actual proprietária dos Correios Públicos.
          Na vila das Lajes, felizmente, temos o Centro de Arte, instalado na antiga SIBIL, propriedade da Câmara Municipal, que expõe à venda pública as edições que o Município patrocina. O mesmo acontece com o Museu dos Baleeiros onde podem ser adquiridas as edições da Direcção Regional da Cultura, O mesmo deve acontecer na Madalena onde, desde há cerca de sete dezenas de anos, existe um simpático estabelecimento  de venda mística e onde sempre se encontraram boas edições literárias.
           A Livraria D. Dinis tem uma característica especial pois dedica-se, quase na exclusividade, à venda de edições de todo o Pais, o que não deixa de representar a prestação de um serviço público de  certa valia.
           Não fui encarregado de trazer a público a abertura e funcionamento deste estabelecimento comercial. Faço-o porque entendo que importante para a ilha  a sua existência.  O Pico é das ilhas que mais edita, não somente livros científicos mas pequenos romances. contos e novelas, históricos, poesia rural . Tem hoje uma empresa que se dedica à edição de obras literárias de qualquer espécie.
            Se fizermos um levantamento estatístico verificaremos que todas as freguesias da ilha tem autores de apreço. E já não refiro os consagrados escritores  José Martins Garcia e José Dias de Melo. Almeida Firmino  não publicou muitos livros mas o bastante para ser considerado um grande Poeta . Embora não fosse natural do Pico, à Ilha Montanha se dedicou e nela quis ficar... José Enes foi um Senhor da Cultura, que nos deixou uma obra cientifica de  meritória valia, principalmente no campo filosófico. De registar a Doutora Susana Goulart Costa, professora universitária, com raízes picoenses. como notável historiadora. E não esqueço o poeta e escritor Dr. Manuel Tomás, e o falecido Pe. José Idalmiro.
         Em décadas passadas     a Ilha  possuiu poetisas, como Amélia Ernestina de Avelar, e contistas, como Rodrigo Guerra e Nunes da Rosa, além de outros. Mas hoje abundam os escritores e publicistas. Porque todos os conhecem, fico por aqui...
          Bom serviço prestou e presta às Letras picoenses o Dr. José Caldeira com a Livraria D. Dinis. Ainda há “espaço” para outros mais, nas vilas picoenses, e não somente. Basta terem igual iniciativa a bem das Letras e da Cultura em geral. Dai este meu singelo apontamento.

         Lajes do Pico,
          8 de Nov. de 2016

          Ermelindo Ávila

O NATAL DO CARLINHOS

NOTAS DO MEU CANTINHO



         Um verdadeiro temporal caiu sobre a cidade. As pessoas estavam recolhidas em suas casas e impossibilitadas de concluir as compras do Natal.
         Quem não se conformava era o Carlinhos que tinha esperado, com grande alvoroço, aquele dia para ir fazer as suas compras, juntamente com os pais, pois era filho único.
         A mãe, uma excelente senhora, católica fervorosa, levou o filho a aceitar a situação e a que pedisse ao Menino Jesus que melhorasse o tempo e permitisse assim que, ao menos, pudesse assistir à Missa da Meia Noite, na Catedral, pois era sempre de um deslumbramento litúrgico invulgar.
         As luzes da cidade estavam quase todas apagadas o que a tornava quase às escuras, daí resultando encontrarem-se as ruas desertas. Ninguém se atrevia a sair de casa pois o vento e a chuva não permitiam.
         No entanto, o Carlinhos lá foi fazendo as suas inocentes preces ao Menino Jesus, para que aquela tempestade amainasse e, ao menos, pudessem ir à Missa do Galo, como diziam.
         O Presépio estava armado, na casa do Carlinhos, com figuras, ovelhinhas e um grande pasto com um lago, onde caía um riacho, ao estilo franciscano; a árvore do Natal já colocada no habitual canto da sala principal, com uma rede de lâmpadas e vários adereços pendentes dos ramos e, nestes, colocadas muitas lâmpadas coloridas que não acendiam. A rede eléctrica estava avariada e a tempestade não permitia a sua reparação. Os velhos candeeiros haviam saído da arrecadação para iluminarem, frouxamente, a casa do Carlinhos.
         A Meia-Noite do Natal ia-se aproximando. O mau tempo continuava. Num dado momento, porém, o vento acalmou, a chuva parou e permitiu que os electricistas procedessem imediatamente à reparação das redes.
         A cidade, num repente, voltou a iluminar-se, e a tomar o seu aspecto festivo. As montras acenderam, as ruas ficaram cheias das artísticas iluminações e o povo saiu à rua. Tudo voltou ao normal, mas já era tarde para que as pessoas pudessem sair a fazer as suas compras.
         Entretanto, os sinos da Catedral repicaram festivamente anunciando que as solenidades comemorativas da Nascimento de Jesus iam começar.
         Os pais do Carlinhos preparam-se para ir até à Igreja, levando consigo o menino que continuava acordado.
         Pelas ruas foram-se cruzando com outros automóveis, cujos ocupantes também se dirigiam ao velho e artístico templo, já então todo iluminado. Os celebrantes chegaram ao altar. A concelebração começou. Momentos a seguir o celebrante presidente entoava o belo hino Glória in excelsis Deo. Os sinos voltaram a repicar festivamente, anunciando agora o Nascimento do Menino. A capela executou uma tradicional partitura e a Missa continuou.
         No final foi o beija-pé do Menino que estava colocado na manjedoira do Presépio.
         Terminadas as cerimónias litúrgicas, todos regressaram às respectivas residências. Os pais do Carlinhos haviam preparado com antecedência uma frugal ceia, terminada a qual recolheram-se ao seu quarto, depois de o Carlinhos ficar na sua cama. Nem a Árvore, nem o Presépio escondiam qualquer prenda, como acontecia em anos anteriores.  O Carlinhos estranhou, mas nada disse aos pais para não os magoar.
         Cansado que estava e porque a noite ia avançada, logo que chegou à cama adormeceu imediatamente.
         No dia seguinte, o Dia de Natal, acordou cedo, mas, procurando nada encontrou no seu quarto e ficou naturalmente, um tanto contristado.
         Estavam pais e filho, à mesa a tomar o café da manhã, quando a campainha deu sinal de chamada. A Mãe foi pressurosa abrir a porta ao visitante e deparou-se com o marçano do hipermercado que lhe entregou um grande volume com o endereço: Para o menino Carlinhos, oferta do Menino Jesus.
O menino ficou radiante e abriu a encomenda alvoraçado e qual não foi o seu espanto ao deparar com um pequeno helicóptero movido a pilhas eléctricas. Ligou-o, algo nervoso, e o brinquedo saiu-lhe das mãos e começou a voar pela casa. Uma verdadeira surpresa e uma autêntica maravilha, jamais esperada. Louco de contente, o filho abraçou-se aos pais num gesto de reconhecimento e voltando-se para o Presépio apenas soube dizer, entre lágrimas e sorrisos: Obrigado, Menino Jesus!
Depois, saiu para a rua, pôs o brinquedo a girar, e todos os seus companheiros ficaram pasmados. Uma coisa assim nunca tinham visto.  Mas o Carlinhos pouco tempo ficou na rua e voltou a casa com a sua preciosa prenda do Natal.
O Carlinhos – continuaram a chamá-lo pelo diminutivo – foi crescendo e, já adulto, todos os anos, pelo Natal, retirava o brinquedo da caixa onde sempre o guardava e punha-o a evoluir por alguns instantes, sempre com o mesmo entusiasmo e alegria, recordando o seu Natal de há tantos anos.
         Boas Festas do Natal !

Natal de 2016

Ermelindo Ávila

TOPONÍMIA RURAL

NOTAS DO MEU CANTINHO


         Quando os primeiros povoadores aqui chegaram encontraram-se com uma ilha completamente deserta e cheia de arvoredo bravio. Não havia vias de acesso a qualquer monte ou vale. Desembarcando na costa, junto de um pequeno monte, - o Castelete – que ainda existe no seu estado virgem, procuraram instalar-se numa zona plana junto ao mar, aí construindo o seu primeiro núcleo habitacional. E era pela costa que faziam ligação aos diversos povoados que se foram espalhando pela Ilha, ou então pelos matos, quando outros povoados se estabeleceram no lado oposto, como foi o caso do Cais do Pico e Prainha do Norte, das primeiras zonas povoadas.
         Lacerda Machado tem um estudo sobre: Dos que povoaram o Norte da Jurisdição das Lajes. Nele nos diz daquelas Famílias Lajenses que se estabeleceram no Norte da Ilha, por ser zona de bons terrenos. Ligações familiares que ainda subsistem.
Afinal, uma história que todos conhecem e que será fastidioso repetir.
         Nasceu assim a Vila das Lajes. O seu traçado urbanístico evidencia que aqueles que instalaram o burgo tinham alguns conhecimentos de urbanização, dadas as ruas e vielas que o constituem.
         As denominações naturais tem origem nas condições ou aptidões das próprias zonas, como é o caso da Silveira e das Lajes, ou Ribeira do Meio: a primeira porque foi ali que o primeiro Pároco, Frei Pedro Gigante, em 1470, plantou os primeiros bacelos do Verdelho importados da Ilha de Chipre e fez rodear o campo com silvas para evitar a entrada de coelhos, anteriormente deitados na ilha por ordem do Infante, para sustento dos primeiros povoadores; As Lajes, porque se trata de uma planície - Fajã – lajeada; e a Ribeira do Meio porque o povoamento se iniciou junto da ribeira que ficava ao centro das três existentes naquela zona.
          “O primeiro donatário da ilha do Pico foi Álvaro de Dornelas, da ilha da Madeira,(...) O que é certo é que nada fez, pelo que em 29 de Dezembro de 1482,  Josse de Urtere (ou Jós de Utra) natural de Bruges e que exercia a Capitania do Faial, obteve de D. Beatriz a capitania do Pico, ficando desde então reunidas as duas capitanias” (1) Foi o grande mal do Pico que passou a ser governado à distância e pouco se desenvolveu inicialmente. (Tutela que jamais foi retirada...)
         Naturalmente que o Homem de Bruges se apossou dos melhores terrenos da ilha do Pico, que ficavam situados na parte Sul da Ilha.
         Ainda hoje, entre a vila das Lajes e as Terras, uma grande zona de terra de semeadura, existe a Canada de Jós Dutra, como existe a Canada do Ajudante, na Silveira e, na Piedade, a Canada da Maurícia e a Canada da Mulata, além de tantas outras canadas ou veredas com denominações cuja origem se desconhece, mas que devem vir dos primeiros tempos.
         O que não pode deixar de referir-se é que algumas das ruas e veredas ou canadas conservam as denominações primitivas, embora nas zonas urbanizadas hajam sido colocadas placas toponímicas com os nomes de certas figuras notáveis, que assim são distinguidas publicamente, como Dom João Paulino, Dr. Machado Serpa, P. Xavier Madruga ou até, além de outros mais, o Vigário de Lemos, exceptuado do perdão concedido aos açorianos por Filipe de Castela, por haver dado guarida aos homens do Prior de Crato.
         Com a construção das estradas, desapareceu o primitivo caminho dos Ilhéus, que ligava a Vila das Lajes à Madalena. A ilha possui hoje uma boa rede de estradas, regionais, florestais e municipais. Tal permite o acesso a qualquer zona habitada, e até ao interior das pastagens, com certa rapidez, o que só acontece a partir de 1940, muito embora, por vezes, a sua conservação não ande bem cuidada - registe-se. E refiro, principalmente, algumas bermas.
_______
1)      Lacerda Machado, F,S.de – História do concelho das Lages, p.24
  
Lajes do Pico,
6       de Dezº de 2016

Ermelindo Ávila

Interesses Picoenses

Notas do meu cantinho
         


Pode considerar-se um título estafado e, consequentemente, “sem interesse”. Não será tanto assim. O assunto que hoje trago a estas colunas, embora já bastas vezes abordado, como outros que podem parecer repetitivos, não o nego, tem interesse real para as gentes do Pico. Deve ser lembrado com seriedade e sem demoras, pois alguns deles continuam a ser actuais em toda a ilha do Pico, que não somente na vila das Lajes e seu concelho. Carecem, portanto, de um tratamento adequado e actualizado para que possam ser convenientemente solucionados por quem de direito. A isso não acontecer passam ao esquecimento e tornam-se crónicos e sem solução.
Aqui há dias um dos semanários faialenses deu a notícia de que o Campo de Golfe da ilha ia ser uma realidade a breve tempo. Ficamos na verdade satisfeitos com a solução pois, com o desenvolvimento do Turismo, parece-me que será mais um elemento atractivo para quantos visitantes por estas ilhas passem. Folguei com a notícia, pois entendo que se trata de um complexo indispensável ao Turismo que se está a desenvolver de maneira satisfatória.
Mas tudo cansa.  As touradas e o whale watching (observação ou vigia de baleias) cansam e deixam de interessar ao turista que por aqui passa. Tudo é transitório na vida. Consequentemente, aquilo que hoje se pratica com certa euforia  pode deixar de  ser grande atractivo em futuro próximo. E quais outros que o vão substituir? Necessário que, na ilha, surjam novos atractivos que interessem e atraiam os visitantes e os façam por aqui permanecer algum tempo, que não um dia apenas, como quase sempre vem acontecendo com certos visitantes.
Nos anos trinta, já aqui o referi em outra ocasião, a Ilha de S, Miguel, por iniciativa da Sociedade “Terra Nostra”, então fundada, construiu o campo do Golfe das Furnas, inaugurado com toda a pompa, para o que veio dos Estados Unidos presidir ao acontecimento, um milionário americano. (Hoje seria o Trump?) E o campo lá continua. E foram ainda os americanos que, segundo creio, na ilha Terceira, quando lá chegaram, construíram o Campo de Golfe, que continua e, decerto, continuará apesar de estar intermitente a estadia dos Yanks naquela ilha.
O Golfe é um desporto internacional e interessa sobremaneira às classes mais abastadas da sociedade.
Na ilha do Faial os funcionários das companhias telegráficas que ali se instalaram, introduziram, julgo, o Futebol e o Ténis, desportos que passaram a ser praticados com entusiasmo pelos naturais e não só, e continuam.
Na Ilha Terceira, ainda nos anos trinta, foi introduzido o Voleibol trazido pelo P. José d’Ávila quando este sacerdote lajense, que era professor do Liceu e do Seminário, dirigia a Mocidade Académica.
E aquele desporto, como outros mais, é hoje praticado, além da Terceira, em todas as ilhas.
Há anos, cerca de duas décadas, foi organizada na ilha do Pico uma sociedade para a construção de um campo de golfo. A Câmara Municipal cedeu o terreno no Mistério da Silveira e as obras começaram mas, por razões que desconheço e que não interessa agora referir, paralisaram e o campo nunca foi inaugurado.
          Algumas vezes, em escritos anteriores, referi o assunto. Volto a ele pois tenho a convicção de que seria um importante elemento para o desenvolvimento do Turismo na ilha que está a ser bastante procurada por nacionais e estrangeiros, mas com rápidas passagens.
         Desenvolvendo-se o Turismo, decerto que o comércio e a indústria o acompanhariam, o desemprego deixaria de existir e os jovens procurariam fixar-se na ilha, evitando-se o seu despovoamento bem visível.
           Não julgue o leitor que ficamos por aqui, referindo somente o projectado campo. Há muitos outros problemas que devem ser tratados e trazidos ao de cima, para que, quem de direito, os considere, os estude e os resolva com a brevidade necessária. Parar é morrer e parece que esta terra caiu numa morte lenta...

Lajes do Pico
22-Nov.-2016

Ermelindo Ávila

ADVENTO E NATAL

Notas do meu cantinho


      A Igreja Católica deu início às celebrações natalícias com o primeiro domingo do Advento que, no presente ano, ocorreu no dia 27 de Novembro.
      No entanto, já por esse mundo fora se vem falando há semanas na época do Natal. Não o Natal cristão que comemora o nascimento de Jesus Cristo na Gruta de Belém, mas o natal do comércio e da sociedade moderna, com iluminações feéricas, nas ruas e centros comerciais, exposições de artigos de consumo, montes de brinquedos para as crianças, troca de prendas entre os adultos e tudo o mais que os meios de comunicação social anunciam.
      Verdade que, aqui e ali, a Imprensa dá notícia dos convívios sociais, da angariação de bens para debelar a fome e de outras iniciativas meritórias. Mas é pouco; bem pouco.
      A maioria, porém, esquece-se da verdadeira finalidade das comemorações. Inventou-se um São Nicolau que traz os brinquedos para as crianças e os ricos presentes para os adultos.
      Na realidade, agradável é ver as ruas dos burgos com iluminações de cores variegadas e efeitos surpreendentes, as montras dos estabelecimentos comerciais cheias de brinquedos valiosos, as pastelarias repletas de uma doçaria rica e atractiva que só os abonados podem adquirir e que causam desejos irrealizáveis aos mais pobres.
      Outrora era tudo tão diferente. O Natal iniciava-se com a novena do Menino Jesus, normalmente celebrada nas paróquias antes do amanhecer para que os fiéis pudessem a ela assistir antes de irem para os seus trabalhos diários.
      Os actos litúrgicos eram solenes e tinham larga assistência. A Noite de Natal era uma festa memorável. A Igreja tinha uma decoração sóbria, mas atraente. O Presépio era um mimo de arte e a atracão dos miúdos e graúdos, que admiravam a gruta, as ovelhas e os animais nos pequenos prados e, ao alto, os anjos anunciando o nascimento com as estrofes do cântico Glória in excelsis Deo!
     À meia noite dava-se início à “Missa do Galo” e os sinos repicavam festivamente anunciando o nascimento do Menino em Belém e, à saída da igreja havia os tradicionais cumprimentos de “Boas Festas”. Tudo com simplicidade e respeito. Tudo dentro de um espírito cristão que emocionava por vezes. 
      O Dia do Natal era o  Dia da Família. As refeições eram melhoradas com a “caçoilha” de carne de vaca. Os figos passados eram a melhor iguaria. E, depois, as visitas aos familiares e amigos, a dar as Boas Festas.
      Normalmente, nas vésperas chegavam os cartões de Boas Festas, acompanhados por ofertas, enviados da Diáspora pelos filhos aos Pais e pelos amigos aos familiares e amigos de cá. A estação dos correios, nesses dias, tinha movimento desusado. E normalmente, chegavam antes do dia festivo para que as pessoas de cá pudessem comprar a carne para a ceia do Natal. Um motivo forte de auxílio aos parentes e amigos.
       Hoje o telefone substitui essa antiga prática familiar. Ainda hoje há quem troque os cartões de Boas Festas, mas não com aquela assiduidade de outrora. É tudo tão diferente!
       As refeições familiares passaram, quase sempre, para os restaurantes. Os serões familiares transferiram-se, em muitas famílias, para as sociedades recreativas e o verdadeiro espírito de família quase está esquecido.
      Dentro de quatro semanas estamos no Natal. Vivamos, pois, o Advento com verdadeiro espírito cristão, embora acompanhando com sobriedade, a evolução da Festa que comemora o Nascimento do Menino Jesus, na Gruta de Belém, há 2016 anos.

Lajes do Pico, 27 de Novembro de 2016

Ermelindo Ávila     

MANJARES NATALÍCIOS

NOTAS DO MEU CANTINHO      
                                                                                                         

São sempre diferentes as refeições do dia do Natal, daquelas que normalmente se utilizam no dia-a-dia.
Até ao primeiro quartel do século passado, não era usado, por estas bandas, nem o bacalhau nem a sardinha, importados do continente português.
No dia de NATAL a caçoilha, confeccionada com carne de vaca, era e é prato forte servido na quase totalidade dos lares picoenses. Cada talhante abatia, para isso, quatro ou cinco bovinos, se bem que, na noite antecedente, - a noite da “calhandra” (estúrdia) – se fizessem ceias, entre amigos, de carne de carneiro, algumas vezes subtraídos dos pastos dos vizinhos que, não deixavam de ser convidados para a “festança”, embora desconhecendo a proveniência do animalzinho abatido...
A caçoilha, ainda hoje, é o prato forte do Natal. No entanto, a sua confecção exige conhecimentos culinários e bom paladar.
Actualmente, porém, embora se continue a usar, nas ceias da noite do Natal já predomina o bacalhau.
Antigamente, não se conheciam pudins nem outros doces, para além do “arroz doce”, única sobremesa ainda hoje servida, principalmente nos jantares das chamadas “Funções de Coroa”.
A cozinha açoriana sempre foi simples e agradável ao paladar. Geralmente, os condimentos eram caseiros, ou seja, cultivados nas hortas das habitações e reduziam-se a salsa, cebola, alho, açaflor (que foi substituído nos tempos modernos pelo colorau), pimenta ou malagueta, sal (ou água retirada dos poços de maré) e pouco mais. A caçoilha, porém, era preparada com temperos importados: canela, pimenta em grão ou moída, cominhos, e poucos mais.
Não havia por cá hotéis (ainda hoje são escassos...) nem pensões. Quando muito “casas de pasto” onde eram servidos somente pratos regionais. Uns dos mais apreciados eram e são a linguiça e os torresmos de carne de porco, acompanhados com inhames.
         Com a vinda de funcionários continentais, introduziu-se um novo sistema e horário das refeições, principalmente nas pensões existentes e, depois, na própria população. Passou a utilizar-se com frequência o bacalhau e a sardinha importados, se bem que os pescadores locais apanhassem por vezes alguma sardinha.
Mais tarde, não muito, com a instalação das redes eléctricas, foram desaparecendo as lareiras e os fogões a lenha, e os electrodomésticos ocuparam os seus lugares em quase todas as cozinhas. Por esse motivo deixaram de aparecer nas ruas os antigos carros de bois a distribuir as achas, quase sempre trazidas aqui para a vila das Lajes pelos carreiros de S. João. Os fornos, praticamente, deixaram de funcionar. Todavia, para certos dias festivos, em algumas habitações continua-se a cozer o pão de trigo e a massa sovada, mas quando ainda é conservado o forno de lenha na antiga cozinha.
Afinal, desviei-me praticamente do tema; hoje tinha o propósito de aqui trazer algo dos manjares relacionado com a cozinha açoriana e especialmente picoense que, ao que julgo, é um tanto diferente de ilha para ilha. Mas a caçoilha continua. É um prato indispensável para a Noite e/ou dia de Natal. Para esse dia não há melhor ementa: sopa de canja de galinha e caçoilha para o dia de Festa, massa sovada e, em algumas casas, arroz doce. O “Bolo de Natal” veio mais tarde, creio que trazido pelos emigrantes retornados dos E.U., e actualmente quase ninguém o dispensa. E já muitos padeiros e donas de casa o sabem confeccionar.
E basta de mais referir. Que todos possam preparar e apreciar a ementa natalícia e que tenham um Natal alegre, em paz, harmonia e bem-estar, é o voto que aqui deixo.

Lajes do Pico,
Dezº de 2016

Ermelindo Ávila 

SERVIÇOS PÚBLICOS DAS LAJES DO PICO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando os povoadores chegaram à Ilha do Pico, a meados do século quinze, procuraram construir os edifícios necessários à sua instalação e os indispensáveis aos serviços públicos. E foi assim que construíram nas Lajes a Casa da Câmara ou Paços do Concelho, no centro do burgo que estavam a fundar.
         Naturalmente que não trouxeram arquitecto e/ou engenheiro civil que orientasse a escolha do local e a construção dos edifícios, mas com certeza homens práticos capazes de projectarem e erguerem tais edifícios.
Não se dispersaram. O espaço era praticamente plano – uma fajã, dizem – e permitiu que a igreja e a casa da Câmara ficassem quase juntas.
Construções simples e “pobres”, três séculos decorridos estavam praticamente incapazes de serem utilizadas.
Da igreja, ou igreja matriz, temos algumas informações de visitas oficiais, como seja os Bispos e o Governador Civil, os quais, em seus relatórios, chamam a atenção para o estado decrépito em que se encontrava a igreja Matriz. E o assunto acabou por ser resolvido com a construção da nova Matriz, embora esta levasse bastantes anos a ser concluída – 7 de Julho de 1897, data da bênção da primeira pedra e 28 de Maio de 1967, data da inauguração solene.
Com o edifício da Câmara pior aconteceu. Extinta a comunidade do convento franciscano, por decreto de D. Pedro, expedido de Ponta Delgada e datado de 17 de Maio de 1832, a Câmara Municipal das Lajes do Pico pediu a sua cedência para nele instalar as repartições públicas. O pedido foi atendido e o edifício concedido interinamente (sic) com a condição de ser reservado um espaço para os Serviços Púbicos. E essa situação se tem mantido, apesar das obras ali realizadas para adaptação e conservação.
No antigo convento, presentemente o mais imponente edifício da Ilha, estiveram instalados os serviços judiciais, até à extinção, com as respectivas cadeias, e os Serviços do Registo e do Notariado. Ainda lá se conservam, além dos serviços municipais, os Serviços de Finanças e a esquadra da PSP. Mas importa que se tomem medidas, para que os serviços da Câmara Municipal possam ser convenientemente instalados.
Na vila das Lajes, possui o Estado um excelente edifício, onde estiveram instalados os serviços aduaneiros até à sua extinção e, depois, a Guarda Fiscal. Encontra-se fechado e em degradação. Nele podia instalar-se os Serviços de Finanças, permitindo à Câmara Municipal ter mais condignas instalações e até um salão nobre, pois, o que existia houve que ser ocupado.
Com a construção do novo edifício da Escola Secundária, extra-muros, e a quase três quilómetros do centro urbano, ficou desocupado o primitivo edifício. Será mais um para ser abandonado? Há quem alvitre ser nele instalado, com as devidas e indispensáveis adaptações, o Centro de Saúde. E o actual, construído para aqueles serviços, não poderá ser ampliado, dotando-o de melhores equipamentos e meios de diagnósticos?
E não poderia o antigo edifício escolar das Lajes ser adaptado a um serviço de utilidade turística? Importa que se promova um estudo técnico para a utilização daquele imóvel de grandes proporções, e se evite que, em breves anos, seja mais um mamarracho a desfear o velho burgo lajense, já bastante delapidado.
A actividade turística está a desenvolver-se em todas as ilhas. A ocupação de camas aumenta anualmente. O turismo rural beneficia de maneira assombrosa, desse crescimento. Mas, na realidade, são os estabelecimentos hoteleiros que estão a ser bastante requisitados. Felizmente que isso acontece, pois a ilha, ao que se julga, só se desenvolverá, aceitavelmente, com o Turismo. A favor, temos a atracção de ver baleias. E essa é realmente muito importante. Segundo consta, uma das empresas situadas na ilha, ligadas a essa actividade, encerrou o ano em curso, com 10 mil saídas. Assim mesmo: dez mil saídas.
         Muitos dos visitantes não se instalaram nesta vila, pois, por cá, quase se ignora o que é um estabelecimento hoteleiro. Segundo creio, dentro do centro urbano, apenas um tem essa classificação. Existem somente camas disponíveis no “turismo rural” e em poucas “unidades hoteleiras”.
         Quando haverá quem se disponha a instalar no centro das Lajes – espaço não falta – um hotel de três ou quatro estrelas, ou coisa que a isso se assemelhe?
         Se o Turismo é a indústria do futuro, que falta para o trazer, com todos os seus benefícios, para esta vila que não se ufana de ser avoenga, mas que deseja ser um centro urbano com presente e futuro?!...
         Não poderá a Câmara Municipal, juntamente com outros parceiros, ter a iniciativa? Outras já a tiveram com óptimos resultados.

Vila das Lajes do Pico,
17 de Novº. de 2016

Ermelindo Ávila