sábado, 9 de maio de 2015

VEREDAS, CAMINHOS E ESTRADAS

NOTAS DO MEU CANTINHIO


Há dias, citando o escritor faialense Ernesto Rebelo, fiz referência à primitiva ligação terrestre que havia entre as vilas da Madalena e Lajes. Nove horas levou o dito faialense a percorrer a distância entre Madalena e Lajes, subindo e descendo montes e vales, por atalhos e veredas que só era possível atravessar de burro, péssimo burro que montava, o classificou.
Referindo-se à estrada, escreve Lacerda Machado: Quem conhece a morosidade ritual das obras públicas, enche-se de pasmo perante a actividade prodigiosa com que o reduzido número dos primeiros povoadores conseguiu, em poucos anos, realizar tal intento ( a ligação da Vila com o porto da futura freguesia da Madalena) construindo o caminho dos ilhéus que, prolongado, deu a volta completa à ilha. E passados cinco séculos de dízimos, fintas e contribuições, há ainda (em 1936) o caminho feito pelos infatigáveis colonos de Fernando Alvares o único que serve grande parte da ilha, a partir da mesma vila, da ermida de S. Pedro para a Piedade, a mais importante freguesia do concelho.(1) Em nota de roda pé refere o distinto lajense a nova estrada pela qual muito se interessou e cuja construção estava já a concurso.
Na realidade, a estrada Lajes-Piedade, como ficou conhecida, veio a ser inaugurada em 1943. Seguiu-se depois a construção da estrada Piedade-S. Roque e, um pouco mais tarde, a transversal Lajes-S. Roque, esta a justificar a extinção do antigo Julgado Municipal das Lajes, segundo a opinião do engenheiro projectista que a classificava de estrada política. Política ou não, veio notavelmente beneficiar a economia da ilha, quer com a ligação entre as duas vilas, quer com o aproveitamento das pastagens do alto. Hoje tem apreciável movimento.
Depois foi construída a estrada longitudinal que ligou o interior da Ilha, no sítio do Corre Água, à Madalena.
Poucos anos depois os Serviços Florestais foram criados e instalados na ilha, sob a direcção do falecido Engenheiro Manuel José de Simas, um nome que parece andar esquecido, quando bem merecia que houvesse ficado registado mesmo em pedra balsáltica a recordar o notável obreiro de tão grandioso empreendimento. Foram construído 47 caminhos de penetração, numa extensão de 275 quilómetros. Um benefício de extraordinária valia, que veio beneficiar o desenvolvimento agro-pecuário e, simultaneamente, o turismo, dando a conhecer o diferenciado e, por vezes, deslumbrante interior da ilha, até então quase desconhecido.
O escritor faialense, ao visitar a vila das Lajes, diz que levou nove horas a percorrer o espaço entre a Madalena e Lajes. Naturalmente que uma grande parte do antigo caminho dos ilhéus já não existia por ter sido destruído pelas erupções vulcânicas de 1718 e 1720 das quais restavam os mistérios de São Caetano - S. João e de S. João - Silveira. A actual estrada que atravessa este segundo mistério tem mais de três quilómetros de extensão.
A última ponte nela construída, foi sobre a da ribeira da burra, ou de Fernando Alvares e está datada de 1877.
A propósito, Frei Diogo das Chagas diz: Dos quaes os dois principais povoadores, foram o dito Fernando Alavares, e jurdão Alvares Caralta: Este ficou povoando aly aonde saltou ( Santa Cruz das Ribeiras) e Fernando Alvares começou a sua polla parte aonde se diz a Ribr.ª do Meio. (2)
E Lacerda Machado comenta: Confirmando esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estúpidamente se chama da burra, fazendo-se desaparecer da toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio histórico e veneração pela memória do primeiro povoador, fundador da vila. (3)
As ruínas da casa de Fernando Alvares ainda existem junto da Ribeira, ao lado da actual estrada. Foram adquiridas há poucos anos pelo Município Lajense, mas disso se não passou. Era tempo de as acautelar convenientemente. E não carece de grandes obras. Foi assim que se procedeu com o Coliseu de Roma, com as capelas imperfeitas do Mosteiro da Batalha, com o Templo de Diana, em Évora. Por cá, tem-se conservado a igreja-ermida de São Pedro, primeira catedral da ilha, o antigo Forte de Santa Catarina e até o convento franciscano.
Infelizmente desapareceram as igrejas da Misericórdia e a ermida dos Remédios. O camartelo é apressado. Mesmo assim, a avoenga vila conserva restos de um passado de grande valor histórico. Mas isso não impede que se acuda à primeira casa da ilha, uma relíquia que muitas terras se orgulhariam de possuir. E basta limpar a figueira, acautelar as paredes que restam e colocar uma placa onde se identifique tão precioso monumento histórico. Não basta fazer coisas novas para deixar aos vindouros. Acautele-se o que já se possui.

1)Machado,F. S. Lacerda, “Historia do Concelho das Lages”, 1991, pág. 104.
2) Chagas, Frei Diogo, Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, 1989, pág 124.
3) Machado, F.S. Lacerda, o.c., pág 60.

Vila das Lajes,
18 de Abril de 2015

Ermelindo Ávila