domingo, 26 de maio de 2013

SANTÍSSIMA TRINDADE


Notas do meu cantinho


A Liturgia Católica celebra, este domingo, a solenidade da Santíssima Trindade, que as gentes açorianas, especialmente na ilha do Pico, aproveitam para “prolongar” os Impérios do Espírito Santo.

Para os lajenses um motivo especial existe para solenizar o dia do seu Orago.

Os povoadores, quando aqui chegaram, construíram uma pequena Ermida dedicada ao Apóstolo S. Pedro, nome do capelão e primeiro pároco da Ilha – Frei Pedro Alvares Gigante. Essa pequena ermida foi a primeira paróquia da ilha, que “muitos anos não teve esta Ilha outra freguesia mais que esta, e de todas as partes aonde moravam os povoadores vinham a ela, que foi uma pequena Igreja do Apóstolo São Pedro (que hoje é ermida) sua paróquia”.

Em 1506 “trataram de fazer outra em o meio da Vila, como de efeito fizeram, no lugar em que agora está do Orago da Santíssima Trindade, para cujo efeito lançaram finta em todos os moradores da Ilha, e nas fazendas dos Ausentes, conforme cada um tinha de Cabedal”.(1) Somavam os moradores 45. Segundo Lacerda Machado, “Por moradores deve entender-se fogos, chefes de família com propriedade colectável”. Deduz daí que a população, nessa época devia ser de 250 habitantes na ilha.” (2)


Não nos dizem os historiadores porque seria que a paróquia que, até à construção da nova Matriz, se denominava de São Pedro, aliás como acima se refere, o nome do primeiro Pároco, passaria a chamar-se, cerca de cinquenta anos após o povoamento, de Santíssima Trindade.

Quase todas as ilhas tomaram o nome do Santo do dia da chegada dos seus povoadores. Assim acontece em Santa Maria, S. Miguel, etc. O Pico, apesar de algumas divergências iniciais, ficou a chamar-se somente Pico em razão da alta montanha que domina a ilha. Todavia, a primeira igreja foi dedicada ao Apóstolo S. Pedro por ser, naturalmente, o nome do capelão que veio com os primeiros habitantes.

A Igreja celebra a festa da Santíssima Trindade no final do período pascal, que acontece no fim da Primavera. E nessa época o mar já se apresenta calmo e propício à navegação. E foi, possivelmente, nesse dia que os povoadores aportaram à ilha, tentando desembarcar junto ao Castelete, local onde as águas são revoltas devido às mudanças da maré. Apenas cá ficou, como é sabido, Fernando Alvares Evangelho pois “vindo no barco buscar a costa saltou em terra, aonde se diz o penedo negro, e com ele um cão que trazia, e o mar se levantou de modo que não deu lugar a ninguém mais saltar em terra, e aquela noite se levantou vendo do modo que a caravela ao outro dia não apareceu e ele ficou na ilha com o seu companheiro o cão e nela esteve um ano(...) No cabo do ano tornaram os Companheiros a buscar a Ilha pela mesma parte, e ainda com melhor maré (...) (3)

Fernando Alvares fixou-se junto à Ribeira, que durante anos teve o seu nome e que, depois, passou a ser conhecida por Ribeira da Burra. Ali construiu a sua habitação, cujas ruínas ainda lá se encontram. Ele que já conhecia esta parte da ilha, quando os companheiros, passado um ano, cá voltaram, encaminhou-os para a pequena baía de Santa Cruz, onde desembarcaram.

A celebração da Festa da Santíssima Trindade está incorporada no ciclo festivo do Espírito Santo. Nesse dia, em diversas localidades da Ilha do Pico, realizam-se Impérios com larga concorrência. O Império das Lajes caiu em desuso e hoje nem o Orago é por cá lembrado, e é pena, pois a denominação de Santíssima Trindade foi considerada oficial até à promulgação do Código Administrativo em 1940. E o mesmo vai acontecendo na área diocesana. Em diversos documentos, esquecem a freguesia da Santíssima Trindade, para só indicarem a denominação de Lajes do Pico que, até há pouco, foi o nome da Ouvidoria, ora extinta. Que ao menos a Freguesia da Santíssima Trindade se mantenha a lembrar aos presentes e aos vindouros, o nome secular da primeira Paróquia da Ilha.



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  1. Frei Diogo das Chagas – “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores” 1646 – Direcção e Prefácio do Dr. Artur Teodoro de Matos,1989.
  2. História do Concelho das Lages, 1936.
  3. Frei Diogo das Chagas, Ibidem.





Lajes do Pico,

Maio de 2013

Ermelindo Ávila


terça-feira, 14 de maio de 2013

As Festas


NOTAS DO MEU CANTINHO


Estamos na época das Festas. Este ano, o calendário litúrgico coloca-as mais cedo. Mesmo assim todos se preparam afanosamente para a celebração das maiores Festas destas ilhas, hoje denominadas de Região.
Não há ninguém que não fale nas festas e nos convites recebidos para as coroações e jantares da Semana do Espírito Santo. E foi sempre assim. Desde remotas eras, quando para aqui vieram os povoadores enviados pelo Infante. Há que tempo que isso aconteceu! E as Festas têm continuado. Ou por tradição ou em cumprimento de promessas, elas aí estão todos os anos, nem que sejam anos de crise como aqueles que estamos a viver. O Senhor Espírito Santo, a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, faz milagres contínuos.
Não há data certa da chegada das Festas a estas ilhas.
No continente, elas surgiram com a criação das Misericórdias, e chegaram aos Açores no século dezasseis. O alvará de criação da Misericórdia das Lajes do Pico é datado de 14 de Novembro de 1592, e concede “ao provedor e irmãos da Misericórdia da Vila das Lajes da ilha do Pico todos os privilégios e liberdades de que gozam e usam o provedor e irmãos das confrarias das misericórdias da cidade de Angra e da ilha do Faial”.
A igreja da Misericórdia já existia no ano de 1645, pois Frei Diogo das Chagas, ao referir a ilha do Pico, no seu Espelho Cristalino, diz que nela existiam treze paróquias e quinze ermidas, uma casa da Misericórdia e o convento de frades franciscanos, “que na mesma vila se fundou em 1641”.
A igreja da Misericórdia, restaurada em 1720, aquando das erupções vulcânicas daquele ano, já estava em ruínas e incapaz de nela se exercer o culto em 1914, ano em que o local onde se encontrava foi posto em arrematação e adquirido por um particular.
Sobre a constituição da devoção ao Divino Espírito Santo, Lacerda Machado informa (1): “No ano de 1523 desenvolveu-se na ilha de S. Miguel uma desoladora peste que ocasionou 2.000 vítimas e se comunicou ao Faial no mês de Julho. O pânico foi geral em todas as ilhas e os povos aterrados recorreram a preces públicas, procissões e invocaram em especial o Espírito Santo, prometendo distribuir pelos pobres anualmente, pela festa do Pentecostes, as primícias de seus frutos, se escapassem do terrível flagelo, que se não comunicou ao Pico. – Instituíram-se irmandades em honra do Espírito Santo, celebrando em seu louvor todos solenes, com folias e bailes, ao uso do tempo.”
A ilha do Pico, na devoção ao Divino Espírito Santo, quase constitui uma excepção entre as outras ilhas. Segundo um “Roteiro do Espírito Santo”, elaborado pelo “Jornal do Pico” no último ano (2012), realizam-se na ilha do Pico, ao longo do ano, desde o sábado do Espírito Santo até ao dia de são Mateus (21 de Setembro), 53 Impérios com a distribuição, a todas as pessoas que aparecem, de rosquilhas ou bolos de vésperas, conforme a tradição.
São, na realidade, as grandes festas da ilha, que se vêm mantendo com o mesmo entusiasmo, estes séculos todos em que a ilha está povoada.
A vila das Lajes celebra o seu império no dia de São Pedro. Reatou a tradição em 1940 e, felizmente, tem mantido. Antes realizava impérios no Domingo do Espírito Santo, segunda-feira do Espírito Santo (dos marítimos ) e terça-feira ( dos nobres).
No princípio do século XX houve um desentendimento entre os irmãos do Domingo e os da Ribeira do Meio, que a ele pertenciam, foram realizar o Império para o Caminho Novo. Os das Lajes vieram para o largo do Meio da Vila, até que os Impérios aqui acabaram: o dos lavradores, no domingo, depois da separação dos irmãos, como ficou dito; o dos nobres porque estes foram desaparecendo; o dos marítimos porque os irmãos foram reduzindo e os que ficaram foram insuficientes para que o império se realizasse.
Mais tarde ainda se tentou, na vila, o Império da Trindade mas durou poucos anos. Veio em 1940, como atrás disse, o de S. Pedro e ficou, felizmente.

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  1. História do Concelho das Lages, 1936, pág. 136.


Lajes do Pico,
Maio de 2013-05-09
Ermelindo Ávila


domingo, 5 de maio de 2013

MONSENHOR CÓNEGO JACINTO ALMEIDA


Duas Palavras de Homenagem

Quando Ponta Delgada se prepara para celebrar uma vez mais a sua festa maior em honra e louvor de Santo Cristo dos Milagres que ali se venera, desde o recuado século dezassete, importa recordar aqui uma Figura Notável que àquelas solenidades e à devoção ao Ecce Homo dedicou uma parte importante da sua exemplar actividade sacerdotal. Refiro Monsenhor Cónego Jacinto da Costa Almeida que, nos derradeiros anos da sua vida, foi Reitor do Santuário da Esperança.
Recordo o Padre Jacinto, como era conhecido vulgarmente, com alguma saudade. Fomos condiscípulos nos distantes anos da juventude e sempre tivemos uma amizade discreta e singular. E era um companheiro diferente. Calmo, amável, tratando os companheiros com uma certa fraternidade, o que nem em todos acontecia. Distinguia-se por isso, o que o levou a exercer uma parte da sua vida sacerdotal no estabelecimento onde se formara e, mais tarde, em Ponta Delgada, donde transitou para Reitor do Santuário.
Em Ponta Delgada, encontrámo-nos, quase regularmente, quando ele passou a exercer as suas funções no Santuário. Era num café próximo da Igreja da Esperança que passávamos alguns momentos. Recordávamos um passado distante, quando ali íamos, depois do almoço, tomar a habitual “bica”. Um dia, ele perguntou-me se conhecia o tesouro de Santo Cristo. Naturalmente que a minha resposta foi negativa. Ficou combinado que, no dia seguinte, iria até ao Santuário. E assim aconteceu.
Uma Irmã, creio que a responsável pela guarda do sumptuoso Tesouro, havia exposto num mesão, que se encontrava no recinto, todas as jóias - ex-votos – oferecidas a Santo Cristo, em cumprimento de promessas por favores alcançados. E ali estavam, e concerteza estarão, desde as alianças de casamento até aos vasos sagrados do maior valor e riqueza material. Nas paredes as capas que a Veneranda Imagem usa e que são igualmente resultado de promessas feitas em horas de angústia e sofrimento. E várias são, algumas de notável riqueza.
Levou-me ao escritório e aí mostrou-me a correspondência que, diariamente, recebia de todo o mundo de devotos de Santo Cristo, à qual dava resposta, obrigando-o a um trabalho diário de algumas horas.
Fiquei, naturalmente, encantado. Mais nada poderei acrescentar. Não é fácil descrever o que se encontra naquele “tesouro”, único nestas ilhas, apesar de ser de muito valor o tesouro da Sé e os de algumas igrejas paroquiais açorianas.
Mons. Jacinto Almeida morreu cedo. A sua vida operosa podia prolongar-se por muitos anos mais. O Senhor quis, porém, levá-lo a gozar o prémio das suas virtudes e benemerências. Ficou a ser recordada pelos admiradores a sua vida de autêntico asceta. E muitos, concerteza, dele ainda se recordam.
Quando superior do Seminário – Prefeito, professor e por fim Reitor – procurava conduzir os alunos com humanidade o que nem outros colegas eram capazes de praticar. Por vezes austero, mas sempre dedicado e compreensivo. Disso alguns deram-me testemunho.
Na vida social era um homem simples, nada arrogante, incapaz de ofender quem quer que fosse. Estimava e respeitava o semelhante como poucos o faziam. Creio que a cidade toda, que o conhecia, o respeitava.
Não vivia em Ponta Delgada mas pelo que notava, quando por lá passava, ficou-me sempre o respeito cortês e amável que os micaelenses tributavam ao Mons. Cónego Jacinto, e uma grande estima pelo humilde sacerdote.
Ponta Delgada perdeu um grande Homem e um Sacerdote dedicado, simples e humilde mas com uma grandeza de alma tal que a todos estimava e por todos se repartia.
Como acima digo, foi dos poucos colegas que me ficaram na memória e na recordação saudosa de uma amizade simples mas humana e cristã, que não mais esquecerei.
Deixo, pois, estas modestas palavras, à memória de Monsenhor Cónego Jacinto da Costa Almeida, com a gratidão pela amizade que sempre me dispensou.

Lajes do Pico
22 de Abril de 2013
Ermelindo Ávila