segunda-feira, 28 de março de 2011

RETIRAR DA VILA A ESCOLA SECUNDÁRIA ?

Todas as ilhas têm as escolas secundárias nos respectivos centros urbanos, a principiar pela Ilha de São Miguel. Conheço somente uma excepção: a escola de S. Roque do Pico, construída no princípio da estrada transversal, no propósito de ligar a antiga Vila ao lugar do Cais, onde se situam os serviços públicos.

Depois de uma luta de anos, parece que a Secretária Regional da Educação, recentemente empossada, sem tomar conhecimento “in loco” da situação do actual edifício escolar, construído de raiz para aquele fim, entende dar provimento à proposta de uma facção social e construir um novo edifício afastado da zona urbana cerca de dois (2) quilómetros.

A concretizar-se tal projecto, promove-se a completa destruição da vila, dela ficando, em poucos anos, apenas as ruínas, pelo abandono que vai provocar. Será que se pretende editar, na época presente, as antigas “Ruínas de Pompeia”?

Retirar da Vila a Escola Secundária é, como disse, o maior golpe que pode dar-se no seu desenvolvimento e no seu futuro. A Vila deixará de ter movimento de pessoas, pois as duas ou três centenas de jovens que virão a frequentar a escola, não terão tempo de a ela descer nos intervalos das aulas.

A eles não fará diferença a mudança da escola uma vez que o autocarro os leva a qualquer sítio onde a escola se encontre. Todavia deixa de haver a sua presença diária e a alegria louçã que emprestam à vila e dão movimento ao seu comércio.

Acresce que, construída a escola da Ponta da Ilha - para servir a Calheta, Piedade e Ribeirinha, os alunos até ao nono ano, deixarão de deslocar-se à escola das Lajes e esta ficará com a sua frequência bastante reduzida, de uma ou duas centenas de alunos.

Assim sendo, o actual edifício ficará com algumas salas desocupadas e, consequentemente, com espaços suficientes para todos os serviços, aulas e laboratórios e salas de estudo até, do Secundário.

E pergunto: Para quê, a construção de um outro edifício afastado da vila?

E qual a ocupação que vai ser dado ao actual? Demoli-lo? Deixá-lo ao abandono, como sucede ao edifício da Alfandega?

Estes e outros argumentos que podiam ser evocados, suficientes são para que a titular da Educação ou o Governo reconsidere a sua deliberação, a bem do Serviço Público e de uma terra que deseja que o seu futuro seja acautelado para que possa desenvolver-se e progredir.

Demais, se é necessário ampliar o edifício actual não falta espaço. O processo de expropriação tanto pode dar-se num local como no outro.

Sem desejar, voltei uma vez mais a este assunto. Espero ser a última vez. Somente o faço no desejo bem visível de acautelar o desenvolvimento da vila onde nasci e tanto prezo. Estou a defender o futuro desta terra. Tenho esse direito e, até, esse dever. Outros pensarão o contrário. Cada um pode pensar livremente como bem entender. Todavia, muitos se enganam e o futuro dirá quem está dentro da razão. Não se precipitem, pois... Ainda é tempo de se recuar, com brio e dignidade...


Vila das Lajes,

4 de Março de 2011.

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 4 de março de 2011

ARTES E OFÍCIOS

Em 23 de Maio de 1506 estando juntos o Juíz ordinário, o Vereador e o procurador do concelho além de outros homens bons da Câmara, acordaram e houveram por bem, e proveito da terra, haverem um ferreiro para estar na terra, o qual concertaram (acordaram ) com Gonçalo Anes, Ferreiro, que nos servisse, e morasse na terra quatro anos ao qual temos de dar dois moios de trigo e lhe fazemos uma casa igual à casa do Concelho, e mais pagarão o frete dele e de sua família, de 500 reis.”(1)

A deliberação “foi notificada ao povo, e o povo disse que era muito contente de tudo o que os homens bons da Câmara fizeram”. E logo “lançaram as taxas para o pagamento daqueles encargos e de outras coisas”.

Nesse mesmo ano de 1506 resolveram lançar uma finta (taxa) sobre os moradores (ou fogos) da ilha que eram 45 e a finta foi fixada em 27.455 reis, destinada à construção da igreja (Matriz). Até então vinha servindo a ermida de S. Pedro.

Curiosamente, (cerca de cinquenta anos após o povoamento) na lista já se encontram um sapateiro, um carpinteiro, um pedreiro, um alfaiate, um tecelão e um cardador.

A casa que foi prometida ao ferreiro era igual à da câmara. Esta era de dois pisos e no segundo tinha duas divisões. “Situava-se na Praça e (foi) demolida em 1900 por causa das obras da matriz nova”.(2)

Em 1884 a freguesia da Santíssima Trindade tinha 3 107 habitantes, sendo 2583 maiores de sete anos e 524 crianças. Na população estavam incluídos quatro negociantes, sete carpinteiros, sete ferreiros, quatro sapateiros, um alfaiate e um calafate ou construtor de embarcações de pesca local e canoas baleeiras. (3)Convém recordar que o primeiro construtor de canoas baleeiras, em Portugal, foi o lajense Francisco José Machado (Experiente).

Em 1922 vamos encontrar, na vila das Lajes, dois alfaiates, um barbeiro, oito comerciantes, dois construtores de embarcações, duas fabricas de queijo e manteiga, uma florista um pintor - dourador, três sapatarias, e dois talhos.(4)

Decorridos trinta e três anos (1955) a vila das Lajes possuía: dois construtores navais, nove fábricas de lacticínios, uma fábrica de conservas, uma da baleia, e uma de laranjadas, três moagens de cereais, duas padarias, duas pensões, sete armações baleeiras, duas sapatarias, duas barbearias, três oficinas de ferreiro, duas bombas de combustíveis, dois depósitos de tabaco e diversos estabelecimentos comerciais.(5)

Aqueles que se destinavam ao exercício dos ofícios de alfaiate, barbeiro, carpinteiro, ferreiro ou sapateiro, ou outros, iam praticar durante meses ou ano, nas oficinas existentes, sem qualquer remuneração e, não raro, tinham de deslocar-se das respectivas residências para fora da localidade.

Presentemente não existem barbeiros, nem sapateiros, ou ferreiros. As fábricas de lacticínios estão reduzidas a uma somente. Desapareceram as sete armações baleeiras por força da proibição da caça da baleia, deixando de existir a respectiva fábrica. E fecharam, também, a fábrica de conservas e a de laranjadas. Os estabelecimentos comerciais tradicionais quase desapareceram...Todavia abriu há meses um excelente hipermercado. O mesmo vem acontecendo em toda a ilha, embora novos estabelecimentos com diversos géneros de comércio hajam surgido. E bem assim novas oficinas, especialmente de artesanato, que o turista muito procura.

Mas tudo isto uma vez mais é recordado, com o recente caso dos “Estaleiros da Madalena”. E a eles fazendo alusão ligeira, recordo os estaleiros de Santo Amaro, ou o Arsenal de Santo Amaro, como os classificou o Pe. José Maria das Neves:

Presentemente (1970), há três estaleiros navais equipados com maquinismo moderno; o de Manuel Joaquim de Melo, dirigido por João Alberto Neves(...) o de José Teixeira Costa e o de Júlio Matos de Melo. – Nos últimos 20 anos, aproximadamente, foram construídas de novo, ou reconstruídas e ampliadas 70 traineiras da albacora, não falando das muitas outras feitas nesse período, como a ampliação do iate Espírito Santo, da lancha Espalamaca, etc.” – “E isto bastará para se julgar do volume deste arsenal, o maior dos Açores, e do valor de que são credores estes briosos construtores...” (6)

E pergunta-se: Porque não se aproveitam os estaleiros de S. Amaro? Retirar daquela freguesia uma actividade, que era a única, para a arrastar para onde nunca houve tradição da construção naval ? ! Pois se até as lanchas do Canal eram construídas ou beneficiadas naqueles estaleiros...

E deste jeito vão ficando as terras despovoadas e, consequentemente, mais empobrecidas, sem ninguém que lhes acuda.

Mas havia mais que se dissesse.

Vila das Lajes,

17 de Fevereiro de 2011.

Ermelindo Ávila

http://domeuretiro.blogspot.com


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1)Lacerda Machado, F.S., “História do Concelho das Lages”, 1936 ;

- Frei Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, 1989

  1. Lacerda Machado,F.S., “História do Concelho das Lajes”, 1936

  2. Matriz das Lajes do Pico – “Rol dos Confessados,” 1884

4)Almanaque Açores – 1922

5) Almanaque Açores - 1955

6) Neves, Pe. José Maria – “Para a História de Santo Amaro da Ilha do Pico” - 1970

quinta-feira, 3 de março de 2011

O CARNAVAL DE OUTRAS ERAS


Passaram as quintas-feiras de amigos de amigas. Chegados somos à quinta-feira de compadres. Depois é a quinta-feira de comadres e estamos nos dias de Entrudo ou Carnaval.

E logo a seguir vem a Quaresma, com início na quarta-feira de cinzas.

Ainda há dias celebrámos o NATAL e, dentro em pouco, é a Quaresma. Isto referido para o povo cristão que, na generalidade, é todo aquele que habita esta ilha.

E porque assim é, atrevo-me a trazer este assunto à crónica de hoje. Não virá mal algum o recordar estes tempos que Igreja Católica, anualmente, comemora.

Mas recuemos no tempo.

Quatro semanas antes do Carnaval celebravam-se as quintas-feiras de amigos, amigas, compadres e comadres. Eram dias de confraternização e de convívio ameno. As ceias eram, normalmente, frugais, predominando a linguiça quando a matança já tinha ocorrido. Os doces que se levava à mesa não passavam de filhós ou de fatias douradas. E só. Mas bastavam para que o convívio decorresse alegre e feliz.

Entretanto, apareciam os “mascarados”, com imitações, graçolas e “sketchs”, alguns com certa dose de humor, sem deixarem de ter uns resquícios de arte.

Nas salas das “casas que recebiam mascarados”, enquanto eles não apareciam, havia alguém que dedilhava a viola ou a guitarra, tocando a chamarrita. Era então que, novos e velhos, iam para o meio da casa bailando alegremente, enquanto os mais afoitos “deitavam cantigas ao desafio”.

Tudo simples, mas sem deixar de ser alegre e comunicativo. E o serão decorria, normalmente, até à meia noite, não mais, porque o dia seguinte era de trabalho.

Aproximando-se o Carnaval, os sábados e domingos também eram destinados a “ver mascarados”, quando eles apareciam, e a bailar uma ou mais chamarritas.

Anos depois, apareceram os bailes nos salões da Filarmónica e do Grémio. A assistência era grande, vinda de diversas partes da ilha. A música era executada por bandas, quase sempre improvisadas, e constituídas por alguns artistas. Daí terem os bailes um ar mais solene e uma frequência maior e, nalguns casos, mais selecta, embora ninguém deles fosse excluído.

Eram tradição as “danças do Carnaval”, que se exibiam nos largos, das freguesias e que voltavam à rua pela Páscoa e, igualmente, nos dias do Espírito Santo. Normalmente, apresentavam uma narração em estilo de drama ou comédia. E nelas, homens vestiam de mulher porque não era permitido o elemento feminino tomar parte em semelhantes divertimentos. Eram bastante apreciadas e arrastavam consigo dezenas ou centenas de entusiastas assistentes. Ignoro se alguma freguesia da ilha ainda as apresenta.

Nas festas de Verão têm aparecido danças, à semelhança daqueles que se realizam nas festas das Sanjoaninas de Angra, em Vila Franca do Campo, ou pelas de festas de Santo António, em Lisboa.

Felizmente desapareceu o estardalhaço do Entrudo, com água e farinha, por vezes uma brutalidade insuportável para festejar o rei momo. Resta ainda o “Bando” da Piedade que ali atrai muita gente de fora da freguesia. Alguns, na versalhada que utilizam, têm certa jocosidade; outros aproveitam a ocasião para “pôr a calva à mostra”, como dizem, daqueles que lhes são menos afeitos, aproveitando quase sempre, como motivo, uma hipotética “morte da burra”. Atitudes carnavalescas somente...

Depois, a quarta-feira de Cinzas dá início à Quaresma.

Até lá.


Vila das Lajes,

21 – 2 – 2011.

Ermelindo Ávila