domingo, 9 de junho de 2013

OS ANTIGOS MANJARES

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando os primeiros povoadores aqui chegaram, tudo tiveram de improvisar para garantirem a sua subsistência.
À falta de forno, cozeram na lage o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo (...).; assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de cultivar, posto que raramente; inventaram molhos, gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura. “(1)
E foi assim durante muito anos. As comunicações com o continente foram sempre muito raras e os fretes dispendiosos, o que evitava a importação de certos géneros. Daí que a alimentação fosse sempre frugal.
Mas, mesmo assim, não deixaram os povos de inventar uma cozinha apetitosa e agradável ao paladar.
Lembro aqui o caldo de peixe que os nossos pescadores sabiam, como ninguém, cozinhar e que ainda hoje constitui um dos pratos fortes da cozinha picoense.
Continuaram a fazer molhos apetitosos para as carnes e o peixe. Cultivavam os alhos, as cebolas, a salsa, as pimentas ou malaguetas e o “açaflôr” ou colorau de hoje.
A banha de porco é sempre utilizada, substituindo o azeite. São os chamados “molhos fervidos” que acompanhavam, e ainda hoje isso acontece, o peixe seco, cozido ou assado. E como acompanhamento a batata doce.
Para as sopas, cultivava-se a ervilha e o feijão, este de várias qualidades, branco ou castanho.
Um prato ainda hoje muito procurado é o do polvo. Tinha e tem um segredo o seu cozinhar que poucos conhecem. Quão procurado era aquele que, no século passado, fornecia o antigo e memorável “Restaurante 1.º de Maio” de Edmundo Ávila!
O arroz de lapas era uma especialidade do fundador e primeiro proprietário do “Restaurante Lagoa”, procurado por quantos vinham às Lajes.
O bolo de lage foi substituído pelo bolo do tijolo, mesmo depois de aparecer o bolo do forno. No entanto, há que recordar que, inicialmente, era o trigo que se usava pois o milho chegou por muitos anos mais tarde, tal como a batata branca. O inhame é mais antigo.
Com o desenvolvimento das manadas, apareceu o leite e, deste, o célebre queijo do Pico, fabricado nas próprias famílias e para uso das mesmas. Mais tarde iniciaram o comércio, levando o queijo para as outras ilhas, onde sempre e até hoje, é muito apreciado.
A indústria do queijo, originária da própria freguesia (São João) pois ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido paralelamente à da tecelagem ...” (2)
A caçoilha de carne de vaca ou de carneiro era cozinhada para celebrar os acontecimentos familiares: casamentos e baptizados, principalmente. Além disso, nas famílias era o prato principal da festa do Natal.
A linguiça, os torresmos de sal e de vinho-de-alhos acompanhados com inhames, são pratos fortes que, vindos de séculos passados, ainda hoje são muito apreciados.
E tudo regado com o secular vinho do Pico!...
Bem andou Frei Pedro Gigante quando, vindo com os primeiros povoadores como seu capelão, se fez acompanhar dos bacelos do vinho verdelho que plantou numa horta que arroteou no local que hoje é a Silveira. E o vinho Verdelho não ficou por cá. Correu o mundo conhecido de então.
As “sopas do Espírito Santo” ainda hoje são especiais e estão a servir, não apenas para as chamadas “funções” como para a angariação de fundos para obras sociais. E com elas a carne assada e o arroz doce. E que excelentes são!
Escreve ainda Lacerda Machado: “em casa de meus avós, ainda velhas criadas especializadas (...) peneiravam as farinhas moídas em atafonas da casa, faziam o pão de trigo, o bolo de milho, as bolachas, os biscoitos, o pão de ló, as queijadas, as rosquilhas de aguardente, os folares, os esquecidos, os suspiros, as morcelas, as linguiças, os queijos, a manteiga, etc.(...)”. (3)
O “pão leve” era o doce especial dos almoços de casamento. Hoje apareceram outras espécies, que o substituem, a maioria trazida dos Estados Unidos pelos emigrantes retornados.
Mas basta de tanto recordar.
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1) Machado, Lacerda - História do Concelho das Lages, 1936, pág. 78
2) Madruga, Manuel Alexandre – A Freguesia de S. João da Ilha do Pico, na Tradição Oral dos seus Habitantes, 2012. Pág.32
3) Machado, Lacerda, ibidem, pág.80

Vila das Lajes, Pico.
Maio-2013.

Ermelindo Ávila

sábado, 1 de junho de 2013

AS REGATAS E NÃO SÓ...

NOTAS DO MEU CANTINHO


Terminou definitivamente a caça à baleia e ficaram as canoas abandonadas nas respectivas “casas dos botes”, dos portos açorianos. E açorianos porque, nos Estados Unidos, onde a baleação teve o seu início e foi escola para muitos emigrantes, somente ficou a recordação desses tempos áureos e o New Bedford Whalling Museum que arrecada o espólio riquíssimo dessa actividade marítima naquelas paragens. Parece que hoje, talvez pelo estímulo dado pelos açorianos que baleeiros foram e por lá se fixaram, estão a implementar a prática da regata desportiva, não com as antigas baleeiras americanas mas com as canoas importadas ou ali construídas por um picaroto e que foram criação de um lajense. A canoa açoriana é hoje considerada a mais bela embarcação do mundo. Muitos esquecem porém que foi o lajense Francisco José Machado, o Experiente, o inventor do novo estilo da canoa baleeira, iniciado com a embarcação que ele construiu e denominou de “São José”. Infelizmente, porém, o nome do grande lajense anda esquecido. Nem existe uma placa junto da canoa que está arrecadada no Museu lajense, esta construída pelo filho, Manuel José Machado que, com os irmãos, continuou a construção de canoas que ficaram espalhadas pelas diversas ilhas açorianas e até pelo porto de Setúbal onde existiu uma empresa baleeira.
A Horta chamou a si, e bem fez, a organização das regatas com botes baleeiros e está entendida com New Bedford para a realização de regatas internacionais, alternadamente na Horta e naquela cidade americana.
New Bedford foi realmente um grande centro baleeiro. Em meados do século XIX possuía mais de 300 navios, tantos como o resto dos Estados Unidos, dedicados à baleação. Nessa época houve nos Açores, melhor dito no porto das Lajes, uma tentativa com um brigue armado em baleeira, que não resultou.(1)
Não se esquece que a actividade baleeira, costeira, chegou aos Açores, trazida pelos emigrantes retornados, aqueles que antes haviam partido “de salto”. Teve, no entanto o patrocínio da Casa Dabney, estabelecida na Horta no principio do século XIX. O primeiro contrato escrito de baleação, que se conhece, é de 28 de Abril de 1876, entre Anselmo Silveira, da Calheta de Nesquim, duma parte, e Samuel Dabney e George Oliver, americanos residentes na Horta, de outra.
New Bedford, decorridos quase dois séculos, conserva nas suas ruas placas com o indicativo “Cidade Baleeira”. Nas próprias habitações existem muitos “souvenirs” da baleação. E até no Museu de Mistic Port, onde ainda se encontra uma antiga barca baleeira, constantemente beneficiada, além das antigas e intactas instalações que constituem as actuais secções do Museu, há um artesão, que eu saiba, a fazer lembranças da baleação mas... em osso de vaca, segundo ele próprio me informou. Demais os habitantes daquela cidade americana têm orgulho da sua ascendência, conservando a tradição baleeira com muito respeito. As regatas, como disse, continuam nos Açores. Nos vários portos do Pico, v.g., estacionam canoas baleeiras, levadas dos portos onde se praticava a actividade, e entregues a várias entidades, que as vão conservando e no verão promovem, pelas suas festas, regatas à vela e/ou a remos. E a juventude, tanto masculina como feminina, lá vai praticando esse novo desporto, com entusiasmo. Ainda bem que isso acontece, pois é a maneira mais prática de se recordar, ainda por muitos anos, uma actividade que, durante mais de um século, foi promotora de algum desafogo económico, de muitas famílias picoenses, principalmente, pois eram os picoenses os grandes baleeiros que, como oficiais ou trancadores, se deslocavam para todas as ilhas e até para o continente, a praticar a baleação.
A Vila das Lajes, que foi o principal centro baleeiro dos Açores, possui o Museu mais visitado dos Açores, e algumas canoas, das que ficaram, para as regatas. Restam as “casas dos botes”, onde foi instalado o Museu e as “casas dos botes da Ribeira do Meio”, onde se guardam as canoas hoje utilizadas nas competições. Mais nada indica o seu passado histórico. O Museu deixou de ser um organismo autónomo para ser uma “extensão” do hipotético Museu do Pico que, afinal, não tem qualquer estrutura física, Como se, nos Açores, só pudesse existir um museu – o Museu dos Açores- sem qualquer significação histórica.
Importa sinalizar, convenientemente, os espaços da vila ligados à antiga actividade baleeira. As “Casas dos Botes” carecem de um indicativo visível. O monumento aos baleeiros, além dos nomes dos antigos oficiais e trancadores que lá existem, e muito bem, carece de ser assinalado, com uma placa identificativa. Monumento ou homenagem aos baleeiros , como julgarem mais acertado. Restam ainda uma ou duas “Vigias”, hoje utilizadas para ajudar a prática do whale watching.
O comércio, principalmente aquele que se dedica à venda de scrimshaw, deve utilizar e valorizar a identificação da baleação pois não basta somente uma rua dedicada aos baleeiros. Toda a Vila é a Vila Baleeira. Nas entradas da Vila é indispensável que sejam colocadas placas com o indicativo VILA BALEEIRA.
As empresas que exploram actualmente a observação de cetáceos deviam referir que se trata de uma actividade que se seguiu à proibição da caça à baleia, actividade que ainda hoje se praticaria se não fosse a descoberta do petróleo e de outros produtos e sistemas mais sofisticados e que levou os governos a decretarem a proibição da antiga e secular caça à baleia ou cachalote.
Tudo isto já foi dito. ( Ver “Album da Ilha do Pico”, do autor, pág. 94 a 118). Convém, porém, repetir.
Orgulhemo-nos do nosso passado!

Lajes do Pico,
Vila Baleeira
13-04-2013
Ermelindo Ávila
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  1. Refiro a tentativa de João Paulino Laureano Narciso da Silveira que, cerca de 1850, armou um brigue para a caça da baleia, o qual não deu o resultado desejado .Ver “Figuras & Factos”, pág. 107 e 121, do Autor.


A VILA EM RUÍNAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Estão a terminar as obras de construção da avenida marginal (a denominação é minha) e do jardim anexo. Um espaço abandonado que, em boa hora e felizmente entendeu o Município recuperar, depois da saída do campo de jogos. Uma atitude de aplaudir e que bastante vem dignificar a parte Oeste da Vila. Há muito que se impunha mas, como diz o velho adágio, “tarda é o que nunca chega”. E ainda bem que chegou . Os lajenses, na generalidade, estão satisfeitos, pelo menos aqueles com quem tenho trocado impressões acerca do novo empreendimento. Mas não basta ficar por aqui. Iniciou-se uma obra que há que continuar. Naturalmente que os técnicos trabalham na elaboração dos respectivos projectos. No entanto há que algo lembrar do muito que se tem dito e escrito sobre a parte histórica, é assim que agora se diz por toda a parte, da vila mais antiga da ilha.
Refiro os monstrengos que para aí existem abandonados e a causar perigo aos transeuntes.
A casa da Maricas do Tomé já está entaipada mas isso não evitará uma derrocada e as pessoas que possam ser atingidas. O mesmo acontece com as duas casas que pertenceram ou pertencem à “Planipico”, ambas já sem tecto, uma delas de traça do século XVII/XVIII. E não menos perigosas são as ruínas da casa que da Feliciana, em cuja empena sul existe um “Passo”, propriedade da Misericórdia, como são todos os outros. Outras casas vão caminhando para esse inglório destino. Na rua principal da vila há a antiga “Casa da Alfandega”, propriedade do Estado, há anos encerrada. O que lhe vai acontecer? E já não refiro as ruas transversais...
Julgo que, segundo a legislação, a autarquia tem competência para impor obras ao proprietário ou expropriar o prédio e, depois, dar-lhe o destino que julgar mais acertado.
Mas expropriar para ficar abandonada como a da já histórica “casa da Maricas do Tomé” que, ao que sei, pertence hoje ao Município, não vale a pena.
Sei que não apenas nas Lajes do Pico existem prédios em ruínas e abandonados. Outras terras há, em Portugal, que nos centros de várias cidades, existem igualmente prédios degradados e abandonados. Mas isso pouco nos importa. Tratemos do que é nosso, pois nas eras que passam, a “inter-ajuda” é somente uma palavra de retórica.
Com a construção do novo arruamento há que promover a melhor regulamentação do trânsito, retirando o estacionamento de viaturas da rua principal (não se compreende o estacionamento em espinha em frente da Casa da Maricas do Tomé) e fazendo nela a circulação nos dois sentidos, para que os visitantes possam admirar o centro histórico e bons prédios que ainda existem.
No novo arruamento (chamo-lhe assim porque ainda não tem denominação) o trânsito deve ser regulamentando não se permitindo o estacionamento de veículos de carga, como já vai acontecendo, o que retira a beleza daquele espaço e a vista sobre o futuro jardim. Para os veículos pesados ou de carga pode destinar-se o parque da rua Direita, por detrás da Caixa Geral de Depósito, ou em outro que melhor convenha.
Afinal, pequenas coisas de grandes efeitos, ao que julgo.
E por hoje apenas estes reparos, para que a tempo, e antes de se criarem hábitos, tudo seja convenientemente regulamentado.
Há anos fui à Europa. Passei por várias cidades que, anos antes, haviam sido destruídas pela metralha da guerra. Estavam completamente recuperadas e nada “diziam” do seu passado bélico.
Por cá não houve guerras nem revoluções que destruíssem os prédios urbanos. Felizmente!
Mas a incúria e o abandono têm feito destruições enormes. Causa pena!


Vila das Lajes do Pico,
Maio de 2013.


Ermelindo Ávila