NOTAS DO MEU
CANTINHO
Quando
os primeiros povoadores aqui chegaram, tudo tiveram de improvisar
para garantirem a sua subsistência.
“À
falta de forno, cozeram na lage
o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo
(...).; assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça
que ainda não houvera tempo de cultivar, posto que raramente;
inventaram molhos, gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite
de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só
recentemente se começou a tentar a sua cultura. “(1)
E foi assim
durante muito anos. As comunicações com o continente foram sempre
muito raras e os fretes dispendiosos, o que evitava a importação de
certos géneros. Daí que a alimentação fosse sempre frugal.
Mas, mesmo
assim, não deixaram os povos de inventar uma cozinha apetitosa e
agradável ao paladar.
Lembro aqui
o caldo de peixe que os nossos pescadores sabiam, como ninguém,
cozinhar e que ainda hoje constitui um dos pratos fortes da cozinha
picoense.
Continuaram
a fazer molhos apetitosos para as carnes e o peixe. Cultivavam os
alhos, as cebolas, a salsa, as pimentas ou malaguetas e o “açaflôr”
ou colorau de hoje.
A banha de
porco é sempre utilizada, substituindo o azeite. São os chamados
“molhos fervidos” que acompanhavam, e ainda hoje isso acontece, o
peixe seco, cozido ou assado. E como acompanhamento a batata doce.
Para as
sopas, cultivava-se a ervilha e o feijão, este de várias
qualidades, branco ou castanho.
Um prato
ainda hoje muito procurado é o do polvo. Tinha e tem um segredo o
seu cozinhar que poucos conhecem. Quão procurado era aquele que, no
século passado, fornecia o antigo e memorável “Restaurante 1.º
de Maio” de Edmundo Ávila!
O arroz de
lapas era uma especialidade do fundador e primeiro proprietário do
“Restaurante Lagoa”, procurado por quantos vinham às Lajes.
O bolo de
lage foi substituído pelo bolo do tijolo, mesmo depois de aparecer o
bolo do forno. No entanto, há que recordar que, inicialmente, era o
trigo que se usava pois o milho chegou por muitos anos mais tarde,
tal como a batata branca. O inhame é mais antigo.
Com o
desenvolvimento das manadas, apareceu o leite e, deste, o célebre
queijo do Pico, fabricado nas próprias famílias e para uso das
mesmas. Mais tarde iniciaram o comércio, levando o queijo para as
outras ilhas, onde sempre e até hoje, é muito apreciado.
“A
indústria do queijo, originária da própria freguesia (São João)
pois ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se
desenvolvido paralelamente à da tecelagem ...” (2)
A
caçoilha de carne de vaca ou de carneiro era cozinhada para celebrar
os acontecimentos familiares: casamentos e baptizados,
principalmente. Além disso, nas famílias era o prato principal da
festa do Natal.
A
linguiça, os torresmos de sal e de vinho-de-alhos acompanhados com
inhames, são pratos fortes que, vindos de séculos passados, ainda
hoje são muito apreciados.
E
tudo regado com o secular vinho do Pico!...
Bem
andou Frei Pedro Gigante quando, vindo com os primeiros povoadores
como seu capelão, se fez acompanhar dos bacelos do vinho verdelho
que plantou numa horta que arroteou no local que hoje é a Silveira.
E o vinho Verdelho não ficou por cá. Correu o mundo conhecido de
então.
As
“sopas do Espírito Santo” ainda hoje são especiais e estão a
servir, não apenas para as chamadas “funções” como para a
angariação de fundos para obras sociais. E com elas a carne assada
e o arroz doce. E que excelentes são!
Escreve
ainda Lacerda Machado: “em casa de meus
avós, ainda velhas criadas especializadas (...) peneiravam as
farinhas moídas em atafonas da casa, faziam o pão de trigo, o
bolo de
milho, as bolachas, os biscoitos, o
pão de ló, as queijadas, as rosquilhas de aguardente, os folares,
os esquecidos, os suspiros, as morcelas, as linguiças, os queijos, a
manteiga, etc.(...)”. (3)
O “pão
leve” era o doce especial dos almoços de casamento. Hoje
apareceram outras espécies, que o substituem, a maioria trazida dos
Estados Unidos pelos emigrantes retornados.
Mas basta
de tanto recordar.
________
1)
Machado, Lacerda - História do Concelho das Lages, 1936, pág. 78
2)
Madruga, Manuel Alexandre – A Freguesia de S. João da Ilha do
Pico, na Tradição Oral dos seus Habitantes, 2012. Pág.32
3)
Machado, Lacerda, ibidem, pág.80
Vila
das Lajes, Pico.
Maio-2013.
Ermelindo
Ávila
Sem comentários:
Enviar um comentário