quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

SÉCULO E MEIO DE JORNALISMO

Na realidade, a existência do “Diário dos Açores” é um acontecimento histórico, não somente para a ilha de S. Miguel, onde se publica, mas para todo o Arquipélago e até para o continente português.

Os directores e redactores que o têm dirigido e mantido ao longo destes anos todos, bem merecem que os recordemos nesta ocasião com uma palavra respeitosa de homenagem e gratidão por aquilo que fizerem em prol destas ilhas do Atlântico. Mal sabia Manuel Augusto Tavares de Resende, quando, em 5 de Fevereiro de 1870, pôs nas bancas de Ponta Delgada um novo jornal que a sua vida seria tão longa e proveitosa. Mas o “Diário dos Açores” aio está, sempre rejuvenescido e actual, defendendo os problemas ilhéus com denodo, competência e galhardamente.

Razão tinha o esquecido mas sempre notável posta Osório Goulart, quando endereçou a Tavares de Resendes uma importante carta, onde dizia: “O “Diário dos Açores” não é somente um título; serve a conveniência da confraternização açoriana, que outra não tem sido a minha constante cogitação.

Está ao serviço de todos os homens de talento e de honestas intenções, inspira-se no bem da Pátria e no respeito por tudo o que é respeitável.”(1)

Bem o afirmou Osório Goulart. O “Diário” , neste quase cento e cinquenta anos, tem estado sempre ao serviço dos Açores e das suas respeitáveis gentes, servido por um elenco de directores e redactores que lhe deram brilho, dinamismo e actualidade.

Recordo, a propósito, os irmãos Carreiros, Dr. Manuel e Dr. Carlos, que dedicaram, após o falecimento do pai, Manuel Rezende Carreiro, que havia dirigido o jornal, após o falecimento do tio, Tavares Carreiro, durante 47 anos, como informa o saudoso e ilustre jornalista, que foi Manuel Jacinto de Andrade. E não esqueço Silva Júnior, que, depois de dirigir o jornal durante doze anos, foi seu “Director Honorário”. E só refiro neste arrazoado aqueles que conheci aos quais presto a minha sentida e respeitosa homenagem.

O “Diário dos Açores” é, como disse, um repositório da história micaelense nos últimos 150 anos. Compulsar a sua secular colecção é tomar conhecimento da sua história, social, económica e política.

Embora hoje os processos modernos procurem relegar a imprensa escrita, ela jamais deixará de ser um elemento importante e indispensável, da história dos povos. No jornal encontra-se a vida social, embora a mais simples e por vezes ingénua; a vida económica, com relevância para o comércio e actividades industriais das respectivas localidades; as disputas políticas, as mais inverisímeis . Tudo revela o estado ambiental da época a que se refere.

Anteriormente eram raros os livros que se encontravam à venda nas livrarias. Angra possuía a Livraria Editora Andrade, a única que nos Açores se dedicava à edição de livros. Algumas ds tipografias dos jornais editavam, de longe a longe, alguns livros de autores locais. Raros eram o que vinham do continente. Só nas últimas décadas é que se publicam livros, dos mais diversos géneros, em abundante quantidade.

O romance era o género de literatura mais procurado. Eram os jornais que se encarregavam de os tornar conhecidos através da secção “folhetim”, que quase todos inseriam, publicada em roda pé, e que eram recortados e arquivados, para ser lido aos serões de inverno. E lido que era passava a outro, para que todos conhecem o romance publicado. Os folhetins estão substituídos pelas telenovelas da TV, mas não se arquivam...

Pode dizer-se que os modernos meios de comunicação suprem com alguma vantagem, os periódicos escritos. Mas eles não enchem as prateleiras das bibliotecas e por qualquer circunstâncias desaparecem sem deixar vestígios.

Continuar o “Diário dos Açores” é um trabalho meritório que só prestigia e dignifica aqueles que o fazem dia-a-dia e o arquivam para estudo e regalo das gerações futuras.

Aos seus actuais directores e redactores aqui deixo um simples bem hajam pelo trabalho que estão a desenvolver, com votos sinceros para que o Diário nunca envelheça e continue garbosamente por muitos anos.

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1) Andrade, Manuel Jacinto – “Jornais Centenários dos Açores”, 1994, pág.79.


Vila das Lajes do Pico

27-Jan.-2012

Ermelindo Ávila

domingo, 12 de fevereiro de 2012

FEVEREIRO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Fevereiro fica a meio do Inverno. Um mês nevoeirento, triste e doentio. O seu frio provoca muitas vezes constipações e outras enfermidades. Nem todos resistem aos seus impulsos tempestuosos... E é o Mês da Senhora das Candeias. Mas não aquela que, no dizer do povo, “veio com a espada na mão / para matar os filisteus, que são falsos à nação”. É outra Senhora, Mãe dos homens, que representada com uma vela na mão, para alumiar todos os filhos, sem excepção.

Fevereiro é o mês mais pequeno do ano. Mesmo que o ano seja bissexto, não consegue alcançar os outros. Falta-lhe sempre um dia para se igualar a Abril, Junho, Setembro e Novembro.

Geralmente não permite sementeiras nem colheitas. As chuvas e os frios de Fevereiro obrigam as pessoas a recolherem-se em suas casas principalmente aos serões, muito embora os dias já vão crescendo pois, como diz o adágio popular : “Janeiro fora, cresce uma hora”.

Neste mês ocorrem, de anos a anos, as semanas do Carnaval. E é nas noites de alguns dos dias da semana, que as pessoas se juntam e convivem. E não há chuva nem frio que os prive de gozarem esses serões, antes que a Quaresma chegue. Mas isso era o que acontecia ontem... Hoje julgo que será diferente, (pois ando arredado, há muito, de tais convívios). Infelizmente, pois nem todos eram (serão ainda?) proibidos ou evitados por muitas famílias.

Nestes dias o sol mal aparece. E se surge, geralmente por entre nuvens, não tem o brilho do sol estival. Quando assim é, o povo diz na sua sabedoria ancestral que o sol vai doente. E se vai doente é porque o tempo que nos espera não será o melhor.

Pior era em tempos passados, quando as noites eram medonhas. Os labregos, diziam, andavam à solta e as pessoas tinham receio da “justiça da noite”. Não existia iluminação nas ruas e, para se ir de uma casa a outra, quando não havia lampião, um troço de lenha, retirado do lar, onde se cozinhava, servia para iluminar o percurso. Actualmente, nada disso se vê, nem os mais novos isso conhecem, porque a iluminação eléctrica cobre todos os povoados, muito embora haja ainda estradas total e incompreensivelmente às escuras, por falta de electrificação, apesar das redes de distribuição por elas passarem. Uma questão de economia agravada pela situação de penúria que está atingindo muitos povos. E, nestes tempos de carestia que nos atinge, os focos de electrificação pública estão a ser reduzidos ...

Faz lembrar o que aconteceu aqui há uns anos passados nesta vila. Depois de aparecer o petróleo, alguns municípios iluminaram as sedes de concelho com candeeiros públicos. Um dia um doente resolveu sair da sua galilé onde estava “recolhido” e, alcançando um fueiro de um carro de bois que se encontrava arrumado junto da habitação do proprietário, como era hábito e hoje fazem os automóveis, com ele partiu uma parte dos candeeiros. A Câmara, quase sem receitas, não pôde substitui-los. A iluminação que era, para aqueles tempos um sinal de progresso, deixou de existir.

Estamos em Fevereiro. O segundo mês do ano novo, que parece ter-se iniciado ontem, um ontem que, afinal, já conta trinta e um dias. Um ano que, vaticinam, será para esquecer, pelas mazelas que vai trazer aos portugueses e que nós açorianos, vamos igualmente sofrer “por tabela”.

Março, que se lhe segue, não será melhor. Há um provérbio popular que assim reza: “Março, marçagão, de manhã verão, à tarde focinho de cão”, como se os familiares animais fossem os responsáveis por todas as tempestades e carestias que vão surgir.

Mas, de devaneios, basta. Esperemos que Fevereiro nos traga bons dias e o Carnaval possa ser celebrado com eufórica alegria, para regalo, principalmente, da gente nova...



Vila das Lajes

1- 02- 2012

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

AMIGOS E AMIGAS COMPADRES E COMADRES

A MINHA NOTA


Chegou a época carnavalesca. As quintas-feiras que antecedem o Entrudo são festejadas pelos açorianos, desde remotas eras, com encontros pantagruélicos.

Hoje é dia de amigos. Um dia especial em que os amigos se juntam para festejar antecipadamente o Carnaval ou Entrudo, que se aproxima. Mas mais do que isso, é motivo para uma confraternização especial, à qual ninguém se escusa. E vale a pena continuar.

Para além de tudo o que possa imaginar, as quintas-feiras, cuja “comemoração” hoje se inicia, têm o mérito de juntar as pessoas que andam normalmente afastadas por afazeres vários e que nestes dias esquecem as agruras da vida para estarem juntas e recordarem diversas etapas da vida que passou.

Não sei quando tiveram início e qual o motivo que levou os nossos antepassadas a criarem estes dias para se juntarem e divertirem um pouco, se bem que seja um tanto diferente as comemorações actuais daquelas que se praticavam há anos passados.

As ilhas, antes de se conhecer o telefone, a rádio e a televisão, e da navegação se limitar aos barcos à vela e, mais tarde, aos vapores com viagens quinzenais, viviam num completo e confrangedor isolamento. Os serões eram passados à luz da candeia, provida de óleo de toninha e de baleia e, depois das velas de estearina, enquanto o petróleo aqui não chegou. Ao Pico a electricidade só cá chegou na década de trinta do século passado e por iniciativa particular...

As matanças dos porcos, normalmente nos meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro, mas sempre antes do Carnaval, eram motivo para as famílias de juntarem e confraternizarem. Por vezes, na noite do “dia de derreter”, os novos, com a ajuda dos velhos, organizavam um bailarico, melhor uma chamarrita, ao toque da viola da terra. Mas era no Carnaval que tinham lugar as grandes folgas, com tocadores convidados e bailadores experimentados.

Novos e velhos divertiam-se “à grande” (como soe dizer-se) pois os que não bailavam, jogavam às cartas, em partidas renhidas.

O Carnaval, porém, era diferente. As famílias e os amigos reuniam-se para “ver máscaras” e, nos intervalos da sua passagem, bailavam a chamarrita e por vezes a valsa. Nas salas dos abastados, onde havia piano, dançavam-se as valsas, mais tarde os tangos, e as quadrilhas, um baile artístico, dirigido em francês. Porém, à meia-noite da terça-feira de Entrudo tudo terminava porque, no dia seguinte – quarta-feira de Cinzas – era Quaresma, tempo de recolhimento e penitência. E todos ou quase todos cumpriam porque eram católicos praticantes!

No resto do ano só se realizava uma folga para homenagear algum emigrante de visita à terra. Mas, esses bailes, com tocadores escolhidos, eram destinados normalmente a convidados.

Hoje é tudo tão diferente!...


Vila das Lajes,

27 – Jan. – 2012

Ermelindo Ávila