sábado, 24 de maio de 2014

ECCE HOMO


Foi num gesto de irresponsabilidade que Pilatos apresentou Cristo à turba multa, depois de o cobrirem com um manto escarlate, O coroarem com uma coroa de espinhos e, à maneira de cetro, lhe colocarem nas mãos manietadas, uma cana verde. Afinal, um gesto de escárnio para Aquele que, sendo o Rei das gentes –Tu o disseste, respondeu a Pilatos – viera ao mundo para remir os homens da culpa de Adão.
Mas não é esta a ocasião, se bem que todas as ocasiões são apropriadas para exaltar, em palavras de retórica, a Pessoa do Divino Mestre que passou, fazendo o bem. Neste momento, desejo recordar um pouco da devoção que os povos do mundo inteiro, do Brasil e de Roma aos Açores e daqui às terras da Diáspora, principalmente Estados Unidos da América do Norte e Canadá, tributam com devoto respeito, ao Santo Cristo dos Milagres, (Ponta Delgada), ao Bom Jesus Milagroso (S. Mateus do Pico) ou ao Senhor Jesus das Preces, que tudo é o Mesmo Senhor.
Com certeza que a mais arreigada devoção daqueles que o Infante Dom Henrique mandou para estas ilhas para a povoarem, foi o Senhor Crucificado que, inicialmente, era invocado como Bom Jesus e que depois, com o aparecimento dos Crucifixos na Praia do Almoxarife, em Santa Cruz das Ribeiras e na vila das Lajes, arrojados à costa nos tempos da Reforma protestante na Inglaterra, pelos anos 1550 ou 1560, como informa Silveira de Macedo (l) passou a ser invocado como Bom Jesus das preces.
O Santo Cristo dos Milagres veio de Roma, oferecido pelo Papa a duas religiosas micaelenses, mas só foi introduzida no convento da Esperança no ano de 1541. A sua devoção foi incrementada, com a entrada de Teresa da Anunciada no convento, em 20 de Junho de l682. (2)
A devoção ao Santo Cristo dos Milagres que, actualmente, se venera no convento da Esperança, está espalhada por todo o mundo e sobretudo nas terras onde se fixaram especialmente os micaelenses que, não somente introduziram a devoção, como construíram igrejas e promovem grandes solenidades.
Mais recentemente temos, na ilha do Pico, a devoção ao Bom Jesus Milagroso, cuja imagem veio de Iguape, Estado de S. Paulo, Brasil, por volta de 1862, trazida pelo emigrante Francisco Ferreira Goulart, e cuja devoção se espalhou pelo Pico e pelas terras da Diáspora.
A propósito da Imagem, informa a Professora Dra. Maria Cecília França: “Iguape foi sem dúvida alguma o centro original da irradiação desse culto. A imagem do Bom Jesus, que é objecto da devoção dos peregrinos, que para ali afluem, vindos de tão longe, foi descoberta em 1647.” Mas antes informara: A expansão do culto ao Bom Jesus no Estado de São Paulo e fora dele é um capítulo que se prende de início à marcha do povoamento paulista desde o primeiro século da colonização portuguesa até o século XVIII. Depois, é um capítulo da história da colonização açoriana no sul do Brasil. Teve sua origem nos Açores e recebeu novo alento com a vinda dos casais açorianos para o Sul do Brasil.(3)
Certamente, nenhum outro acontecimento, no século XIX fez movimentar o povo nas ilhas centrais do Arquipélago dos Açores como a surpresa da presença da imagem do Bom Jesus Milagroso, na freguesia de São Mateus da ilha do Pico. (...) A imagem do Bom Jesus não atraiu só o povo do Pico: o Arquipélago despertou a pouco e pouco, e as romarias em Agosto, ao calor do sol, corriam com o caudal de almas sequiosas ao encontro do Senhor. Começaram a divulgar-se as graças e milagres, que chamavam a atenção dos doentes, dos fracos, das almas famintas do sobrenatural...”(4)
Na Ilha do Pico existem três imagens do Ecce Homo: Bom Jesus Milagroso de São Mateus do Pico, Bom Jesus, da Calheta de Nesquim e Bom Jesus, da Criação Velha, e ainda Santo Cristo, dos Toledos, Madalena.
Em Lajes do Pico e Santa Cruz das Ribeiras venera-se o Senhor Jesus, ou Senhor Crucificado, cujas imagens têm a origem acima referida.
Sobre a imagem do Senhor Jesus das preces, da Vila das Lajes, escreve o autor da História das Quatro Ilhas: “No princípio de 173l chegou à vila das Lajes do Pico o doutor Luiz Homem da Costa e trouxe uma relíquia do Santo Lenho numa custódia de prata com um cristal lapidado, oferecida pela condessa do Rio Grande à confraria do Bom Jesus das preces erecta na Matriz daquela vila, e juntamente o breve de aprovação da mesma relíquia passado em Roma pelo bispo Lystrense Epifânio de Nápoles, em 1730”. (4)
A referida Imagem encontra-se no altar mor da Matriz das Lajes. É uma excelente escultura e sempre foi objecto da devoção dos lajenses que, principalmente em ocasiões de tempestades marítimas, a traziam à rua e em preces públicas, pelas ruas da vila, suplicavam que o mar não invadisse as habitações, como algumas vezes aconteceu.
E era assim quase todos os invernos, enquanto a vila não foi defendida pela muralha que, actualmente, evita a invasão dos mares ciclónicos.
Santo Cristo, Bom Jesus ou Senhor Jesus é Esse Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus que Pilatos apresentou à multidão tresloucada e condenou à morte ignominiosa da Cruz, no alto do Calvário.
Outras Imagens do Bom Jesus ou Santo Cristo existem em diversas ilhas dos Açores, onde até o denominativo Santa Cruz, é atribuído a diversas localidades: Santa Cruz das Flores, Santa Cruz da Graciosa, Santa Cruz da Lagoa, Santa Cruz das Ribeiras, que não é possível trazê-las a este escrito.
1) Macedo, A.L. Silveira , História das Quatro Ilhas que formam o distrito da Horta, 1871, I Vol. Pág.220.
2)Pinto, Agostinho, Madre Teresa da Anunciada, Autobiografia, Perfil Espiritual, 2012, pág.49
3)França, Maria Cecília, Pequenos Centros Paulistas de Função Religiosa, Universidade de S. Paulo, 1973, I Vol. Pág 45.
4)Macedo, A.L.Silveira, O. citada.

Lajes do Pico,
Maio 2014.

E. Ávila

quinta-feira, 15 de maio de 2014

POR TODO O MUNDO FALA-SE EM TURISMO

NOTAS DO MEU CANTIMNHO


É a palavra moderna que se utiliza em todo o mundo, mesmo nos países mais industrializados, como é o caso dos Estados Unidos da América. Em qualquer cidade americana, mesmo as mais modestas, encontramos os mais modernos estabelecimentos hoteleiros, quer seja em New Bedford, ou New York, quer em San Francisco ou Tulare.
A Europa também possui grandes e luxuosos hotéis. Mas a par desses, há outros de inferior categoria e qualidade, alguns classificados de hotéis, única classificação que o Turismo geralmente aceita, mas que mais parecem as antigas pensões portuguesas. E que excelentes são os hotéis das nossas antigas colónias, ou de Hong-Kong e Macau.
Isto somente para referir que a indústria do Turismo, que importa ser implantada urgentemente nesta ilha, não pode ignorar nem esquecer que, para aqui se desenvolver o turismo, e importa que se o desenvolva urgentemente como única actividade capaz de promover o progresso desta ilha, não se pode proceder a sistemas improvisados, como seja o chamado “turismo rural”, que visitantes estrangeiros, principalmente do Norte da Europa, mais aceitam.
Verdade que há um ou outro caso em que esse sistema é aceite, mas somente à falta de melhor. Para os franceses isso pode acontecer, pois muitos dos seus estabelecimentos hoteleiros, classificados de hotéis, como atrás referi, são bastante precários para uma cidade como Paris. Mas por lá não há somente o turista endinheirado, como igualmente o imigrante refugiado, ou o jovem à procura de emprego.
E deslocados há-os em todas as cidades do Mundo. Se, em Portugal, são os “sem-abrigo”, nos Estados Unidos são os “Tramps” que vivem no mesmo sistema de infortúnio e miséria. Mas isso não é Turismo. Quando muito degradação social, miséria de que, infelizmente, o mundo está cheio.
Mas voltemos ao que importa: Necessitamos atrair as divisas dos turistas. Eles apreciam estas ilhas, o seu clima ameno, as suas paisagens, o verde luxuriante das encostas, os montes e, sobretudo o pico do Pico, quer esteja coberto de neve no inverno ou esplendoroso no verão. E nesse aspecto temos algo que “vender”. Saibamos aproveitar.
Aqui há anos um casal estrangeiro, refugiado das guerras do Norte de África, instalou-se na vila das Lajes, depois de percorrer outras vila do Pico e dos Açores. Quando interrogado sobre a escolha, a resposta foi simples, mas precisa: a água, a excelência da vossa água. A canalização havia sido montada e utilizava-se exclusivamente a água do “furo” da Silveira e da fonte do Lendroal. Não necessita de mais explicações.
Importa explorar a indústria do Turismo, mas com frontalidade e segurança, para que não resulte em fracasso, o que bem pior seria. Não será de esquecer o turismo rural, e as residenciais e, em sua substituição, arranjar estabelecimentos hoteleiros com o mínimo de condições de salubridade, higiene, conforto, sem se caminhar para luxos escusados que, desnecessariamente, elevam o custo da exploração.
Estabelecimentos hoteleiros que atraiam, quer pelo ambiente, quer pelo custo, aqueles que escolham esta ilha para as suas férias ou momentos de lazer.
Falando em momentos de lazer, não se devem descurar as diversões folclóricas, que agradam a muitos turistas. E deixo para trás qualquer referência ao defunto campo de golfe, que morreu à nascença, depois de tanto entusiasmo se ter desenvolvido à sua volta...
Muito sumariamente: julgo que o turismo é a indústria do futuro mas quando preparada e instalada com os requisitos de modernidade sádia e séria.
Estarei errado? O futuro o dirá.

Vila Baleeira
28-4-2014.

Ermelindo Ávila

AS FOLIAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Não é depreciativo o título. Traz-nos à lembrança a época festiva que se seguia à Ressurreição. Era a entrada nas chamadas Domingas ou sejam os domingos que antecediam o Pentecostes, isto é, cinquenta dias após a Páscoa, dia que os Judeus solenizavam, pois tratava-se da festa das searas. Para os cristãos, a celebração do Pentecostes, na Liturgia da Igreja Católica, recorda aquele dia em que os Apóstolos, reunidos no Cenáculo, aquela sala onde Cristo celebrou com os Doze a última ceia e instituiu o Sacramento da Eucaristia, receberam o Espírito Santo.
Os Actos dos Apóstolos assim narram o grande Acontecimento:
Quando chegou o dia do Pentecostes, encontravam-se todos reunidos no mesmo lugar. Subitamente ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram, então, aparecer uma línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem.
Ao contrário do que muitos julgam, a Coroa não representa a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, pois, só em dois momentos, apareceu o Espírito Santo. A primeira, quando Jesus Cristo estava a ser baptizado por João Baptista. Nesse momento, uma voz vinda do Céu proclamou: Este é o “Meu Filho Muito Amado” e o Espírito Santo, em forma de pomba, desceu sobre Jesus Cristo.(São Mateus 4,16) Uma vez baptizado, Jesus saiu da água e eis que os céus se lhe abriram e viu o Espírito de Deus descer como uma pomba e vir sobre Ele. E uma voz vinda do céu dizia: “Este é o Meu Filho muito amado, no Qual pus toda a Minha complacência”.
A coroa está presente nas solenidades dedicadas ao Espírito Santo, a recordar aquele gesto brilhante da Rainha Santa que, retirando a coroa da cabeça, a colocou na cabeça dos pobres seus convivas.
No centro da coroa e no cruzamento dos arcos, está uma pequena pomba a recordar aquela que apareceu no Baptismo de Jesus Cristo, no rio Jordão. No estandarte, encontram-se “línguas de fogo”, a recordar aquelas outras que, no dia de Pentecostes, poisaram sobre as cabeças dos Apóstolos.
E não se duvida que, de facto, seja o Espírito Santo, em forma de línguas de fogo, que iluminou os cérebros dos Apóstolos, pois continuam a narrar os Actos dos Apóstolos: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito inspirava que se exprimissem.”
E descrevendo a prédica de Pedro à multidão que naqueles dias estava em Jerusalém, concluem os Actos: “Os que aceitaram a Sua palavra receberam o baptismo, e naquele dia juntaram-se aos crentes cerca de três mil almas.”
Cedo, nas ilhas açorianas, começaram a invocar o Espírito Santo nas horas de angústia e sofrimento.
“As folias do Espírito Santo, conquanto pareçam ter tido uma origem pagã, foram introduzidas em Portugal e nas ilhas dos Açores com a maior devoção e piedade.”
“Os primeiros impérios do Espírito Santo, com as suas populares folias, tiveram princípio na vila de Alenquer, sendo seus fundadores a Rainha Santa Isabel e El-Rei D. Dinis.”
No ano de 1523, desenvolveu-se na ilha de São Miguel uma desoladora peste que ocasionou 2.000 vítimas e se comunicou ao Faial no mês de Julho. O pânico foi geral em todas as ilhas e os povos aterrados recorreram a preces publicas, procissões e invocaram em especial o Espírito Santo, prometendo distribuir pelos pobres, anualmente, pela festa do Pentecostes, as primícias de seus frutos, se escapassem ao terrível flagelo, que se não comunicou ao Pico.
Instituíram-se irmandades em honra do Espírito Santo, celebrando em seu louvor bodos solenes, com folias e bailes, ao uso do tempo.
Tal foi a origem, no Faial e no Pico, das populares festas do Espírito Santo,...”(1)
E terminada a Páscoa, principiam a “domingas” do Espírito Santo. Os convites já se vão fazendo.
__________
(1) Lacerda Machado,F.S. – Historia do Concelho das Lages, 1936, pág.127.


Lajes do Pico, Abril de 2014.
Ermelindo Ávila


A HISTÓRIA VAI REPETIR-SE?


Preocupa-me o futuro da ilha. Para alguns isso será uma situação algo irrisória, mas outros haverá que não deixarão de reflectir, por momentos, a situação angustiosa em que se encontra a ilha com uma população envelhecida e a diminuir, consequentemente, dia após dia e com uma economia débil em algumas zonas territoriais.
Isto já foi dito e escrito bastantes vezes, não apenas por mim mas por aqueles outros, e vários são, que têm presente a situação dramática que a ilha atravessa.
A Vila das Lajes, a mais antiga e só por si um património rico de história, atravessa um período de verdadeira calamidade social, com uma população diminuída e desprovida, - propositadamente? – de instituições e serviços que, antes, lhe garantiam estabilidade económica, social e até política.
E essa é a causa, senão única, a mais dramática e responsável. E responsáveis são, simultaneamente, aqueles que a provocaram.
Estão continuamente a diminuir os serviços. Ainda agora são os de saúde. Ontem foram os portuários, os aduaneiros, os judiciais, e de fiscalização e até os agro-pecuários !... Não vale a pena enumerá-los. Basta reflectir um pouco e chegar à triste conclusão de que foi afastada de cá a quase totalidade dos serviços públicos, arrastando a quase totalidade dos seus servidores. Eles foram e levaram os familiares, muitos deles ainda, ignorando onde tinham visto a luz do dia...
E isto não é história de outros tempos. São verdades autênticas da época actual. Intencionalmente ou não, a verdade é que foi-se promovendo o desenvolvimento de outros sítios com prejuízo nítido da vila mais antiga. E a realidade está aí bem patente…
Quando medidas drásticas forem tomadas, quem vai tomar posição defensiva a favor desta terra?
Há mais de um século, em 1895, foi promulgado o Código Administrativo e, mercê do novo sistema, instituído por esse diploma legislativo, extintos os concelhos do Topo, em S. Jorge, de S. Sebastião, na ilha Terceira, de Água de Pau, em S. Miguel e da Madalena do Pico, e não sei se mais. Com excepção da Madalena, os outros extintos nunca mais foram restaurados e as respectivas localidades passaram ao esquecimento. No Topo restou o Notariado que se manteve até ao falecimento do respectivo titular. Nas outras vilas, a “vida” morreu e passaram a simples e ignoradas localidades. Apenas a antiga vila de S. Sebastião é hoje recordado pela artística Matriz, que de lá não pode ser arrancada e que foi classificada como Monumento Nacional. Melhor sorte teve a Madalena do Pico. Após a extinção, as câmaras municipais de São Roque e das Lajes (consta das actas das respectivas Vereações) representaram ao Governo de Sua Majestade para que o concelho fosse restaurado e os respectivos funcionários voltassem aos seus lugares de origem. E isso aconteceu por Decreto de 13 de Janeiro de 1898, três anos após a extinção.
Hoje...O Governo Regional, que actualmente domina este sector público, está a proceder tal como há cem anos. Vai, aos poucos e paulatinamente, retirando de cá os serviços públicos e, depois, virá alegar que a população diminuiu e, por essa razão, não se justifica a manutenção desses mesmos serviços, como é o caso, presentemente em execução, dos Serviços de Saúde.
Amanhã serão outros... E os lajenses que se contentem com os epítetos de vila avoenga, vila baleeira, e quejandos.
A História irá repetir-se, mas em sentido oposto?
Não estarei cá para o testemunhar.

Lajes do Pico.
2 de Maio de 2014.

Ermelindo Ávila