sábado, 18 de agosto de 2007

AS FESTAS DE VERÃO

É assim que as classifica o povo. Desde remotas eras. Eram as festas e os arraiais a única distracção que existia nas freguesias até meados do século passado.
As populações juntavam-se nos adros das respectivas igrejas onde se celebravam as festas dos Santos Padroeiros ou os de maior devoção e aí passavam as tardes, assistindo ao arrematar, por vezes em despique acalorado, das “ofertas” que eram de variadas espécies: produtos da terra, tais como maçarocas de milho, frutos das quintas e dos quintais, massa sovada dos mais variados feitios. A figura de uma perna, de um braço ou de uma cabeça, conforme a graça da cura de uma doença que havia afectado uma daquelas partes do corpo humano; uma vaquinha ou um porco, pela cura de um animal doméstico que havia sofrido alguma enfermidade, etc. E outros mais.
Nos arraiais os moços iniciavam ou mantinham namoros que, quase sempre, os levavam ao casamento “para toda a vida”.
Um viver patriarcal e cristão. Bons tempos!...
A meados do século XIX surgiram as filarmónicas e os arraiais passaram a ter maior assistência e, naturalmente, mais alegria. E os arraiais continuaram, abrilhantados pelas filarmónicas que foram aparecendo em quase todas as freguesias, numa simpática nota de cultura, até nossos dias.
Dom João Paulino de Azevedo e Castro, ao tempo Vice-Reitor do Seminário de Angra e que pode ser considerado o iniciador da Festa de Nossa Senhora de Lourdes nesta vila, como na Sé de Angra e em Santo Antão, S. Jorge, onde paroquiava o irmão, Pe. Francisco Xavier de Azevedo e Castro, em artigos publicados no “Peregrino de Lourdes”, de Angra, em Julho de 1889 (in “Textos de D. João Paulino”, Provisões e outros escritos, Vol. II, Macau – 1997, coordenação do Pe. Tomás Bettencourt Cardoso), relata a primeira festa realizada nesta vila em honra de Nossa Senhora de Lourdes, em Setembro de 1883. E permito-me a transcrição:
“A Vila das Lajes, triste e pacata de ordinário, toma durante estes dias um aspecto risonho, alegre e animado. Desacostumada de ver gentes de fora tomar parte em suas festas desde o tempo dos capitães-mores, em que a festa anual do Corpus Christi atraía ao seu recinto, vindos de todo o concelho, uns legendários corpos de milícia armados de chaços e espadas em atitude bélica, - vê-se, durante estes dias, povoada de estranhos, que em atitude pacífica, armados quando muito do rosário a visitam, atraídos de todos os pontos da ilha pelo encanto da devoção à Virgem de Lurdes.
Há uma nota muito característica destes ajuntamentos, que não deve ficar em silêncio. A popularíssima viola, companheira inseparável de gente folgazã, mesmo durante as romarias, por ocasião de alguma festa religiosa, onde só deve reinar o recolhimento e a piedade, não se tem ouvido durante aqueles dias abençoados, e os bailados tão frequentes noutras romarias e sempre funestas consequências para a moral e para os costumes, não se acomodam, ao que parece, naquela atmosfera embalsamada pelos suaves perfumes que exalam as virtudes da Virgem sempre pura.”
Mas, antes, o mesmo Autor, no citado artigo faz referência aos festejos externos, embora com certa parcimónia, escrevendo:
“Durante o dia da festa e na véspera, as proximidades da igreja acham-se vistosamente embandeiradas, e na noite de um destes dias, conforme o tempo o permite, tem lugar uma bonita iluminação à chinesa que atrai concurso imenso de espectadores.”
É o tradicional arraial nocturno, abrilhantado, desde o início, pela Filarmónica Lajense e, posteriormente, por outras filarmónicas, principalmente do Faial, que aqui vinham, gratuitamente, somente no desejo dos seus componentes gozarem as festas que tinham grande nomeada nestas ilhas.
Mas não apenas a Festa de Nossa Senhora de Lourdes era assistida por milhares de pessoas. O mesmo na Festa do Bom Jesus em São Mateus, na Festa de Nossa Senhora da Piedade, na Ponta da Ilha, no Bom Jesus da Calheta, na de Santa Maria Madalena, na de São Roque, na Senhora do Carmo em Santo Amaro, para só estas citar, pois a lista abrangeria todas as freguesias picoenses, onde as festividades religiosas dedicadas, principalmente, aos Santos Padroeiros eram e ainda hoje algumas são precedidas de arraiais nocturnos, sempre muito frequentados os quais sempre decorreram, normalmente, com ordem e respeito.
No entanto, em diversas festas algo se modificou. Hoje, algumas delas são precedidas de “semanas” recreativas, desportivas, culturais e folclóricas e outros atractivos, tendo quase sempre o concurso de artistas contratados, filarmónicas e grupos artísticos estranhos à localidade.
Estamos uma vez mais no verão e as festas principais de cada localidade estão aí. Decorrem até ao mês de Setembro. Arrastam para a ilha muitos picoenses que mourejam a vida pelas outras ilhas e por terras da Diáspora. É sempre um prazer encontrá-los, quase todos os anos, e com eles travar uma amena conversa de amizade e de saudade, recordando até tempos idos...
Que todos, residentes ou visitantes, possam gozar as festas com alegria, é o voto que aqui deixo com muita simpatia.

Lajes do Pico, Julho de 2006
Ermelindo Ávila

sábado, 11 de agosto de 2007

A grande Semana Lajense

É a Semana da Senhora, a Padroeira das gentes lajenses e picoenses, Nossa Senhora de Lourdes. A Senhora que há 124 anos tem altar reservado na Matriz da Santíssima Trindade ao qual o Papa Leão XIII concedeu a mercê de ALTAR PRIVILEGIADO.
Hoje não somente o altar mas todo o templo deveria ser considerado Santuário, tal como acontece a outros nos quais estão entronizadas Imagens de grande devoção do Povo crente.
Quando, há anos, foi apresentada petição junto da entidade competente para que a Matriz da Santíssima Trindade desta vila, fosse considerada Santuário da Virgem de Lourdes, indeferiu-se esse requerimento sem qualquer explicação, num gesto de aparente prepotência que chocou deveras os crentes e devotos d’Aquela que, por dezoito vezes, “apareceu a uma inocente filha do povo”.
Igual povo, que não o de Lourdes, anda há mais de um século a suplicar e louvar a Virgem de Massabielle e isso não basta para que a “Casa Santa, Mimosa de Deus” seja considerado um Santuário, onde o povo que professa a fé cristã, suplica à sua Padroeira as graças e benesses de que necessita? Será melhor assistir, indiferente, ao seu afastamento da Casa de Deus ?…
No livro Perfumes de Lourdes, editado em Angra do Heroísmo em 1892, escreveu o seu autor Mons. António Maria Ferreira, a páginas 331: “Lages do Pico – Foi talvez o primeiro logar dos Açores onde Nossa Senhora de Lourdes começou a ser invocada, não obstante ser o Fayal a primeira Ilha onde foi exposta ao culto a primeira Imagem de Nossa Senhora de Lourdes.
“Em occasião aflictiva para os habitantes d’aquela villa, n’um d’esses dias em que o mar enfurecido parece, na phrase dos lagenses, querer engulir a terra, algumas canôas balieiras tripuladas por intrepidos marinheiros demandavam o porto, luctando corajosamente com as ondas enfurecidas; mas para os de terra havia eminente risco de os verem despedaçar-se nas penedias que tornam perigosíssima a entrada do porto.
“As proximidades da lagôa cuja bacia forma o porto achavam-se apinhadas de povo que pressuroso havia accudido a presenciar aquele triste espectáculo. Nos momentos de maior angústia apparece alli um filho da localidade que era considerado por todos como tendo sido objecto de uma insigne graça de Nossa Senhora de Lourdes. A sua presença e a sua palavra conseguiram serenar um pouco aquelles corações afllictos inspirando-lhes uma tal confiança na miraculosa Senhora de Massabielle, que d’envolta com os gritos de angustias que de continuo irrompiam de todos os peitos eram repetidamente ouvidas dos diferentes pontos da multidão as exclamações de:- Nossa Senhora de Lourdes livrai-os do perigo – Nossa Senhora de Lourdes salvae-os!
O Facto é que a tempestade serenou, as embarcações entraram a salvo no porto, e da tripulação ninguem soffreu o menor dano. Desde então a confiança em N. Senhora de Lourdes começou a ganhar os corações entre aquele bom povo e a sua devoção dia a dia conquistava terreno. Estava desta forma inaugurado n’aquela villa e no archipelago e diocese de Angra o culto publico em honra da Virgem dos Pyreneus.”
Que mais acrescentar para justificar a necessidade de intensificar o culto da Virgem de Lourdes na terra lajense, que parece esquecer-se daqueles recuados momentos de angústia em que a Virgem foi invocada publicamente e atendeu de maneira assombrosa – milagrosa? – os povos aflitos !
Vamos celebrar uma vez mais a Festa de Nossa Senhora de Lourdes.
Nas últimas duas semanas de Agosto, tal como desde 1884, as nossas gentes vão estar junto do altar, tomando parte no Novenário e nas solenidades do dia. E igualmente muitos picoenses e outros que aqui chegam de outras ilhas e das Terras da Diáspora. É um tempo forte de empolgante solenidade, dedicado à Senhora que, junto do porto e quando as antigas canoas baleeiras estavam em perigo, ouviu as preces angustiosas do povo ali reunido a presenciar os horrores da tragédia que se aproximava mas que a Virgem afastou com sua maternal bondade!
Já não há homens que pratiquem a ardilosa pesca. Restam apenas alguns que ainda foram baleeiros, mas a tradição ficou. Todavia, nuns vislumbres de fé tradicional, todos os lajenses a eles se unem ali, no mesmo local, onde a Virgem foi invocada há 124, junto do porto, a escutar a Palavra do sacerdote e a viver emocionados ainda esses momentos de recordação e de fé ardente que era !
Celebremos com alegria as maravilhas que o Senhor fez!

Vila Baleeira,
2 de Agosto de 2007
Ermelindo Ávila

domingo, 5 de agosto de 2007

Bom Jesus Milagroso

Estamos no mês de Agosto. O mês das Festas do Pico por excelência. Há semanas realizaram-se as festas da Padroeira, na vila da Madalena. Agora temos a Festa do Bom Jesus Milagroso, em São Mateus do Pico.
Em 1984 o Padre António Filipe Madruga, Pároco de S. Mateus e Reitor do Santuário, presidiu pela última vez à solenidade do Bom Jesus. O cronista da festa, professor Helder Melo, no Boletim Paroquial “Ecos do Santuário”, no número de Setembro daquele ano, escrevia: “O Reitor do Santuário testemunhou a felicidade que sentia por voltar a orientar as solenidades e por presidir àquela Concelebração solene da Eucaristia, na qual entoou as Orações Presidenciais quase com o mesmo belo timbre de voz dos bons tempos da sua acção pastoral.”
Afinal, foi o derradeiro ano pois, logo a seguir, no dia de Todos os Santos, quando em Angra assistia à ordenação diaconal do Rev. Pe. Zulmiro Sarmento, o Padre António Filipe Madruga terminava sua vida terrena para a continuar na Mansão dos Justos. E já lá vão quase 23 anos.
À frente da Paróquia de São Mateus encontra-se, presentemente, o Sacerdote que, naquele ano de 1984, teve a seu cargo a Liturgia da Palavra, “o Pe. José Carlos, cujo bem elaborado sermão, por iniciativa do Pároco
será publicado em Separata” como nos diz a reportagem da festividade. Afinal isso não chegou a acontecer.
O Pe. Filipe Madruga foi um sacerdote que todo se deu à sua missão eclesial e apostólica. Os testemunhos que o seu Boletim – e seu porque o fundou em 1968 e com ele terminou em 1984 –no último número e ao P. Filipe Madruga dedicado, relevam de maneira incontestada, a sua nobilitante acção como sacerdote e como pároco. E logo na primeira página nos apresenta os “depoimentos” de quatro Bispos, incluindo do diocesano, e do Vigário Geral da Diocese. Que mais preciso seria para demonstrar a sua vida plena de doação e sacrifício? Dom Jaime Garcia Goulart, Bispo resignatário de Dili, escreveu: “De facto, o Padre António Filipe Madruga foi acima de tudo um verdadeiro Sacerdote, totalmente devotado à Igreja e às almas. Todo se consumiu neste indefectível amor, que torna grande o mais humilde Padre.”
Mas, além do testemunho que, naquele Boletim, deixou a Professora Universitária, Doutora Rosa Maria B. Goulart, interessa recordar o P.S.: “Se ninguém levasse a mal que saíssemos um pouco do assunto, permitir-nos-íamos uma breve referência – que, pela nossa parte, é também testemunho de gratidão- à actividade de D. Maria do Espírito Santo e D. Maria da Conceição Madruga, pelo melhor que de si deram à freguesia de São Mateus. A primeira, em tudo quanto fosse necessidade: em casa, na igreja, onde quer que houvesse doença, sofrimento ou morte. A segunda, mais no silêncio abnegado – portas dentro onde nunca lhe conhecemos tréguas.”
Afinal, tudo foi esquecido!…A memória do Pe. António Filipe Madruga perdeu-se com o decorrer dos anos.
Segundo fontes mais aceitáveis, o culto ao Bom Jesus, cuja Imagem Veneranda foi trazida do Brasil por um benemérito filho da freguesia, Francisco Ferreira Goulart, foi inaugurado em São Mateus do Pico no dia 6 de Agosto de l862. Cento e quarenta e cinco anos são passados.
Por Decreto do Bispo de Angra, de 1 de Julho de 1862, ano do centenário da inauguração do culto ao Bom Jesus, a igreja de S. Mateus foi elevada à categoria de Santuário; e, em 20 de Setembro de 1968, solenemente sagrada pelo Bispo Dom Jaime Garcia Goulart.
Foi enobrecida com o título de Igreja Matriz por despacho do Prelado Diocesano, de 20 de Setembro de 1972.
O sismo de 1998 abalou aquele templo, como aliás aconteceu à grande maioria das igrejas da ilha mas, felizmente, foi já totalmente recuperada e voltou ao seu anterior estado artístico.
Prepara-se uma vez mais a Paróquia de São Mateus para celebrar a festa do Bom Jesus Milagroso. Antigamente, era um lugar de romaria de toda a ilha. Não havia transportes motorizados e os carros de bois só serviam para transportar as roupas e os farnéis. Eram, em muitos casos, romarias de penitência. Levava-se por vezes oito dias a chegar a São Mateus. Não havia locais de alojamento mas muitas pessoas da freguesia num gesto altruísta de verdadeiro espírito cristão, facultavam as suas residências, ou casas devolutas, aos romeiros para “se abrigarem da noite”. Depois a Paróquia construiu um salão a que chamou “casa dos romeiros”. Tudo isso passou. Com as facilidades de comunicação, as deslocações dos devotos ou simples forasteiros fazem-se no próprio dia, normalmente, para tomar parte na procissão, que não deixa de ser um acto penitencial pelo seu longo percurso.
“Romeiros de São Mateus / Descansai, tomai alento / Que a Virgem Nossa Senhora / Nos há-de dar bom tempo”. Era uma das quadras que os romeiros cantavam, quando paravam para descanso e, num terreiro ao lado do caminho, bailavam uma “Chamarrita”, baile regional de remotas eras. Tempos passados…

Vila das Lajes,
Agosto de 2007
Ermelindo Ávila