terça-feira, 29 de abril de 2014

AS FESTAS E OUTRAS COISAS MAIS

A MINHA NOTA


Entramos na época das Festas. Toda a gente as prepara com mais ou menos entusiasmo. O povo anónimo, que todos somos, não as esquece, ano após ano. Vive-as com grande interesse, embora nos tempos passados, porque eram quase as únicas, as sentisse com um entusiasmo quase infantil.
E as festas aconteciam em todas as domingas. Eram as chamadas coroações do Espírito Santo, que se seguiam à Páscoa. As freguesias estavam organizadas por classes ou misteres: Havia a coroa dos nobres, a dos marítimos, as dos lavradores, etc.
Na tarde do domingo de Páscoa, depois das celebrações litúrgicas do dia, os irmãos reuniam-se para tirar as sortes, ou seja o domingo em que cada um devia “levar a Coroa”, ou festejar a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, com a coroação e missa solene, na paroquial e um jantar aos irmãos e doze pobres. E estes, como era tradicional, sentavam-se à mesa do mordomo. Só estes!. Além dos familiares, e dos “irmãos” das domingas, reduzido era o número dos convidados.
Por estas bandas, e que se saiba, as “domingas” só são celebradas, de cinco em cinco anos, nos subúrbios das Terras e da Almagreira, da antiga freguesia da Santíssima Trindade e que incoerentemente passou, em 1940, a somente Lajes do Pico, denominação da Vila, numa abrangência de todo o território. Por outros lados isso não se verificou porque os gestores administrativos tinham uma noção correcta da tradição histórica. Mas deixemos isso para os historiadores profissionais.
Enquanto as moedas correntes eram o escudo (moeda forte no continente ) e o real (moeda fraca nos Açores), o ágio, ou troca da moeda estrangeira pela nacional ou açoriana, permitia aos emigrantes, que aqui vinham com alguma afluência, voltar à terra natal, principalmente na época das domingas ou do Espírito Santo. A equiparação, quase, do Euro com o Dólar, impede o emigrante de cá vir com a frequência anterior para tomar parte ou mesmo promover as “Coroações”. E é pena, pois a vinda desses nossos “irmãos “ ausentes trazia, normalmente, uma lufada de alegria e um certo e útil desafogo económico, ao menos durante a estadia, às respectivas famílias e não apenas.
As festas do Espírito Santo ou Coroações, ou Gastos como é termo usual em algumas ilhas, que aqui se celebram com ritual próprio e muito antigo, vieram a ter algumas modificações, ou modernismos direi, trazidas pelos emigrantes das terras de acolhimento, como seja o caso das “rainhas”, introduzido em Santa Cruz das Ribeiras pelo emigrante Manuel Cabral na década de trinta do século passado, e espalhado principalmente pelas freguesias do Sul do Pico. Mas deixo isso atrás, pois o seu estudo pertence aos etnógrafos e historiadores, que não passo de um simples rabiscador ou curioso destas matérias.
E como tal, por aqui fico.


Vila das Lajes do Pico,
Abril de 2014

Ermelindo Ávila

A ILHA DO PICO EM COLAPSO...

NOTAS DO MEU CANTINHO

Tal como as coisas vão correndo, pode afirmar-se que a Ilha do Pico viveu o seu período de maior desenvolvimento na primeira metade do século passado.
Apesar de algumas crises provocadas pelas duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45) a economia da ilha recompôs-se em razão das actividades industriais que nela se instalaram e do comércio que, simultaneamente, se desenvolveu.
Na edição do “Jornal do Pico” de 10 do corrente mês, o seu dedicado e ilustre colaborador Francisco Medeiros, em oportuna crónica sobre “Cooperativas de Lacticínios da ilha do Pico” referia muito judiciosamente que “em 55, notava-se uma certa qualidade de vida das populações, que viviam com algum desafogo, pois os salários para a época, embora não fossem muito elevados, eram convidativos para os profissionais dos estaleiros, para as muitas mulheres e jovens empregados nas conserveiras. Hoje muitas daquelas que o fizeram beneficiam de uma pequena reforma que, como se sabe, não sendo muito larga, é uma ajuda no conjunto familiar.”
Estou plenamente de acordo com o ilustre articulista e já algumas vezes fiz referência à situação calamitosa em que, actualmente, vive a generalidade da população picoense, motivada pela “falência” de muitas actividades industriais e algumas comerciais.
De acentuar que a estabilidade económica, embora pareça um paradoxo, surgiu para estas bandas do Sul com a construção da muralha de defesa da vila das Lajes que havia sido derrubada pelo ciclone de Abril de 1936, e, a seguir com a construção da estrada Lajes - Piedade que, durante quatro anos (1939-1943) empregou, diariamente, mais de cem operários. Alguns deles vieram da Graciosa e de S. Miguel, e por cá ficaram.
O Pico desenvolveu o seu comércio e algumas empresas beneficiaram de um notável crescimento, como sejam: a Casa Ancora, no Cais do Pico, a firma Manuel Pereira do Amaral, na Madalena, e Edmundo Machado Ávila e Filhos, nas Lajes, além de outros estabelecimentos espalhados nas freguesias. Destes recordo o Francisco Rodrigues das Neves, na Candelária; os Gomes, na Ribeirinha; José Ávila de Melo, e António Pereira e Irmão, na Calheta; Francisco Soares Mariante e António Fernandes Ávila, em Santa Cruz; Manuel José Bernardo Riqueza e sobrinho, em S, João; Manuel Correia da Silva, em S. Caetano; Manuel José de Simas, em S. Mateus e tantos outros espalhados pela Ilha.
Em 1954, existiam no concelho das Lajes 11 fabriquetas de lacticínios, uma de conservas e uma de óleo de baleia, cinco moagens de cereais, l0 armações baleeiras e duas sociedades de navegação. Nos outros dois concelhos da ilha, existiam, igualmente, construtores navais, fabricantes de lacticínios e outras actividades industriais. Nesse ano, já havia no concelho cinco traineiras de pesca do atum. Mas o concelho chegou a possuir trinta e quatro traineiras.
Com o desaparecimento das fábricas a crise chegou. A população diminuiu, porque a emigração levou uma grande parte da juventude, e não somente.
A ilha do Pico ficou, praticamente, entregue à quase terceira geração.
Valeu, durante alguns anos, a indústria de lacticínios a cargo de Martins & Rebello. Mas também esta daqui saiu. Substituiu-a a Cooperativa da Lacto-Pico, presentemente em estado de falência. E somente nos resta o matadouro industrial e pouco mais.
Há que iniciar e incentivar novas actividades, que criem postos de trabalho e estimulem a juventude a permanecer na Ilha, para que esta não fique entregue à bicharada...
Daqui aplaudo o trabalho de Francisco Medeiros. Pena é que outros mais, dentro da mesma orientação social, não o apoiem. Importa que surja uma campanha estimulante a provocar o concreto e eficaz desenvolvimento da Ilha no seu todo, que não apenas numa parte limitada
No Pico há ainda, felizmente, quem não pode nem deve continuar no seu dolce fare niente.



Lajes do Pico,
Abril de 2014.
Ermelindo Ávila



segunda-feira, 14 de abril de 2014

NA PÁSCOA ESTAMOS

NOTAS DO MEU CANTINHO

A Quaresma está a findar. No próximo domingo, celebra a Igreja Católica o dia em que Jesus Cristo entrou triunfalmente em Jerusalém, depois haver jejuado quarenta dias no deserto.
Antigamente, o povo cristão denominava as domingas da Quaresma com títulos mal definidos e cujo significado não nos foi possível averiguar: Ana, Bagana, Rabeca, Susana, Lázaro, Ramos, na Páscoa estamos. Seja como for, os cristãos respeitavam o tempo quaresmal, com jejuns e abstinência de carnes; um tempo forte de penitência, preparatório para a Festa da Ressurreição. Era, sobretudo, o tempo da desobriga pascal: Confessar-se ao menos uma vez cada ano (Cânone 989) “ e receber a Eucaristia ao menos uma vez em cada ano, se possível no tempo pascal...” (Catecismo da Igreja Católica, nº 1319).
No primeiro domingo de Quaresma era tradicional a Procissão de Penitência, com as imagens do Bom Jesus, ou Senhor Jesus das Preces, como tradicionalmente é conhecida a imagem do Senhor Crucificado que, segundo a história, foi arrojada à praia desta vila aquando da reforma protestante da Inglaterra, por volta de 1550-1560 (1). De recordar também que foi em 1864 que, - no primeiro domingo de Quaresma que nesse ano ocorreu no dia 14 de Fevereiro, - saiu pela primeira vez a Filarmónica Lajense. (No corrente ano celebra 150 anos de existência.)
Na procissão de Penitência incorporava-se o andor duplo com Santo Elisiarco e Santa Delfina, (os bem-casados, dizia o povo) e o andor de S. Francisco de Assis. Terminada a procissão havia o Sermão de Calvário. Na Igreja armava-se um “calvário” em verdura de cedro, na Capela mor, onde era colocado um Crucifixo, e sobre o estrado de verdura as insígnias da Paixão do Senhor: a lança, o escadote, a corda. No terceiro domingo, realizava-se a procissão de Passos. Na vila existiam cinco passos, pertencentes à Misericórdia. Dois desapareceram na rua Direita, com as construções urbanas ali realizadas.
Nos outros domingos de Quaresma havia na igreja, à tarde, a Via-Sacra cantada e com a leitura de extensa “meditação”. A afluência de fiéis era sempre grande.
Durante a Quaresma não se realizavam divertimentos de quaisquer espécies. Quando muito, alguns grupos ensaiavam as “danças” dos pedreiros, dos arcos, ou dos cadarços, para saírem no domingo de Páscoa e/ou de Espírito Santo. Alguns homens faziam de mulher, pois era vedado ao elemento feminino tomar parte nestes divertimentos. Mas essas danças há muito caíram em desuso.
À Semana Santa, o povo chamava-lhe a ”semana dos nove dias”, porque fazia dias santos na parte da manhã da quinta-feira e da sexta-feira. Da quinta para a sexta-feira, o Santíssimo ficava exposto no trono e era “velado” toda a noite pelos irmãos da confraria do Santíssimo, que era numerosa, com as respectivas opas vermelhas.
Na Quinta-feira e na Sexta-feira, à noite, realizavam-se as Matinas, cantadas, usando a Capela partituras clássicas. Tinham grande afluência de fiéis. Nelas usava-se o candelabro, cujos círios eram apagados quando iam terminando os “nocturnos”.
O sábado era o grande dia para a rapaziada. Quando os sinos tocavam festivamente, a anunciar a Ressurreição, era a ocasião de estrear os piões novos, no meio de grande alegria.
Na igreja, por vezes, uma das filarmónicas, postada no coro alto, executava um passo - dobrado, após as campainhas tocarem depois do Glória. Os sinos repicavam, festivamente, e um dos turiferários distribuía pelos sacerdotes e elementos da capela, raminhos de flores, artisticamente arranjados pela florista D. Virgínia de Lacerda.
As amêndoas eram raras mas, nas mesas de pobres e remediados, porque ricos eram bem poucos, não faltava, no dia de Páscoa, o folar com um ovo para cada membro.
As festas pascais, no domingo, terminavam com a procissão da Ressurreição, pelas ruas da vila, acompanhada pela Filarmónica, seguindo-se a Missa solene. E, na Segunda-feira, considerada dia-santo, o Senhor era levado aos enfermos, em solene procissão.
Hoje a liturgia pascal está muito simplificada com as normas estabelecidas pelo Concílio Vaticano II.
________
1) Silveira de Macedo, A.L. – História Quatro Ilhas..., Vol.I, 1871, pág.220.

Lajes do Pico, 7-4-2014
Ermelindo Ávila


BELAMENTE

A MINHA NOTA


Não foi jogo de muitos anos. No entanto, nos anos em que vigorou, era entusiasmante. É só lembrar que atingiu novos e velhos.
Quando os parceiros se encontravam a primeira vez no dia, o primeiro que esse “belamente” exclamasse, ganhava a aposta. E no fim da Quaresma, aquele que contasse mais apostas ganhava uma quantidade de amêndoas, bem poucas por vezes, pagas pelo que perdia.
E, no ano seguinte, lá estavam de novo a combinar o jogo. Mas não deixava de ser interessante assistir a certas manobras que, no princípio do dia, os parceiros faziam para ser o primeiro a descobrir o outro. Escondiam-se em saguões, nos cantos das ruas, em casas particulares, em qualquer sítio onde não fossem descobertos, para verem o parceiro contrário passar e, de surpresa, lhe dar o grito -chave: belamente!
Hoje, a Quaresma passa quase no esquecimento. A vida diária continua, infelizmente, cheia de preocupações de toda a ordem, e ninguém se lembra de jogar seja o que fôr, para passar o tempo, pois este não resta a ninguém, nem mesmo que, no fim da Quaresma é o tempo tradicional das amêndoas.
Nem as crianças, pois raramente aparece uma ou outra... E os velhos não estão para esses “cuidados”. Até mesmo porque os idosos estão recolhidos nos lares e, aqueles que “ainda se mexem”, não estão para dispersar o tempo que ainda lhes resta.
Uma vida que tão rapidamente mudou. Um mundo que se transforma dia-a-dia, quase sem proveito para ninguém.
Aflige assistir a este panorama macabro que, em poucos anos, nos atingiu.
Valem, por enquanto, as jornadas de futebol que a TV quase diariamente nos transmite, de quase todas as nações do mundo. Mas, ao que nos informam os noticiários televisivos, nem sempre o desporto rei corre bem. Mesmo agora que se disputa o chamado “mundial”, as coisas vão bem pelo Brasil, país organizador do certame.
Demais, o futebol deixou de ser um desporto, para ser uma indústria, concerteza bastante rendosa para os empresários e, igualmente, para os praticantes, poucos talvez.
E porque não voltar ao inofensivo, e algo divertido, belamente, que se jogava com entusiasmo, e quando se perdia, custava meia dúzia de amêndoas, ou pouco mais?
Apetece cantar aquela canção que tinha como estribilho: oh! tempo volta para trás...
Mas, infelizmente, o tempo não volta. Queiramos ou não, corre velozmente para o fim. E ele está bem próximo...

Lajes do Pico,
7 de Abril de 2014.

Ermelindo Ávila