sábado, 20 de julho de 2013

AS FESTAS DA SILVEIRA

NOTAS DO MEU CANTINHO


          Até ao falecimento do Pe. Vigário e Ouvidor José Vieira Soares, em 12 de Abril de 1948, o Pe. Manuel Vieira Feliciano era cura - capelão do curato de São Bartolomeu da Silveira, sufragânio da Matriz das Lajes.
          No entanto, dada a amizade fraternal que unia os dois sacerdotes, ambos naturais da vila das Lajes e colegas do mesmo curso do Seminário de Angra, nunca se notou entre os dois qualquer desentendimento. O P. Feliciano, como era tratado, geria, sem reparo, a sua igreja com total autonomia administrativa. E foi assim que, tomando posse do lugar, em 1 de Junho de 1905, com o falecimento do anterior cura, P. Jerónimo Brum da Silveira, ali se manteve até ao falecimento, tendo conseguido antes, que, por decreto diocesano de 8 de Janeiro de 1957, o curato fosse elevado a paróquia.
          Mesmo assim não foi fácil, para o P. Vieira Feliciano, a administração do curato. A igreja paroquial, iniciada em 1878, levou dez anos a ser concluída. Todavia, ao Pe. Feliciano coube ultimar a decoração e pintura interiores, que não duraram000 muito tempo, pois um violento incêndio, ocorrido na noite de 24 de Junho de 1923, - decorria a novena preparatória para a festa de Santo Cristo - tudo destruiu. E foi o P. Feliciano que teve a coragem de reconstruir o templo, do qual só ficaram as paredes: fechá-lo, construir novos altares, o coro alto e o púlpito, e  pintá-los e dourá-los e adquirir as Imagens de devoção tradicional no antigo curato. (1) Recordo que os trabalhos de entalhamento foram executados pelo Mestre Contente, da Horta e a pintura e douramento pelo Mestre Virgínio de Simas Belém, desta vila.
          Três eram as festas principais que se realizavam na Silveira: Santo Cristo, no primeiro domingo de Julho, Mãe de Deus, a 15 de Agosto e São Bartolomeu (orago), a 24 do mesmo mês. Depois, com a aquisição das imagens de Santa Teresinha e de Nossa Senhora de Fátima - a primeira que veio para o Pico -   as respectivas festas tinham lugar  no mês de Setembro.
          Pelas Festas da Silveira tinham os lajenses uma especial dedicação. E tanto assim que, a Festa de São Bartolomeu obrigava a que a novena de Lourdes, desse dia, fosse rezada e realizada de manhã, para não evitar que os lajenses fossem à Silveira assistir à Missa solene e procissão e arraial, de tarde, abrilhantado pela Filarmónica das Lajes.
As Missa festivas eram cantadas pela Capela local, tendo a colaboração de músicos das capelas de S. João e Lajes. Tudo era feito com brilho e dignidade. Depois do incêndio foi adquirido um novo órgão. Veio de S. Jorge. Sobre o órgão diz o P. Manuel Azevedo da Cunha: ”O órgão dos Biscoitos, feito por Manuel de Serpa da Silva (da Horta) por 600$000 e chegado em 20 de Maio de 1890 (...) foi ultimamente (1924) vendido para a Silveira, Lajes do Pico.(2)
Os arraiais da Silveira eram sempre muito concorridos, principalmente pelas ofertas que os paroquianos levavam à igreja, sobressaindo as frutas diversas – uvas, maçãs, peras, etc. –eram as primeiras a aparecer e muito disputadas nas arrematações.
Na primeira festa já apareciam alguns “veraneantes”, principalmente da Horta, que na Silveira tinham suas vivendas. Os lajenses não faltavam e embora não fossem para as arrematações, iam às Missas solenes, onde apareciam oradores distintos que tinham a seu cargo o sermão da solenidade. Lembro-me de ali pregarem o Dr. Cardoso do Couto, o Dr. Garcia da Rosa, Mons. José Pereira da Silva, o ouvidor de S. Roque, Domingos Ferreira da Rosa Ângelo, o Cónego José Maria Fernandes, e outros mais. Alguns deles trazidos até à Silveira pelo Pe. António Cardoso Machado, que paroquiava na Terceira mas que, todos os anos, vinha à Silveira, sua terra natal, passar as férias.
Actualmente parece que todo esse entusiasmo dos silveirenses pelas suas festas  esfriou, deixando de realizar algumas das  tradicionais.
A terminar este arrazoado, repito o que já escrevi: Para os lajenses a Silveira passou a ser um lugar de eleição. Era ali que as famílias mais abastadas tinham suas vinhas e pomares e as respectivas casas de verão. Eram os terrenos do Sr. Faria, ali por detrás da Igreja; as casas de verão no Caminho de Baixo, da Família Machado Soares, do João de Deus, mais tarde  do comendador Fernando da Costa, da Horta, de Gilberto Castro, no Mirante, e outros mais. Quem não possuía casa de verão alojava-se em casa de amigos e conhecidos, pois o espírito de hospitalidade e de acolhimento foi sempre uma das nobres qualidades dos silveirenses. (3)
_________
1)      E. Ávila, “Figuras & Factos” (1º Vol.), pág.14 – 1993
2)       Cunha, P. Manuel de Azevedo – “Notas Históricas”, Vol.I, pág391. 1924.
3)       E. Ávila, “Crónicas da Minha Ilha”, Vol. II, pág.76, 2002



Vila das Lajes do Pico,
9 de Julho de 2013

Ermelindo Ávila

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Cartas para longe...



Quem escreve é que sabe a dificuldade que encontra quando “lança a mão à pena...” Mas isso era antigamente...Hoje é colocar as mãos sobre o teclado do computador, já não da máquina de escrever, e deixar correr... Pois que seja.

A propósito daquele “lança a mão à pena”, veio-me à lembrança a “Carta para longe” de Armando Cortes-Rodriguesi. Actualmente, já não se escrevem cartas para as Américas e quase para parte nenhuma. Até as de negócios foram substituídas pela Internet.

No entanto, vale a pena lembrar o que escreveu o Poeta :

Maria manda dizer
o que por aí tens passado
Triste velhice de quem
Não tem os seus a seu lado.

Não te esqueças de teu pai
lembra-te sempre de mim
Adeus...adeus...que as saudades
Só à vista terão fim!”
Triste velhice de quem
não tem os seus a seu lado!

E quantos partiram para não mais voltar...Viveram envoltos numa saudade permanente, recordando “o craveiro do balcão” ou a figueira do quintal...

A saudade era tamanha que, nem a língua da nova pátria, quiseram aprender. A terra pequena e humilde, bastante distante, estava sempre presente. Recordavam os feitos de criança, os irmãos e os pais com uma saudade amarga. Aos filhos ensinaram a língua materna para que, em casa, só esse idioma se falasse...E nunca puderam voltar às pedras negras do cantinho natal...

Por c á os pais viveram, e partiram para sempre, embalados na esperança de um dia eles regressarem, porque,

Depois que daqui saíste
Nunca mais houve alegria,
Que do céu da nossa vida
Veio a noite e foi-se o dia”.

Essa gente que ficou foi envelhecendo, sempre a olhar para o horizonte, na esperança de um dia o barco voltar ao porto e trazer o seu Manuel, rico e bem trajado, a espalhar alegria e lembranças aos que deixara num dia longínquo. Mas isso raro aconteceu. O Manuel não mais voltou... Todavia,

A tua cadeira baixa
Lá está (ainda) junto à janela
Como quem ainda espera
Que te venhas sentar nela.”

Quem conseguisse reunir as cartas que se trocavam entre as famílias açorianas e os familiares que emigraram para o Brasil e, mais tarde, para os Estados Unidos, ficaria de posse de um extraordinário acervo sobre a história destas ilhas.
Muito embora não fossem assíduas as cartas, pois os meios de transporte eram raros, nem por isso deixavam de levar daqui, não só as notícias da família mas igualmente das ocorrências que se haviam dado nos tempos anteriores.
Havia escreventes habituais. Respondiam com certa graça às cartas que vinham das terras de imigração e muitas vezes aproveitavam para dar notícias da escrevente e dos acontecimentos por vezes os mais dispares. Mais assíduas eram as cartas dos Estados Unidos e do Canadá. Do Brasil eram poucas e cada vez iam rareando mais. Até havia o ditado: O Brasil é a terra dos esquecidos. E esquecidos porque, passados uns tempos, os que lá estavam imigrados, esqueciam a terra e a própria família. Poucos eram os que voltavam à terra. Que me lembre, apenas uma ou duas famílias cá vieram. Uma por cá ficou e passou a ser conhecida pela terra para onde havia emigrado.
Uma questão psicológica, que interessante seria averiguar, pois é sabido que existem nas terras de Santa Cruz imensos descendentes de açorianos, desde os históricos Casais – cerca de quarenta – que emigraram para Santa Catarina aquando das erupções vulcânicas do século dezoito e, depois, para outras regiões. Alguns deles fixaram-se mais tarde no Uruguai,
onde ainda existe uma colónia de descendentes açorianos, que há poucos anos fundou uma sociedade açoriana-uruguaia, para defesa da língua portuguesa, como rezam os respectivos estatutos.
E todos eles, quer no Brasil quer no Uruguai, tem muito orgulho em serem descendentes de gentes emigradas destas ilhas. Mas só.
Existem “Casas dos Açores” em diversas cidades do Brasil, algumas com grande actividade, como seja a “Casa dos Açores” do Rio de Janeiro.
O mesmo acontece agora no Canadá, onde se encontram dezenas de associações com sedes próprias as quais foram fundadas pelos imigrantes portugueses e açorianos. Só em Toronto, consta-me, há mais de duas dezenas.
Afinal, as Casas dos Açores proliferam por toda a parte onde se haja fixado um grupo de açorianos. A de Lisboa, por certo a mais antiga, tinha, inicialmente, a denominação de “Grémio dos Açores”, fundado em Março de 1927.
Não são de esquecer as seculares sociedades, “União Portuguesa do Estado da Califórnia”, fundada em 1880 pelo picoense António Fontes, e a “Sociedade do Divino Espírito Santo”, também fundada pelo picoense Pe. Manuel Fernandes, conjuntamente com outros imigrantes, em 1896, ambas da Califórnia. Em New Bedford existia o “Montepio Português”. Mas não somente estas. Outras mais há, como a “Casa da Saudade”.
Servem elas, meritoriamente, para conservar vivo o espírito e as tradições das terras de origem, desde as matanças de porco até às festividades do Espírito Santo, não esquecendo os Santos Padroeiros das respectivas localidades de origem.
E, não só as sedes sociais, algumas de grandeza enorme, tenha-se presente a de Mississauga, Canadá, como até os belos e modernos Templos, quase sempre providos de clero português.
De referir também a Imprensa portuguesa, mantida com entusiasmo em terras da Diáspora. É o caso da Califórnia e de Massachusetts. Só na Califórnia, até 1979, fundaram-se vinte e seis periódicos. Lá existem ainda jornais portugueses desde longa data. Outros, embora portugueses na sua origem, já utilizam a língua estrangeira.
E há ou houve programas portugueses na Rádio e na Televisão. Lembro aqui o programa Castelos Românticos iniciado em 1930 pelo nosso conterrâneo Arthur Ávila e esposa Celeste Ávila, o qual teve grande audiência entre a comunidade portuguesa da Califórnia.
E nunca mais voltaram... E os pais foram envelhecendo, sempre na esperança de um encontro que não se realizou!...

E o referido Poeta continuou a registar:

”Saudade é como o luar
Que só de noite é que brilha... “

É simples mas repleta de encanto a prece final:

A bênção de Deus te cubra
Com amor, paz e saúde
E lembra-te que a riqueza
Verdadeira é a virtude.”

A crónica acabou. “Até à vista...”


Vila das Lajes,
Junho de 2013
Ermelindo Ávila

i Côrtes Rodrigues, Armando, “Em Louvor da Humildade”- 1924