domingo, 23 de outubro de 2016

“ARREADA EM FALSO...”

NOTAS DO MEU CANTINHO


         Na Terra da Forca rebentou um foguetão. Alguém, no Meio da Vila, gritou: Baleia! Baleia!” Da “casa de Pasto” do Tibério saíram dois ou três mocetões e correram para a Pesqueira. Mas os outros ficaram quietos... Na Lagoa, estavam ancoradas algumas embarcações, mas a “Lourdes”, a “Margarida” e a “Zélia” não estavam lá... Entraram nas antigas “Casas dos Botes” e só viram um – o “Santa Teresinha”- que ainda hoje lá se encontra como peça do Museu. O restante espaço estava completamente transformado...
         Olharam para a “Lagoa de Cima” e ali não havia qualquer movimento. Não aparecia o oficial Domingos Inteiro, nem o José de Brum, para mestrar a “Zélia”, nem o “Portugal”, nem mesmo o grande remador “Palim”. Da Granja, da Canada de Jorge Dutra, do Cabeço do Geraldo, e de outros sítios, onde muitos tinham as suas terras de cultivo, não aparecia nenhum baleeiro, nem mesmo das habitações haviam saído pressurosas, como era costume, as mulheres dos baleeiros com a saca ou a cesta com o pão ou bolo, o peixe ou o queijo, para “matar a fome” no alto mar.
         Aqueles que haviam corrido na vila para “apanhar os primeiros botes que se fizessem ao mar”, pararam e espreitaram para a “Vigia” da “Terra da Forca” onde não havia qualquer sinal de baleia. Nem foguetes, nem bandeirolas pretas ou brancas ou as duas cores em conjunto, cujo significado toda a gente conhecia: preta - baleia à vista; branca - botes fora; preta e branca - botes fora e baleia à vista.
         A vida das pessoas, dentro da Vila e mesmo no subúrbio da Ribeira do Meio, continuava calma e sem movimentação especial. 
Pararam e reflectiram: Afinal, uma “arriada em falso”. Já não há baleação, nem se caminha, depois de correrias loucas por essas terras abaixo, para apanhar os primeiros botes, para chegar, antes dos outros, junto da baleia grande, do bule, ou do cardume (baleias pequenas).
         Hoje vai-se somente ver as baleias. Elas vêm cá bem dentro, pachorrentamente, banquetear-se nos “bancos de chicharros”, nas “marcas” das cavalas, e de outros peixe que, em cardume se aproximam da costa à procura de “ruama”.
         E não são os velhos baleeiros que aproveitam a sua aproximação. Esses não podem “tocar-lhes”. Desde 1987, ano em que se caçou, com o arpão e a lança, a última baleia (cachalote, melhor dito). É crime caçar um cetáceo, seja cachalote, golfinho ou toninha. E a lei é severa!...
         Deixou de se produzir o óleo que era exportado para países estrangeiros e trazia para a terra boas divisas. Uma actividade na qual se empregavam umas dezenas de homens do Mar, e cuja proibição a muitos deixou na penúria. Até o pequeno comércio foi prejudicado, pois era habitual vender “fiado” durante o ano para receber os créditos, quando “se faziam as contas e se distribuíam as “soldadas da baleia”.  
         Aqueles que mandam e impuseram a proibição conhecem – creio - o enorme cetáceo unicamente pelos livros... Nem pensam sequer que a Natureza se mantém em equilíbrio, quando o homem, seu “rei”, a sabe aproveitar dignamente e em proveito próprio...
         Nas ruas da vila, outrora deserta de veículos automóveis, onde o rapazio brincava, despreocupadamente, desapareceram os jogos baleeiros, aliás, como outros, Mas estes praticam-se em recintos apropriados, enquanto os baleeiros nem conhecidos são...
         Não cause espanto que volte a este assunto. Estou certo que tempo virá em que o homem terá necessidade de utilizar todos os meios que a Natureza lhe proporciona para poder subsistir. Não se vão tornar antropófagos, mas saberão colher da Natureza o que ela gratuitamente põe à sua disposição para sobreviver.
         Concedo que jamais voltará a ouvir-se o sinal de “baleia à vista”, porque outros meios estarão à disposição dos seres humanos. Creiam ou não os actuais cientistas... 
          Enquanto elas por cá andarem, haverá a prática do “whale watching”, enquanto outra modalidade “desportiva” não surgir.
          Ontem foi a caça ao moleiro, de que Ernesto Rebello nos deixou interessante descrição; depois foi a caça à baleia para fins industriais – e quanto valeu no período de guerra de 1938-45! Agora visitam-se os cardumes que chegam esfomeados ao “santuário das baleias”, como já se diz. E depois?...
         Vila Baleeira,
         25-09-2016

         Ermelindo Ávila

E DEPOIS ?...

Notas do meu cantinho


       O quase silêncio estabeleceu-se na Vila. Ainda hoje, alguém que não é de cá me fazia a pergunta: A Vila foi sempre assim? Respondi-lhe, como não podia deixar de fazer, com a realidade dos factos.
         O movimento, principalmente em certas horas do Pico, era bastante elevado. Além de outros veículos, chegavam e partiam os autocarros com bastantes passageiros e não raro havia desdobramentos. Mas essa época passou. Em certas horas do dia ninguém se encontra por aí, nem os de fora, nem os que cá residem, e bem poucos são.
         O verão passou. Os visitantes regressaram às suas terras e os estudantes, aliás bem poucos, às suas escolas. Deixou de se ver os grupos de turistas, que, despreocupadamente, passavam à nossa porta.
         Ainda existem por cá algumas repartições públicas, mas não aquelas que cá deviam estar instaladas.
         O concelho é o de maior extensão agrícola, mas os serviços respectivos foram ardilosamente de cá afastados para se fixarem em local mais agradável aos respectivos serventuários. E não foi sempre assim. Os funcionários de então já se afastaram por aposentação. Outros foram substitui-los, mas a situação gravosa continua. Não será tempo mais que suficiente para pôr as coisas nos seus devidos lugares? Os gestores públicos são outros e amanhã outros ainda serão.
         É tempo de se criarem serviços, aliás indispensáveis ao funcionamento normal da vila, e neles fixar quem deseje neles trabalhar.
         E o que vem de dizer-se não constitui novidade. Por esse País fora estão as Autarquias a criar serviços, para fixar os respectivos jovens. E são os mais diversos e promissores.
         Criem-se também aqui serviços que promovam a criação de postos de trabalho para a juventude, e não só. Reorganizem-se os existentes de maneira mais promotora de ocupação de braços que garantam o emprego e a consequente subsistência das famílias e proporcionem a fixação dos jovens porque, felizmente, ainda há alguns que desejam voltar.
         Mas tudo tem de ser promovido com acerto e isenção, não vá adoptar-se soluções erradas, como aconteceu. Como diz o velho ditado: Querer desculpar uma asneira é cometer outra! Há que criar uma legislação específica para a juventude açoriana.
         Algumas vezes tenho aqui, nos meus escritos, tratado este tema, embora sem resultado. Enquanto me for possível, a ele voltarei para que a solução devida seja encontrada. Serei importuno para alguns? Não importa. Em toda a minha vida tenho procurado, denodadamente, estar ao lado da Terra que muito amo e das suas gentes, minhas irmãs.
         Aceito que o Mundo esteja em transformação política, social e económica e que essas transformações cheguem com seus méritos e malefícios aos lugares pequenos. Demais, estamos em ilhas rodeadas de mar por todos os lados, o que condiciona demasiado o viver dos naturais. E é, sobretudo isso, que importa que governantes tenham em atenção. Não podemos, como os barcos à deriva, ficar por aqui sujeitos às intempéries que todos os Invernos assolam, de maneira desastrosa, as ilhas e os que nelas habitam, principalmente as mais carecidas de meios concretos de sobrevivência. 
         A Ilha do Pico, mercê da sua constituição geológica, tem características especiais e é isso que devem ter em atenção aqueles a quem está entregue a administração da coisa pública, para que não haja a duplicidade de filhos e enteados...
         Estarei a laborar em erro?... O tempo o dirá.
A Vila das Lajes - chamada maldosa ou graciosamente de avoenga (velha e “canoca”?...) tem legitimidade para usufruir do Direito e que o seu governo seja entregue a quem estiver disposto a pugnar, legítima e entusiasticamente, pelo progresso e desenvolvimento do seu povo.  
         Abandoná-la à sua sorte é um crime desastroso que não pode nem deve consentir-se. Os picoenses não têm só deveres, mas direitos como quaisquer ilhéus ou continentais.
E, dentro do Pico, há lugares mais beneficiados do que outros o que está a provocar (maldosamente?) o desequilíbrio económico e social. É preciso que se tenha isso em atenção e se tomem medidas de ordenamento correctas e eficazes. Mas já! Parar é morrer! E o mal pode ser contagioso...

Vila das Lajes.
22-09-2016

Ermelindo Ávila

NOVEMBRO...

NOTAS DO MEU CANTINHO


         Aproxima-se o mês de Novembro. Desde os meus afastados anos da juventude sempre o considerei um mês triste. O mês dos crisântemos, a flor que nos acompanha nas horas de tristeza...
         Hoje é diferente. Encaro o penúltimo mês do ano com a naturalidade possível e vivo os seus dias sem as preocupações de outrora.
         O dia de todos os Santos era e é ainda, na tradição popular, o “dia do pão por Deus”. Tal como hoje, ia-se bater às portas das pessoas amigas e conhecidas pedir Pão por Deus. E a saquitola nunca vinha vazia.
         Era dia santo. A Igreja Católica, e no tempo era a única, embora hoje haja um ou dois núcleos de outras “crenças”, celebrava no dia um a Festa de Todos os Santos. Segundo os Teólogos, é a festa da santidade. Evocam-se todos os santos que estão junto de Deus, mesmo aqueles que não foram canonizados. É um dia muito especial em que celebramos a santidade de Deus, a plenitude da vida cristã, a comunhão eclesial com os Apóstolos, Mártires e os santos conhecidos e anónimos. Um dia em que a Igreja chama a atenção dos fiéis para a vivência da santidade cristã, ou seja, a felicidade e a liberdade plena dos cristãos.
         Para as crianças era e continua a ser o “dia do pão por Deus”!
Logo a seguir, vem o dia dos Fiéis Defuntos. Nesse dia os sacerdotes tinham, hoje desnecessário, o privilégio de celebrar três missas, privilégio que só se repetia pelo Natal.
A igreja utilizava as vestes litúrgicas negras – hoje substituídas pelo roxo – e, geralmente, armava no corpo dos templos um cadafalso, coberto de um pano negro, e, junto dele, fazia os “responsórios” pelas almas dos defuntos.
           Ao amanhecer, celebrava-se duas Missas para os paroquianos poderem, depois, ir para os seus trabalhos agrícolas. Normalmente, já vinham preparados para seguir para os seus terrenos, pois traziam, além do trajar apropriado, os utensílios para executar as labutas do campo.
         A meio da manhã, celebrava-se a Missa cantada de requiem, quase sempre de três padres, pois o pároco da Silveira estava presente com os dois então residentes na vila.                 
          As pessoas trajavam de preto, sinal de luto, e neste seu trajar queriam recordar os familiares falecidos. Era, na realidade, um dia sombrio...
           Presentemente, tem lugar, no mês de Novembro, a Festa de Cristo Rei, cuja celebração começou na Matriz das Lajes, após a criação dos grupos da Acção Católica. A festa litúrgica iniciou-se na Diocese na década de Vinte do século passado. Era Bispo da Diocese Dom António Meireles, que depois foi transferido para Coadjutor da Diocese do Porto, onde faleceu já bispo diocesano.
           Não se celebravam no dia indicado pela Liturgia, mas no domingo seguinte, porque, antes, a freguesia de São João já celebrava a solenidade
de  Cristo-Rei e o pároco, P. Inácio Coelho, era co-celebrante permanente nas festas da Matriz das Lajes.
      Os Pe. José Vieira Soares, Pároco e Ouvidor das Lajes, P. Manuel Vieira Feliciano, cura de São Bartolomeu, da Silveira, e Pe. Inácio Coelho, Pároco de São João, constituíam um trio sacerdotal que colaborava assiduamente nas festividades das respectivas paróquias. Entendiam-se fraternalmente e as respectivas actividades paroquiais eram previamente combinadas. Mas o grupo desfez-se, quando faleceu o P. Vieira Soares e, a seguir, o P. Inácio Coelho foi residir para os Estados Unidos
         Quando ficou na situação de manência – ou reforma, sem quaisquer remunerações... - o P. João Xavier Madruga passou a residir nas Lajes e era um permanente auxiliar, principalmente na oratória, que  nunca recusava.
         O que venho de escrever faz parte da nossa história. Importa pois, registá-lo Ad perpetuam rei memoriam.             
            
Lajes do Pico
11-Outubro-2016
Ermelindo Ávila                  

OUTONO: O TEMPO DAS COLHEITAS

NOTAS DO MEU CANTINHO                                        


         Outrora assim era. Hoje é bastante diferente. Os hábitos e costumes vão-se modificando com o decorrer dos tempos e as pessoas vão-se adaptando aos novos sistemas de vida. E os mais antigos, que ainda recordam os velhos tempos, têm de se ir habituando aos poucos, sem apelo nem agravo.
         Semeava-se o milho geralmente na Primavera e colhia-se no Outono. Uma cultura que exigia grandes trabalhos: o semear, sachar, abarbar, desbastar, cortar a espiga e, depois, a colheita. Tudo tinha as suas épocas próprias e precisava de uma atenção especial da parte do Lavrador.
         O trigo, embora fosse e ainda é um cereal menos produtivo, não necessitava que o Lavrador lhe dispensasse tantos cuidados, a não ser, no período da maturação, vigiá-lo da praga (pássaros diversos, principalmente o canário) que o perseguia para lhe retirar o grão... E foi certamente, por isso que o lavrador o substituiu pelo milho, quando o cereal apareceu.
         O milho passou a ser o sustento principal das famílias pois era e é um cereal muito mais substancial. Grandes extensões de milho eram cultivadas. E foi assim que se procedeu à arroteia de muitos terrenos que estavam ainda abandonados, principalmente no alto da ilha.
         Presentemente, essas terras estão a ficar abandonadas ou transformadas em relvados para apascentação de gados domésticos.
         Mas, com a cultura do milho, o mesmo vai acontecendo. Deixou de haver a “desfolhada”, tal como a descreve Júlio Dinis, e passou a fazer-se a “ensilagem” destinada ao sustento do gado doméstico. (A ensilagem é feita em grandes sacos de plástico e não em silos, de dispendiosa construção)
Quando na ilha não existiam estradas (a estrada Lajes-Piedade foi inaugurada em 1943), eram os tradicionais “carros de bois” que faziam o transporte do milho, geralmente em maçarocas. Passavam pelas ruas da vila, fazendo uma grande chiadeira, que por vezes causava incómodo principalmente às pessoas doentes. Isso levou a Autoridade Administrativa a publicar editais proibindo o estridente ruído que foi evitado com a aplicação de qualquer produto nos eixos.

         A esfolhada, ou retirada da casca da maçaroca, reunia velhos e novos. Não faltava mesmo o elemento feminino. Era sempre um serão agradável, onde se contavam “casos”, anedotas, ditos jocosos, por vezes. Um alvoroço quando aparecia o festejado “milho rei”.
Chegaram – e felizmente! – as estradas. Depois as carrinhas motorizadas substituíram os carros de um boi ou de dois bois. Praticamente desapareceram as esfolhadas, feitas nas casas rurais dos próprios terrenos de cultivo. São poucas as Casas de lavoura que cultivam ainda este cereal. Era uma cultura trabalhosa e hoje não há, quase, mão-de-obra. A população diminuiu bastante e a juventude actualmente não vai para o trabalho rural. Ou estuda ou sai da ilha à procura de emprego nas cidades. Isto mesmo já escrevi tantas vezes que, suponho, vai-se tornando talvez fastidioso ler, uma vez mais, estas pequenas crónicas. Agora são as ensilagens que para comodidade do lavrador, ficam arrecadadas nos próprios terrenos de produção e servem, principalmente no Inverno, para sustento dos animais bovinos ou “gado da porta” como é conhecido.
         Talvez por isso, o dia da ensilagem é um dia especial. Geralmente, reúnem-se os familiares e os amigos e no final há a tradicional “merenda” que mais não é do que uma pantagruélica e abundante refeição especial preparada para aquele dia.
         O pão de milho e o bolo são raridades que praticamente se encontram, em pequenas quantidades, embora de fabrico caseiro, nos mini e super mercados.
         Actualmente o maior consumo vai para o pão de trigo fabricado nas Padarias licenciadas. Mas, mesmo assim, as pessoas vão-se habituando a substituir o pão por outros produtos que, dizem, são mais saudáveis.
         Hoje, é tudo tão diferente. A vida familiar vai-se modificando, gradualmente.

Lajes do Pico:
 19-10-2016

Ermelindo Ávila