segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

ANTIGOS COSTUMES


NOTAS DO MEU CANTINHO


Há cinquenta ou sessenta anos para trás a vida destas terras eram bastante diferente. Até então, predominavam os costumes trazidos de longe, pois o isolamento dos povos era bastante acentuado. Não havia transportes regulares, nem telefones, nem rádio ou, ainda mais tarde, televisão. Só na década de vinte é que apareceu o primeiro automóvel na ilha. O isolamento era, pois, tremendo.
Os jornais, quase sempre de vida efémera e mais voltados para a política de então, raramente traziam notícias de fora. E só quando se dava um acontecimento mais grave ou de maior relevo é que publicavam um telegrama enviado por alguma agência noticiosa. E isso mesmo aconteceu ainda com a guerra de 1939-45. Já existiam os aparelhos de rádio, mas só um ou outro os possuía. Nesta vila o primeiro que aqui apareceu, veio para o Grémio Lajense e, consequentemente, pouco acessível àqueles que não eram sócios.
Mais tarde vieram as emissões dos Clube Asas do Atlântico, Rádio Clube de Angra e Emissor Regional dos Açores e, a seguir, alguns rádios. Foi então que tudo se principiou a modificar.
Voltando atrás, recordemos, os arraiais das festas religiosas, de cada freguesia ou paróquia, eram o motivo de reunião dos povos vizinhos. E era então que se encontravam amigos e conhecidos, se conversava sobre os mais diversos assuntos, individuais ou públicos, e se ficava um pouco a par do que ia acontecendo por esse mundo de Deus.
Nas épocas próprias, pelo Espírito Santo, pela festa do padroeiro, pelo Natal, ou nas matanças de porcos, é que, geralmente, se juntavam familiares e amigos e então, e nessas ocasiões, a cavaqueira prolongava-se algumas vezes pela noite dentro.
Pelo Natal, trocavam-se algumas ofertas, até mesmo de produtos da terra, havia um ou outro brinquedo para as crianças, e faziam-se licores caseiros e passavam-se figos das figueiras do quintal para servir as visitas.
Durante os Domingos Comuns, à saída das missas dominicais, encontravam-se os amigos e conhecidos e aí se trocavam cumprimentos, havia “um dedo de conversa” e até os vizinhos e conhecidos combinavam os serviços da semana. É que era habitual haver uma inter-ajuda para os trabalhos sazonais, pois só assim alguns deles se podiam realizar. Até o dia da matança de porco, um acontecimento familiar de relevo, era combinado para que não se sobrepusesse, permitindo a ajuda de familiares e vizinhos.
Logo a seguir ao Natal vinha o Carnaval, quatro semanas antes da Quaresma. Normalmente, eram festejadas as quintas-feiras: de amigos, amigas, compadres e comadres. Faziam-se filhós, convidavam-se os amigos e a noite era passada com amigos e parentes a bailar umas chamarritas. De vez em quando, apareciam alguns mascarados, que sempre havia quem se dispusesse a percorrer as casas com algum entremez num arremedo de comédia.
Em chegando à Quarta-feira de Cinzas, tudo terminava. Entrava-se na Quaresma e durante esse tempo de penitência não havia folgas, bailes ou outros quaisquer divertimentos. Quando muito ensaiava-se uma dança ou uma comédia para sair pela Páscoa. E todos respeitavam essas semanas. As pessoas vestiam de escuro quando tomavam parte nos actos religiosos, que os havia durante as Domingas quaresmais: via-sacra, procissões, e sobretudo a desobriga feita nos dias próprios de cada família: eram os chamados quartéis, anunciados nas missas do domingo anterior.
Normalmente, era no verão que se realizavam nas paróquias as festas tradicionais com arraiais, onde se exibia uma filarmónica ou duas, e se faziam as arrematações das ofertas ou promessas levadas em cumprimento de votos. Vulgarmente, uma rosquilha, uma cabeça de massa, uma perna ou um menino, consoante a promessa feita em ocasião de doença de um membro da família. Ainda hoje isso se verifica em algumas localidades, apesar do indiferentismo que se instalou nos nossos meios. É, por exemplo, o caso da festa de Nossa Senhora da Piedade, onde aparecem peças de massa sovada dos mais diversos feitios.
E era pelas festas, principalmente as do princípio do Verão, que se estreavam as peças novas de vestuário: vestidos e chapéus para o elemento feminino e fatos e chapéus para o masculino, não faltando igualmente o calçado novo.
E neste escrito recordo o Natal, uma das principais festas do ano, com as tradicionais novenas, depois as Matinas cantadas na véspera, a Noite de Natal... As saudades que ficaram desses tempos simples mas plenos de uma alegria contagiante, principalmente, quando chegava a Noite do Natal, se cantava a Missa do Galo e o Presépio armado com o estábulo, o lago com as vaquinhas, as ovelhas no monte, os pastores caminhando guiados pela estrela e, lá ao longe, os Reis Magos vindos do Oriente. Tudo tão belo!
Nas nossas casas havia o Presépio, limitado a pequeno altar com o Menino Jesus no trono, enfeitado com tacinhas de trigo verdejante e rosas.
Hoje é tudo diferente!... Tão diferente!...
Para todos, os de Casa, os assinantes e os leitores, Boas Festas do Natal !

Lajes do Pico, Dezembro de 2012.

Ermelindo Ávila 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

EU SOU A IMACULADA CONCEIÇÃO


NOTAS DO MEU CANTINHO

Desde remotas eras, Portugal prestou culto à Imaculada Conceição.
Nesta Vila das Lajes, os franciscanos construíram seu convento junto de uma ermida que Isabel Pereira fundara, acima da Vila cerca de 1559 e lhe doara alguns foros que tinha, e no seu testamento deixara que, se algum tempo do mundo os frades de São Francisco ali quisessem fundar convento, lhe dariam a ermida com todos os foros. A ermida era dedicada a Nossa Senhora da Conceição (que ainda conheci incorporada no edifício do convento). E assim aconteceu. O convento foi fundado junto da ermida, e a Comunidade nela instalada a 31 de Agosto de 1691. Mais tarde, foi aumentado para Norte e construída a Igreja própria, igualmente dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Foi inaugurada em 1768, mas só ficou concluída em 1804. Poucos anos depois, na noite de 1 de Fevereiro de 1830, um violento incêndio destruiu, totalmente, a igreja e seus haveres. Em 1832 foi extinto o convento, por decreto de D. Pedro de 17 de Maio. Mas o P. Francisco Salles, último guardião, conseguiu restaurar a Igreja, e nela colocar uma imagem da Imaculada, oferecida pela Misericórdia da Horta, sendo substituída, em 1906, pela actual, uma excelente escultura adquirida com donativos recolhidos pela devota Rita Carolina, uma jovem que, devido à tuberculose contraída nas andanças pelas ilhas em peditório, morreu cedo.
A devoção à Imaculada Conceição, em Portugal, é muito antiga. Em 1618, a Câmara Municipal de Lisboa mandava lavrar em pedra, nas portas principais da cidade, letreiros em que se afirmava que a Virgem Maria fora concebida sem pecado original. E “Nas cortes de 1645-1646 assentou-se em tomar por padroeira do reino a Imaculada Conceição”. (1)
Portugal, desde há longos anos, vivia a fé neste dogma mariano, tendo D. João IV consagrado o reino à Senhora da Conceição. E em 25 de Março de 1646 coroou, solenemente, a Imagem de N. Senhora da Conceição de Vila Viçosa.
A partir daí os reis de Portugal nunca mais usaram coroa.
De assinalar a construção do santuário do Sameiro, Braga, cuja primeira pedra foi benzida, a 29 de Agosto de 1869. (2)
Em 8 de Dezembro de 1864, Pio IX proclama o dogma em que declara que a Virgem foi imaculada desde a sua concepção.
Entretanto, dão-se as aparições da Virgem em Lourdes. Pela primeira vez, a 11 de Fevereiro de 1858, a Virgem aparece na Gruta de Massabielle a uma jovem, hoje Santa Bernardete, mas só na aparição de 25 de Março, dia em que a Igreja celebra a Festa da Anunciação, e depois de muitas insistências da vidente, a Aparição “Abriu então os braços e os inclinou para o solo, como para mostrar à terra suas mãos virginais, cheias de bênçãos. Depois, levantando-as para a eterna região donde desceu, em igual dia, o Mensageiro divino da Anunciação, tornou-as a juntar, fervorosamente e, olhando para o céu com sentimento dum indizível agradecimento, pronunciou estas palavras: Eu Sou a Imaculada Conceição.” (3) Confirmava assim o dogma de Pio IX.
Como acima refiro, o culto da Imaculada Conceição é muito antigo em Portugal e até mesmo nesta vila. Daí terem os franciscanos fundado seu convento junto da ermida que Isabel Pereira havia construído no cimo da vila. O convento franciscano está hoje a servir de Paços do Concelho e nele instaladas algumas repartições do Estado.
A igreja estabeleceu no calendário litúrgico o dia 8 de Dezembro como o dia da Imaculada Conceição. Outrora, era uma das solenidades maiores celebradas nesta Vila, precisamente na Igreja do antigo convento, com novenário e matinas na véspera. A partitura das matinas era uma peça clássica, com magníficos solos cantados, geralmente, por músicos excelentes convidados para o efeito. Mas tudo passou. Ficou, porém, a devoção bastante entranhada na alma do povo crente, pois conta cerca de cinco séculos. Na Matriz das Lajes, até meados do século passado, era o dia escolhido para a celebração da Comunhão Solene (primeira e única).

1) Almeida, Fortunato, “História da Igreja em Portugal”, pág. 558
2) Silva, Heitor Morais, S.J., “História dos Papas”, pág. 322
3) Lasserre, Henrique, “Nossa Senhora de Lourdes”, 1871, pág. 194
Vila das Lajes do Pico, Dezº de 2012
Ermelindo Ávila

domingo, 2 de dezembro de 2012

CULTURA MUSICAL PICOENSE


NOTAS DO MEU CANTINHO


No dia 22 do corrente mês, a Liturgia católica celebra a memória de Santa Cecília, padroeira dos músicos. É uma festividade que aqui teve início, no ano de 1947, quando o Pe. António Filipe Madruga exercia as funções paroquiais na Matriz desta vila, após o falecimento do vigário e ouvidor Pe. José Vieira Soares. A partir daí, a capela da Matriz tem procurado promover essa memória. E fê-lo no passado domingo, com a colaboração de todos os coros paroquiais do concelho.
A vila das Lajes tem, de facto, uma tradição que vem de longos anos, com a cultura da Música. Quando por cá estavam os frades franciscanos, eram eles que colaboravam nas paroquiais, cantando nas festas solenes.
Em 1677 a confraria de S. Pedro “Despendeu da pregação e música na festa do Santo aos Frades mil reis”. Os Frades eram os franciscanos, porque outros não havia por cá.
Só quando os religiosos foram expulsos é que os padres seculares tomaram a seu cuidado a música das celebrações solenes. E excelentes músicos que alguns foram. Recordo os mais recentes: Pe. António Lúcio Ribeiro, Pe. João Pereira da Terra, Pe. Domingos Ferreira da Rosa Ângelo, Pes Manuel e José Ávila, Pe. Joaquim Vieira da Rosa, Pe. José Vieira Soares e até o Pe. António Filipe Madruga, além de João Homem Machado, que fez o curso no Seminário de Macau e que em S. Bárbara, desta ilha, e depois no Rio de Janeiro, Brasil, desenvolveu apreciável actividade musical, sendo o autor da letra e música do hino da Casa dos Açores, de que foi co-fundador. Publicou um importante estudo sobre “O Folclore na Ilha do Pico”. O Pe. José Vieira, ainda seminarista, foi nomeado para o coro da Sé, dada a sua excelente voz, apurado ouvido e conhecimentos musicais. O Pe. João foi o professor de diversos, particularmente, dos Pes. Ávila e Francisco Vieira Beleza. O Pe. José de Ávila foi professor de música no seminário, e de canto coral em diversos Liceus, incluindo o Liceu Camões, em Lisboa. Foi o fundador do orfeão de Angra donde derivaram os actuais grupos orais existentes em diversas ilhas.
De justiça aqui registar o Grupo Coral das Lajes do Pico, fundado e dirigido pelo malogrado Maestro Manuel Emílio Porto, não só ensaiador e regente, como inspirado compositor, um verdadeiro artista que, além de diversos trabalhos publicados, deixou, ao que consta, centenas de partituras inéditas. Do Seminário, onde tiveram Mestres de muito valor, como o referido Pe. José de Ávila e o Dr. Edmundo Machado Oliveira, saíram muitos sacerdotes que foram bons cultores da Música e promotores dos grupos corais em diversas ilhas. Um deles foi o já referido Maestro Emílio Porto.
O Pe. Manuel José Lopes, além de bom músico, foi ensaiador e regente de algumas filarmónicas, já no tempo em que cursou o Liceu da Horta. Em São Mateus, onde exerceu as suas funções sacerdotais, fundou a Filarmónica “Lira Picoense” (salvo erro), que veio a extinguir-se com a sua saída e cujo instrumental foi vendido mais tarde para a Filarmónica da Piedade, fundada pelo Pe. Francisco Vieira Soares.
A Música tem tido bons cultores na ilha do Pico. O concelho das Lajes tem, actualmente, seis Filarmónicas e quatro delas já celebraram cem anos. A Filarmónica Liberdade Lajense, a mais antiga, foi fundada em 14 de Fevereiro de 1864.
Na década de trinta do século passado, fundou-se, nesta vila, a Orquestra Santa Cecília, por Gil Xavier Bettencourt, que deu alguns concertos com notável êxito. Como, depois, uma Tuna de apreciável valor artístico, fundada e mestrada por Manuel Vitorino Nunes Jr..
Antes havia existido a Filarmónica Artista Lajense que, durante vários anos, actuou sob a regência de Manuel Xavier Bettencourt e, depois, do filho Gil Xavier. Constituíam a Família Xavier, músicos notáveis, o que levou a Câmara Municipal, aqui há anos, a dedicar-lhe uma das ruas da Vila, hoje denominada “Rua Família Xavier – Músicos”. Mas não só os citados. Importa lembrar D. Maria Xavier, seu filho o maestro Manuel Xavier Soares, e a sobrinha D. Margarida Xavier, distintos executantes e professoras de piano, que deixaram bons discípulos.
Mas, afinal, na ilha do Pico sempre se cultivou, com muito interesse, a divina arte. Lembro as Filarmónicas Recreio dos Pastores (1904), Lira Fraternal Calhetense (1888) e Recreio Ribeirense (1900), além da Liberdade Lajense, todas já centenárias, a União Musical da Piedade (1944) e a União Ribeirense (1952) de Santa Bárbara; a União Artista de S. Roque (1880), também centenária, a Recreio União Prainhense (1934) da Prainha do Norte e a Recreio Santamarense (1931) de Santo Amaro. A Vila da Madalena tem duas Filarmónicas de elevado nível artístico: a Lira Madalenense (1897) e a União e Progresso (1879). Recentemente, foi fundada a “Lira de S. Mateus”, numa freguesia onde sempre existiram bons cultores da Música. Recordo os professores Manuel José Rodrigues e José Inácio Garcia de Lemos.
E lembro o velho e bom amigo, Manuel Cristiano de Sousa e Simas, além de Rodrigo Ferreira, na Madalena, que, foram bons executantes e inspirados compositores.
E os ranchos folclóricos que mantêm, com entusiasmo, a Música popular e que aí andam, nas festas e arraiais, a divertir o povo?! São vários os que existem na ilha do Pico. Não esqueço também a qualidade dos novos compositores, maestros e executantes das nossas filarmónicas picoenses formados nas escolas públicas, e já com excelentes provas dadas. Presentemente, temos o maestro Antero Ávila autor de alguns trabalhos relevantes. Mas é impossível todos aqui recordar.
Nestes dias em que a Padroeira da Música é lembrada, vale a pena esta pequena homenagem simples mas justa, aos cultores da Arte Musical, na ilha do Pico.

Vila das Lajes do Pico,
Nov.2012
Ermelindo Ávila

A RESTAURAÇÂO


NOTAS DO MEU CANTINHO

Aproxima-se o 1º de Dezembro. Uma data nacional que sempre foi assinalada com diversas solenidades, principalmente nas escolas, onde todos os alunos aprendiam e cantavam com entusiasmo o conhecido “Hino da Restauração”.
Aquando do duplo centenário da Independência e Restauração, em 1940, Portugal comemorou a data com diversas monumentos.
O Poeta Pe. Moreira das Neves, além de muitos poemas, a propósito, publicados na Imprensa, lançou a ideia de se construírem Cruzeiros em todos os concelhos de Portugal a registar a dupla efeméride.
Essa a razão primeira e altamente patriótica da construção do Cruzeiro que se encontra à entrada desta vila, já que a estátua que nela devia ser erguida, se desviou para outro concelho. Mas isso não vem hoje para o caso. Importa, antes, realçar o significado histórico do Cruzeiro da Restauração e Independência de Portugal. (Falta-lhe a placa indicativa que lá existia e que foi retirada, talvez por se encontrar fendida; todavia assim havia sido colocada, como, infelizmente, chegou de Lisboa.)
E tanto mais é de recordar o extraordinário feito, quanto nos custa aceitar que o histórico acontecimento vai passar ao esquecimento com a abolição do feriado comemorativo. Na realidade não se compreende que isso aconteça, quando outros de somenos importância histórica se mantêm, gaudiosamente. É caso para se perguntar: Onde está o patriotismo dos governantes portugueses?
Todos os historiadores dão relevo à Restauração de Portugal. É um feito nacional que qualquer nação se orgulharia de comemorar.
Portugal preocupa-se em manter dois feriados que assinalam revoluções internas, mas relega aquela que restaurou a independência da nação, livrando-a do jugo estrangeiro. Será que a Troika aqui também teve influência? Talvez já não importe a soberania da Nação?

*

Sob ao domínio dos Filipes a situação de Portugal, esmagado de impostos, agrava-se cada vez mais e torna-se lamentável. A Miséria do povo e o seu desenvolvimento chegam ao apogeu e começam a traduzir-se em tumultos...” (1) E há quem julgue que a história se não repete...
No dia 1 de Dezembro de 1640, pelas nove horas da manhã, os quarenta conjurados, além dos seus aderentes, em número de 120, assaltaram o Paço da Ribeira, guardado pelos castelhanos que dominavam Portugal há sessenta anos, imobilizaram o secretário da vice-rainha Duquesa de Mântua, Miguel de Vasconcelos, que estava escondido num armário, abateram-no e lançaram-no à rua. E foi então que outro Miguel, D. Miguel de Almeida, do alto do balcão principal, proclamou a liberdade da Pátria e a realeza de D. João, Duque de Bragança, aclamado como D. João IV, Rei de Portugal.
Era o fim do domínio estrangeiro. A Nação retomava a sua independência que nunca mais seria perdida. Portugal comemora esse feito glorioso há 372 anos! (2)
Será que vamos regressar a 1639 e ficar de novo subjugados por domínios estrangeiros? Surgirão novos Miguéis de Vasconcelos a trair a Pátria lusa?
Portugal vive, na realidade, momentos aflitivos. Não está iminente uma guerra de armas mas outra não menos mortífera: a subsistência das suas gentes. A derrogação dos seus direitos e prerrogativas. A ausência de respeito pelos direitos, liberdades e garantias do seu povo.
Desapareceu a época gloriosa das descobertas e conquistas. Dela ficou, quase somente, o poema de Camões. Mas esse também anda esquecido com a introdução de novas maneiras de expressar a língua pátria.
Estamos reduzidos a uma faixa de terreno na Península Ibérica, “à beira mar plantada” e a uns pináculos no meio do Atlântico, sujeitos às intempéries atmosféricas e às tropelias políticas dos governantes, até que um dia apareçam os novos traidores da Pátria.
Deixem-nos ao menos o feriado do 1º de Dezembro a recordar esses feitos e memórias gloriosas que trouxeram a Portugal a restauração e a independência.

__________

1) “Pequeno Dicionário de História de Portugal”, dirigido por Joel Serrão.
2)Serrão, Joaquim Veríssimo – “História de Portugal” Vol. V -– 1980 -

Vila das Lajes do Pico, Nov.2012
Ermelindo Ávila

Seminário de Angra 1862 – 2012



Segundo o auto lavrado pelo escrivão da Câmara Eclesiástica, José Maria Sodré, as aulas do Seminário Diocesano de Angra iniciaram-se no dia 9 de Novembro de 1862. São decorridos, portanto, 150 anos. Uma efeméride a recordar, com efusivos louvores.
Matricularam-se 26 alunos, número superior ao actual. Desses primeiros fizeram parte 8 alunos da ilha do Pico, entre eles António Lúcio Ribeiro, já viúvo e professor de ensino secundário. Frequentou o último ano e ordenou-se sacerdote, continuando nas Lajes a leccionar Latim e Latinidade.
Com a proclamação da Republica o Seminário foi extinto em Outubro de 1911, tomando o Administrador do Concelho conta das chaves, do recheio e do fundo financeiro.
Os alunos dispersaram-se: uns voltaram para as famílias e outros instalaram-se em residências particulares e recebiam aulas nas residências dos professores. Em 2 de Março de 1914, o Dr. Bernardo Almada, de acordo com o Governador do Bispado, comprou o Palácio do Barão do Ramalho. (Enquanto nele viveu não permitiu que fossem alteradas as salas que ocupava.) Aí principiou a funcionar o seminário, com a denominação de internato, pois não era permitido, pelas leis republicanas, a existência de seminários.
A população escolar voltou a crescer e a casa tornou-se pequena para a albergar. Entretanto, foi comprada uma casa no Pátio do Conde, em S. Luzia, (onde hoje existem os Serviços Meteorológicos) que passou a servir de camarata a uma parte dos alunos. Os outros ficavam numa sala por cima da sacristia da Sé. Mais tarde os teólogos instalaram-se no último andar da Casa das Senhoras Meneses. Hoje, julgo ser a seda das “Obras Católicas”.
Era penosa a deslocação, principalmente no inverno, para as camaratas. Seguia-se pela rua da Esperança e atravessava-se a Rua da Sé, com excepção do domingo. Nesse dia, não se podia ir pela rua da Esperança por causa das sessões de cinema no Teatro. Descia-se, pois, à rua da Sé e subia-se por ela, vendo as montras dos estabelecimentos comerciais, o que já não era pouco... Recolhiam às nove e meia da noite. O despertar era às 5,30 h. da manhã. Na Sé, só ficavam os mais novos e depois uma parte dos médios...
Em disciplina não havia contemplações. Os Prefeitos eram inexperientes mas exigentes. Alguns nem padres eram ainda e tratavam os alunos como “animais bravos”... Daí algumas das desistências. Em 1927 entraram para o Seminário 50 alunos. Terminaram o curso cerca de vinte!...
Diferente era o corpo docente, a quase totalidade formada em Roma. Muitos deles deixaram saudades nos alunos: recordo o Dr. Cardoso do Couto, que foi vice-reitor (reitor era o Prelado) até 1928, e professor de Filosofia, o Dr. Garcia da Rosa, professor de Português, e o P. Costa Ferreira, professor de Literatura e História (e alguns mais). Em 1928, quando ainda era vice-reitor o Dr. Couto, o Orfeão da regência do P. José de Ávila, foi a Ponta Delgada. Os seus concertos fizeram sucesso. E, depois, só uma vez foi permitida a saída ao Teatro Angrense.
Ainda na administração do Dr. Couto foi construída a camarata da Rua do Rego, que passou a ser utilizada pelos mais novos. Era a “Camarata do Dr. Couto”.
Com a entrada de novo vice-reitor, tudo se modificou ou, melhor, complicou. Os alunos, até então, não saíam com vestes talares, até porque o espírito dos antigos republicanos ainda se impunha. A partir daí, e porque a revolução de 28 de Maio havia alterado o sistema político, o novo vice-reitor impôs a saída de batina, até aos mais novos... A medida causou certa perplexidade na cidade, dado até o “isolamento” imposto. Nem era permitido o contacto, durante os passeios, com qualquer estranho... Atribulados foram os anos que se seguiram com as construções que se fizeram, muito embora tivessem permitido o albergue interno de todos os alunos.
Apesar de tudo, é de registar que o Seminário de Angra foi sempre considerado um estabelecimento de ensino superior modelar, pelo Corpo Docente que nele leccionava.
E termino aqui, pois já excedi o espaço que me foi concedido.
Vila das Lajes, 13-11-2012.
Ermelindo Ávila

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Iluminação da Vila

NOTAS DO MEU CANTINHO    
              

          A primitiva iluminação das habitações era feita com as candeias alimentadas a óleos extraídos de peixes e animais marinhos: como o albafar,  a toninha e o moleiro (golfinho) e, depois,  a baleia. Havia cadeias de um e de dois “pratos”. Daí o adágio popular: “o que cai da candeia de cima fica na de baixo”.
          Utilizava-se, ainda, a vela de cebo de animais. Tudo uma iluminação bastante precária e até doentia. Depois apareceu o petróleo, que permitia uma melhor iluminação. E foi então que as vilas e cidades começaram a ser iluminadas com candeeiros adequados. Na Vila das Lajes, instalaram-se os candeeiros para a iluminação pública em 1897, tendo a Câmara Municipal dispendido na sua aquisição 240$790 reis. 
          Em sessão de 18 de Julho de 1898, deliberou que os candeeiros estivessem acesos nos meses de Maio a Setembro, inclusive, desde o anoitecer até às 11 horas e  nos restantes meses até às 10 h, exceptuando sempre as noites em que houvesse luar. Em 1910, a Câmara recebeu de oferta da Câmara da Horta, um candeeiro instalado em coluna de ferro, o qual foi colocado no Meio da Vila.
As Lajes tinha uma iluminação razoável e com bons candeeiros. Ainda os conheci, embora já retirados de uso. É que, em      certa noite, um doente mental que estava retido, na cadeia pública, conseguiu evadir-se e, depois de subir à sineira da igreja e tocar a rebate nos sinos, percorreu as ruas da vila a partir todos os candeeiros da iluminação pública. O presidente da Câmara, então o comendador António Homem da Costa, resolveu retirar os candeeiros e recolhê-los no antigo “curral do concelho”, onde os conheci. 
A vila das Lajes ficou às escuras durante muitos anos, o que não deixava de ser aflitivo para as pessoas. Serviam os lampiões com velas de estearinas, que já as havia, ou alguns, raros, de petróleo. Apareceram depois os candeeiros incandescentes e, em uma ou outra habitação, iluminação a gás. Tudo sistemas precários e algo dispendiosos.
          (Já noite, ia-se  à mercearia do Senhor Comendador comprar qualquer género. Ele acendia um bico de vela, servia o freguês e, depois, apagava a vela, para não gastar...)
          Estava-se em 1930. Um grupo de lajenses resolveu fundar uma empresa (sociedade anónima) para promover o fornecimento da iluminação eléctrica. A escritura foi lavrada a 11 de Outubro de 1930. Diz o historiador: “Com a realização deste empreendimento foram os lajenses os pioneiros da electrificação da sua ilha”. (1) Os primeiros corpos gerentes foram constituídos por dezasseis  accionistas.
          O projecto de electrificação da vila foi elaborado pelo engenheiro Max Corsépius que, ao tempo, era o director da estação alemã dos cabos submarinos instalada na Horta. Da Horta vieram dois electricistas que procederam à montagem da rede e executaram as instalações das residências dos futuros consumidores.
          Os lajenses não foram, porém, felizes com a aquisição do primeiro motor - gerador, que chegou a partir cinco veios, até que foi adquirido um outro motor de baixa rotação que garantiu o funcionamento da central, até que os serviços eléctricos passaram para a Câmara Municipal por escritura de 30 de Julho de 1960.
          Depois, foi constituída a Empresa de Electricidade dos Açores, por decreto Regional nº 34/81/A, de 18 de Julho, que  absorveu todos os serviços municipais e particulares de electrificação dos Açores, Entretanto, havia sido constituída a Federação dos Municípios da Ilha do Pico, para a exploração dos serviços eléctricos, que teve vida efémera, pela passagem dos mesmos serviços para a EDA.  Quando tal se deu a Federação estava a proceder à electrificação de toda a ilha. No concelho das Lajes já se encontravam electrificadas as freguesias de Lajes, São João e Ribeiras, com a comparticipação técnica e financeira da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos e Eléctricos. Previa-se o aproveitamento da Lagoa do Paúl para a montagem de uma estação hidroeléctrica, cujos estudos estavam concluídos.
E, uma nota curiosa: o concelho das Lajes já dispunha de dez centrais comunitárias, instaladas pelas próprias freguesias e lugares – as sociedades da luz – a primeira das quais foi instalada em Santa Cruz das Ribeiras, em 1958. Um movimento simpático que resultou na melhoria de vida das respectivas populações.
          Em substituição da hidroeléctrica optou-se pela central das ondas, destruída por ondas alterosas, e montaram-se, no alto da ilha, geradores de energia eólica, esquecendo-se  que este sistema está a ser abandonado por prejudicial à nidificação das aves que se acolhem à ilha.
          Esperamos que a hidroeléctrica venha a ser instalada um dia, quando os combustíveis rarearem e se encarar, decisivamente, a instalação de energias renováveis.
Vila das Lajes,
15 - 11 – 2012
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Um olhar picoense sobre o Seminário de Angra

Veja na União Pastoral
http://www.auniao.com/fotos/uniao_pastoral/1353433526.pdf

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A UNIÃO


NOTAS DO MEU CANTINHO



Anunciam o seu desaparecimento. A notícia causou-me sério pesar e, com certeza, a muitos açorianos, que não apenas aos terceirenses.
“O jornal foi fundado, na cidade de Angra do Heroísmo, no dia 3 de Dezembro de 1893, por Manuel Vieira Mendes da Silva, que foi seu director durante 29 anos, até à data do seu falecimento, em 1922.”(1) Passou depois para a posse da Diocese, a partir do 1º de Dezembro de 1924. Nele está naturalmente arquivada a história de Angra e da Ilha Terceira dos últimos cento e vinte anos. Interessante o período em que os Deportados assumiram o governo da Ilha Terceira, em 1931.
A sua aquisição pela Diocese deve-se ao Bispo Dom António Augusto de Castro Meireles, que a governou, desde 6 de Agosto de 1924 até Agosto de 1928, pela transferência, como Coadjutor, para a Diocese do Porto. E bastaram quatro anos para desenvolver uma notável e inigualável acção apostólica e administrativa em prol da Diocese. Meses após a sua posse, “adquire para a Diocese o diário local “A União”, assim como a casa da sua redacção e impressão: e assim, no início do 32º ano daquele jornal – 1 de Dezembro de 1924 – era ele publicado por conta da Diocese. (...) Pouco depois adquiriu nas mesmas condições e com o mesmo intuito, “A Democracia”, que se publicava na cidade da Horta . Esteve prestes a adquirir também o “Correio dos Açores”, de Ponta Delgada, mas a aquisição e manutenção deste jornal era superior à soma de que podia dispor a Diocese” (2)
Foi director de A União o Cónego José Augusto Pereira que o dirigiu o diário desde Dezembro de 1924 até Outubro de 1932. Tinha como Redactor principal o Pe. António da Costa Ferreira que assumiu a direcção com a saída do Cº Pereira. Aquando do falecimento do P. Costa Ferreira, outros directores se seguiram como o Dr. Manuel Cardoso do Couto, Dr. Artur Cunha de Oliveira, o Pe Coelho de Sousa, o Dr. Álvaro Monjardino e outros mais. Actualmente exerce o cargo o Pe. Marco Gomes. Mas nem sempre foi pacífica a publicação do diário angrense. O Dr. Cardoso do Couto, quando o dirigiu, sofreu com os ataques que lhe foram dirigidos por outros jornais, embora tudo esquecesse, por os considerar “verduras dos anos”...
Menos sorte teve o jornal A Democracia. Dirigido pelo P. José Maria Fernandes, tinha como redactores os Padres Francisco Vieira Soares, nosso conterrâneo, que, aquando a sua colocação nos Cedros, ali fundou o “Eco Cedrense” e o Pe José Eduardo. D. Guilherme, ao chegar à Diocese, fez a venda do jornal a uma empresa, para o efeito fundada na Horta, e que passou a publicar, em 4 de Dezembro de 1929, o Correio da Horta. Com o surgimento da Revolução de Abril este diário faialense foi adquirido novamente pela Diocese, que manteve a sua publicação até que foi encerrado em Fevereiro de 2007. Uma perda irreparável para a Igreja e para a Cultura destas “Ilhas de Baixo”.
Mas voltando ao Bispo D. António Meireles, há que referir que não se interessou somente pela Imprensa Católica. Ele vinha de uma época revolucionária, num período em que a Igreja era combatida, ou talvez melhor, perseguida.
Havia sido, em 1915, deputado pelo Centro Católico – o 1º Representante dos Católicos no Parlamento da lª. República, - tornando-se notável a sua acção em defesa dos violados direitos da Igreja, tendo merecido, porém, em 1924, a Comenda de Oficial da Ordem de Cristo.
Por ocasião do terramoto que destruiu parte da cidade da Horta, Dom António Meireles concebeu a ideia de fundar ali uma casa para recolher, sustentar e educar as crianças órfãs e pobres da ilha, comprando para o efeito a casa pertencente à Família Arriaga. Nela chegou a funcionar a obra do Pe. Américo, sob a direcção do Pe. Genuíno Madruga.
Em Ponta Delgada, adquiriu, por doação do Dr. José J. de Andrade Albuquerque, de quem fora colega em Coimbra, uma grande casa junto do jardim António Borges e ali fundou um colégio de instrução primária e secundária, com o nome de Colégio Sena Freitas. Iniciou o funcionamento sob a direcção do Dr. José Vieira Alvernaz, que, depois, viria ser Reitor do Seminário de Angra e, Bispo de Cochim e, mais tarde, o último Arcebispo e Patriarca de Goa. O colégio foi extinto, por ordem de D. Guilherme, em 1942 e o respectivo recheio passou para o Seminário.
O diário A União vai desaparecer. É mais um elo a quebrar-se na organização católica da Diocese. Extingue-se a Imprensa, encerram-se as ouvidorias, inova-se a paroquialidade, com o sistema rotativo dos párocos... “ Que mais irá acontecer?”
Durante alguns anos dei a minha insípida colaboração ao diário “A União”. Daí o respeito e a admiração que sempre tive pelos seus dirigentes e colaboradores. Um jornal que se impôs, como propriedade da Igreja, pela sua orientação católica, pela vernaculidade dos trabalhos publicados, pela seriedade das notícias. Alguns suplementos, quer doutrinais quer literários, fizeram história.
Como disse, a história do antigo distrito de Angra, principalmente, está contida no velho e simpático A União. É um património que não deve morrer. Não haverá em Angra, entidade ou instituição, que socorra o velho diário?
Verdade que o Correio da Horta não teve essa sorte e hoje quase ninguém se lembra do antigo diário do Constantino Amaral ou do Xavier ou dos que mais recentemente o dirigiram. É caso para se dizer, como diziam os antigos latinistas: Sic transit!...
_________
  1. Andrade, Manuel Jacinto de – “Jornais Centenários dos Açores” - 1994
  2. Cónego Pereira – “A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados” – Segunda Parte – 1954

Vila das Lajes do Pico
13-11-2012
Ermelindo Ávila

sábado, 10 de novembro de 2012

AS ESTAÇÕES DO ANO E NÃO SOMENTE...


A MINHA NOTA

São quatro as estações do ano resultantes do movimento do Sol. Toda a gente tem disso conhecimento e, na organização das suas vidas, respeita normalmente os períodos mais propícios à sua vivência. As mais apetecidas são a Primavera e o Verão, se bem que o Outono, quando normal, é por cá conhecido como a primavera das ilhas, dado o clima ameno que nos oferece. A estação mais agreste é o inverno. Difícil é, por vezes a ela resistir, pelas tempestades que ocorrem durante essa estação e pelo próprio clima: chuvas e ventos, temperaturas baixas originando doenças várias.
Este ano, porém, tudo se alterou. O verão foi curto. O Outono vem sendo chuvoso e já com frio e até as tempestades: Haja em vista o furacão de meados de Outubro, que por aqui deixou marcas destruidoras.
Aqui há duas ou três dezenas de anos era bem diferente. Tudo vinha a seu tempo. O calor no Verão, o frio no Inverno. As estações intermédias eram quase sempre de temperatura amena. Na Primavera floriam as plantas de jardim, faziam-se as sementeiras para colher no Outono. O verão era quente e obrigava a fugidas para os sítios onde a temperatura era mais fresca. É por isso que o mês de Agosto era, e ainda é, o mês das férias, pois o trabalhar é mais difícil nessa época de canícula.
No Outono se fazem as colheitas dos milhos, pois dos trigos, colhidos em Agosto, já pouco se fala. E que belas eram as desfolhadas, as quais Júlio Dinis recorda em ”As Pupilas do Senhor Reitor” (pág.181). E vale a pena recordar: Julgo que pequeno será o número de leitores que não tenha assistido a uma esfolhada na aldeia ou que, pelo menos de tradição, não saibam a índole folgazã e tranquila deste género de trabalho, do qual ninguém procura eximir-se, pois antes espontaneamente correm de toda a parte a oferecer-lhe braços.
Por estas ilhas o mesmo acontecia. E acontecia porque agora raramente acontece. A maior parte das sementeiras de milho são destinadas à ensilagem.
E quem não recorda os serões de Inverno? A família reunida, cada qual com os seus trabalhos, ou escutar a leitura de um velho romance, de folhas já muito gastas de tanto ser usado, ou os contos ou “casos” contados ou recontados pelos mais velhos, enquanto o elemento feminino se ocupava em cardar, fiar e tecer as lãs colhidas em Setembro ou, mais recentemente, a fazer rendas ou tricô.
Não havia mobílias. Quando muito um arquibanco que servia também de “guarda-roupa”. Era na esteira de junco que a miudagem se sentava.
O ambiente era tépido porque o calor provindo do lar ou do forno estendia-se por toda a casa. Até mesmo porque o serão era feito na própria cozinha, o compartimento da casa onde a família, geralmente, se reunia, pois os outros compartimentos, bem poucos por vezes, só serviam de dormitórios... Na cozinha, primitivamente afastada da casa por causa dos incêndios, havia o lar e o forno e, num espaço algo afastado dessa zona com chão de madeira, ficava a mesa das refeições e os bancos para o descanso.
Actualmente, as habitações são providas de lareiras na própria sala de estar, ou de aquecedores eléctricos. Nas cozinhas, ficam os electrodomésticos e as bancas onde se confeccionam os alimentos. Há, quando possível, a mesa simples para os “pequenos almoços”.
Por esse Pico além, ainda existem as antigas moradias somente providas com as tradicionais cozinhas. No entanto, tudo se vai modificando e as habitações novas já dispõem de espaços modernos com todo o conforto que é possível imaginar-se.
Deixem-me, no entanto, recordar, na singeleza do meu rabisco, estas velharias, pois outros mais adestrados – os escritores que agora abundam – saberão melhor dizer e escrever da vida moderna que os rodeia.

Vila das Lajes,
Outº 2012
Ermelindo Ávila

MÊS DE NOVEMBRO


NOTAS DO MEU CANTINHO


É na generalidade um mês triste. Embora a meio do Outono, já faz sentir a proximidade do Inverno. Mas, para além dessa situação meteorológica, aqueles que professam a religião católica, recordam neste mês aqueles familiares que já partiram para a Eternidade.Daí ser conhecido como o mês das almas, o mês da saudade...
Logo no primeiro dia, a Igreja Católica recorda todos os santos, aqueles que, gozando da visão beatífica, não subiram aos tronos dos altares das igrejas. Segundo um teólogo moderno, “Pela filiação divina o cristão torna-se membro da família de Deus. Tem garantia de um Pai, o Senhor, a certeza de um irmão, a pessoa de Jesus Cristo, e um apoio constante na inspiração do Espírito Santo.”
O segundo dia de Novembro é dedicado aos fiéis defuntos. Diz um comentarista : “As comemorações dos fiéis defuntos, no dia 2 de Novembro, tiveram origem no mosteiro beneditino de Cluny (França). O Papa Bento XV (1914-1922), por altura da Primeira Guerra Mundial, chegou a conceder que todos os sacerdotes pudessem celebrar três Missas neste dia”.
Com as determinações do Concílio Vaticano II, essa faculdade estende-se a todos os sacerdotes e em diversas circunstâncias, como acontece presentemente àqueles que têm a direcção de três paróquias. É o caso da ilha do Pico...
No dia de todos os santos a Igreja veste-se de branco, sinal de regozijo. No dia 2 as vestes, anteriormente, eram pretas, a manifestar a sua dor pelos que partiram e se encontram ainda a aguardar a entrada na mansão celeste. Hoje, pela reforma litúrgica operada pelo Concílio, os paramentos pretos foram substituídos pelos roxos, que também não deixam de expressar dor e sentimento de angústia pelos defuntos e cujas almas se encontram em estado de purificação.
Num documento da Santa Sé pode ler-se: “Nos ritos fúnebres pelos seus filhos, a Igreja celebra com fé o Mistério pascal, com a confiante esperança de que os que pelo baptismo se tornaram membros de Cristo morto e ressuscitado, passem com Ele, através da morte para a vida. É necessário, porém, que as suas almas sejam purificadas antes de serem acolhidas no Céu, junto dos santos e dos eleitos (...) A oração pelos defuntos é uma tradição da Igreja.”
Novembro é um mês triste. Um mês de saudades muito intrínsecas daqueles que o Senhor chamou a Si antes de nós, mas que continuam presentes e que jamais poderão ser esquecidos. É quase um mês de dor contínua e permanentemente sentida.
Mas haja esperança. Como diz a Antífona de entrada da Primeira Missa do dia dos fiéis defuntos, Se em Adão todos morrem, em Cristo todos voltarão à vida”..
Não estranhe algum leitor este escrito. Num jornal da Igreja, julgo, está dentro dos parâmetros que a regem.

Vil das Lajes,
Novº. de 2012
Ermelindo Ávila 

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Anos da fome


NOTAS DO MEU CANTINHO


O doutor Gaspar Frutuoso, micaelense, na sua obra “Saudades da Terra – Livro Sexto”, referindo-se à ilha do Pico, (pág. 289), escreve: “...a vila das Lagens, que é a principal e maior que há na ilha, de mais de três léguas de limite, cuja igreja é de três naves, da advocação da Santíssima Trindade e cabeça de toda ela, que terá cento e quarenta e cinco fogos, e almas de confissão quinhentas e oitenta e seis, das quais são de comunhão quatrocentas e quarenta e duas, onde foi vigário o licenciado Gonçalo de Lemos, ...e agora é o licenciado Gaspar Fernandes, também pregador e ouvidor, com quatro beneficiados, e vive gente nobre e rica... Há nesta freguesia muitas vinhas, que vão em muito crescimento, e grandes criações de gado vacum e ovelhum e algumas cabras, e terras, não muitas, de lavoura de trigo e outros legumes, e muita madeira, que ali se tiram do mato”.
O milho não era conhecido nos primeiros século do povoamento, nem mesmo a batata, o chá, e outros mais.
A população vivia do trigo e das plantas que encontrou, como seja o funcho, de que ainda hoje faz uso.
Como diz Frutuoso, a vinha veio para a ilha logo no início. Sabe-se que foi o primeiro pároco Frei Pedro Alvarez Gigante, que “plantou a primeira vinha, que se fez no Pico, na parte aonde se diz Silveira...” (Frei Diogo das Chagas, in “Espelho Cristalino...” pág 526.)
O milho veio da América para Portugal por volta de 1500 e só chegou aos Açores cerca de 1647.
Os moinhos, naturalmente, não vieram com os primeiros habitantes da ilha, pois só há referências a esses engenhos a partir de 1633. No entanto, a carta passada a Joz de Utra, 2º capitão donatário do Faial e 3º do Pico, dá-lhe direito a possuir “para si todos os moinhos de pão que houver nas ditas ilhas ...”
A batata doce chegou ao Pico em 1860, mas já existia na Florida em 1557; enquanto a batata branca só a meados do século XVII se introduziu nos Açores sua cultura.
O inhame foi introduzido no século XVI. Ficou célebre em São Jorge a revolta do inhame em 1694.
O pastel foi uma das mais antigas plantas introduzidas nos Açores. Veio da Flandres trazida pelo primeiro capitão donatário, Joz de Utre (ou Huertere), planta tintureira que era produzida no Faial e Pico e depois exportada. Do pastel veio o Pasteleiro, na Ilha do Faial.
Neste período bucólico, duma simplicidade bíblica, os primeiros povoadores viveram uma página tocante de Júlio Verne, procurando soluções, improvisando, suprindo tudo quanto o isolamento lhes negava.
À falta de forno, comeram na lage o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo (...); assavam a carne no borralho; o funcho substituiu a hortaliça que ainda não havera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes (...); inventaram molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira.” (1)
Mas, apesar disso, houve anos de fome.
De fome foi o ano de 1596. De peste e fome , o ano de 1599.
Na “Phenix Angrense” regista o Pe. Maldonado que o ano de 1647 foi de tremenda fome, em razão da esterilidade dos frutos comestíveis.
João Afonso, em “Açores em Novos Papéis Velhos,” escreve: “Fome! Tanta fome não apenas na Terceira, pois o Senado municipal delibera (...) dar licença também para se embarcarem para as ilhas de bayxo, dez moyos, visto também as necessidades que estão experimentando”.
Silveira de Macedo (2) refere os anos de 1776 e 1785 como anos de fome.
Lacerda Machado recorda o ano de fome de 1858 valendo o Capitão Manuel Machado Soares dispondo de seus teres e haveres.
Escreve Manuel Alexandre Madruga: “Foi este ano de fome (1858) de efeitos tão violentos que, na freguesia de São João Baptista, os seus habitantes se obrigaram a comer bolo feito de soca de jarro e de raiz de feto, ambos de sabor desagradável.”(3)
O ciclone de 1893 destruiu quase totalmente todas as cearas do Pico e Faial. Por essa ocasião, a súbdito americana Rosa Dabney, residente no Faial, importou dos Estados Unidos algumas toneladas de milho que fez distribuir pelas famílias mais necessitadas.
Após a Grande Guerra de 1914-1918 houve uma grande carestia de cereais, passando fome muitas pessoas do Pico. Valeu o milho que os familiares emigrados, nos Estados Unidos, enviaram para as famílias, na Ilha. No tempo era vulgar ouvir-se: todos os navios que apareciam no horizonte, vindos de Oeste, eram os navios do trigo.
Todo este arrazoado para concluir que, com a crise económica que se atravessa, não estão longe novos anos de fome.
Há que voltar à terra. Desbravar de novo os terrenos que por aí estão abandonados e incultos e fazê-los produzir o milho que era a garantia do sustento da maioria do povo. Se não... aguardemos novos anos de fome.
______________
  1. Lacerda Machado, F.S. – “História do Concelho das Lages”, 1936, pág.78
  2. Macedo, Silveira de – “História das quatro ilhas...”
  3. Madruga, M.el Alexandre - "A Freguesia de S. João Baptista da Ilha do Pico na Tradição Oral dos Habitantes"

Vila das Lajes do Pico,
17-Outº-2012
Ermelindo Ávila

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

DR. MANUEL DA ROSA R. QUARESMA


Notas do meu cantinho

No dia 30 do corrente mês ocorre um ano sobre o falecimento do nosso conterrâneo Dr. Manuel da Rosa Rodrigues Quaresma, em Washington, D.C., Estados Unidos da América, onde residia há anos. Vem tarde esta nota. Ela pretende ser somente uma modesta homenagem àquele que foi um distinto conterrâneo e um dos maiores valores desta terra da geração que está a findar.
O Dr. Manuel da Rosa era natural da Ribeira do Meio desta Vila das Lajes, filho dum velho amigo, Manuel Rodrigues Quaresma Júnior e de D. Conceição da Rosa Quaresma. Fez o curso completo no Seminário de Angra e celebrou a primeira Missa em 1961, na igreja de São Francisco, desta vila. Depois seguiu para Roma afim de se matricular na Universidade Gregoriana, e nela se licenciou em Filosofia e Direito Canónico. Quando se encontrava em Roma, decorria o Concílio Vaticano II. Dom José da Costa Nunes era Padre Conciliar. Conhecendo as excepcionais qualidades intelectuais e culturais do então Aluno do Colégio Português em Roma que frequentava a Universidade Gregoriana com muito brilho, convidou-o para seu secretário. Isso valeu ao Dr. Manuel da Rosa poder assistir às sessões do Concílio, uma prerrogativa que nem todos os alunos universitários alcançaram.
Concluído o curso seguiu para os Estados Unidos da América e aí fez o doutoramento na Universidade de Católica de Washington. Concluído que foi, passou a leccionar Filosofia Clássica, Filosofia Moderna, e Filosofia contemporânea, Ética e Valores Humanos, na mesma Universidade, onde era lente o nosso conterrâneo Dr. Manuel Cardoso. Sempre muito bem informado, estava sempre actualizado sobre a problemática da vida moderna.
Simultaneamente com o exercício do Professorado, foi director da Voz da América para os Países africanos de língua portuguesa.
O Doutor Caetano Valadão Serpa, seu colega de curso e de ensino, escreve, em excelente artigo publicado na secção “Apontamentos da Diáspora” do jornal “Portuguse Times” de 16/11/2011 o que aqui me permito transcrevo com a devida vénia:
Era um filosofo genuíno (o Doutor Manuel da Rosa) que nunca se cansava de salientar, com mestria, aspectos da filosofia clássica e moderna ou contemporânea. Sempre muito bem informado e enquadrado na problemática de uma visão atual. Realmente um intelectual de calibre pela sua maneira de ser e carácter pessoal se manteve bastante isolado. Dotado de uma memória prodigiosa, recitava de cor grande parte dos Lusíadas e outros poemas de poetas da sua preferência. Mesmo antes de entrar na universidade tinha os seus filósofos preferidos que declamava com gosto, sendo estes os seus momentos mais extrovertidos que até lhe mereceram o cognome de “Descartes”. Foi sempre aluno distinto, em todo o seu longo percurso académico, desde a escola primária à universidade. Era igualmente um artista, deixando na sua residência pessoal, em Washington D.C., numerosas obras dignas de museu, sobretudo peças de mobília ,artística e originalmente elaboradas. Montou uma oficina mecânica na sua própria residência, onde passava os seus tempos livres.” E mais não transcrevo.
O Doutor Manuel da Rosa era Filho e Neto de artistas. Daí o cognome que ficou na Família dos “Importantes”. O Pai, Manuel Rodrigues Quaresma Júnior, era um exímio artista de “scrimshaw”. Foi ele que fez um jogo de xadrez, em marfim de baleia, para oferecer ao Presidente Carmona, quando ele visitou os Açores, em 1941. E muitas outras peças, não apenas de osso de baleia mas igualmente, como o Filho, peças de mobiliário e não só. Tive nele um bom amigo. Trabalhámos juntos no Executivo Municipal, na década de quarenta do século passado e na fundação da SIBIL.
Fica aqui um parêntesis, apenas para recordar o velho amigo, nesta singela homenagem que pretendo prestar ao Filho, de que muito se orgulhava.
Um ano após o seu falecimento, vale a pena recordar um dos vultos da Diáspora mais destacados da geração que está a findar.
Vila das Lajes,
Outubro 2012
Ermelindo Ávila

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A VILA NÃO PROGREDIU...


NOTAS DO MEU CANTINHO


Num dos últimos dias de Setembro, casualmente, encontrei-me com um amigo emigrado há anos no estrangeiro mas que só agora teve ocasião de vir de visita à terra onde nasceu e onde foi criado.
No decorrer da conversa foi ele dizendo das suas impressões da ilha, algo diferente, na verdade, daquela que aqui deixou quando partiu.
Está muito diferente e a Madalena e Cais estão muito diferentes e embelezadas, só a Vila (e a vila para ele era ainda a Vila das Lajes) é que não progrediu. Ouvi e dei-lhe as explicações que me foi possível “arquitectar” no momento. E uma delas foi a ausência da nossa juventude, o que, na realidade é um facto incontroverso, o que prova, em certa medida, a diminuição da população.
Ainda há dias, os órgãos de Comunicação Social fizeram-se eco dos elementos fornecidos pelos Instituto Nacional de Estatística, pelos quais se pode verificar que o concelho das Lajes sofreu uma diminuição de população superior a quatrocentos habitantes. E a grande ou quase total maioria foi de jovens. Hoje a vila das Lajes conta com uma população de terceira idade e uma grande parte são viúvos/as que vivem isoladamente nas suas habitações. E já não aludo às duas ou três dezenas que vivem nos Lares da 3ª idade.
Mas o despovoamento tem ainda outras causas bem mais concretas. A renovação urbana tem sido nula. Até os próprios lajenses, quando pretendem construir novas habitações, vão para a periferia: Ribeira do Meio, Almagreira e até Silveira. Não me consta que algum construa nas Terras. Nesse lugar são os próprios residentes que plausivelmente, vão melhorando as antigas habitações ou construindo novas. Mas, louvores merecem por isso, não abandonam o seu lugar!
E o investimento público tem sido bastante parco. Fogem da vila. Outros povos teriam orgulho na sua terra, na sua história, nos valores patrimoniais que a vila ainda possui. Os lajenses e aqueles que têm presidido aos destinos da sua terra, viram as costas a tudo isso, com receio que sejam apodados de só olharem para a vila. E, talvez com esse receio, nada fazem. Os serviços públicos vão sendo transferidos para outros meios. E aí construem os gestores modernos e elegantes edifícios para os instalar. E os poucos edifícios que aqui ocupavam, nem são cedidos, quando requisitados por quaisquer instituições, nem vendidos quando há pretendente e vão caindo em degradação.
E se há lajenses que aceitam de bom grado o “status quo”, outros, felizmente, ainda sabem levantar a voz e reclamar contra tamanhos atropelos, como cidadãos que são no pleno direito da sua cidadania.
Podem alegar os dirigentes políticos que construíram um pontão para defesa da vila. Concedo. Mas quando se procede à regularização dos blocos, a caírem, uns para o mar outros para a terra?!...
E a extracção das baixas da lagoa que da execução desse molhe nasceu mas que não é totalmente navegável, obrigando à colocação de sinalização para evitar o arrombamento das embarcações que demandam o porto? Aplaudi a obra mas nunca a forma como se encontra.
Penalizou-me a apreciação do nosso conterrâneo emigrante. Espero que o mesmo aconteça a quem ler, se é que o vai fazer.
Louvo o bairrismo dos residentes das outras vilas, mas não deixo (porque não posso deixar) de acusar os que possam ter responsabilidades no decaimento da primeira povoação que vila sempre foi, da ilha.

Vila das Lajes,
A Vila Baleeira dos Açores,
5 de Outº. de 2012
Ermelindo Ávila

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SUBMARINOS ALEMÃES NOS AÇORES


NOTAS DO MEU CANTINHO



Melhor seria: U-Boats nos Mares dos Açores, pois é o livro que Manuel Paulino Costa acaba de publicar e que hoje registo com muito agrado. Um livro que faz a história da campanha dos submarinos alemães nos mares dos Açores durante a segunda guerra mundial (1939-1945) .
Para quem acompanhou o desenrolar da terrível guerra que milhões de vítimas fez nos campos de batalha, na perseguição à marinha mercante e beligerante e nos horríveis campos de concentração, este magnífico trabalho faz um pouco de historia da chamada guerra submarina que tantas vidas ceifou.
Ao prefaciar o U-Boats... o erudito professou Ruben Rodrigues: Manuel Paulino Costa introduz-nos, neste seu livro – “U-Boats nos Mares dos Açores – Batalha do Atlântico (1939-1945) – em um dos aspectos dolorosos do segundo grande conflito, especificadamente na luta pelo controlo dos mares perpetrada pelas flotilhas dos submarinos alemães, um dos marcos blasfemos do poderio bélico nazi, no Oceano Atlântico.”
E depois acrescenta: “Os campos de concentração, os fuzilamentos, os fornos crematórios, as tropas SS, a Gestapo, etc. comportam a imagem terrífica do caos.”
Hitler foi o mais bárbaro chefe de estado dos últimos séculos. Mas muitos alemães acompanharam-no, não só por aceitarem a “bárbara filosofa rácica Ariana”, como para desforrar o desastre sofrido na primeira guerra (1914-1918)
Com a publicação do livro “U-boats nos mares dos Açores” pretende-se relatar alguns dos acontecimentos ocorridos durante a Batalha do Atlântico que deram origem a filmes, edições de livros, notícias nos jornais açorianos, bem como contribuir com uma nova versão para a viagem fatídica do submarino alemão U-581, que se afundou na costa do Guindaste – Mirateca (Pico), após uma luta com destroyers ingleses” (pág.12).
Um dos sobreviventes do submarino esteve nesta vila das Lajes e na Mirateca, em 18 de Outubro de 2011, como passageiro do navio de turismo Bremen. Visitou o Museu dos Baleeiros”(pág. 51).
O Autor faz ainda referência a um outro combate, em 2 de Fevereiro de 1942, no canal Pico - São Jorge, entre o submarino alemão U-402, e uma flotilha de destroyers ingleses que comboiava o navio de transportes Langibby Castle, depois de haver reparado grossas avarias que sofrera ao ser bombardeado por aquele submarino quando navegava a Norte dos Açores. (pág. 97).
Refiro o alarme que houve na ilha do Pico com estes dois combates, de lamentáveis recordações.
O Autor regista também que o contra-torpedeiro Lima, em viajem de Lisboa para Ponta Delgada, sobre comando do Capitão-Tenente Sarmento Rodrigues, desviou o rumo para recolher os náufragos do navio mercante inglês Roxburg-Castle, que foi torpedeado pelo submarino alemão U-107, e levá-los para Ponta Delgada. Foi nessa viagem de Lisboa para os Açores que o contra-torpedeiro “Lima” foi atingido por tremendas tempestade.
Veja-se o que diz, a propósito, o Tenente L. S. Gomes da tripulação do Lima: O navio erguia a proa com esforço, estremecendo continuamente. Parecia estalar de encontro às ondas que o empenavam, resfolgando os pulmões, o último arranque pedido.”
(...)“Mas uma vaga de maior dimensão ainda, eleva pela proa a unidade de guerra, obriga-a a descer sobre bombordo com uma inclinação que causa calafrios e quando toda a marinhagem esperava, fria como mármore, ver o navio soerguer-se, uma nova vaga semelhante à anterior, sem dar tempo de reequilíbrio, impele-o mais para a bocarra imensa, pondo a descoberto todo o bombordo até à quilha.”(1) E o autor que venho de citar continua a tenebrosa narração, até que o navio consegue soerguer-se. Ao terminar, o Tenente Gomes escreve: “Neste barco o aparelho de medir a inclinação registou uma terrível oscilação de oitenta graus, mas ergueu-se de novo. Não há memória de um navio registar semelhante inclinação e sobrevier”. (2)
O Autor de U-Boats nos Mares dos Açores, referindo este horrível acontecimento diz:” O navio era o destroyer português N.R.P. “Lima” (D333) sob o comando do Capitão-Tenente Manuel Maria Sarmento Rodrigues, em rota de Lisboa para os Açores, em comissão de serviço SAR (Search and Rescue).” (pág.92)
Sinceras felicitações a Manuel Paulino Costa pelo excelente trabalho e pelo serviço prestado à História e à Cultura açorianas.
__________
1) Gomes, Leovigildo dos Santos Gomes (2º Tenente do Q.A.S.Naval) – “Comissão no Arquipélago “ –(Episódio Marítimo durante a guerra de 1939-1945)
2) Ibidem
Engrade, 27-09-2012
Ermelindo Ávila

sábado, 6 de outubro de 2012

O ANTIGO GRÉMIO


NOTAS DO MEU CANTINHO

O antigo grémio funcionou na ala norte da casa que foi da Avó do General Lacerda Machado e que depois pertenceu a José de Brum Martiniano. De início, ocupava somente a sala norte e, ultimamente, a sala contígua onde estivera a sede da Sociedade “Santo António” que, actualmente, tem sede própria. O Grémio Literário Lajense assim denominado, foi fundado em 1876, recebeu o espólio do antigo Gabinete de Leitura, fundado entre 1874 - 1879, com uma apreciável quantidade de livros recolhidos dos alfarrabistas, em Coimbra, quando ali estudava o que viria a ser Bispo de Macau, D. João Paulino de Azevedo e Castro.
Era no Grémio que se reunia a fidalguia, digamos, lajense, pois a admissão de qualquer sócio era sujeita a uma votação secreta e bastava um voto contra para que o candidato não fosse admitido. Lembro-me do Capitão José Francisco Fidalgo, grande jogador de bilhar. E de outros mais: Pe. José Vieira e Pe. Feliciano, José Lopes, Leonardo Amorim, Manuel Joaquim Castro, José Fernandes, Gilberto Castro, Edmundo Ávila e outros mais.
Alguns dos lajenses que viviam fora, quando visitavam a terra não dispensavam um serão no Grémio. E o mesmo sucedia com os visitantes estranhos, incluindo os caixeiros-viajantes que, quando pernoitavam na Vila das Lajes, passavam o serão naquela Sociedade. Alguns deles eram grandes jogadores de cartas… E havia mesmo um ou outro lajense que, vivendo noutra parte da ilha, atravessava a serra a cavalo para vir passar a tarde no Grémio. Não havia nem estrada e muito menos automóveis…E assim acontecia porque os horários eram diferentes. As repartições públicas encerravam às quatro horas da tarde. Hoje seria impossível.
Nos anos trinta, a sociedade lajense sofreu (ou beneficiou?) de uma grande transformação. A sociedade filarmónica “Liberdade Lajense” instalou-se na casa do Machadinho, que hoje é propriedade sua, e deu início aos bailes, “obrigando” o Grémio - que por exigência da legislação corporativa havia modificado os estatutos, passando a denominar-se “Sociedade Literária e Recreativa Lajense”, vindo a instalar-se no piso superior que a firma Edmundo Machado Ávila havia construído para garagem.
Razões várias levaram a que a Sociedade Literária e Recreativa Lajense tivesse, decorridos alguns anos, de desocupar as instalações. Os móveis foram recolhidos noutra casa e a Sociedade ou antigo Grémio deixou de funcionar com gravosos prejuízos para a sociedade lajense. Hoje, não existe local onde os lajenses se possam reunir, como era tradicional. As Salas da Filarmónica estão abertas a todos os eventos que se realizam na vila, mas a sociedade em geral não tem por hábito utilizá-las aos serões, como fazia no antigo Grémio, tanto mais que tem o “inconveniente” dos ensaios, que devem estar em primeiro lugar.
Urge, pois, reactivar a Sociedade Literária e Recreativa Lajense que, afinal, nunca foi legalmente extinta. E isso não será difícil. Basta que se encontrem salas capazes onde a secular agremiação se possa instalar, convenientemente.
Na Vila das Lajes, existiam alguns prédios devolutos que foram ruindo, desastrosamente. Está no ar e ainda em bom estado de conservação o antigo edifício da Alfandega e, sem que o Estado (D.G.F.P.) ou outro organismo estatal lhe dê aplicação, devia estar na Posse da Região e ter a aplicação devida. Já que assim acontece, porque não é entregue à S.L.R.L. mediante o devido Protocolo onde sejam estabelecidas as cláusulas de utilização?
É um simples alvitre de quem muito se interessa pelo desenvolvimento e progresso da sua terra - A VILA DAS LAJES DO PICO, a primeira vila da Ilha e uma das primeiras dos Açores.

Engrade Piedade,
17 de Setembro de 2012

ERMELINDO ÁVILA

As ermidas da Piedade


NOTAS DO MEU CANTINHO


No último domingo de Setembro realiza-se, na Manhenha, freguesia da Piedade, e na sua ermida própria dedicada a S. Tomé, a tradicional festa de Nossa Senhora das Mercês.
A Manhenha era, outrora, um simples lugar de adegas. Manuel Greaves, num dos seus livros, publicados em meados do século passado, denominou aquele interessante subúrbio da Piedade, de “A vileta das cem adegas”. Hoje a Manhenha é um subúrbio da freguesia, onde se fixaram mais de vinte famílias ocupando prédios de recente construção, de magnífica traça, alguns deles construídos por emigrantes, ora regressados, ou que vêm à terra, anualmente, passar a estação calmosa. Tem uma sociedade recreativa a funcionar, diariamente, com o respectivo bar e um excelente restaurante em prédio próprio.
Mas o mesmo acontece nos lugares do Calhau e Cais do Galego, que circundam uma das melhores baías do Pico, ampla e abrigada dos ventos predominantes. O Calhau tem um bom cais a servir o porto de mar que é. Até na Engrade já existe uma dúzia de adegas-vivendas.
Estes lugares, apetecidas estâncias de veraneio, eram grandes produtores do histórico vinho Verdelho, daqui exportado para o Norte da Europa em barcas próprias, e desapareceu com a doença das vinhas, ou filoxera, que as atingiu a meados do século XIX, que foi substituído pela uva “Isabela” ou americana. A Ponta da Ilha é a maior produtora do tradicional “Vinho de Cheiro”, apesar de alguns proprietários terem abandonado uma parte dos terrenos, provocando o desenvolvimento de arvoredo de espécies infestantes. Mas esses mesmos sítios valem pelo clima e pela beleza dos panoramas.
Curiosamente, em todos estes lugares existem ermidas dedicadas aos santos titulares da devoção dos habitantes. A ermida de São Tomé da Manhenha é, talvez, a mais antiga. No Calhau existe a ermida de N.ª Sr.ª da Conceição da Rocha, construída pelo Pe. Manuel Inácio da Silveira Campelo e que, da Terceira, todos os anos vinha passar o verão no aprazível lugar. Durante muitos anos esteve esta ermida abandonada e quase a ruir, até que, no último ano, o respectivo proprietário a restaurou, recuperando a sua traça primitiva.
Porque o Calhau é um excelente porto de mar, os marítimos da localidade ergueram uma ermida dedicada a Nª. Sr.ª da Boa Viagem, cuja festa celebraram no último domingo.
No Cais do Galego é festejado há anos São João pelos proprietários do sítio.
Na Engrade já está organizada uma associação e escolhido o terreno para a construção de uma ermida que, ao que dizem, será dedicada ao Beato João Paulo II.
No lugar dos Fetais um importante núcleo habitacional da freguesia, foi há anos construída uma ampla ermida, dedicada a Santo António, onde semanalmente, e fora da época estival, é celebrada a Eucaristia.
Ficará d´esta arte a paróquia da Piedade a dispor de cinco centros do culto católico, além do magnífico templo, recentemente restaurado, e que é um dos mais belos da Ilha. E, diga-se de passagem, o Pico tem um património riquíssimo nas suas igrejas e ermidas, um conjunto dos mais importantes dos Açores, duma grandeza e beleza arquitectónica pouco vulgares. Afinal, uma demonstração bem visível da religiosidade do seu povo e dos esforços que vem fazendo, ao longo dos cincos séculos de existência, - tenha-se presente o caso bem recente da Matriz da Santíssima Trindade da Vila das Lajes - pelas suas ermidas, igrejas e até os conventos franciscanos. E não são poucos, muito embora alguns estejam a sofrer um certo abandono, aí, ao que consta, à falta de párocos próprios.
A Festa que se celebra na Manhenha é a despedida do verão. Prova-se o vinho, recebem-se os amigos e conhecidos, e até os visitantes que, por vezes, são às centenas e até milhares.


Engrade, Piedade,
24-Setº.-2012
Ermelindo Ávila