NOTAS
DO MEU CANTINHO
Há
cinquenta ou sessenta anos para trás a vida destas terras eram
bastante diferente. Até então, predominavam os costumes trazidos de
longe, pois o isolamento dos povos era bastante acentuado. Não havia
transportes regulares, nem telefones, nem rádio ou, ainda mais
tarde, televisão. Só na década de vinte é que apareceu o primeiro
automóvel na ilha. O isolamento era, pois, tremendo.
Os jornais,
quase sempre de vida efémera e mais voltados para a política de
então, raramente traziam notícias de fora.
E só quando se dava um acontecimento mais grave ou de maior relevo é
que publicavam um telegrama enviado por alguma agência noticiosa. E
isso mesmo aconteceu ainda com a guerra de 1939-45. Já existiam os
aparelhos de rádio, mas só um ou outro os possuía. Nesta vila o
primeiro que aqui apareceu, veio para o Grémio Lajense e,
consequentemente, pouco acessível àqueles que não eram sócios.
Mais tarde
vieram as emissões dos Clube Asas do Atlântico, Rádio Clube de
Angra e Emissor Regional dos Açores e, a seguir, alguns rádios. Foi
então que tudo se principiou a modificar.
Voltando
atrás, recordemos, os arraiais das festas religiosas, de cada
freguesia ou paróquia, eram o motivo de reunião dos povos vizinhos.
E era então que se encontravam amigos e conhecidos, se conversava
sobre os mais diversos assuntos, individuais ou públicos, e se
ficava um pouco a par do que ia acontecendo por esse mundo de Deus.
Nas épocas
próprias, pelo Espírito Santo, pela festa do padroeiro, pelo Natal,
ou nas matanças de porcos, é que, geralmente, se juntavam
familiares e amigos e então, e nessas ocasiões, a cavaqueira
prolongava-se algumas vezes pela noite dentro.
Pelo Natal,
trocavam-se algumas ofertas, até mesmo de produtos da terra, havia
um ou outro brinquedo para as crianças, e faziam-se licores caseiros
e passavam-se figos das figueiras do quintal para servir as visitas.
Durante
os Domingos Comuns, à saída das missas dominicais, encontravam-se
os amigos e conhecidos e aí se trocavam cumprimentos, havia “um
dedo de conversa” e até os vizinhos e conhecidos combinavam os
serviços da semana. É que era habitual haver uma inter-ajuda para
os trabalhos sazonais, pois só assim alguns deles se podiam
realizar. Até o dia da matança de porco, um acontecimento
familiar de relevo, era combinado para que
não se sobrepusesse, permitindo a ajuda de familiares e vizinhos.
Logo a
seguir ao Natal vinha o Carnaval, quatro semanas antes da Quaresma.
Normalmente, eram festejadas as quintas-feiras: de amigos, amigas,
compadres e comadres. Faziam-se filhós, convidavam-se os amigos e a
noite era passada com amigos e parentes a bailar umas chamarritas.
De vez em quando, apareciam alguns mascarados, que sempre havia quem
se dispusesse a percorrer as casas com algum entremez num arremedo de
comédia.
Em chegando
à Quarta-feira de Cinzas, tudo terminava. Entrava-se na Quaresma e
durante esse tempo de penitência não havia folgas, bailes ou outros
quaisquer divertimentos. Quando muito ensaiava-se uma dança ou uma
comédia para sair pela Páscoa. E todos respeitavam essas semanas.
As pessoas vestiam de escuro quando tomavam parte nos actos
religiosos, que os havia durante as Domingas quaresmais: via-sacra,
procissões, e sobretudo a desobriga feita nos dias próprios de cada
família: eram os chamados quartéis,
anunciados nas missas do domingo anterior.
Normalmente,
era no verão que se realizavam nas paróquias as festas tradicionais
com arraiais, onde se exibia uma filarmónica ou duas, e se faziam as
arrematações das ofertas ou promessas levadas em cumprimento de
votos. Vulgarmente, uma rosquilha, uma cabeça de massa, uma perna ou
um menino, consoante a promessa feita em ocasião de doença de um
membro da família. Ainda hoje isso se verifica em algumas
localidades, apesar do indiferentismo que se instalou nos nossos
meios. É, por exemplo, o caso da festa de Nossa Senhora da Piedade,
onde aparecem peças de massa sovada dos mais diversos feitios.
E era pelas
festas, principalmente as do princípio do Verão, que se estreavam
as peças novas de vestuário: vestidos e chapéus para o elemento
feminino e fatos e chapéus para o masculino, não faltando
igualmente o calçado novo.
E
neste escrito recordo o Natal, uma das principais festas do ano, com
as tradicionais novenas, depois as Matinas cantadas na véspera, a
Noite de Natal... As saudades que ficaram desses tempos simples mas
plenos de uma alegria contagiante, principalmente, quando chegava a
Noite do Natal, se cantava a Missa do Galo e o Presépio armado com o
estábulo, o lago com as vaquinhas, as ovelhas no monte, os pastores
caminhando guiados pela estrela e, lá ao longe, os Reis Magos vindos
do Oriente. Tudo tão belo!
Nas
nossas casas havia o Presépio, limitado a pequeno altar com o Menino
Jesus no trono, enfeitado com tacinhas de trigo verdejante e rosas.
Hoje é tudo
diferente!... Tão diferente!...
Para
todos, os de Casa, os assinantes e os leitores, Boas Festas do Natal
!
Lajes do
Pico, Dezembro de 2012.
Ermelindo
Ávila
Sem comentários:
Enviar um comentário