quinta-feira, 31 de julho de 2008

A CASA DO PRIMEIRO POVOADOR

Quando Fernão Alvares Evangelho foi deixado na ilha pelos companheiros - e a razão foi porque, fazendo-se à enseada do Castelete e não conhecendo a costa se encheram de medo quando o mar rebentou no Penedo Negro, o que foi natural, - percorreu a costa para norte, por ser zona mais plana e encontrou uma ribeira, que viria a denominar-se “Ribeira de Fernão Alvares”. Já no século XIX, passou a ser conhecida por Ribeira da Burra, dada a circunstância macabra de nela ter morrido uma asinina. Na ribeira existiam, naturalmente, poços de água, elemento essencial à vida.
Foi aí que Fernão Alvares construiu a sua habitação - uma construção rudimentar, na margem da ribeira, com uma porta e uma pequena janela na empena oeste e cujas ruínas ainda ali se encontram. A tradição sempre afirmou ser a casa do primeiro povoador.
Apoiado no “Espelho Cristalino”, de Frei Diogo das Chagas, que esteve nas Lajes em 1641, escreve Lacerda Machado na História do Concelho das Lajes:
Dos quais os dois principais povoadores, foram o dito Fernando Alvares, e Jurdão Alvares Caralta. Este ficou povoando ali aonde saltou; (actual freguesia das Ribeiras) e o Fernando Alvares começou a sua pela parte aonde se diz a Ribeira do meio”.
O Município Lajense, no propósito de salvaguardar a História e o Património concelhios, adquiriu há anos as ruínas da casa de Fernando Alvares, na margem norte da Ribeira para nele fazer obras de recuperação. Um pouco a Leste existe a primitiva ponte romana, que faz a ligação da antiga Rua dos Castanhos, muito embora um troço desta via, por razões mal explicáveis, tivesse sido, incompreensívelmente, incorporado num pátio fronteiriço a uma moradia que ali foi reconstruída.
Aquela zona - que bem perto fica do acesso à antiga fábrica da SIBIL, hoje um dos centros turísticos mais relevantes do concelho, por nela ter sido instalado o Centro de Artes e Ciências do Mar- merece ser recuperada, restituindo-se-lhe o seu traçado primitivo e, com um pouco de limpeza, tornar transitável a secular ponte, um marco histórico do Património desta avoenga vila. Nas ruínas da casa, para já, basta abater a figueira que existe no interior e que, segundo o antigo proprietário, não era retirada por haver sido plantada por um filho da família, há cerca de cem anos e que depois emigrou para os Estados Unidos. Seja como for: aquela figueira não tem interesse algum e só prejudica a visibilidade daquela histórico espaço, algo procurado por quem dele tem conhecimento.
E escreve ainda o historiador F.S. Lacerda Machado:
Confirmando esta tradição, conservou sempre o nome de Ribeira de Fernando Alvares a que, desde algumas dezenas de anos, estupidamente se chama da burra, fazendo-se desaparecer da toponímia local uma expressão que representava apreciável vestígio histórico e veneração pela memória do primeiro povoador, fundador da vila.”
A primeira preocupação, de Fernão Alvares, como seria natural., foi encontrar água para se dessedentar (matar a sede) e encontrou-a com relativa facilidade, a menos de um quilómetro de distância do local de desembarque. Não deixa de ser curioso e, naturalmente, porque os abusos começaram a verificar-se, o Alvará do 1º Capitão Donatário do Faial e 2º da ilha do Pico, Jos d’Utra, passado em 24 de Março de 1502 no qual prescreve: “para que ninguém lavasse da Ponte de Fernão Alvares para cima onde passa o Caminho do Suro que vai ter à Almagreira, sob pena de cada vez que for achado pague duzentos reis para o Concelho.”( in Espelho Cristalino…).
Nota-se que os abusos, a cerca de meio século do início do povoamento, já aconteciam. A instalação do concelho iniciara-se antes de 1502, como se deduz do alvará de Jós D’Utra, muito embora nunca fosse descoberto o documento que o criou.
Hoje, nem um edital ou alvará da autoridade competente é capaz de evitar qualquer situação anómala dos bens comuns.

Vila das Lajes,
Julho de 2008
Ermelindo Ávila

domingo, 20 de julho de 2008

O ANO DO BARULHO OU DO LEVANTE

Foi em 3 de Agosto de 1862 que se deu o motim popular que, na história, ficou como o ”ano do barulho”.
Anos depois, em 24 de Novembro de 1897 dava-se na Piedade o “corte dos alamos”. E se do primeiro acontecimento não se registaram vítimas, já o mesmo não se deu com o segundo, pois, segundo Manuel d’Ávila Coelho, houve três .
No trabalho intitulado “Nossa Senhora da Piedade na Ilha do Pico”, publicado no número 3 do vol, 2 do Boletim do Núcleo Cultural da Horta (Dez.º 196l) escreveu o seu autor, prof. Manuel d’Ávila Coelho: “A coincidência do aumento das fintas com a introdução do sistema métrico provocou um grande ajuntamento de povo que, ligado ao de outras freguesias, se dirigiu às Lages para protestar energicamente contra a deliberação tomada….
Este movimento que deixou fundas inimizades entre várias famílias e por muito tempo, ficou conhecido pelo “ano do levanto” …
Com o corte dos alamos que tinham sido plantados em 1779, houve nova agitação na freguesia, a que não faltaram hábeis pescadores de águas turvas, como se vê da pasquinada que naquela data se publicou sobre o assunto.
Refere-se o Autor ao livro de 144 páginas, publicado em Angra do Heroísmo no ano de 1898 - cento e dez anos são decorridos - da autoria de José Silveira Nunes – o Manha - no qual procura fazer, a seu modo, o relato dos acontecimentos que provocaram três vítimas mortais.
Os álamos encontravam-se no antigo largo do Império, a norte da Igreja Paroquial e na descida para o Calhau.
A antiga capela, construída no século dezasseis, é assim descrita por Ávila Coelho:
Edificação do princípio do século l6º tinha porta larga, em arco de volta inteira que descansava sobre colunas de bonitos capiteis, cantaria com soco bastante saliente e cimalha com pirâmides, tudo em boa pedra lavrada, - Foi demolida quando do alargamento da estrada municipal. Um crime.
A capela foi abandonada, com o corte dos alamos, e nela, mais tarde, instalada a estação dos CTT e um escritório particular. Com os trabalhos do arranjo do caminho do Calhau, porque a antiga capela impedia o alargamento, foi imperioso demolir a antiga capela, já em ruínas. Entretanto as Irmandades, logo que a abandonaram por causa do corte dos alamos, que faziam alameda do respectivo recinto, onde se realizava o Império, haviam construído uma nova capela no Curral da Pedra. Este local, após a conclusão da estrada Lajes-Piedade, por volta de 1944, foi alargado, dali partindo o arranjo do caminho para o Calhau.
Não foi, pois, crime, a sua demolição, mas uma necessidade provocada pelo progresso, o que aliás aconteceu em outras terras. Sem a demolição da antiga capela não seria possível o alargamento do caminho, como aliás era desejo da população e uma necessidade imperiosa.
Felizmente, do “Barulho” ou “levante” não houve vítimas a registar mas os prejuízos causados foram enormes e irreparáveis.
A população de todo o concelho, incitada por alguns encobertos interessados, “ roubaram as colecções dos padrões dos novos pesos e medidas, o quadro sinóptico dos mesmos pesos e medidas, as posturas municipais e vários papeis e documentos da Secretaria. A este respeito escreve Lacerda Machado na “Justificação” com que dá início à “História do concelho das Lages”: “No Ano do barulho (1862), o povo amotinado queimou toda a papelada que pude haver às mãos nas repartições públicas, e com ela, os quatro primeiros livros de termos de vereação (actas), compreendendo o período decorrido desde a criação da vila até Junho de 1773. Assim ficaram perdidos quase três séculos da história local”, melhor dito, da ilha do Pico.
Valeram as recolhas feitas por Frei Diogo das Chagas, que por aqui andou nos anos de 1646, e que fez boa colheita de documentos que existiam nos serviços municipais, arquivados agora no “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”; obra que só viria a ser totalmente publicada, sob a direcção do Professor Doutor Artur Teodoro de Matos, em l989. E é no Prefácio que o douto Mestre nos diz:”
“Contendo matéria em grande parte diferente, mas de incontestável interesse histórico, é o capítulo dedicado à ilha do Pico. Trata, é certo, como os respeitantes às demais ilhas, do descobrimento desta parcela açoriana, da descrição da ,mesma, das suas paróquias e ermidas, dos vigários, da população e de vários casos dignos de memória. …Enfim, um acervo de interessantes notícias através das quais poderemos em certa medida, reconstituir a vida social picoense nos primeiros dois séculos de vida humana, nas regiões correspondentes às vilas das Lajes, de São Roque e da Madalena.”
Julgo que tudo isso foi possível porque Frei Diogo das Chagas era irmão natural de Frei Mateus da Conceição, guardião do convento franciscano desta vila, a cuja ordem ambos pertenciam. E por essa circunstância a demora de Frei Diogo, nas Lajes, não deve ter sido limitada, permitindo-lhe assim a recolha de documentos importantes para o seu excelente trabalho que hoje representa um manancial precioso para a história desta ilha., como aliás nos diz o Professor Doutor Teodoro de Matos.
E não há necessidade de recorrer a lendas que os antigos historiadores, à falta de elementos concretos, procuraram inventar e fantasiar…

Vila das Lajes,
8 de Julho de 2008
Ermelindo Ávila

sábado, 12 de julho de 2008

INSTALAÇÕES HOTELEIRAS

Vão aparecendo por aí grupos de estrangeiros, em visita ao Museu dos Baleeiros e pouco mais. Os restantes centros de interesse turístico nem sempre são conhecidos nem visitados.
Há dias esteve cá um grupo de excursionistas da Califórnia. Era o dia de São Pedro, cujo arraial (Império) costuma trazer à Vila das Lajes alguns milhares de forasteiros atraídos, naturalmente, pelas rosquilhas que se distribuem. Lembrei ao agente de viagens que organizou a visita, que esse era o dia do Império nesta vila. Respondeu-me que não sabia, pois as informações que lhe chegam à Califórnia não incluem esta festa. E o grupo de americanos, que visitava o Pico pela primeira vez, limitou-se a visitar o Museu dos Baleeiros, almoçar no restaurante “Lagoa” e seguir viagem. No dia seguinte, um casal de Point Loma, San Diego, (o marido médico reformado), voltou às Lajes para indagar das famílias de que ele era oriundo. E algo conseguiu.
Mais uma vez aconteceu aquilo para que, tantas e tantas vezes, tenho chamado a atenção dos responsáveis; entidades que não identifico porque nem sei quais sejam…
Há tempos, os meses passam rapidamente, tornou-se público que havia sido autorizada a construção de um Hotel, ou complexo hoteleiro, no Soldão (?), Mistério da Silveira, mas nada mais se fez.
A empresa que adquiriu a posição do campo de golfe do Mistério, anunciou, nos meios de comunicação social, que as obras do campo iam prosseguir e que seriam completadas com uma instalação hoteleira. Mas quando principiam as obras?
No entanto, o campo de golfe do Faial, do qual nem se falava antes do campo do Pico, diz a imprensa que vai começar. Lá será necessária a expropriação dos terrenos para a implantação do campo. No Pico, os terrenos são gratuitos…
Em anos passados, não poucos, perguntavam-me porque era contra o Faial. Uma pergunta pouco honesta e um tanto insinuante e malévola. Respondi muito naturalmente:
Não sou contra o Faial, tanto mais que lá tenho uma parte da minha família, mas contra a atitude nada correcta daqueles que têm o poder de mandar, e que são contra o progresso da ilha do Pico. Ilha que não se desenvolveu suficientemente porque as entidades oficiais sediadas no Faial nunca deixaram. E não trago aqui factos para não agravar a situação. Mas parece que o mal continua, em variados sectores, embora as atitudes tomadas sejam envoltas em certa e aparente ingenuidade… no entanto não as trago aqui.
Porque não assume o Município a liderança, à semelhança do que já aconteceu em outros concelhos, da construção de uma unidade hoteleira, constituindo-se para isso uma empresa, à qual se entregaria a respectiva exploração? Não será o empreendimento mais importante a promover o progresso do concelho?
O turismo que nos visita umas horas, muito embora faça uma refeição, não serve para o progresso do concelho. É muito pouco ou quase nada. Temos que criar estruturas que proporcionem a permanência dos visitantes alguns dias. Com as estadas mais ou menos prolongadas, lucra a hotelaria, a restauração, o artesanato e o comércio em geral. E é disso que a Vila das Lajes precisa neste momento em que a vida local está praticamente estagnada e pior ficará se um dia retirarem do centro urbano a escola secundária como pretendem alguns iluminados.
É imperioso dar vida às instalações portuárias, embora sejam elas de dimensão limitada, e dar movimento à vila para que não seja uma terra decrépita e ultrapassada por outras de menor valimento.
Não terei razão? Ao menos deixem-me dar vazão ao que, de angústia, me vai no íntimo. Um dia virá em que de tudo isto se lembrarão.
Vila das Lajes, 1 de Julho de 2008
Ermelindo Ávila

sexta-feira, 4 de julho de 2008

SEMANA DE LOURDES

Há vinte e cinco anos (1883), celebrando o centenário da Festa de Nossa Senhora de Lourdes, foi instituída nesta vila a “Semana dos Baleeiros”, embora esse designativo viesse a aplicar-se somente alguns anos mais tarde. Antes era a “Semana de Nossa Senhora de Lourdes”.
Nesse ano e para a celebração desse acontecimento a Vila das Lajes preparou-se com afã e entusiasmo: alindaram-se as respectivas moradias, melhoraram-se arruamentos, deu-se um ar de festa ao burgo que, assim preparado, celebrou com entusiasmo o faustoso acontecimento.
Foi organizado o Grupo Coral das Lajes do Pico, sob a direcção social e artística do Maestro Manuel Emílio Porto, grupo que tantas noites de glória tem trazido, neste quarto de século, a esta terra.
No corrente ano, como aliás já disse em anteriores textos publicados neste jornal, ocorrem dois factos notáveis e que merecem e devem ser devida e convenientemente lembrados pelos lajenses. Refiro os cento e cinquenta anos das Aparições da Virgem em Lourdes e os cento e vinte e cinco anos da celebração da primeira festa da Virgem Aparecida, nesta Vila das Lajes, hoje designada também por Vila Baleeira. E a Festa é das Lajes. Foram os lajenses que a criaram. São os lajenses que sempre a têm realizado ao longo destes cento e vinte e cinco anos.
Cabe, pois, a todos os Lajenses – Autoridades concelhias e população – celebrar esse duplo acontecimento com dignidade, brilho e entusiasmo, mantendo uma tradição que já vem dos nossos avós. Tem de continuar com a mesma fé e entusiasmo, não só pelos lajenses como até dos picoenses que sempre tiveram uma devoção especial pela Senhora de Lourdes das Lajes. Convêm não esquece-lo. Tanto mais que, nestes dias, está presente em tantas famílias lajenses a memória dos seus antepassados que foram baleeiros, que sempre foram os entusiastas promotores das celebrações anuais. Mas, felizmente, ainda há lajenses que foram baleeiros e que, na ocasião da Procissão, estão presentes no largo da Pesqueira, para homenagear com sentimento e emoção Aquela senhora que os salvou em ocasiões de perigo.
Embora se trate de um duplo acontecimento religioso que muito dignifica a alma do povo picoense, as festividades externas realizam-se desde os primeiros instantes, embora ao jeito dos tempos. E os anteriores não menos dispendiosos eram dos que agora se levam a efeito.
Os arraiais nocturnos com iluminação “à veneziana”, para o qual se trabalhava com semanas de antecedência, concertando as armações e forrando as lanternas com papel de cores diversas; fazendo os muitos arcos de verdura que engalanavam as ruas, presos em rijos mastros, encimados por coloridas bandeiras. Não faltava o fogo preso, com artísticas peças fabricadas por pirotécnicos de Angra e, mais tarde, desta ilha. E para não falar no alojamento gratuito, em casas particulares, dos membros das filarmónicas vindas, normalmente do Faial e, alguns anos, da Ilha de São Jorge.
Hoje a ilha do Pico possui magníficas Filarmónicas e os transportes terrestres permitem deslocações rápidas, sem necessidade de alojamentos. A menos que se recebam filarmónicas de outras ilhas ou do continente, como por vezes acontece.
Mas as festas externas tomaram outra feição e já não se dispensam os artistas de fados e canções, os conjuntos musicais escolhidos e contratados no continente e outras atracções mais.
E, fazendo parte do programas da “Festas Cívicas”, há uma componente cultural que já fez tradição e que é sempre muito apreciada por um escol de lajenses e de visitantes, que fez tradição. Refiro as sessões culturais, com conferências, lançamento de livros e/ou exibições de grupos artísticos, incluindo o nosso Grupo Coral.
Estamos, praticamente a dois meses da realização da Festa de Nossa Senhora de Lourdes. Igualmente da “Semana dos Baleeiros”, que já faz parte do calendário turístico da Região, embora por vezes de forma “apagada”. Naturalmente que a Associação Cultural Terra Baleeira e o Município das Lajes do Pico já tem o programa das festas organizado. Mas importa que os lajenses também colaborem, alegrando as respectivas moradias e dando à vila aquele aspecto festivo que é indispensável para o êxito da Festa de Nossa Senhora de Lourdes e Semana dos Baleeiros, a Festa por excelência dos lajenses.
Neste ano muito especial, deixo aqui, muito singelamente, esse apelo.

Vila Baleeira,
Junho de 2008
Ermelindo Ávila