domingo, 22 de dezembro de 2013

PAZ E ALEGRIA

NOTAS DO MEU CANTINHO



Há mais de dois mil anos os anjos povoaram o céu e, com seus cantares celestiais, anunciaram o Nascimento do Menino Jesus, o Salvador do Mundo, no Presépio de Belém.
Cantavam alegremente: Glória a Deus nas alturas e paz aos homens de boa vontade!
Dois mil e treze anos, segundo o calendário cristão, já passaram e os homens de boa vontade continuam a anunciar e festejar o nascimento do Menino, nascido numa abegoaria e tendo por berço uma manjedoira de animais.
Hoje, para alguns é simplesmente a festa da família. Para os católicos é, realmente, o dia maior em que dão largas ao seu contentamento, festejam o Menino e celebram a união da família.
O profeta Isaías, que viveu oito séculos antes da vinda de Cristo ao mundo, já anunciava que “Naqueles dias, o povo que andava nas trevas viu uma grande luz” e o Evangelista Lucas narra a ida de Maria e José à cidade de Belém, donde tinham origem, afim de se recensearem, com obediência ao decreto de César Augusto, “ E, enquanto ali se encontravam, chegou o dia de Ela (Maria) dar à luz, e teve o Seu Filho primogénito. E envolveu-o em panos e recostou-o numa manjedoira, por não haver lugar na hospedaria”.
Cumpriam-se as profecias de Isaías: “É que um menino nasceu para nós, um filho nos foi concedido. Tem o poder sobre os ombros, e dão-lhe o seguinte nome: “Conselheiro admirável ! Deus valoroso! Pai para sempre! Príncipe da Paz!”
E o Menino viveu trinta anos junto dos Pais adoptivos. Três anos depois, reúne os doze apóstolos, rodeia-se de uma multidão de discípulos e percorre as cidades e montes anunciando a nova doutrina.
São Paulo, na segunda epístola aos Corintos, diz: “A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou - O com o pecado por amor de nós, para que em Cristo nos tornemos justos aos olhos de Deus”.
Mas o mundo esqueceu ou finge ignorar Cristo e a sua doutrina. Prefere considera – lO um personagem histórico que passou no mundo pregando a Sua doutrina, própria somente para o Seu tempo. Esquece que Ele veio como Redentor da humanidade e reformar o velho sistema judaico com a sua doutrina de paz e de amor. No entanto festeja o dia da Sua chegada ao Mundo, anunciada alegre e festivamente pela corte celeste de Anjos, Querubins e Serafins.
Maldosamente, o mundo quer ignorá - lO. Afasta-se da Sua Doutrina e dos seus Conselhos Evangélicos para viver, livremente, espalhando o ódio, a guerra, a fome, a devassidão. Ignorando, ou fazendo que desconhece a moral social, a paz e o amor verdadeiro.
O mundo vive uma das horas mais trágicas de sempre. Deus, aquando do dilúvio que exterminou a humanidade e só deixou vivos Noé e a Família, anunciou que não mais o dilúvio, ou a exterminação total voltariam ao mundo, mas não disse que a humanidade deixaria de ser castigada pelos seus crimes morais e sociais.
E isso tem acontecido: Aqui e ali surgem os terramotos, os tufões, as tempestades marítimas e as quedas de água diluvianas, as guerras fratricidas, as revoluções; a própria fome, o desemprego, a doença ...
Todo esse cortejo de dor e miséria são verdadeiros apelos divinos que servem para chamar a atenção dos homens para os seus desvarios morais. São avisos que o Senhor envia à humanidade transviada para que páre, reflicta, adopte um sistema de paz e de amor. Para que deixe de haver a guerra e só exista a paz. Para que o homem reconheça o seu destino não apenas terreno mas temporal e eterno. Para que reconheça que ele não acaba com a morte mas que para além da vida terrena há uma outra Vida que não mais acabará.
O Natal traz somente Paz, Alegria, Amor. Que todos o saibam viver!
Glória a Deus nas Alturas e Paz na terra aos homens de boa vontade !
Para todos, Boas Festas do Natal !

Lajes do Pico,
Dezembro de 2013.
Ermelindo Ávila


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ao que chegámos!

NOTAS DO MEU CANTINHO



Atravessei o século XX com as suas altas e baixas. Vivemos anos de crise depois da primeira guerra mundial e, passados poucos anos, a economia da ilha principiou a desenvolver-se, em parte por beneficiar das obras públicas que por cá foram executadas: a muralha de defesa e, a seguir, a estrada Lajes - Piedade. Depois, a da Piedade - Prainha. A seguir foi a transversal Lajes - São Roque, embora esta fosse executada, dizia-se, para justificar a extinção do Julgado Municipal das Lajes. Entretanto, chegou a fábrica de conservas e, por arrastamento, a construção de traineiras de pesca do atum. Anote-se que, em dado momento, o concelho das Lajes tinha trinta e seis traineiras, construídas nos estaleiros das Lajes e de Santo Amaro. Mas, encerrada esta, por razões pouco compreensíveis e nada justificadas, ainda nos restou a indústria de lacticínios, explorada pela firma continental Martins e Rebelo que, durante mais de três décadas, deu grande incremento à actividade agro-pecuária.
Todavia, já então principiava o declínio económico com a instalação da Autonomia. O novo sistema governativo que, inicialmente, aplaudimos, iniciou o esvaziamento governativo do concelho; esvaziamento que parece estar a avolumar-se com a anunciada extinção dos serviços de finanças. Nas Lajes, a meados do século, extinguiram os serviços judiciais. Depois foi a extinção dos serviços aduaneiros, com a abolição das chamadas “barreiras alfandegárias”. Mais tarde, a retirada da navegação do porto das Lajes e a transferência da Guarda Fiscal para S. Roque. (O prédio onde estava instalada aquela corporação, pertença do Estado, se não lhe acudirem ou ocuparem, em pouco, cairá em ruínas...)
Levaram daqui a Lota para a instalarem em outros sítios. O peixe capturado pelos marítimos lajenses, tem de viajar setenta quilómetros, para aqui poder ser adquirido, para consumo da população, num contentor adaptado “a pesqueira”. (A antiga casa da pesqueira, construída pelo Município foi demolida para dar lugar a uma rampa de varagem).
Instalam-se novos serviços nos outros concelhos ou transferem-se os que aqui existiam e abandona-se o concelho das Lajes, que fica praticamente reduzido à Câmara Municipal e Polícia de Segurança Púbica. E, por enquanto, aos Serviços de Finanças.
Até a EDA que foi fundada com o património dos serviços eléctricos dos Municípios picoenses, retirou daqui os Serviços Administrativos, quando, no protocolo de transferência, (segundo creio) ficara estabelecido que a sede continuaria nesta Vila. Deixaram cá, até ver, um posto de atendimento.
Agora são os estaleiros navais, deixando Santo Amaro na penúria. E já correm notícias de que a repartição de Finanças vai ser extinta, como aliás aconteceu com a Tesouraria que agora lhe está anexa.
E deixa-se para trás os serviços agrícolas que, contra natura, se instalou fora da zona... E até já se suprimiu a Direcção dos Serviços Agrícolas instala no Posto Agrícola Matos Souto. Nas Lajes ficou um serviço de atendimento instalado num antigo “barracão”!...
Do mar resta a actividade “Whale Whacting” porque as baleias por aqui é que passam e o seu trajecto nem o homem nem o governo pode modificá-lo, talvez com pena de alguns...
Com a construção da muralha de defesa, aliás uma obra indispensável à segurança das pessoas e seus haveres, instalou-se um simulacro de porto de recreio, que nem capacidade tem para receber a navegação internacional que aqui aporta, fornecer-lhes combustível e água e possuir instalações de higiene, o que provoca a sua imediata retirada... Felizmente, verdade seja, voltou a funcionar, cumulativamente com a de S. Roque, a antiga Delegação Marítima.
Constrói-se um novo centro de saúde, junto do Canal, como antecâmara do hospital da Horta, mas sem as valências indispensáveis à ilha – refiro ao menos a maternidade, parece que a conselho dos “técnicos”. Certo, porém, queiram ou não, alguns dos meninos do Pico vão continuar a nascer, ou nos transportes terrestres ou aéreos, ou nas lanchas do canal!... Um excelente progresso!... E quando lhe perguntarem, “onde nasceste”? Responderão, como o “outro”: De meio canal p'rà terra.
Tudo vai desaparecendo do concelho das Lajes do Pico. Até quando?
A concentração que se está a operar, arrastando para o extremo da ilha a totalidade dos serviços públicos regionais, é a grande responsável pela “fuga” da juventude e a desarticulação económica do resto da ilha, a viver uma situação trágica, agravada com a crise dos lacticínios.
Tivemos e temos o Ensino Secundário porque foi uma iniciativa dos próprios lajenses que o instalaram, sem mira em quaisquer lucros, mas somente no natural desejo de proporcionar à sua juventude a faculdade de usufruir dessa indispensável preparação cultural.
Hoje, praticamente, não temos juventude. A que nos restava, abalou para seguir estudos superiores e/ou conseguir colocação em outros sítios, pois, naturalmente, com o atrofiar da economia local, foram desaparecendo os postos de trabalho.
E não deixa de referir-se a emigração que, levando daqui a juventude, não deixou de ser responsável, em parte, pelo envelhecimento da população.
E os jovens formados não voltam. Aqui não existem serviços onde possam arranjar colocação.
As habitações vão ficando vazias e estão a desmoronar-se, irremediavelmente. Afinal, uma terra em extinção para gáudio de alguns que sempre se opuseram – quando ele existiu – ao progresso desta secular terra.
Tudo isto porque é necessário criar um burgo citadino, ficando o resto da ilha para seara de passarinhos...
Este o progresso que, a estes lados da ilha, trouxe a autonomia que nos governa.
O inventário das tropelias é extenso. Regista-se somente algo, que poderia ser melhor aclarado, se o espaço que nos reservam fosse mais avantajado.

Lajes do Pico,
19-Nov-2013.

Ermelindo Ávila

CONCERTO SOLIDÁRIO

NOTAS DO MEU CANTINHO



A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores promoveu, na noite de 23 de Novembro, um Concerto Solidário, que veio a realizar-se no Auditório da Escola Básica e Secundária de São Roque do Pico.
Esta a notícia simples que se tornou pública e veio nos convites individuais endereçados a diversas pessoas pela Presidente da Assembleia Legislativa.
Além de uma manifestação de arte foi também uma maneira simpática de motivar as pessoas para a solidariedade que deve existir, mormente no momento que passa, de crise económica e familiar. E, aliando a arte à entreajuda tudo se concretizou na assistência numerosa que ocupou o cadeiral do vasto salão. Esta uma nota simpática a que aqui deixo, muito embora se notasse, alem da solidariedade, a quase inexistência da sociabilidade, que poderia ter sido provocada com um intervalo de alguns minutos. Mas, para a elevação artística do evento, quase ninguém deu pela falta. Apenas este simples registo, à parte.
O concerto teve o grandioso mérito de revelar o potencial artístico que existe na ilha do Pico, apesar de outrora ser considerada como a mais “rústica” e atrasada do Arquipélago. Há muito que vem demonstrando o contrário. E isso revela-se nas filarmónicas centenárias, - quatro! – uma já com século e meio, nos gabinetes de leitura, nos jornais e nas bibliotecas, nas manifestações culturais, acontecimentos impares, como sejam os grupos folclóricos, as tunas e os espectáculos teatrais, enfim um avantajado número de eventos, como aquele que estamos a referir nesta singela nota.
O concerto demonstrou uma vez mais que, na Ilha do Pico, existem valores culturais que merecem ser melhor conhecidos e apreciados.
A Ronda das Nove, o Coro da Madalena, o Grupo Coral das Lajes do Pico, a Orquestra Juvenil da Escola Básica e Secundária de São Roque do Pico deram uma vez mais a prova insofismável do gosto pela música e da elevação cultural das suas gentes. Depois temos os inspirados Poetas de verve consagrada, que para o concerto foram seleccionados e todos eles e só eles picoenses de raiz ou de dedicação: Manuel Tomás, Dias de Melo, Tomás da Rosa, “Iracema” ou Silvina de Sousa, Almeida Firmino, Sidónio Bettencourt, José Martins Garcia e Urbano Bettencourt, que só estes foram, criteriosamente, os escolhidos, muito embora ainda outros haja. E não deixo de referir os poetas populares, que nas folgas improvisavam suas “cantigas” a justificar atitudes: “Ainda agora aqui cheguei / mais cedo não pude vir / estive embalando os rapazes / que lá ficaram a dormir”.
Na arte musical temos compositores que nos deixaram as primícias de seus talentos. Lembro três dos falecidos: Manuel Cristiano de Simas, Manuel Xavier Soares, Manuel Emílio Porto. E quantos mais, uns conhecidos outros ignorados! Os originais e arranjos andam por aí, alguns deles bem aproveitados pelas corporações musicais. E a plêiade distinta dos vivos?
Ficam no olvido os jornalistas e os escritores, que alguns foram e são, até de renome internacional!
Há pouco desapareceu José Enes, filósofo, poeta, professor universitário. Uma figura de alto relevo nacional e internacional, o catedrático e intelectual de elevada competência e prestígio, que jamais poderá ser esquecido no mundo da Cultura de hoje e de sempre.
O Concerto Solidário promovido pela Assembleia Legislativa foi um acontecimento extraordinário que deve ficar na história picoense, de todas as gentes do Pico, aqueles que passaram a noite no Auditório da Escola Secundária de S. Roque ou aqueles outros que lá não estiveram, mesmo os ausentes da ilha, porque foi algo que a todos honrou e dignificou. Um concerto de cultura e de arte literária e musical.
Este o meu sentir e, por isso, aqui o registo com sinceridade e louvor. O Pico, a ilha toda, viveu uma noite de cultura e de arte inesquecíveis. Valeria a pena repetir.

Vila das Lajes do Pico,
25 de Novembro de 2013.
Ermelindo Ávila


sábado, 30 de novembro de 2013

AS BARCAS DO SAL

NOTAS DO MEU CANTINHO




Em chegando o verão, eram frequentes, no porto das Lajes, as barcas do sal. Naturalmente, antigos bacalhoeiros que, retirados da pesca na Terra Nova e/ou Gronelândia, eram utilizados pelos exploradores das salinas para transportar, “a lastro”, o sal para as ilhas dos Açores.
Normalmente, vinham uma ou duas barcas no verão. Traziam o sal a lastro e, no porto, os comerciantes forneciam as sacas onde o sal era enchido e transportado para terra. Um trabalho violento que levava alguns dias a executar.
Cada comerciante tinha, normalmente, uma loja devidamente preparada, onde o sal era armazenado e dali vendido às “quartas” e “meias quartas”, para uso culinário.
E grande era o consumo, não só no tempero dos pratos fortes – carnes ou peixes – mas, principalmente, para a conservação das carnes e toucinhos dos porcos e salga do peixe seco, utilizado durante o inverno.
Hoje, nada disso existe. Não se importa sal a granel até mesmo porque, nem se guardam as carnes e toucinhos dos porcos abatidos em Janeiro ou nos meses à volta, nem se salgam nas balsas de barro importadas da ilha de Santa Maria, os chicharros apanhados às toneladas no Limpo. Os frigoríficos e as arcas congeladoras vieram substituir esses ancestrais sistemas nada benéficos para a saúde.
Em anos passados, nos finais do século XIX - ano 1883- tivemos cá um oleiro – o Mestre José Joaquim Madeira – natural de Santa Maria, que aqui montou uma olaria onde fabricava diversos utensílios de barro. Mas o barro era importado daquela ilha pelo comerciante António Homem da Costa, que depois negociava as peças fabricadas. Mestre José Oleiro, como era conhecido, tinha oficina na loja da casa que pertencia a Tomé Silveira de Faria e hoje é propriedade de Manuel Gonçalves. O forno de cozer as peças de barro localizava-se no espaço onde o Mestre Manuel José Machado veio a implantar o barracão onde construía as canoas baleeiras.
Em todas as cozinhas, existiam as barças, as caboucas, os alguidares, os púcaros de barro para tirar a água dos talhões. O alumínio e, mais tarde, os utensílios em esmalte ou em esmaltado não eram por cá conhecidos. Os primeiros a serem utilizados vieram dos Estados Unidos, trazidos pelos emigrantes retornados. Uma novidade que causou assombro.
Em casa da minha avó, existiam dois grandes talhões em barro que serviam para guardar a água recolhida da chuva. Não havia ainda conhecimento das cisternas, mas somente dos poços de maré.
E dizia-me a minha bisavó paterna (morreu no ano em que faria cem anos) que, quando alguém adoecia, ia a casa do Sr. Joaquim Maria – o único que então possuía os grandes talhões com capacidade para receber mais de cinquenta litros de água, - pedir um púcaro de água para fazer chá ao doente... Outros tempos, dirá o leitor. Na verdade, eram tempos diferentes, difíceis, tristes para quem adoecia.
Até aos anos trinta do século passado, não havia médicos nesta ilha. O que aqui se fixou e cá viveu cerca de quarenta anos, o Dr. José Pinheiro Cardoso de Campos, veio para esta vila em 1928! Valiam os “curiosos” que utilizavam os remédios homeopáticos. Tive essa experiência...
(Uma das barcas do sal deixou cá ficar uma gatinha, simpática, de raça maltez, que foi recolhida por uma família e passou a chamar-lhe “Mijoana” – a barca tinha a denominação de Maria Joana – e se propagou, naturalmente. Toda a gente desejava ter um filhote da “Mijoana”, pela simpatia de que gozava...)
Com a saída do Mestre José Oleiro para S. Maria, deixou de haver a indústria do barro – utensílios e telha. Esta passou a vir da Graciosa e os outros utensílios de Santa Maria nos antigos iates, quer do Pico, quer de S. Miguel. Mas tudo isso “o vento levou”.
A vida modernizou-se e tornou-se imensamente mais difícil, provocando a separação das classes, com gravosa incidência para aquela que se classifica de pobre. Deixou quase de haver a “classe média” para aumentar, aflitivamente, a classe pobre. São os horrores da hora que passa!...
Dia de S. Martinho de 2013.
Ermelindo Ávila

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

S.tª CATARINA DE ALEXANDRIA

NOTAS DO MEU CANTINHO


A Igreja Católica celebra, no dia 25 de Novembro, a festa de Santa Catarina de Alexandria.
Pouco se sabe da data do nascimento desta Virgem e Mártir. Apenas que está sepultada no monte Sinai. Nasceu e viveu no século IV da era cristã, na cidade de Alexandria, no Egipto, quando era imperador Maximino, ou Maximino II, que foi imperador romano entre 308 e 313. Feroz perseguidor do cristianismo, foi combatido por Licínio e desapareceu em Tarso.
Consta que Catarina, pertencia à alta sociedade, era muito inteligente, tinha um rosto de muita beleza e uma alma santa, e que, pela arte da retórica venceu os cinquenta melhores filósofos do Império de Maximino que este lhe enviara para a demover da sua fé. Porque Catarina não se deixou vencer e discutiu com Maximino pondo a descoberto a falsidade dos ídolos que aquele adorava, o terrível imperador não lhe tolerou a afronta e mandou-a descarnar viva numa roda de navalhas.
A devoção a Santa Catarina, para uns padroeira dos filósofos, para outros protectora do juízo de cada indivíduo, é muito antiga, por aqui.
Há uma lenda, que corre neste lado Sul do Pico, e que está recolhida pela Dra. Angela Furtado Brum, no seu livro Açores, Lendas e Outras Histórias, na qual se diz que S. Catarina aparecia amiudadas vezes na Ponta do Mistério – hoje conhecida realmente por Ponta de S.ta Catarina – e que era trazida para a Igreja Matriz das Lajes, quando alguém encontrava a Imagem. Mas acontecia que, no dia seguinte, a imagem voltava ao seu local preferido na Ponta do Mistério. E tantas vezes isso aconteceu que resolveram construir a ermida que se encontra no chamado “Monte de Santa Catarina”, desta vila. Todavia, foi necessário que se abrisse uma pequena janela, junto ao altar onde se colocava a Imagem, para que, dali se pudesse ver a Ponta situada no Mistério. O certo é que a imagem não mais voltou a sair da sua ermida. Isto diz a lenda.
A ermida tem bastantes séculos de existência.
No livro da “Arca das três chaves” da Matriz das Lajes, encontra-se exarada, com data de 13 de Agosto de 1744, a sentença do Bispo de Angra, D. Frei Valério do Sacramento (que governou a Diocese entre 1738 e 1757), na qual estão mencionadas as confrarias da paróquia, e os saldos das respectivas contas. A confraria de Santa Catarina acusou 11$320. Na paróquia existiam as confrarias do Santíssimo Sacramento, do Rosário, do Senhor Jesus, de Santa Rita, das Almas, de S. Caetano, de S. Sebastião, de Santa Catarina, de S. Pedro, e dos Remédios. As últimas quatro pertenciam às ermidas existentes tendo já desaparecido a dos Remédios, que ficava situada no centro da Vila, no local onde hoje é a biblioteca e o auditório municipais.
Mais recentemente, o Governador Santa Rita, no seu relatório de 23 de Dezembro de 1864, refere que a ermida de Santa Catarina tinha um património de 1$585.
Silveira de Macedo, (História das Quatro Ilhas, Vol. III) ao descrever as ermidas da Paróquia, refere que “existem porém (...) e a ermida de Santa Catarina situada numa vistosa colina...”
A ermida passou, litigiosamente, a mãos particulares, o que deu origem a um processo judicial, todavia, com o falecimento do último proprietário dos terrenos, voltou à posse e administração da Igreja. De realçar que nunca deixou de estar aberta ao culto e ser centro de grande devoção.
A antiga imagem de Santa Catarina foi, há muitos anos, substituída pela actual e consta que vendida a um antiquário, em Lisboa.
Recordo que, no dia de festa, o antigo “proprietário” embandeirava, exteriormente, a ermida e adro, e, na véspera, ao anoitecer, iluminava a escadaria, que dá acesso à ermida, com rocas de pinho, o que, realmente, dava à colina um aspecto festivo.


Vila das Lajes do Pico,
16 de Novembro de 2013

Ermelindo Ávila 

sábado, 16 de novembro de 2013

MONTES E VALES

A MINHA NOTA

O Caminho do Vitorino, recentemente inaugurado na encosta leste da ilha do Pico veio permitir uma ligação fácil e cómoda aos terrenos incultos e à rede de estradas e caminhos florestais, em boa hora construídos na ilha do Pico.
Essa rede de comunicações favorece a exploração de muitos terrenos e o seu melhor aproveitamento, proporcionando o aumento substancial da produção leiteira, uma das maiores riquezas da ilha.
Segundo informa o Dr. Manuel Alexandre Madruga, “Os primeiros balbucios industriais da freguesia de S. João devem remontar à época do povoamento. Supomos, no entanto, que só a partir da altura em que se verificaram as erupções vulcânicas (1718-1720) a indústria propriamente dita terá dado os primeiros passos ainda que hesitantes.”
E depois, acrescenta: A indústria do queijo, originária da própria freguesia, pois foi ali que se fabricou o primeiro queijo do Pico, deve ter-se desenvolvido paralelamente à tecelagem por serem ambas produto das actividade pastoril tão do gosto daquele povo”.(1)
Realmente o “queijo do Pico” criou fama em todo o Arquipélago e não só. Tanto assim que , num estudo promovido pelo antigo Ministério da Agricultura, refere-se que: ”No Pico, particularmente nas freguesias das Lagens e Ribeiras, fabrica-se também um tipo sui generis de queijo mole, conhecido por isso sob a designação de queijo do Pico, com formato de 10 centímetros de diâmetro e 3 de altura, com cerca de meio quilograma, o qual lembra o Camembert no paladar. Produto exclusivo da indústria doméstica, largamente utilizado e muito apreciado em todas as ilhas, susceptível de maior consumo, este queijo é comprado em fresco pelos negociantes da freguesia de S. João, que lhe fazem a cura e o exportam sobretudo para o Faial, Terceira e S. Miguel.”. E um pouco à frente informa: “no Pico há 12 (fábricas), uma na freguesia da Criação Velha, no concelho da Madalena e 11 no concelho das Lajens. Todas preparam manteiga e queijo.”(2)
Na Horta foi criada a Comissão de Fomento dos Lacticínios do Distrito da Horta, pelo decreto nº 158 586, de 10-7-1930. Foi o caos. O fabrico do queijo do Pico deixou de ser produto doméstico para só ser possível em estabelecimentos licenciados. E a fiscalização não mais deixou de “andar em cima dele”
Mais tarde, veio o decreto nº 19.669 de 30 de Abril de 1931, (era Ministro da Agricultura o Coronel Henrique Linhares de Lima) que, embora estabelecesse que “À indústria caseira da Ilha do Pico é permitido o fabrico de queijo, tipo Pico (S. João),” essa actividade doméstica não conseguiu desenvolver-se .
Já mais recentemente, veio do Governo Regional, o DLR/SRAP/ 96/32, estabelecer as normas sobre a denominação de “Queijo do Pico”. Daí surgiram as queijarias, uma dúzia, por toda a ilha, que mais atrofiaram a actividade. Valeu a firma MARTINS & REBELLO que a tempo chegou aqui e instalou a fábrica da Silveira com abrangência em toda a ilha, permitindo, ou até mesmo estimulando o desenvolvimento da produção leiteira. Mas um dia aquela firma desapareceu. As instalações também já não existem.
Surgiu, depois, a Lacto Pico que construiu a nova fábrica do Mistério da Silveira. Mas também ela tem andado sob “mar bravo”. (Votos faço para que se mantenha e até prospere.)
A Ilha do Pico , além da possibilidade de desenvolvimento da sua actividade agro-pecuária, pode e deve explorar o potencial dos seus montes e vales, os vários cabeços e as diversas lagoas que se escondem no seu interior, além das diversas e variadas espécies botânicas, que não só a faia (Myrica faya, ait) ou do zimbro ou cedro das ilhas (Juniperus Oxycedrus,L.) e de outras.
Estão construídos os caminhos de acesso. Falta a mão de obra e talvez o estimulo governamental (?) para que a ilha desenvolva o seu potencial económico, que não apenas nos lacticínios.

_____

1)-Madruga, Manuel Alexandre – A Freguesia de S. João da Ilha do Pico na Tradição Oral dos Seus Habitantes, 1957.
2)-A Agricultura no Distrito da Horta (Subsídios para o seu estudo) – Separata do Boletim do Ministério da Agricultura, Ano XIII, Nos. 1 a 4, - III série.

Lajes do Pico,
4-11-2013

Ermelindo Ávila

domingo, 3 de novembro de 2013

NOVEMBRO

NOTAS DO MEU CANTINHO



Mês de Novembro... Mês das Almas... Mês das colheitas e desfolhadas... Mês do Pão por Deus e das castanhas... Um mês diferente.
Recordamos, sentidamente, aqueles que partiram num dia triste e inesquecível. É o mês dos defuntos, diz o povo, na saudade imensa e dolorosa, como aliás é sempre a saudade, daqueles que o Senhor já chamou a Si. E são tantos... Milhares, milhões... E os que cá ficaram, aguardam também a hora da partida... Mas que hora?! Boa? Triste e incerta do que será a outra vida? Só os Santos partem alegres e felizes para o Além, a juntar-se ao Pai, que serviram, dedicadamente, durante a vida terrena... Os outros, os que por cá andam ainda, vivem numa incerteza medonha daquilo que os espera, embora confiantes no Pai de Misericórdia – Deus.
Mas o mês de Novembro é também o mês das colheitas daquilo que, na Primavera ou no Verão, se semeou para a subsistência do homem.
O Verão, porém, foi-se, sorrateiramente, deixando as pessoas envoltas nas penumbras de um inverno que se aproxima e que, por vezes,é traiçoeiro.
Hoje as colheitas são bastante raras. Os campos estão quase abandonados e só aqui e ali se encontram os serrados de milho, que o trigo há muito deixou de ser cultivado. Mesmo assim, ainda há quem o semeie para colher na época do Outono. E o Outono é agora, nestes meses que os últimos são do ano.
Que alegres eram as noites do Outono (Outubro, Novembro e Dezembro), em anos passados! Faziam-se as colheitas e depois eram as desfolhadas, sempre animadas. Reuniam-se famílias, vizinhos e conhecidos e os serões decorriam em fraterna confraternização. E, mais alegres quando chegava a descoberta da massaroca vermelha ou milho rei. Os gritinhos das moças, os abraços que o “premiado” distribuía por todos os presentes, os ditos jocosos, mas inofensivos, que um ou outro deixava “escapar”, tudo servia para alegrar o serão “condimentado” com a aguardente e os figos passados das figueiras da horta. E eram tantas! Hoje, praticamente desapareceram como, aliás, outras fruteiras que nas época próprias constituíam o regalo de miúdos e graúdos.
Na realidade, poucas são as quintas que ainda existem ou são convenientemente tratadas. A mão-de-obra é cara e torna-se, por isso, inacessível aos proprietários, que não podem cuidar dos seus prédios com “as suas próprias mãos” porque a idade lhes levou as forças para o trabalho... E não são poucos. A decrepitude da vida vão chegando. O inverno é traiçoeiro e, por vezes, “faz das suas”. E é em Novembro que a estação é mais fria e chuvosa e mais atinge os campos e as pessoas.
Apesar de tudo, era no primeiro de Novembro – dia de Todos os Santos – que se comiam as castanhas e dava-se o “Pão por Deus”, uma tradição que desapareceu como entenderam deixar de considerar feriado esse dia. Afinal dois dias que a Igreja celebrava com solenes rituais que tinham a assistência de muitos fiéis: o primeiro dia, Dia de Todos os Santos e feriado nacional; o segundo dia dedicado aos fiéis defuntos e às visitas aos cemitérios. Mas todo o mês dedica-o a Igreja aos que nos deixaram e um dia partiram para sempre!
Os nossos, que o Senhor chamou, são recordados com mais ternura e sentimento. Para eles são as nossas preces especiais, de conjunto com a nossa saudade. E quantos esperam por uma prece nossa para aliviar seus padecimentos?!
Esqueçamos nossos males e recordemos, com sentido de fé, de esperança e de caridade, esses que nos deixaram um dia para não mais regressar, mas que esperamos encontrar na Glória do Pai.
Novembro é o mês dos crisântemos. Colhamos uma dessas flores, qualquer que seja a sua cor, e guardemo-la no recôndito do nosso lar, junto da “imagem” daqueles nossos que nos antecederam na caminhada para a Eternidade.

Lajes do Pico,
Outubro de 2013.
Ermelindo Ávila


domingo, 20 de outubro de 2013

A HORA QUE PASSA

NOTAS DO MEU CANTINHO

A HORA QUE PASSA...


Recebi uma carta de um familiar na qual me manifesta a sua preocupação pelos tempos que estamos a viver. E escreve: “O mundo precisa de todos, nas referências, lendas vivas, que tenham ultrapassado quase tudo e estejam cá para nos demonstrar que conseguiram, são fulcros para que possamos passar a mensagem de que, enquanto houver ventos e marés, “a gente” vai continuar! Da minha parte, o que lhe garanto é que está na minha matriz a vontade de mudar o mundo, de levar a felicidade a quem a não tem; de roubar um sorriso a quem chora; de acreditar numa sociedade em que todos possam, livres de preconceitos, viver as suas vidas. Está na minha matriz não ser mais um...”
Tem razão o meu escrevente. Na realidade, o mundo precisa que alguém, na hora presente, reflicta, honestamente, sobre o seu estado e procure contribuir, com  inteligência, esforço e dedicação,  para que a situação caótica que atravessamos seja completamente modificada. Mas, julgo nas minhas reflexões íntimas, que muito mais tarde toda a situação caótica que, presentemente, nos atinge, se poderá modificar.
A  grande maioria – não digo a totalidade – dos gestores, dos líderes e dos políticos está a ser vítima de  erros e de ambições. Todos procuram ser ricos e dessa ambição desmedida resulta que a grande maioria é pobre e desprovida dos bens essenciais a uma vivência justa, honesta e digna. Os famintos, os miseráveis, os sem abrigo, os desempregados, os que andam à procura de uma situação estável, digna e reconfortante para si e para os filhos e outros familiares, constitui a grande maioria da actual geração.
Os bancos estão a falir, os velhos estabelecimentos comerciais a cair na insolvência e a encerrar as porta que abriram a primeira vez há dezenas ou centena de anos, as actividades industriais passam a ser propriedade dos  magnates da fortuna de outros países, que estão a  transferir as respectivas sedes , provocando cada vez mais um autêntico desemprego selvagem.
Portugal que, outrora, vivia sem dificuldades financeiras, anda agora de mãos estendidas por essa Europa fora, a mendigar um euro e a entregar-se nas mãos sovinas de uma Troika, que nos impõe, selvaticamente, suas medidas drásticas e atrofiantes.
É tempo de acordar e de dizer basta! É tempo de voltar atrás e de arranjar com dignidade uma nova maneira de viver. Os portugueses têm direito a uma vida desafogada e próspera como a que já viveram em tempos passados. Não somos mendigos nem atrasados mentais. Somos gente honesta, inteligente e empreendedora. Disso damos provas quando abalamos para outras terras e nelas assumimos posições de relevo económico, social, intelectual e até desportivo. Em todas as áreas os portugueses sabem distinguir-se  no estrangeiro. Porque não acontece o mesmo em Portugal? Será porque cá só vivem os mais atrasados e infelizes? Não creio. Não me julgo nessa área social, nem a totalidade dos meus familiares, que são bastantes e de todos os que conheço. Felizmente!
Portugal tem de encontrar, a tempo, as pessoas capazes de o dirigir e governar. De fazer progredir as suas actividades económicas e de afastar o espectro da miséria que nos quer atrofiar.
Portugal tem de abandonar a política, por vezes mesquinha e traiçoeira em que parece ter caído, e  saber defrontar aqueles que, retirados no seu dolce fare niente, fingem ignorar o estado caótico em que vive a maioria dos portugueses.
É tempo de acordar do letargo algo criminoso em que nos deixaram cair e fazer voltar a Nação de Quinhentos, em que “demos novos mundo ao mundo”.
É tempo de Portugal emparceirar com as outras nações que descobriu, povoou e civilizou.
Estarei errado?  Não me resta tempo para provar que tenho razão. Outros, mais tarde talvez me a darão!
Lajes do Pico,
12 de Outubro de 2013.
Ermelindo Ávila.

sábado, 19 de outubro de 2013

CONFRARIAS E IRMANDADES

NOTAS DO MEU CANTINHO


Actualmente, e segundo estabelece o Código do Direito Canónico, os fiéis têm a faculdade de, mediante a autorização da autoridade eclesiástica, criar associação nas respectivas paróquias. Assim reza o Cânone 215: “Os fiéis podem livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade, ou fomentar a vocação cristã no mundo, e reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos fins.”
Antes da vigência do actual Código de Direito Canónico, (25 de Janeiro de 1983) as confrarias eram, praticamente, as administradoras dos bens culturais.
No “Livro da Arca das Três Chaves”, onde eram registadas as contas das paróquias, encontram-se várias referências às receitas e despesas das confrarias. E estas existiam, praticamente, para o culto de cada santo venerado em qualquer igreja ou ermida.
No ano de 1791, a Confraria do Santíssimo entregou na arca das 3 chaves a quantia de 110,220 reis, e o mordomo da Confraria de N.ª Senhora do Rosário, a quantia de 38.560 reis. E outras confrarias procederam de igual maneira: de Santa Rita, do Bom Jesus, das Almas, e outras mais, como São Pedro e Santa Catarina.
Em 1883, depois da chegada da Imagem de Nossa Senhora de Lourdes, foi a respectiva Confraria, pagando cada irmão 400 reis de pauta. Lembro ainda a Confraria dos Marítimos, que funcionava como uma caixa de socorros mútuos. Assim, igualmente a Irmandade da Santa Casa que emprestava quantias em dinheiro a muitas pessoas, mediante fianças competentes.
Todas as Irmandades ou Confrarias, que me lembre – Santíssimo, N.ª Senhora de Lourdes, Misericórdia, tomavam parte nos actos de culto e nas procissões com as respectivas opas: vermelha a do Santíssimo, como ainda hoje acontece em variadas paróquias dos Açores; N.ª Senhora de Lourdes, opa branca; e dos Marítimos, opa azul. Os irmãos da Misericórdia usavam balandrau preto: opa com capuz e mangas largas. Com ele assistiam aos funerais dos irmãos falecidos, nas cerimónias da Semana Santa, e nas Procissões de Passos e Enterro do Senhor.
A irmandade do Santíssimo assistia a todos os actos de culto solene, na matriz, e nas procissões, tal como ainda hoje se vê em diversas procissões das paróquias e santuários da Diocese.
A opa vermelha era também o distintivo do sacristão e dos que tomavam parte como acólitos nos actos litúrgicos.
As irmandades ou confrarias praticamente desapareceram. Nas procissões vêem-se algumas opas nos indivíduos que conduzem os andores, mas raros são.
A Santa Casa deixou de ter o balandrau, pois funciona mais como instituição de solidariedade social, praticamente arredada da Igreja, embora com estatutos aprovados pelo Prelado, depois da Revolução de 25 de Abril.
Em algumas paróquias picoenses, ao menos, há associações de senhoras que tomam parte nas procissões. E é só...
Não será tempo de reorganizarem as irmandades, com as respectivas opas, e como instituições de fraternidade cristã e auxiliares do culto litúrgico? Fica o repto.

Lajes, 10 de Outubro de 2013

Ermelindo Ávila 

domingo, 6 de outubro de 2013

FIM DE FÉRIAS

NOTAS DO MEU CANTINHO


Fim de férias e fim das festas de verão. Com o findar do mês de Agosto, terminam, praticamente, as chamadas Festas de Verão. E com o seu fim, é a abalada daqueles que aqui vieram, ou passar férias, ou visitar os familiares ou gozar as nossas festas que, para muitos, têm um cunho muito especial.
Em próximas semanas chegará o Outono que, em tempos passados era considerado a Primavera açoriana, pelo clima ameno que nos trazia. Mas tudo chegou quase ao fim...
Os emigrantes, não foram muitos, regressaram aos seus lares, no Canadá ou nos Estados Unidos, principalmente. Outros visitantes regressam aos seus trabalhos, nos diversos sectores públicos e, os reformados, às suas residências a tratar dos netos...
Os estudantes fazem as malas. Seleccionam os compêndios, reformam os vestuários, arejam as capas... Tudo se apronta para a partida. E que dolorosa é ela por vezes...
Os que cá ficam recolhem-se a um mutismo confrangedor. Faltam-lhes os filhos, os netos, os amigos. Entram num isolamento por vezes atroz.
As ruas ficam quase desertas. Os sítios de lazer abandonados. O comércio diminuído. Restam-nos os campos, agora verdejantes, dum verde exótico, que lhes empresta o arvoredo que deles se assenhorou, nas faltas das culturas. Não houve trigos nem há praticamente milhos para colher nem se fazem as tão características e familiares desfolhadas, outrora tão alegres e acolhedoras. Os campos, que eram semeados de “Outonos” para alimentação dos gados domésticos, foram substituídos pelas rações importadas.
E, se para uns é agradável a contemplação dessas matas que se estendem pelas encostas, para outros elas trazem um misto de nostalgia pelo que eram os campos onde mourejavam dia-a-dia e o que, por abandonados, hoje são. Nem todos poderão aperceber-se dessa mortificante situação. Os mais antigos sofrem-na sem que tenham a coragem de revelar a angústia que sentem.
Aos picoenses, velhos e novos, resta o Pico – montanha. Sempre o mesmo e normalmente, na época de estio, sem alterações naturais visíveis destes lados. Todavia, no dia-a-dia, vai modificando seu aspecto, consoante as mudanças atmosféricas; se num dia está encoberto de nuvens pardacentas que o cobrem e escondem à contemplação dos picoenses, noutros dias amanhece límpido, com uns raios de sol a dourar as suas encostas e a oferecer beleza e encanto quando, ao alvorecer da manhã, os mais madrugadores para ela se voltam.
Vale ao menos ter esta montanha de encanto e beleza, que enche de nostalgia aqueles que daqui partem. Levam-na consigo, bem presente no seu espírito e para ela se voltam, quando a saudade lhes surge a apoquentar –lhes os dias e noites.
Como disse o Poeta, em poema maravilhoso, é a Montanha da minha dor,/Montanha do meu chorar;(...) Génio do meu viver.
Terminaram as festas, as principais do Pico. Outras haverá ainda, como seja a de Nossa Senhora da Piedade da Ponta, que outrora era uma das principais e à qual não faltavam alguns lajenses. De cá iam os músicos para reforçar a Capela, os sacerdotes para auxiliar os actos litúrgicos e, por vezes, fazer a pregação, e nos últimos anos, a Filarmónica Liberdade Lajense para abrilhantar a parte externa das festas. Uma festa precedida de novenário solene, sempre muito concorrido e que era aguardada pelos veraneantes que, principalmente da ilha Terceira, onde se fixou um razoável número de piedadenses, todos os anos ali vêm para tomar parte na festa da terra da sua naturalidade. A Senhora da Piedade continua a ser a sua Mãe-Protectora!
No lado Norte da Ilha, a meados de Setembro, celebra-se também, com brilho e entusiasmo, a festa da Padroeira da Prainha do Norte.


Lajes do Pico
26 de Agosto de 2013

Ermelindo Ávila

RECORDANDO...

Notas do meu cantinho


Até meados do século passado, os hábitos e costumes das nossas gentes eram totalmente diferentes daqueles que hoje nos é dado viver.
O conflito internacional que assolou a Europa e, por acréscimo, o Mundo, modificou totalmente a vivência das pessoas, transformando a própria e ancestral civilização.
É certo que não podemos voltar atrás. A evolução social não o aconselha nem permite. Mas importa que se tomem medidas acertadas para que os povos possam, novamente, usufruir de bem estar e paz, indispensáveis ao seu desenvolvimento e ao progresso das suas iniciativas e actividades.
Hoje, os processos de trabalho são diferentes. A máquina substitui, em muitos casos, o braço humano. E daí resulta, inevitavelmente, o desemprego, o maior flagelo da actualidade, agudizado com o aumento de braços, de ambos os sexos, quando, antigamente, eram apenas os homens que trabalhavam fora de portas em profissões várias, pois às mulheres só era permitido desempenharem as funções de professoras e além das funções de doméstica que, praticamente, quase se extinguiram... Algumas delas, depois dos trabalhos domésticos, - cozinha, lavagem de roupas, costura e outras mais – acompanhavam nos campos os familiares, ajudando-os no amanho das terras. Hoje, isso não acontece. Bem?... Mal?...
***
Raro era o verão em que os pescadores locais não demandavam outros ilhas em cujos mares existiam “marcas” ou “bancos” de peixe. No verão acontecia, por vezes, os barcos de pesca, aos quais se acrescentavam “bordas falsas” para melhor arrumo das bagagens, irem para os portos de S. Jorge e por vezes para os Biscoitos da Terceira, à pesca de fundo.
Acontecia também navegarem até aos bancos Princesa Alice e/ou D. João de Castro, levados por um barco motorizado, pois em qualquer deles faziam grandes pescas de “peixe de fundo”.
Um ano houve em que os pescadores locais resolveram ir até ao “Princesa Alice”, no iate “São João Baptista”, rebocado pela canhoneira “Açor”, que estacionava, normalmente, no porto da Horta. A viagem fez-se regularmente e, quando se encontravam no auge da pescaria, um dos presentes chamou a atenção dos companheiros para abandonarem a faina e regressarem a terra, imediatamente. Os outros, apesar de serem marinheiros experimentados, não aceitaram a recomendação e continuaram a pesca. Mas eis que, senão quando, o mar principiou a agitar-se e, quando saíram do banco, já a tempestade se aproximava. Conseguiram, porém, chegar à costa do Faial e aí abrigar-se até ao dia seguinte em que, com o mar mais calmo, regressaram ao porto. Da tripulação faziam parte, entre outros, António Vieira Soares (Boga), Manuel Vieira Soares, António Joaquim Madruga, todos eles, além de pescadores, hábeis baleeiros e António d´Ávila, meu avô paterno, dono e mestre dum batel de pesca.
Mesmo assim evitou-se mais uma tragédia marítima, de tantas que hão acontecido.

Lajes do Pico,
1 de Setembro de 2013.

Ermelindo Ávila

O U T O N O

Notas do meu retiro


Terminou a estação calmosa que, no ano em curso, não foi de excessiva canícula. Outros anos passados foram bem piores. O Outono chegou. Outrora era a Primavera das Ilhas, com uma temperatura suave, os dias algo amenos e as noites serenas. O vento de Outono era quase imperceptível. E lá dizia a canção: “Vento de Outono / contigo estou ...”
No fim do verão e primeiras semanas de Outono, se faziam as colheitas do milho, que as do vinho já haviam passado. O mosto passara aos balseiros e, depois de fermentado, às barricas, para, em Janeiro, ser trasfegado e limpo entrando na cura.
O milho era colhido, depois de, antes lhe haver sido retirada a espiga ou bandeira para amadurecer mais rapidamente. E, depois, vinha a esfolhada, um trabalho quase sempre divertido e que reunia, ao serão, familiares e vizinhos. Hoje, são raras essas esfolhadas, pois o milho quase não se colhe para uso domésticos. A maior parte é destinado a forragem para alimentação do gado vacum. E que interessantes e alegres eram essas noites de “descascar o milho”, como por cá se dizia !
Depois de seco no forno, era “avantejado”, recolhido em arquibancos ou caixas, barricas e mais tarde em depósitos de latão, todos estes recipientes devidamente enxofrados para ser utilizado durante o ano inteiro. E casa onde havia milho para o ano era casa feliz pois a subsistência da família estava garantida. O resto vinha com o decorrer do ano: a matança do porco e a conservação dos produtos respectivos, o leite retirado da “vaca da porta” ou da cabra, a carne de vaca, pelo Natal, Páscoa e Espírito Santo, os ovos e galinhas da capoeira, e as hortaliças do quintal: couves, nabos, funchos, abóboras e bogangos, batatas brancas e doces...
Agora importa-se algum milho, para a ementa familiar, mas o mais vulgar é adquirir aquele cereal já farinado ou usar o pão de trigo das padarias. Tempos diferentes e que, por serem os de mais fácil vivência não são os melhores para a economia doméstica.
Tudo isso que quase deixou de existir, resulta do abandono dos campos, que vão regressando aos primeiros tempos do povoamento: abunda o arvoredo selvagem a assenhorear-se das terras de semeadura, como eram conhecidas. Tudo é importado. Ou quase tudo...
Mas o sistema adoptado, numa modernização de costumes, não é somente destas ilhas. Elas estão a seguir, cegamente, o que vai acontecendo por esse mundo fora, principalmente no continente português. E já ninguém fala nos serões da esfolhada ou do descascar do milho.
Vale por isso trazer aqui o que escreveu o romancista português, outrora bastante lido, Júlio Dinis ou Joaquim Guilherme Gomes Coelho (1839-1871):“...não há outros serões mais divertidos também. Ali todos se riem, todos cantam, todos se abraçam, e se beijam até; e fala-se ao ouvido, e graceja-se, dança-se, e com franqueza, se apontam defeitos, e sem ofensa se recebem censuras, e até são mais acolhidas as lisonjas; e tudo isto então, toda esta apetecível desordem, todo este abandono de etiqueta, à vista da porção sisuda da companhia, à qual a tolerância fecha desta vez excepcionalmente os olhos; e, a alumiar uma azáfama, meio festiva, meio laboriosa, apenas a luz mortiça dum modesto lampião, pendurado de uma trave do tecto ou, ainda melhor, a suave claridade do luar em tempo descoberto! (...) Cada espiga (ou maçaroca) vermelha, cada espiga de milho-rei – como por lá lhe chamam – é a sentença promulgada contra o feliz, a cujas mãos ela chegou. Cabe-lhe distribuir por toda a assembleia, ou receber de toda ela, um abraço mais ou menos apertado...”(1)
Por cá os serões eram idênticos. No século dezanove, não havia candeeiros nem velas de estearina mas as simples candeias alimentadas a óleo de peixe: albafar, toninha e até baleia. No entanto, habituados que estavam, ninguém estranhava. A folia era a mesma. E, por vezes, a lua entrava e alumiava os espaços, qualquer que eles fossem, até os saguões das casas morgadias. Tudo, porém, terminava às nove horas da noite, quando o sino da Câmara dava o toque de recolher... A partir daí ninguém podia andar na rua.
Hoje, das esfolhadas quase ninguém se lembra, infelizmente. E é pena.
_________________
1) Dinis, Júlio, “As Pupilas do Senhor Reitor”, Livraria Escolar Progredior, pág.160.
Lajes do Pico,
Setembro-2013.

Ermelindo Ávila

sábado, 5 de outubro de 2013

O CICLONE DE 1893

NOTAS DO MEU CANTINHO



Completaram-se as obras do Jardim da Baleia, como o classificam. O antigo Juncal desapareceu, bem como o rectângulo que servia de campo de jogos. Uma nova feição tomou a parte oeste da vila, dando-lhe, na verdade, outra dignidade e beleza. Mas, em nosso entender, há ainda algo a executar para que aquele espaço se torne atractivo e acolhedor. Refiro, por agora, os chamados “bancos de jardim” que se tornam indispensáveis para que as pessoas possam repousar e não nos muretes de cimento que lá abundam.
O Jardim foi possível ali implantar (faltam os canteiros e as flores para que possa ser jardim e não apenas o relvado e as árvores) porque se alteou o muro de defesa e se construiu, embora com deficiências (basta olhar para o desaparecimento dos blocos de coroamento), o troço de muralha na zona da antiga “carreira”.
O muro de defesa, propriamente dito, foi alargado e alteado, nele se construindo, a espaços, bancos de descanso. Julgo que assim ficou a vila resguardada dos temporais que, periodicamente, assolavam a parte baixa, dando maior segurança aos habitantes daquela zona.
E porque estamos já no Outono e ficou para trás o Verão, será de lembrar que, nesta mudança de estações, aconteciam, por vezes, temporais e ciclones que deixavam a parte oeste da Vila num montão de destroços.
Lembro-me do ciclone de 1936 que derrubou a muralha em frente da zona Norte da Vila sem, contudo, fazer vítimas, como o de 1893.
Diz um jornal da época, citado pelo historiador Fernando Borba: “Na madrugada de 23 (aliás 28) do mês de Agosto de 1893, o vento começou a soprar com enorme violência, do quadrante S.S.E., fazendo grandes estragos no campo. Cerca das 8 horas, como continuasse com a mesma intensidade, aniquilando inteiramente os milheirais, o digno vigário desta vila celebrou preces na igreja matriz, a que concorreram muitos fieis. (...) O acto religioso ia talvez a meio, quando as pessoas que estavam próximas à porta principal da igreja, cheias d'alvoroço, soltaram este grito aflictivo: - o mar! O vento havia avançado mais para oeste, enfurecendo as ondas que, nesta ocasião, já chegavam até à igreja”.
Importa dizer que se refere o articulista à antiga matriz, que ficava na zona onde hoje está a Capela Mor da actual matriz. Uma das minhas avós contava que o mar invadira a igreja e deixara peixes em cima dos altares!
Nessa ocasião, estavam ancorados no porto o iate S. João Baptista, o caíque Espírito Santo e o barco Bom Jesus. Os tripulantes do iate e do barco conseguiram ir a bordo e reforçar as amarrações. O mesmo não sucedeu ao caíque Espírito Santo. Nele ficou o infeliz Manuel Machado, rapaz de 20 anos, por não saber nadar, desaparecendo um pouco mais tarde.
Isto, em resumo, o que nos narra o historiador citado, baseando-se na narração do jornal “Cartão de Visita”, nº107, de 24 de Setembro de 1893. (1)
A ilha ficou devastada e foram muitas as ajudas que vieram de fora, incluindo dos Estados Unidos. D. Rosa Dabney Forbes, ao tempo, residente na Horta, importou dos Estados Unidos um barco com milho que fez distribuir pela população picoense. Para as Lajes, vieram 50 sacos que foram distribuídos por 19 famílias. Algumas delas receberam quatro sacos cada.
Outros ciclones tem havido ao longo dos tempos, mas julgo que o mais devastador foi o de 93. Precisamente, há 120 anos. Destruiu a Mouraria, a Pesqueira, e a Rua Nova da Lagoa. Além do Manuel Machado, desapareceu o comerciante João Machado Alves, que se encontrava no seu estabelecimento e do qual o mar o arrebatou. Este estabelecimento estava instalado no prédio que é, actualmente, de Serge Viallelle.
A muralha que circunda a Vila, foi construída no ano de 1914. Há cem anos portanto. Foi, erradamente, lançada muito junto da parte baixa da vila, quando o podia ter sido muito próximo da costa, recuperando-se os quintais que antes existiam e que os temporais foram conquistando para o mar. Bem reclamou o jornal “As Lages”, (que ao tempo se publicava) inclusive, o estreitamento da largura que foi sofrendo ao aproximar-se da Maré. Entretanto, ia desaparecendo o “Calhau Grosso” com a contínua retirada de pedra para construções. Os habitantes da beira-mar bem reclamavam mas de nada serviu...

(1) Boletim do Museu Etnográfico da Graciosa, nº 5. pág.103 e seg.s

Lajes do Pico,
28 de Agosto de 2013.
Ermelindo Ávila


ESTÂNCIAS DE VERANEIO

A MINHA NOTA

Ainda existem por esse Pico fora. Umas mais frequentadas do que outras, mas todas optimamente situadas em zonas de clima ameno e dispondo de boas “adegas” ou casas de veraneio. E é nesses sítios que, antes da ”despedida” para as residências próprias, os veraneantes promovem as festividades dos santos Padroeiros das respectivas ermidas que, em todo o Pico, se erguem e, cuidadosamente, são tratadas por zeladoras dedicadas.
Foram-se ou estão a terminar as festas de verão por estes sítios de lazer.
Realmente são as últimas deste Verão de 2013.
As que passaram, foram reconfortantes para quantos esperam para refazer forças gastas em trabalhos e canseiras de um ano nada ameno...
Para estes lados da Ponta, estão a terminar as lides da época. Toda a gente recolhe às adegas para acautelar o vasilhame que utilizou nas vindimas e preparar-se para a partida até às residências próprias: mas somente aqueles que não têm residência pelos lugares costeiros. É que a orla costeira da Ilha é toda constituída por lugares e sítios de veraneio, onde abundam as vinhas, nem que sejam as “americanas”.
O Pico está rodeado de sítios onde abundam as adegas ou casas de verão junto dos Currais de vinha, uma característica única em toda a ilha.
A Areia Larga era, ainda será?, uma estância de verameneio dos Faialenses. A testemunhá-lo ainda lá se encontra o solar dos Salemas. Mas outros mais por lá ficaram. Um pouco além, o Cais do Mourato, o Cachorro, o Lajido, o Cabrito, a Baía de Canas, o Canto de Santo Amaro, e, depois, a Baixa, o Cais do Galego, Calhau, a Manhenha, e por aí fora.
O mês de Setembro é o das festas da Piedade. No primeiro domingo deste mês, realizou-se a festa da Padroeira. Depois, no terceiro, é no Calhau a festa de Nossa Senhora da Boa Viagem, numa ermida construída há poucos anos para, no último, se realizar a tradicional festa de Nossa Senhora das Mercês com que se fecha o ciclo festivo. E talvez por isso, é uma das mais concorridas, não apenas pelos habitantes da própria freguesia como por outros, vindos das freguesias limítrofes.
É no dia de Nossa Senhor das Mercês, que se venera na ermida de São Tomé, que se prova o vinho novo e se oferece aos visitantes. Uma tradição simpática, que ainda se mantêm, apesar das vinhas estarem em decadência. Nem todas são assistidas, por falta de mão de obra. Além disso as castas existentes são pouco produtivas e nada compensa a sua manutenção. Por aí vão aparecendo, nas grandes e médias “superfícies”, diversas marcas de vinhos importadas, e que os consumidores vão preferindo. A Izabela só com as “Sopas do Espírito Santo”... e pouco mais.
Os lugares de veraneio vão crescendo à volta do Pico. E refiro o lugar da Manhenha onde habitam, permanentemente, algumas dezenas de famílias. O mesmo no Calhau e na Baixa. E é por isso que, dando continuidade a uma religiosidade tradicional, também vai crescendo o número de ermidas. Há poucos anos foi restaurada, felizmente digo, a ermida de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, no Calhau, que conta quase dois séculos de existência. E está em adiantada construção a ermida que vai ser dedicada ao Papa Beato João Paulo II.
O Governador Santa Rita, no seu relatório de 23 de Dezembro de 1867, faz referência a trinta e uma ermidas existentes no Pico, incluindo nelas as igrejas de São Pedro de Alcântara e de Nossa Senhora da Conceição dos antigos conventos franciscanos. Silveira de Macedo, na “História das Quatro Ilhas”, (1871), refere 27. Actualmente, a freguesia ou paróquia da Piedade, tem cinco ermidas: Fetais, Manhenha, Cais do Galego, Calhau (2) e a nova deste sítio da Engrade, onde já se encontram alguns moradores permanentes e o número de habitações, que há poucos anos mal chegava à meia dúzia, já vai passando das três dezenas.

Engrade,
25 de Setº de 2013.


Ermelindo Ávila

sábado, 28 de setembro de 2013

A escola…

NOTAS DO MEU CANTINHO

Outrora a escola era risonha e franca, como cantava o poeta. Hoje é lugar de frequência obrigatória onde nem se conhece a antiga Cartilha de João de Deus, nem os mais adiantados sabem quais são os rios, as serras e os cabos da costa portuguesa.
O ensino está completamente modificado e já nem todos sabem muitas das coisas que faziam parte dos antigos programas do Ensino Primário. Pois nem se ensinava onde ficavam as ilhas atlânticas…
Diz-se que a D. Maria Mestra – assim era conhecida a professora D. Maria Adelaide da Silva - que lecionou nas Lajes, no princípio do Século XX, tinha um programa vasto de ensino prático e útil às moças que frequentavam a sua escola. E a ela vinham alunas da Silveira, Almagreira e Ribeira do Meio, voluntariamente.
Todas aprendiam a ler e escrever e a fazer as contas de somar, diminuir, multiplicar e dividir e até a resolver problemas de Matemática durante os tempos letivos. De tarde, a Mestra ensinava costura e a fazer rendas e bordados. E muitas aproveitavam. A algumas, de famílias mais abastadas, ensinava piano, ela que era uma grande pianista e a organista da Matriz. O mesmo é dizer: uma senhora com uma cultura pouco vulgar para a época, que a não reservava para si, mas a transmitia com prazer às alunas que o desejassem, pois o ensino não era obrigatório.
Desde meados do século XIX existiu sempre a escola do sexo masculino mas os professores pouco ligavam à profissão. Alguns deles nem iam à escola todos os dias. Tal circunstância obrigou a que, nos finais do século, o Pe. Ouvidor Xavier, ele que já fora professor em S. Jorge, abrisse uma escola na sua casa junto à Maré, e que passou a ser conhecida, pelos anos fora, como a “casa da escola”, e onde mais tarde Mestre António Fonseca teve a sua oficina de construção de botes e outras embarcações e cujo espaço foi ocupado pela actual Escola Secundária.
O P. Xavier ministrava o ensino principalmente a alunos que se destinavam ao ensino secundário: seminário e/ou liceu.
Hoje tudo é diferente, como disse, e repito o poeta.
Há professores. Há edifícios escolares magníficos, há programas abrangentes das ciências e da cultura, e não discuto se bons se maus. Há professores com cursos superiores, embora alguns deles estejam atirados para o desemprego por reformas económicas incompreensíveis. Mas, na verdade, o ensino melhorou?
Deixo a resposta para os mestres da Pedagogia.
Recordo os meus professores primários com simpatia, como alguns, nem todos infelizmente, do Secundário. A alguns destes devo o gosto pela leitura e pela escrita. Se me não tivessem estimulado e obrigado ao estudo seria quase um analfabeto…
Tive um professor de Português que nos exigia a interpretação dos Lusíadas e a decorar alguns dos seus Cantos: D. Inês de Castro, Os doze de Inglaterra e outros mais, além da própria Proposição.
A tantos anos de distância, vale a pena recordar essa juventude distante e trazer à memória tempos que já não voltam, mas que tão diferentes eram. Bons? Maus? Nem vale a pena arranjar resposta.
- Meninos vamos p´rá esquiola! Era assim que, em terra distante, os outros alunos chamavam os colegas. Vamos todos, que ainda temos muito que aprender!...

Engrade,
19-Setº.2013

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

O CÉU DE ABRAÃO

Notas do meu cantinho

Assim o denominava o povo, em tempos passados, pela amenidade do clima que aqui se desfrutava. Alguns, ainda hoje, assim se referem a este lugar magnífico da Engrade, na freguesia da Piedade, pequeno recanto, outrora célebre pelo vinho Verdelho que aqui se colhia e que quase desapareceu, com a doença das vinhas ou peste da vinha, como se passou a designar a época de 1852.
O verdelho aqui produzido era de excepcional qualidade. Há, precisamente, setenta anos que por aqui ando, e ainda cheguei a assistir à vindima das poucas parreiras que resistiram ao flagelo e que acabaram por desaparecer com o decorrer dos anos. Mas o terreno ficou. E, hoje, não passa, praticamente, de uma extensa mata de arvoredo selvagem sem qualquer utilidade. A casa onde me encontro possui um balcão ou varanda em toda a sua extensão voltado a nascente e com um belíssimo panorama em frente: o mar imenso e ao fundo, lá longe, a ilha Terceira e mais perto a ilha de S. Jorge. Um regalo para as tardes de verão. Hoje pelo bardo enorme que na frente deixaram crescer, abandonando a vinha, nada se vislumbra a não ser uma pequena nesga de mar, a Norte, na frente da Calheta de São Jorge. E é só...
Todavia a Engrade tem o mérito de ser uma excelente estância de veraneio. Da meia dúzia de adegas que conheci, a Engrade é, hoje, um subúrbio da Piedade, povoado de excelentes vivendas, onde já há quem o habite todo o ano, pois as facilidades de comunicação que existem permitem estar no centro da freguesia em cinco minutos. O transito é imenso e quase todos os habitantes da próspera freguesia possuem transporte automóvel. Desapareceram os tradicionais carros de bois e os cavalos e asininos de serviço. Uma modernização aceitável e assaz louvável.
De registar, plausivelmente, que neste lugar está em adiantada construção uma pequena ermida dedicada ao Beato João Paulo II.
* * *
Há dias, precisamente no dia 8 do corrente, a paróquia celebrou a festa da Padroeira.
Outrora, era uma solenidade para a qual o respectivo pároco convidava diversos sacerdotes da ilha e alguns músicos da capela da Matriz das Lajes, que vinham auxiliar a capela local. Lembro-me de a esta pertencerem o Tomé Freitas, o José Laranjeira e outros mais cujos nomes não recordo agora. A organista era uma senhora de cá que havia estudado piano nas Lajes. Mas o órgão, um dia, desapareceu, por alegado estado de degradação.
Presentemente, a festa não teve sacerdotes estranhos, porque no concelho, ou na antiga ouvidoria não existem. O único que agora reside na zona pastoral - pois já desapareceram as seculares ouvidorias - é o que está em serviço nas paróquias da Ponta, como antigamente era conhecida esta zona da Ilha.
A Festa de Nossa Senhora da Piedade não deixou, porém, de ter larga assistência e brilhantismo.
Uma nota positiva e os parabéns para o respectivo vigário e seus paroquianos. E este merecido registo inclui, de modo especial, todos os que contribuíram com as suas oferendas para as despesas da solenidade.
Contavam-se mais de cinquenta ofertas, a quase totalidade em massa sovada (meninos, cabeças, braços, mãos e pernas...) conforme as promessas feitas e agora cumpridas. Quem não teve promessas levou os produtos da terra... Registo o facto, com agrado, e com louvores merecidos aos paroquianos da Piedade.

Engrade, 13 de Setembro de 2013

Ermelindo Ávila.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

DO MEU SENTIR

CÁ & LÁ


A umas dezenas de anos de distância, recordo, com um misto de saudade, esses tempos distantes em que sair de casa, deixar os pais, irmãos mais novos e outros familiares, para ir para qualquer outra ilha continuar a estudar, era um acto heróico ao qual bem poucos se atreviam.
Se para o Faial a distância era curta, mesmo assim, por lá se ficava o trimestres inteiro sem se vir a casa, muito pior era a deslocação para a Terceira ou São Miguel, as únicas três ilhas do Arquipélago que dispunham de ensinos secundários. No Pico, nas Flores ou em São Jorge não se ia além da Instrução Primária e somente quando se tinha a sorte de, na terra, estar colocado um bom professor, o que nem sempre acontecia, é que se ia até ao exame de quarta classe, que já permitia colocação em serviços públicos.
Os que não tinham essa oportunidade, caminhavam para a terra, ou para alguma oficina: pintor, carpinteiro, ferreiro ou serralheiro, caiador ou pedreiro. E, quando essa aprendizagem não era facilitada, feitos os catorze anos, caminhava-se para a pesca, quando se encontrava um mestre amigo que o incluía na sua tripulação. Muito raramente um ou outro, por ser mais “esperto” conseguia um emprego de marçano numa das mercearias, aqui ou no Faial. E era tudo o que podia acontecer.
Curso superior só para algum privilegiado. Todavia, esses que em Coimbra, e só se falava nessa Universidade, talvez por mais antiga e ser melhor o acolhimento nas “repúblicas”, conseguiam tirar um curso superior, raramente voltavam às terras de origem. Ficavam pelo continente ou fixavam-se nas capitais dos distrito insulares, “encostando-se” a algum médico ou advogado que já tinha escritório conhecido e afreguezado.
Alguns, bem poucos, iam para o Seminário de Angra mas nem todos conseguiam prosseguir o curso, por razões as mais diversas. A disciplina era algo rigorosa e pouco pedagógica. Os companheiros, oriundos das mais diversas classes sociais, nem sempre eram acolhedores e camaradas, o pessoal de serviço, rústico e muito dele mal educado. Tudo isso fazia que a debandada principiasse nas primeiras semanas da chegada e continuasse pelos anos adiante. Uma situação que os dirigentes, talvez porque igualmente deficientemente preparados na mesma escola, jamais compreenderam. E o resultado está agora visível na ausência quase total de vocações, mesmo que o funcionamento daquele estabelecimento presentemente só exista para o curso superior – teológico. E é pena. As nossas ilhas são, na generalidade, de formação católica. Nas freguesias e lugares, onde exista um núcleo habitacional, há uma igreja paroquial ou ermida preparadas com alfaias para os actos do culto, principalmente a Eucaristia ou Missa, mas nem todas têm o privilégio de nelas se celebrar a missa dominical nem em horário fixo. A falta de clero, dizem, justifica a carência. É pena...
Na época que passa, as ilhas são verdadeiras terras de missão. Urge, pois, que a anomalia seja encarada de frente e resolvida com presteza para que amanhã, num amanhã que se afigura bastante próxima, os católicos não vão caindo no indiferentismo e, principalmente aqueles que obtenham cursos superiores, enveredem por outros caminhos. É tempo de se lhes acudir, nem que sejam atraídas para estas ilhas ordens religiosas com sacerdotes professos.
Adiantei-me na apreciação de uma situação que a todos é presente? Talvez não!

LAJES DO PICO,
3 de Setembro de 2013.

Ermelindo Ávila