sábado, 5 de outubro de 2013

O CICLONE DE 1893

NOTAS DO MEU CANTINHO



Completaram-se as obras do Jardim da Baleia, como o classificam. O antigo Juncal desapareceu, bem como o rectângulo que servia de campo de jogos. Uma nova feição tomou a parte oeste da vila, dando-lhe, na verdade, outra dignidade e beleza. Mas, em nosso entender, há ainda algo a executar para que aquele espaço se torne atractivo e acolhedor. Refiro, por agora, os chamados “bancos de jardim” que se tornam indispensáveis para que as pessoas possam repousar e não nos muretes de cimento que lá abundam.
O Jardim foi possível ali implantar (faltam os canteiros e as flores para que possa ser jardim e não apenas o relvado e as árvores) porque se alteou o muro de defesa e se construiu, embora com deficiências (basta olhar para o desaparecimento dos blocos de coroamento), o troço de muralha na zona da antiga “carreira”.
O muro de defesa, propriamente dito, foi alargado e alteado, nele se construindo, a espaços, bancos de descanso. Julgo que assim ficou a vila resguardada dos temporais que, periodicamente, assolavam a parte baixa, dando maior segurança aos habitantes daquela zona.
E porque estamos já no Outono e ficou para trás o Verão, será de lembrar que, nesta mudança de estações, aconteciam, por vezes, temporais e ciclones que deixavam a parte oeste da Vila num montão de destroços.
Lembro-me do ciclone de 1936 que derrubou a muralha em frente da zona Norte da Vila sem, contudo, fazer vítimas, como o de 1893.
Diz um jornal da época, citado pelo historiador Fernando Borba: “Na madrugada de 23 (aliás 28) do mês de Agosto de 1893, o vento começou a soprar com enorme violência, do quadrante S.S.E., fazendo grandes estragos no campo. Cerca das 8 horas, como continuasse com a mesma intensidade, aniquilando inteiramente os milheirais, o digno vigário desta vila celebrou preces na igreja matriz, a que concorreram muitos fieis. (...) O acto religioso ia talvez a meio, quando as pessoas que estavam próximas à porta principal da igreja, cheias d'alvoroço, soltaram este grito aflictivo: - o mar! O vento havia avançado mais para oeste, enfurecendo as ondas que, nesta ocasião, já chegavam até à igreja”.
Importa dizer que se refere o articulista à antiga matriz, que ficava na zona onde hoje está a Capela Mor da actual matriz. Uma das minhas avós contava que o mar invadira a igreja e deixara peixes em cima dos altares!
Nessa ocasião, estavam ancorados no porto o iate S. João Baptista, o caíque Espírito Santo e o barco Bom Jesus. Os tripulantes do iate e do barco conseguiram ir a bordo e reforçar as amarrações. O mesmo não sucedeu ao caíque Espírito Santo. Nele ficou o infeliz Manuel Machado, rapaz de 20 anos, por não saber nadar, desaparecendo um pouco mais tarde.
Isto, em resumo, o que nos narra o historiador citado, baseando-se na narração do jornal “Cartão de Visita”, nº107, de 24 de Setembro de 1893. (1)
A ilha ficou devastada e foram muitas as ajudas que vieram de fora, incluindo dos Estados Unidos. D. Rosa Dabney Forbes, ao tempo, residente na Horta, importou dos Estados Unidos um barco com milho que fez distribuir pela população picoense. Para as Lajes, vieram 50 sacos que foram distribuídos por 19 famílias. Algumas delas receberam quatro sacos cada.
Outros ciclones tem havido ao longo dos tempos, mas julgo que o mais devastador foi o de 93. Precisamente, há 120 anos. Destruiu a Mouraria, a Pesqueira, e a Rua Nova da Lagoa. Além do Manuel Machado, desapareceu o comerciante João Machado Alves, que se encontrava no seu estabelecimento e do qual o mar o arrebatou. Este estabelecimento estava instalado no prédio que é, actualmente, de Serge Viallelle.
A muralha que circunda a Vila, foi construída no ano de 1914. Há cem anos portanto. Foi, erradamente, lançada muito junto da parte baixa da vila, quando o podia ter sido muito próximo da costa, recuperando-se os quintais que antes existiam e que os temporais foram conquistando para o mar. Bem reclamou o jornal “As Lages”, (que ao tempo se publicava) inclusive, o estreitamento da largura que foi sofrendo ao aproximar-se da Maré. Entretanto, ia desaparecendo o “Calhau Grosso” com a contínua retirada de pedra para construções. Os habitantes da beira-mar bem reclamavam mas de nada serviu...

(1) Boletim do Museu Etnográfico da Graciosa, nº 5. pág.103 e seg.s

Lajes do Pico,
28 de Agosto de 2013.
Ermelindo Ávila


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