sábado, 28 de agosto de 2010

AS FESTAS DA SENHORA DE MASSABIELLE




A Vila das Lajes vive esta semana, a Festa de Nossa Senhora de Lourdes, ou Semana dos Baleeiros. É a sua grande festa e uma das maiores da Ilha Montanha.


O Programa é extenso e vem sendo cumprido com entusiasmo, dinamismo e regularidade.


A novena solene começou no passado dia 20, com o brilhantismo tradicional e afluência normal dos devotos de Nossa Senhora de Lourdes. E assim, desde que a Veneranda Imagem da Senhora Aparecida aqui chegou em Setembro de 1883, ano em que se iniciou a solenidade. Afinal uma efeméride que está presente no espírito da grande maioria das gentes desta terra.


Monsenhor António Maria Ferreira, grande devoto de Nossa Senhora de Lourdes e o sacerdote que, na Diocese, mais se empenhou pela propagação do culto da Senhora, no seu livro “Perfumes de Lourdes”, publicado em 1892, diz que as Lajes do Pico foi a primeira terra nos Açores, onde Nossa Senhora de Lourdes foi publicamente invocada. E vale a pena referir o acontecimento narrado pelo próprio Autor, embora seja repetição do que em outros anos já escrevi:


Os baleeiros lajenses tinham-se feito ao mar na caça à baleia, depois do sinal do vigia. No regresso, o mar que se tornara tempestuoso, não permitia a entrada no porto, pois a “carreira” estava completamente coberta de enormes vagas. Havia a eminência do perigo, desfazendo as canoas contra as penedias e a morte de muitos baleeiros.


Em terra, junto da entrada do Caneiro, aglomerava-se grande multidão que implorava, em preces sentidas e angustiosas, a protecção do Céu. E então um devoto, erguendo a voz, clama: “Nossa Senhora de Lourdes livrai-os do perigo; Nossa Senhora de Lourdes salvai-os”.E tão intensas foram as preces que a Senhora os escutou. A tempestade serenou, o mar amainou e as canoas puderam entrar a salvo no perigoso porto.


A partir de então, um movimento salutar se iniciou. A devoção à Virgem de Lourdes intensificou-se num surto entusiástico e esplendoroso.


Uma comissão constituída por diversas personalidades lajenses, onde se incluía uma armação baleeira, fez a encomenda de uma Imagem de Nossa Senhora de Lourdes ao escultor Nobre, de Lisboa. É o que nos narra, em escrito da época, o distinto lajense e singular propagandista da devoção à Virgem, então Dr. João Paulino de Azevedo e Castro, ao tempo reitor do seminário que viria a ser pouco depois Bispo de Macau, em cuja cidade introduziu o culto de Nossa Senhora de Lourdes e lhe dedicou uma pequena Igreja, no alto da Pena, que há anos tive o grande prazer de visitar.


Em um dos artigos publicados no jornal angrense, “Peregrino de Lourdes”, da direcção de Mons. Ferreira, em 20 de Julho de 1889, escrevia Dom João Paulino:


“A ornamentação do templo...a música executada pela capela da matriz...a boa execução das cerimónias religiosas...o entusiasmo e piedade dos fiéis...tudo dava aos actos religiosos uma grandeza e majestade nunca dantes ali presenciada pelos filhos da actual geração.


De tarde foi a imagem conduzida pelas ruas da vila atapetada de verdura e de flores, e vistosamente adornada de bandeiras e colchas. Tomaram parte no préstito religioso as irmandades da paróquia, numeroso clero e tudo o que há de mais selecto na sociedade local. Atrás do pálio, sob o qual ia o Santo Lenho, tocava a filarmónica “Lajense”, a primeira banda que houve em toda a ilha e que hoje conta cerca de 25 anos. Depois seguia-se compacta multidão... “


Ao recolher da procissão à matriz, devidamente decorada, “proferiu um brilhante discurso o Revmo Manuel José Lopes, seu actual vigário”... desenvolvendo o tema: “Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes – o que fez com tal mestria e felicidade que a todos...deixou completamente satisfeitos. Finalizou com um Te Deum”


Tudo isso ocorreu a 30 de Setembro de 1883 mas, nos anos seguintes, a celebração passou a realizar-se no último domingo de Agosto.


E a primeira festa serviu de modelo a todas as outras que vêm realizando há 127 anos, sempre com o mesmo esplendor litúrgico, embora haja sofrida ligeiras modificações adaptadas aos tempos que decorrem.


Não tem faltado o arraial nocturno, durante muitos anos abrilhantado pelas filarmónicas da ilha e do Faial e até, em alguns anos, de S. Jorge. É de realçar o fogo de artifício ou fogo preso que normalmente vinha da ilha Terceira e, nos últimos anos, passou a ser executado por pirotécnicos do Cais do Pico.


Para a pregação, quer do novenário quer da solenidade, eram convidados os oradores sacros mais notáveis destas ilhas, que sempre tinham gosto em colaborar em tão piedosas celebrações. E era um prazer escutá-los, pois produziam peças oratórias de grande valor cultural e religioso. E, naturalmente, isso vai acontecer agora, com grande prazer dos lajenses.


Enquanto estiveram em actividade, eram os baleeiros que, com suas dádivas e promessas, patrocinavam as solenidades, quer religiosas quer externas. Agora é o Município, à semelhança do que vem acontecendo em todas as ilhas do Arquipélago, que toma a iniciativa e a responsabilidade dos festejos, denominados “Semana dos Baleeiros”, porque na realidade de uma semana se trata.


Está pois “em casa” a grande semana dos lajenses. Com ela a Solenidade de Nossa Senhora de Lourdes, realizada com entusiasmo e grande afluência de forasteiros que aqui se deslocam para gozar as festas da última semana de Agosto e ter uns dias de lazer na terra natal ou terra amiga e acolhedora, que é a Vila das Lajes do Pico.




Vila Baleeira,


20-08-2010


Ermelindo Ávila.

sábado, 21 de agosto de 2010

ESTÂNCIAS DE VERÃO

A ilha do Pico, toda ela é uma verdadeira estância de verão. Quem passar ao redor da ilha, são vários os sítios onde se encontram as antigas adegas que serviam, não somente para arrecadar os vinhos, como também para albergar os próprios vinhateiros nas épocas das podas, das cavas e das colheitas das uvas e fabrico dos vinhos. Esta era a mais demorada e a mais agradável pois, normalmente, as adegas situavam-se em sítios aprasíveis, de excelente e tonificante clima, onde apetecia estar. E ainda hoje isso, felizmente, acontece.

O escritor Manuel Greaves, em “Outras Histórias que ouvi”, obra póstuma, fala-nos d' “A Vileta das Cem Adegas”, dizendo o que era o lugar da Manhenha, há cem anos, onde existiam “cento e tantas adegas, frente ao mar, (e que) se elevam no rincão. Umas dez permancem habitadas todo o ano. As outras – só pelo verão adiante.”

Presentemente, a Manhenha é um subúrbio importante da Freguesia da Piedade. Não tem somente cem adegas, mas excelentes habitações, algumas delas construídas por emigrntes retornados e que não trouxeram só as plantas das suas habitações como até o próprio mobiliário. Hoje, a Manhenha é habitada por algumas dezenas ou talvez centenas de pessoas, possui um restaurante, tem um amplo e magnífico salão comunitário e continua a ser um lugar aprazível, com óptimas estradas a ligá-la à sede da freguesia, pelo norte e pelo sul, e igualmente à vizinha freguesia da Calheta.

Lá continua o Farol a iluminar os mares desta Ponta da Ilha, com S.Jorge ao lado e a Terceira ao fundo.

E como dizia o autor citado, “Umas centenas de turistas, todos os anos, visitam a Manhenha e o seu farol, que ilumina mais de vinte e cinco milhas de mar.

Ao lado fica a Engrade, outrora famosa pelos vinhos verdelhos que produzia e exportava, directamente, em barcas próprias para Petrógrado e a Baía.

E o mesmo à volta da ilha. Um pouco além da Manhenha e depois da Engrade fica o Calhau. E depois a Baixa da Ribeirinha. Atrás ficou a Calheta com as “Canadas” e toda a baía. A seguir à Calheta, as Ribeiras, com as Pontas Negras e o Caminho de Baixo.

E andando à volta da Ilha encontramos, além da Vila das Lajes, a Silveira, a primeira onde foi cultivada a vinha verdelho, iniciada pelo primeiro pároco da Ilha, Frei Pedro Gigante. Em tempos não muito longínquos, era o lugar de veraneio dos Lajenses, atraídos pela amenidade do clima e pelo belo panorama que de lá se desfruta. Apetecidas as uvas e as frutas que ali se produzem, além da magnífica “água da Fonte”, com características minero-medicinais.

Mas, como disse, em todo o Pico, principalmente junto das zonas costa, se cultivava a vinha, com óptimas produções.

Era assim e nalgumas ainda é, em São João, Terra do Pão e Prainha, São Mateus e Candelária. E aqui há que recordar o Guindaste onde, segundo a tradição, nasceu o Presidente Manuel Arriaga. Depois a Criação Velha, a Areia Larga, bastante procurada pelos faialenses, o Cachorro, o Lagido, os Arcos, o Cabrito, o Cais do Pico, a Prainha e Santo Amaro, para só a estes referir. Na Prainha em tempos recuados, era noltável a Baía de Canas com uma latada comunitária, cujas uvas eram colhidas, em dia aprazado, pelos respectivos co-proprietários.

O povo crente não dspensava a prática religiosa, mesmo que estivesse longe da igreja paroquial. E daí as numerosas ermidas que povoam todo o litoral, algumas de existência de vários séculos. É o caso da Manhenha, com a ermida de São Tomé, onde anualmente se celebra a festa de Nossa Senhora das Mercês. Recentemente, foi construida no Calhau a ermida da Senhora da Boa Viagem. Na Baixa da Ribeirinha, a ermida de S. Pedro. No caminho de Baixo das Ribeiras, a ermida da Boa Viagem. Em S. Mateus, a de Nossa Senhora da Conceição. Na Criação Velha, a ermida de S. Martinho. A de Nossa Senhora dos Milagres lá para os lados do Cachorro. E naturalmente outras mais.

Recordo apenas algumas, aquelas de que tenho conhecimento mais directo.

Voltamos à Manhenha. Novamente me reporto ao escritor e gentil homem que foi

Manuel Graeves: “O ar é ali puro, oxigenado. Revigora as almas e os corpos. Dali retiram com saúde quantos chegam, decaídos, das povoações vizinhas, onde viveram quase o ano debaixo das rochas altas e das nuvens baixas. Ali colhem energias novas, após um ou dois meses de estação, num ambiente saudável, leve, tonificante, cheio de sol explêndido. Parece que aquelas rochas emanam bálsamos a confundir-se com o oxigénio forte da estância.”

E acrescento: é assim em toda a ilha do Pico. Pois se, em certas zonas da Ilha, segundo verídica tradição, até as doenças graves se curavam!...

Engrade, 14 de Agosto de 2010

Ermelindo Ávila

domingo, 1 de agosto de 2010

O CASTELETE


NOTAS DO MEU CANTINHO

Sentinela atenta e vigilante, fica ali ao Sul da Vila. Por ele se orientaram os primeiros que aqui chegaram, para desembarcarem no Penedo Negro, que lhe fica encostado, em “A bela plataforma basáltica da fajã lávica das Lajes do Pico” como diz o Professor Doutor Victor Forjaz, in “Dos Vulcões dos Açores”.

E mais do que vigilante, é a guarda atenta a proteger a Vila avoenga dos temporais do Sul.

A sua pequena enseada acolheu Fernão Alvares, quando este, com os enviados do Infante, aportaram vindos do Sul, naturalmente da ilha Terceira.

Nos dias calmos é um encanto contemplá-lo, frente à montanha, que é, por si só, uma das sete maravilhas mundiais, classificada ou não.

O Castelete a Sul, a Montanha a Norte, parece guardarem, cautelosamente, a bela plataforma onde foi iniciado o povoamento e onde os primeiros que aqui se fixaram implantaram a Vila das Lajes. E não se julgue que o fizeram sem qualquer orientação técnica. O traçado urbanístico da vila releva que algum técnico o orientou de maneira a salvaguardar as habitações das invasões do mar, pois a chamada “muralha de defesa” só viria a aparecer, depois de muito reclamar, já nos finais do século dezanove. Ainda em 1914 ainda se trabalhava na construção da primitiva muralha, junto da Barra. É o que nos informa o jornal “As Lages” que então se publicava nesta vila. Mas não vou adiantar mais.

Um curto istmo liga o Castelete à terra. Estreito e acidentado, permite a travessia com grande dificuldade. Mesmo assim, era por ele que algum mais destemido se atrevia a subir o morro, pois nele se desenvolvem alguns arbustos, sobretudo o “mato” ou urze e que era cortada, no final do verão para, depois de seca, servir para chamuscar os porcos na época do Natal. Outros trepavam-no para irem pescar na costa sul, onde se apanhavam lapas, vejas e outras espécies piscícolas.

Actualmente isso não acontece pois não sei de quem se atreva a passar no “delgado” para atingir o Castelete. O mato e outros arbustos vão crescendo e não há quem se atreva a subir o pequeno monte, pois uma queda pode ser fatídica. E isso já aconteceu, infelizmente. Foi o caso do “Beiçoca”, seu frequentador habitual, que um dia o fez com tamanha infelicidade. Escorregou, desequilibrou-se e por lá perdeu a vida.

Mas o Castelete, para além dessa beleza paisagística, tem o mérito de evitar que as vagas alterosas das tempestades de Sul invadam a vila, debatendo-se furiosamente contra ele, que tudo suporta com alguma resignação.

Para os habitantes das Lajes, principalmente para os que habitam para os lados da Silveira, o Castelete é um “pano de fundo” maravilhoso, sobretudo nas manhãs soalheiras do Verão, quando o astro rei, avançando sobre a encosta leste, vai espalhando seus raios multicolores.

Mas, se para os da Silveira é o Castelete o seu enlevo, para os habitantes da Vila fica-lhes a Montanha altaneira, plena de encantos, principalmente quando o Pico do Pico, nos seus 2.351 metros de altitude, principia a ser colorido com o Sol nascente.

E foi ali, na enseada do Castelete, que saltou o Fernão Álvares, com o seu cão, num pequeno rochedo, o penedo negro, que ali está arrostando contra as tempestades de Oeste.

E porque os homens mais não querem, resta aos lajenses a contemplação maravilhosa do Castelete a sul e da Montanha a norte. Ao menos essas duas maravilhas naturais a encrostar a avoenga vila.

Vila das Lajes,

20 -07-2010

Ermelindo Ávila