sábado, 29 de maio de 2010

Longe da Terra...

Longe e bem longe… Quase no extremo Sul do Arquipélago. Numa Ilha que mal conhece se bem que a primeira vez que a ela cheguei, há muitos anos, era bem diferente. Foi no verão de 1939, nas minhas primeiras férias de funcionário. Há setenta anos! Era tudo tão diferente. Não existia a actual e grandiosa avenida marginal. Os barquinhos do Manteiga (?) faziam o tráfego entre os barcos da Insulana e o cais da Alfândega. E esta, instalada no actual quartel da PSP, ficava mesmo junto ao muro que a separava do mar da doca.

E, a propósito de doca, nela se trabalhava para a fazer crescer mais vinte e cinco metros. De dia e de noite.

No lado da Matriz, ao lado do Aterro, ficavam os cafés: de um indivíduo que diziam ser judeu, não recordo o nome, mas que fornecia umas “cavacas” excelentes, e igualmente o Giesta, e outros mais.

Durante o dia, sentávamo - nos no passeio, frente ao Café, junto de bancas e em cadeiras de vimes da Madeira; à noite passeávamos no Aterro. Um viver pacato.

O “Bureau” de Turismo, com o saudoso Silva Júnior na gerência, fornecia os jornais e outras, raras, publicações.

Salvo erro, foi nesse ano que se inaugurou o Campo de Golfe das Furnas. Para a cerimónia inaugural, - por cá havia poucos praticantes daquela modalidade desportiva - veio de New York um milionário acompanhado do seu secretário, e foram eles que fizeram o jogo inicial. Mas houve também a “Matança de porco” no hotel “Terra Nostra” das Furnas. Isso provocou quase o despovoamento da cidade… Todas as viaturas disponíveis se encaminharam, na tarde do sábado, para aquele Vale com “forasteiros” para assistirem ao evento, já então pouco conhecido na cidade.

Estava no início a formação da Juventude Operária Católica, segundo o método do belga Monsenhor Cardijn. Era seu assistente o Padre José Joaquim Rebelo, meu antigo condiscípulo. E foi no terraço da sua moradia que conheci alguns jovens de Ponta Delgada, ou na cidade a exercerem a sua actividade. E que bons amigos foram eles!

Fiz as viagens de vinda e volta num dos barquinhos do Pico – o saudoso “Ribeirense” do comando do Mestre João Silveira Alves. Era a “Sata” daqueles tempos, que todos os açorianos de São Miguel e das “Ilhas de Baixo”, no dizer do Mestre Gaspar Frutuoso – hoje grupos Oriental e Central… - aproveitavam para uma deslocação rápida, pois o “Lima” e o “Carvalho Araújo”, só por cá passavam, para as Ilhas, de quinze em quinze dias. Mas as viagens eram tão regulares que, na minha ilha, eram conhecidos pelos vapores de doze e de vinte e oito! Tudo chegava a tempo, os passageiros, as cargas e a mala do correio, a menos que o tempo, no Inverno, não permitisse o tráfego nos pequenos portos.

Não mais esqueci aqueles belos dias passados na terra de Antero. Ficaram na minha lembrança para sempre. Outras viagens fiz até cá ou por cá, estas nas minhas idas para terras distantes: América, Canadá, Europa, Angola, Oriente… Mas aquela… E eu que havia saído de casa pela primeira vez, aos doze anos de idade, para a Ilha Terceira…

Há um ditado que diz: Recordar é viver! Pois hoje aqui estou a recordar com certa saudade esse distante mês de Agosto de 1939, quando

Vasco Bensaúde era o Senhor cá de quase todo o Arquipélago e “A Ilha”, sob a direcção do Dr. Agnelo Casimiro, advogado e professor liceal, era o alforge da Juventude irrequieta e interessada pela sua terra, fazendo do jornal uma tribuna livre, sob o olhar atento do Director, Silva Júnior, Victor Pedroso, Flamínio Peixoto, José Bettencourt (salvo erro), e outros mais, com o apoio de José Barbosa. Eu sei lá quantos!

Ilha do Arcanjo,

Maio de 2010

Ermelindo Ávila

sábado, 22 de maio de 2010

OS IMPÉRIOS DO ESPÍRITO SANTO

Não carecem de anúncios nem de reclames para que milhares de forasteiros se movimentem, durante as Festas do Espírito Santo por essa ilha fora. Eles vêm de toda a parte, das Terras da Diáspora, como soe dizer-se, ou mesmo de outras Ilhas, para estarem com as famílias e amigos e se sentarem, despreocupados, às mesas das funções, saboreando com gosto e prazer as tradicionais sopas e as carnes cozidas e assadas, recordando tempos idos em que a fartura sempre foi nota positiva nesta época festiva. E é uma alegria encontrar essa gente toda, felizes por poderem estar presentes nas Festas.

Nestes dias não há ninguém que passe fome na Ilha e até mesmo nos Açores. Para todos há sempre uma rosquilha, um pão ou um bolo de véspera, conforme os Impérios e os sítios onde têm lugar: no Sul, no Norte ou na Ponta.

Desde o Sábado do Espírito Santo, na Silveira, onde se realiza o Império que é um voto desde as erupções que destruíram uma parte das habitações de Santa Luzia e São João, até ao Domingo da Trindade, passando pelo Domingo do Espírito Santo, Segunda-Feira e Terça-Feira, há distribuição de Pão e, em alguns Impérios, também de vinho, a toda a gente. E é interessante ver o que por aí aparece. Dá-se a “volta à Ilha” passando pelos diversos Impérios e em todos eles se recebe um pão ou uma rosquilha. E não são maneiras, pois cada irmão prima por apresentar o seu açafate com boa e vistosa “massa”.

De salientar os jantares ou funções do Espírito Santo, pelos numerosos convidados – em alguns atingem o milhar – com as apetitosas sopas e as excelentes carnes, não faltando o bom vinho do Pico, nem até os refrescos, o arroz doce ou os bolos e, como “entradas” o tradicional queijo do Pico e a massa sovada. Uma ementa cautelosa e perfeita.

E há sopas para todos, mesmo para aqueles que possam aparecer, e são raros, sem convite...

Os chamados Impérios da Ilha do Pico têm uma tradição secular. São o cumprimento de votos feitos em épocas de tragédias medonhas, que o povo sempre respeitou.

Durante a guerra de 1939-45, quando havia carestia de bens alimentares e estes eram fornecidos através de senhas adquiridas nos departamentos administrativos do concelho, em chegando às festas do Espírito Santo, todas as restrições eram suspensas e nunca faltou a farinha, nem a manteiga para a confecção das vésperas para os Impérios nem para as funções – jantares. E mal seria se isso acontecesse...

Os picoenses, nesta época, naturalmente que despendem grossas quantias para garantir a manutenção dos votos de seus antepassados. No entanto fazem-no, embora com relativo sacrifício, com imenso prazer. Há lavradores que criam os animais a abater, e não são os mais inferiores, durante vários anos, até ao tempo em que têm de cumprir o seu voto. E quando isso não acontece, é sempre um dos melhores da manada que é escolhido, pois o Senhor Espírito Santo dará mais!

Como acima disse, as Festas não carecem de ser anunciadas. Estão sempre presentes na alma do povo açoriano. É um ritual que é cumprido anualmente com o maior respeito e não menor alegria.

Todos se preparam para elas com entusiasmo e devoção. E até, de longe se vão (iam) preparando as “vestimentas” a estrear nos dias das Festas.

Actualmente os rituais pouco diferem, de Império para Império. É uma tradição que se mantém respeitosamente e que se cumpre com entusiasmo, a menos a introdução das chamadas “rainhas”, (uma invocação da Rainha Santa Isabel) trazidas dos Estados Unidos na década de trinta do século passado, e que também se conservam, se bem que somente em algumas localidades. Todavia vão desaparecendo os foliões. Infelizmente. Mas a eles já aludi em anterior escrito.

As festas estão em casa. Que para elas todos se preparem com gosto e as gozem com alegria. Que as bênçãos do Divino Espírito Santo caiam sobre todos os seus devotos e não apenas.

A Paróquia da Matriz da Santíssima Trindade realiza o seu Império no dia do Apóstolo S. Pedro, a 29 de Junho. Reatou em 1940 uma velha tradição que andou muitos anos esquecida.

Na Ilha do Pico, o último Império terá lugar no dia 21 de Setembro na freguesia de S. Mateus, dia em que ali se realiza a festa do Padroeiro. Cumpre também um secular voto. Nele colabora a Paróquia e a população.


Vila das Lajes,

Maio de 2010

Ermelindo Ávila


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Os Foliões

NOTAS DO MEU CANTINHO


Quando a Rainha Santa Isabel instituiu a devoção ao Espírito Santo, naturalmente que foi destacado um grupo de tocadores de tambores para abrilhantar, se assim podemos dizer, a solenidade. Daí, e com a propagação da devoção à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, foram aparecendo os foliões, por certo o mais antigo sistema de acompanhamento dos cortejos processionais.
Com o rodar dos tempos, também foram surgindo os abusos, como acontece em todos os actos e acontecimentos tradicionais.

Referindo-se ao 9º Bispo da Diocese de Angra, D. Jerónimo Teixeira Cabral (1600-1612) informa o Cónego José Augusto Pereira na sua obra
“A Diocese de Angra na História dos seus Prelados”, que D. Jerónimo “Não foi menos rigoroso na correcção dos abusos de disciplina eclesiástica: - Proibiu que os foliões das festas do Espírito Santo bailassem mais na capela-mor das igrejas, na ocasião de serem coroados os imperadores.” E assim aconteceu.
Ainda hoje ficam os foliões à porta da igreja, a despedir o imperador, ou mordomo, quando nela entra, ou a recebe-lo à saída.

Com o aparecimento das filarmónicas, caiu em desuso, em muitas localidades, utilizar os foliões nos cortejos das festas do Espírito Santo. No entanto há algumas coroações”, apesar de serem acompanhadas por filarmónica, que ainda levam foliões, se bem que estes vão desaparecendo, pois não há quem substitua os antigos e tradicionais. E tratava-se de uma função que era exercida com muito interesse e dedicação, passando quase sempre de pais a filhos. Muitos deles conservaram o titulo transmitindo-o de geração em geração: “é filho ou neto do Folião”...

O tambor é instrumento que acompanha os corpos militarizados, para lhes dar a cadência do passo marcial. E isso acontece igualmente com os agrupamentos semi-militarizados: bombeiros, escoteiros, etc. Quando em cortejos, levam à frente, ao lado da bandeira respectiva, um ou mais tambores, onde os tamborileiros tiram sons compassivos com as baquetas respectivas.

Normalmente, os tamborileiros não se desempenham mal. Mantêm o ritmo ou cadência e conduzem o cortejo com ritmo marcial. E, nos foliões, ainda há quem saiba e entoe os cantares próprios, alguns deles trazidos dos velhos foliões. E para cada cerimónia há um cantar apropriado: a chegada a casa do mordomo, a partida do cortejo para a igreja, o cortejo, a entrada na igreja, o regresso a casa do mordomo, e durante o jantar. Era muito interessante e significativo o cerimonial que precedia o jantar dos “irmãos” na capela do Espírito Santo da Companhia de Cima, em São João, onde os foliões acompanhavam os serventes com o pão, o vinho, as sopas e a carne, da copeira para a capela onde o jantar era servido. Hoje será diferente?

Vale a pena conservar os foliões. Afinal, uma verdadeira instituição que vem de um passado distante e que acompanha a devoção, também secular, do Divino Espírito Santo.

Vila das Lajes, 29-Abril-2010

Ermelindo Ávila