domingo, 26 de janeiro de 2014

CARNAVAL

NOTAS DO MEU CANTINHO



O Carnaval ou Entrudo está na memória das gentes, principalmente daqueles que já passaram à idade dos patriarcas. Não faz mal, por isso, recordar esses tempos de diversão e festa popular em que as pessoas, de quase todas as idades, se divertiam de maneira ordeira e sem ofender terceiros.
Em poucas semanas estamos no mês do Carnaval. Quatro semanas que antecedem a Quaresma, mas que, talvez por isso, eram de dar largas à alegria prazenteira, antes que o tempo da penitência e do jejum chegasse. Isto para os católicos que, nestas bandas, eram a totalidade das pessoas. E aqui vale a pena recordar que, no ano de 1875, a população da paróquia da Santíssima Trindade, constituída por quase três mil pessoas, de ambos os sexos e idades, e de todas as condições sociais, e segundo o “Rol dos Confessados”, cumpriu o dever da desobriga pascal. Ninguém faltou!
O Carnaval iniciava-se com a “quinta-feira de amigos”. Um dia especial em que os amigos se reuniam para a tradicional ceia.
E depois vinham as outras: quinta-feira de amigas, compadres e comadres. A seguir eram o Domingo de Entrudo, também designado Domingo Gordo e os dois dias seguintes a festejar o rei mono, que a Quarta-feira, ou Quarta feira de Cinzas, davam início à Quaresma.
Numa rubrica do Missal Romano, consta a seguinte informação: “Nos primeiros séculos da igreja, os cristãos, que haviam prejudicado a comunidade cristã com escândalos públicos, expiavam-nos, durante a Quaresma.” E depois: “Na sociedade moderna, em que tudo se permite e tudo se procura contestar, não só se está a perder a consciência das repercussões sociais do pecado, como também o próprio sentido do mesmo.”
Felizmente que, por estes lados, o Entrudo não tem sido motivo para grandes distúrbios.
Na freguesia da Piedade, há a tradição do “Bando” ou o “Testamento do Burro”, com a distribuição dos seus membros e órgãos pelos parceiros mais contestatários. E não passa de cena hilariante.
Por aqui, que me lembre, somente um caso fortuito, nos anos trinta. Porque os figurantes punham a ridículo o clero trajando vestes talares e procurando desconhecer um edital da Autoridade Administrativa que isso proibia, aquela autoridade mandou-os prender e passaram uma noite na cadeia. Porém, no dia imediato, foram postos em liberdade e nada mais aconteceu.
Os ditos mascarados, (muitas vezes nem máscara usavam)
aproveitavam factos ocorridos no ano, até mesmo familiares, para os trazer a público de maneira jucosa, mas sem referir nem locais nem pessoas. Serviam de divertimento sem, contudo, ridicularizarem, directamente, as pessoas. Note-se, porém, que nas danças não entrava o elemento feminino. Eram os homens que trajavam de mulheres a fazer o papel destas. Outros tempos...
Nos chamados dias de Entrudo exibiam-se, pelas localidades, danças com argumentos picarescos que causavam a hilaridade dos assistentes. Por vezes, percorriam as freguesias da ilha e, simultaneamente, aproveitavam para entrudar, enviando farinha àqueles que se aproximavam. Não era costume usar água, até porque esse líquido, naqueles recuados tempos, não abundava. Outros, mais cerimoniosamente, usavam pó de arroz...
As danças, os jogos ou encontros de carnaval davam-se durante o dia, mais propriamente na segunda e terça-feira. À noite, era nas casas que recebiam máscaras, que se juntavam as famílias, os vizinhos e amigos para “ver mascarados”. Aí não se “entrudava”. Só se viam as máscaras ou se bailava, normalmente a chama-rita e, ainda, os “bailes de roda”, danças antigas de grande efeito e exibição artística, um tanto difíceis de executar e que, praticamente, desapareceram.
Hoje o Carnaval é “festejado” nas boites. E parece que não faltam frequentadores.

Lajes do Pico
Jan. 2014

Ermelindo Ávila

sábado, 18 de janeiro de 2014

IGREJA DE N.ª SENHORA DA CONCEIÇÃO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Como já anteriormente escrevi (in Figuras & Factos, vol. II pág.135) o convento franciscano foi construído em 1641, junto de uma ermida, fundada por Isabel Pereira. Mais tarde, o convento foi ampliado para Norte, e isso verifica-se pela cantaria do seu interior, e construída a Igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição. No dizer de Silveira de Macedo, a igreja era “um dos mais belos templos da ilha pelo primor da escultura dos retábulos e perfeição do douramento, possuindo os ornamentos necessários, vasos sagrados, uma lâmpada de prata, coroas e resplendores em todas as imagens”,1 quando um violento incêndio tudo destruiu, em Fevereiro de 1830.
O convento foi extinto, em 1833, por decreto de D. Pedro, e o último guardião, Pe. Francisco Salles, passou a habitar a casa anexa, onde hoje está instalado o jornal “O Dever”. Este padre passava dias no baldio a cortar madeira para o tecto da igreja e assim conseguiu “fechá-la ”. O altar mor parece que veio do extinto Convento da Glória que existia na Horta, no local onde hoje se encontra o mercado municipal. A antiga imagem da Conceição fora oferecida pela Santa Casa da Misericórdia da Horta. E assim ficou a igreja, modestamente reconstruída. Foi nela que se realizou a primeira festa de N.ª Senhora de Lourdes, em 1883, pois, apesar de então ser um templo modesto, era mais amplo do que a secular Igreja Matriz construída em 1506, pois, no dizer de Frei Diogo das Chagas, “ muitos anos não teve esta ilha outra freguesia mais que esta, e de todas as partes aonde moravam os povoadores vinham a ela, que foi uma pequena Igreja do Apóstolo Sam Pedro (que hoje é ermida) sua paróquia (...) a qual por ser pequena trataram de fazer outra em o meio da Vila, como de efeito fizeram, no lugar que hoje está, do Orago da Santíssima Trindade, para cujo efeito lançaram finta em todos os moradores da ilha e nas fazendas dos Ausentes”. 2
Os moradores (em 1505) eram 45 e o dinheiro da finta somou 28.011 reis.
Com os estragos sofridos, durante séculos, a igreja matriz ficou muito degradada, tentando-se, nos últimos anos de 1800, construir uma nova igreja no local da anterior. A primeira pedra foi lançada, em 7 de Julho de 1895.
Os serviços paroquiais, mediante alvará de 16 de Janeiro de 1902, do Governador do Bispado, foram então provisoriamente transferidos para a Igreja do Convento, que passou a ser, até 1967, a verdadeira Matriz. E por isso o seu interior foi sendo melhorado e adaptado aos serviços paroquiais, durante 65 anos.
Para a imagem de Nossa Senhora de Lourdes construiu-se, no lado leste, um singelo altar, desenhado pelo ouvidor e cura, P. Francisco Xavier de Azevedo e Castro e por ele construído com a ajuda do carpinteiro Manuel Feliciano, pai do antigo pároco da Silveira e também ele ouvidor, Pe. Manuel Vieira Feliciano. Nunca chegou a ser dourado. Para a festa de Nossa Senhora de Lourdes, o retábulo era forrada com chapas de cortiça e o nicho com pedra queimada a simular uma gruta.
Para o altar do lado oeste foi adaptado o retábulo de um dos altares da antiga Matriz. Nessa altura foi construído um coreto, retirado com as últimas obras de restauro
A Companhia Baleeira Venturosa custeou a construção de um novo altar, dedicado ao Senhor Jesus, executado pelo Mestre Contente, da Feteira da Horta, que para a Silveira viera construir os altares e púlpitos da respectiva Igreja que havia sido pasto de um pavoroso incêndio, na noite de 24 de Junho de 1924. Mestre Contente, depois de concluir as obras da igreja da Silveira veio para as Lajes e construiu o altar do lado oeste e também o púlpito.
O altar do Senhor Jesus e a capela mor, na década de trinta, foram pintados e dourados pelo pintor-dourador Virgínio de Simas Belém.
A pintura e douramento do altar do Senhor Jesus, realizados a expensas da Companhia Venturosa, no dizer do artista, obedeceu ao estilo de ouro sobre marfim. O tecto da capela-mor ainda hoje mantém, restaurada, uma pintura cujo desenho é da autoria do mestre Virgínio Belém.
O singelo e modesto altar do lado leste foi substituído por um outro, de talha idêntica ao do Senhor Jesus, executado pelos Irmãos Rodrigues Quaresma, que já haviam anteriormente construído o altar e o púlpito da ermida de S. Sebastião - o - Novo, da Ribeira do Meio e que, depois, foi pintado e dourado pelo artista Manuel Madruga, neto do mestre Virgínio.
Com o sismo de Julho de 1998, a igreja da Imaculada Conceição voltou a sofrer diversos estragos. O Governo Regional incluiu-a, então, na relação dos prédios danificados, e isso permitiu ser o velho templo completamente recuperado: retirou-se o coreto, a meio da igreja, por desnecessário, bem como uma parte do coro, que havia sido acrescentada quando a igreja passou a ser paroquial.
Todos os altares foram restaurados, pintados e dourados por artistas micaelenses, depois das obras de restauro.
Actualmente, além de outras, na capela-mor está a formosa Imagem de Nossa Senhora da Conceição, da autoria do mesmo escultor que executou as que se encontram na Igreja da Conceição de Angra e da Matriz de S. Cruz das Flores e que foi adquirida, em 1906, com donativos recolhidos nas diversas ilhas pela devota Rita Carolina.
A igreja do convento de São Francisco deve ter voltado ao primitivo estado de primor da escultura dos retábulos e perfeição do douramento, como diz Silveira de Macedo, quando foi reconstruída.
Lajes do Pico
2 de Dezembro de 2013.
Ermelindo Ávila

1Macedo, A.L.Silveira de – História das quatro Ilhas...

2Chagas, Frei Diogo -Espelho cristalino em jardim de várias flores

O NOSSO CASTELETE

NOTAS DO MEU CANTINHO


A ilha do Pico tem três casteletes: um na Prainha, outro na Ponta da Ilha e o terceiro aqui ao lado, aquele que, aliás tem a sua história, porque foi junto dele que desembarcou o primeiro povoador. Já dele escrevi aqui há anos, mas vale a pena voltar a recordá-lo neste cantinho.
Ele está ali, ao Sul da Vila, como guarda avançado, protegendo-a dos mares, ciclones de Sudoeste e Oeste. (Felizmente para nós, que os temporais que têm assolado diversas partes do Universo, têm acontecido no quadrante Norte, onde os estragos e as vítimas humanas são de elevado número e para lamentar.)
O Castelete foi o farol que indicou a Fernão Alvares o local privilegiado para os primeiros povoadores aportarem à ilha e nela se fixarem. A “fajã” era vasta e permitiu o estabelecimento das gentes que o Infante mandou para povoar a Ilha. Era o Castelete que defendia e defende ainda hoje a extensa planície, depois transformada na avoenga vila. Daí, talvez, ter recebido a denominação de castelete, ou “pequeno castelo”.
Nele viceja a urze, (Erica azorica), que, se está a desenvolver de maneira notável e que, em anos passados, era utilizada nas tradicionais “matanças dos porcos” para queimar ou chamuscar o pelo do animal abatido.
Alguns traziam a urze das pastagens onde essa espécie arbórea existia (e existe em grande desenvolvimento) a servir de abrigo aos animais que lá passam o Inverno; outros, poucos, subiam ao castelete e de lá traziam as chamadas vassouras, para utilizar no chamusco dos porcos. Mas hoje parece que a Erica azorica é espécie protegida e, consequentemente, proibida é a sua utilização. Demais, as matanças que ainda se fazem, mas poucas são. A maioria utiliza os serviços do matadouro industrial, ao que me informam.
O Castelete é sobretudo a sentinela avançada que protege a vila das Lajes das tempestades marítimas e, por outro lado, empresta beleza panorâmica ao burgo.
A vila das Lajes e toda a secular freguesia da SS.ma Trindade (especialmente Ribeira do Meio, Almagreira, Silveira e Soldão) está encastoada entre aquela elevação a Sul e a grandiosa Montanha a Norte. A Leste fica-lhe a montanha do Topo, a maior elevação da primeira Ilha.
Só as nuvens, no Inverno, nos privam do gozo diário deste amplo ambiente. Todavia, poucos reparam nesta beleza panorâmica que nos rodeia. No entanto, para nós que na vila habitamos, é um regalo contemplar, principalmente em dias de Primavera e Verão, estes acidentes geográficos que a natureza nos oferece. E isso nos basta para amenizar o nosso secular isolamento, cada vez mais acentuado...
O dia da matança era sempre um dia especial para as famílias que podiam criar o suíno para garantia da sua subsistência durante alguns meses. Para os filhos e famílias era o dia maior. Pedia-se dispensa na escola e jogava-se todo o dia, com outros parceiros da mesma idade, com a bexiga do animal, cheia de ar a servir de bola.
Para os adultos não deixava de ser um dia festivo, embora bastante trabalhoso: lavar as tripas do porco para serem utilizadas nas morcelas e na linguiça, preparar as refeições para os numerosos familiares e convidados que sempre os havia.
Se a matança se realizava dentro da época carnavalesca, a noite era destinada a “ver os mascarados” que passavam em visita pelas diversas casas e bailar as habituais chama-ritas. Nesses dias, não faltava quem fosse “a terreiro”, como diziam. Aparecia sempre uma viola e alguns bailadores, a menos que a casa não dispusesse de sala apropriada.
O Castelete somente serve, agora, como acidente panorâmico para regalo daqueles que, de perto ou de longe o descobrem.
Permanece quase como “nasceu” talvez em resultado das erupções vulcânicas que formaram a ilha. A menos, um pequeno pico que já desapareceu com as contínuas tempestades marítimas.
Vale a pena contemplar o pequeno promontório, guarda avançado da vila que lhe empresta autêntica beleza panorâmica.

Vila das Lajes do Pico
Janeiro de 2014.

Ermelindo Ávila 

AS SOPAS

A MINHA NOTA


Quando os picoenses falam em sopas vêm logo à memória as tradicionais “Sopas do Espírito Santo”. Mas, actualmente, embora a confecção desse apreciado manjar seja o mesmo, as sopas são utilizadas para diversos fins.
Lugares há em que os “banquetes” dos casamentos, se é que ainda hoje se fazem, têm como prato principal as “sopas”.
E basta referir somente esse designativo que logo se sabe que se trata das tradicionais sopas do Espírito Santo.
Presentemente, cozinham-se as sopas, e só especialistas o sabem fazer, para celebrar ou promover os jantares das funções
do Espírito Santo ou desses outros que agora vão aparecendo, como sejam as “sopas de solidariedade”, se realizam com diversos fins, sobretudo para a angariação de fundos para obras comunitárias.
De qualquer forma, não deixa de ser aceitável e até louvável a organização dos almoços de sopas do Espírito Santo. Acontece mesmo que, em alguns lugares, leva-se a Coroa do Divino Paráclito à Igreja, para a celebração da Eucaristia que antecede os almoços. Noutros fica-se somente pelas sopas...
Apesar de tudo há, nos almoços com as sopas, algo de meritório que convém destacar. Refiro o comunitarismo que esses almoços proporcionam. São uma maneira simpática de as pessoas se juntarem e de confraternizarem de maneira amena. Com o isolamento social que hoje se verifica, quantos deles só se encontram nessas ocasiões!
E as iniciativas picoenses já passaram, ao que consta, a outras ilhas. Hoje realizam-se almoços com sopas para angariar fundos para a realização de melhoramentos nas igrejas, nas sedes sociais e para outros fins de interesse colectivo. É a verdadeira solidariedade que se põe em prática e que constitui uma maneira fácil de se realizarem obras sociais que, sem essas ajudas, dificilmente se poderiam concretizar.
Em todos os tempos os jantares, ou hoje almoços do Espírito Santo, tiveram uma característica profundamente caritativa. Presentemente, não se trata de caridade propriamente dita mas de um novo sistema de auxiliar quem desse auxílio carece. E o Pico que, creio, foi a primeira ilha onde se promoveram os almoços de sopas, deu um grande exemplo de inter-ajuda e solidariedade que merece os melhores louvores. Aqui os deixo com muita sinceridade.

Vila das Lajes do Pico,
Janeiro de 2014.

Ermelindo Ávila 

O ANO QUE COMEÇA...

Notas do Meu Cantinho



Entramos no ano dos centenários. Um ano que começa por lembrar o crime de Sarajeve de que resultou o assassínio do príncipe herdeiro do trono austro – húngaro, Francisco Fernando e sua mulher. Não havia trinta anos que terminara a guerra franco - prussiana. E foi a Alemanha que declarou guerra à França e à Rússia. À França aliou-se a Inglaterra e depois a América. Nessa Grande–Guerra, como foi denominada, tombou um Lajense, então emigrante nos Estados Unidos. Um outro ficou gravemente ferido e, quase por milagre, não ficou nos campos da batalha. Mas muitos portugueses, por lá ficaram, principalmente, na célebre batalha de 9 de Abril.
A Grande Guerra terminou quatro anos depois. Lembro-me ainda do foguetório que aqui houve quanto se soube, por um telegrama de Agência Noticiosa, que havia terminado a guerra aquele monstro, que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas, e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta, no dizer do Pe. António Vieira (1).
Mas, afinal, outra guerra, mais terrível, havia de rebentar em Setembro de 1938, - vinte anos depois! – e que fez desaparecer tantas vítimas inocentes. Na memória de muitos ficaram os tenebrosos campos de concentração, autênticas câmaras da morte para milhares de judeus inocentes. Procuro esquecer o que me foi dado ver num desses campos de morte que ficaram como testemunhas vivas das atrocidades cometidas pelo criminoso Hitler.
Portugal não combateu na segunda grande guerra mundial, 1939-1945. Todavia, não deixou de suportar os efeitos desse monstro cruel, na limitação de géneros, na penúria que viveu e que deixou sinais bem profundos na economia da maioria dos portugueses. “O pai não tinha seguro o filho, o rico não tinha segura a fazenda, o pobre não tinha seguro o seu suor, o nobre não tinha segura a honra, o eclesiástico não tinha segura a imunidade, o religioso não tinha segura a cela, e até Deus nos templos e nos sacrários não estava seguro”. E não foi hoje que o Pe. António Vieira isto proclamou (ou escreveu) num dos seus sermões (1) entre 1608 (seu nascimento) e 1697, ano do seu falecimento.
O mundo vive, presentemente, uma crise moral, social, económica e financeira. Tal, ou bem pior, como aquelas que vivemos e suportamos no século passado, quando as guerras assolavam impiedosamente a humanidade. As acções criminosas sucedem-se. A fome atinge muitas famílias. Nas cidades, principalmente, encontram-se já dezenas ou centenas de seres humanos, os sem-abrigo, a viver na rua. As crianças, aos bandos, a percorrer as localidades, mendigando um naco de pão. E as sopas dos pobres vão debelando, aqui e ali, a fome que muitos atinge. E os governos, fingindo alheamento a tanta miséria, continuam a despedir empregados, a diminuir salários, a reduzir pensões, a criar impostos e as alcavalas suplementares.
Durante e mesmo depois da guerra de 1914, também muito sofreram os povos, com a penúria dos géneros que escasseavam. E até havia um dito do povo: Todos os navios que aparecem no horizonte são os navios do trigo. Mas, raramente, este e outros cereais aqui chegavam. E o povo gritava: Se há para aí quem tenha lixo / ou moinha p´ra vendar / ou cascas de ovos / milho ... faz favor de me dizer/ - pão, pão, pão, pão ...
Na guerra de 1939, os submarinos alemães, dizia-se, acostavam à ilha e daqui levavam a carne, a manteiga, e outros géneros e, no alto mar, recebiam peixe dos barcos de pesca em zonas previamente combinadas.
E o racionamento era de tal grandeza que funcionavam as senhas, distribuídas pelas autoridades administrativas, para o fornecimento do petróleo, do açúcar, da farinha, e não sei que mais. Uma carestia de vida angustiante e dolorosa.
Hoje não temos guerras com armas, por estas bandas. Mas os povos não deixam de suportar as restrições atrozes que lhes são impostas de governos que apregoam ser do povo e pelo povo. Uma autêntica farsa.
Estamos chegados a um novo ano. As perspectivas são tristes e causam angústia pela incerteza do dia que segue.
No entanto, aqui deixamos o nosso voto muito sincero, fraternal e amigo de que todos tenham um ano novo muito feliz.

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  1. Vieira, Pe. António – Sermões, vol. 2º.

Vila das Lajes, Ilha do Pico,
Jan. 2014

Ermelindo Ávila.

AS FESTAS TRADICIONAIS

NOTAS DO MEU CANTINHO



Vieram do Oriente
Os Santos Reis Magos
Adorar o Deus Menino
Numa manjedoira deitado

Dia de Reis - Foi, em épocas passadas, um dos mais festivos da Cristandade. Com ele se fechava o Ciclo Natalício.
Liturgicamente assim acontece mas, para a generalidade das pessoas. quase passou ao esquecimento. E era o dia em que se celebrava a visita dos Santos Reis Magos ao Menino Deus ainda no Presépio de Belém.
Organizavam-se, em quase todas as localidades, “Ranchos de Reis” que percorriam as casas onde estava exposto em Presépio, mais ou menos original ou em altarzinho, o Menino Jesus. E era aí que se cantavam as loas natalícias.
O cortejo não deixava de ter o seu brilho e interesse natalício.
À frente, uma criança, trajando uma túnica branca, empunhava uma vara onde era aplicada uma estrela - aquela estrela que, segundo a descrição evangélica, guiou os Magos do Oriente até à gruta de Belém, 2013 anos, - mais ou menos – são decorridos. Hoje pouco se fala ou escreve sobre tão notável acontecimento. Recorda-se o Natal, simplesmente, como “Festa da Família”, onde aparece, vestido com trajes esquisitos de vermelho, ornados de branco e com uma carapuça vermelha com bola, a figura burlesca do “Pai Natal”, aquele que dá prendas aos graúdos e miúdos. A pura essência da celebração que é a evocação do Nascimento do Filho de Deus, que ao mundo veio para redimir a Humanidade, vítima da culpa dos nossos primeiros Pais, só a Igreja a comemora e, com ela, os cristãos fiéis à sã doutrina evangélica.
Na evocação de uma bastante antiga tradição, a Igreja celebra a visita dos Magos anunciada por Isaías:”Todos virão de Sabá carregados de ouro e de incenso e a cantar as glórias do Senhor”.
Na sua notável “Vida de Jesus” escreve Plínio Salgado: Os três magos do Oriente,(...) não eram, pois, três supersticiosos, capazes de acreditar em absurdos, principalmente em se tratando de astronomia. (...) A estrela dos Magos não era, talvez, uma estrela espectacular, um cometa, por exemplo, possivelmente, de um astro, cujo roteiro, longamente estudado e conhecido dos astrólogos da Caldeia, deveria ocupar determinada posição no mapa celeste(...) Além dos conhecimentos do mundo sideral, os sábios de Assur e de Sinear versavam antigos textos orientais, não lhes sendo estranhos os referentes ao aparecimento de um grande Rei, até mesmo com previsões pormenorizadas e designando datas, como no caso das setenta e nove semanas de anos de Daniel.(1)
Eram esses Magos que o povo cristão evocava e alguns ainda recordam, no final das festas natalícias. E os ranchos organizados, cantando suas canções tradicionais, percorriam, como disse, as casas onde se expunha a pequena imagem do Menino, ou havia presépio armado, numa evocação da Gruta de Belém onde o Menino nasceu.
Novos e velhos deliravam com a visita. E, quando o rancho se aproximava, cantando “viemos do Oriente, / adorar o Deus Menino,/ que nasceu em Belém ... ”, toda a família, e até vizinhos, se aproximavam do Presépio a aguardar a chegada.
No rancho não faltava o rei preto, que era, esse sim, o terror da miudagem. E havia crianças vestidas de anjo, pastores, jovens e donzelas a formar o cortejo. Hirtos e sérios saudavam os donos da casa e cantavam.
E cantavam ao Menino. Depois eram servidos os figos passados (doce da época) com a aguardente ou a angelica, também caseiras. E, a seguir, lá ia o rancho a visitar outro Presépio, pois as árvores do Natal chegaram mais tarde, vindas do outro lado do Oceano...
Em anos passados, o dia 6 de Janeiro era o “Dia de Reis”, no qual se celebravam os santos Reis Magos do Oriente. Hoje a Liturgia católica destina esse dia à Epifania do Senhor, ou seja à Manifestação ou Aparição do Senhor como Rei do universo. E, com essa celebração, fecha-se o ciclo natalício. Que o ano novo traga a todos paz, alegrias, prosperidades e felicidades espirituais e materiais.
_________
  1. Salgado, Plínio, “Vida de Jesus, 7ª edição, Ática Lda. 1951, pág. 60.


Vila das Lajes, Jan. 2014
Ermelindo Ávila


quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

ANO VELHO ... ANO NOVO ...

NOTAS DO MEU CANTINHO



Não se pode entoar um “requiem” solene pelo ano de 1913. Quando muito uma simples “prece” pelo seu desaparecimento.
Além de ser um número aziago – 13 – na realidade não deixa saudades.
Portugal sofreu, ao longo do ano, as mais atrozes tropelias
daqueles a quem confiou esperançado, a governação. Enganou-se? Mas quem mais seria capaz de ocupar o lugar, se as experiências anteriores também não foram de melhor cariz?!
Os portugueses, e afinal a quase totalidade da humanidade, vivem horas de angústia e sobressalto com o que se vai passando pelo mundo: miséria, fomes, doenças, desemprego. Um cortejo enorme de lágrimas e de incerteza sem que se vislumbre, para breve, o saneamento indispensável e urgente de tamanhas desgraças.
Infelizmente, não se encontra quem seja capaz de enfrentar dolorosas calamidades e de pôr um tampão a essa corrente caudalosa de misérias que a quase todos atinge. É que, como normalmente acontece, quase sempre ficam de fora uns tantos privilegiados que, cautelosa e atempadamente, se afastaram do descalabro económico em que nos lançaram e continuam, à parte, a gozar as benesses de capitais ardilosamente arrecadados e ardilosamente afastados.
Até quando esta nefasta situação, perguntamos nós?
Enquanto a crise durar, ao lado continuam as greves, as manifestações inflamadas de parceria com o descalabro do desemprego, de mistura com a fome, a doença mal cuidada e a miséria devastadora.
É tempo dos serviços públicos tomarem medidas honestas, sérias e profícuas.
Já basta de tanta solidariedade fingida. Já basta de tantas e suspeitosas falências; de diminuir os vencimentos e os salários, e cortar os subsídios e abonos complementares; de desfalcar o património nacional, com a subsequente perda dos respectivos rendimentos.
Desfazer-se dos bens próprios, é profundamente desolador. Perder o património, entregando-o a potentados estranhos, é limitar a própria independência e passar, irremediavelmente, a ser dirigido por potentados estrangeiros.
E, quando nada mais houver para “transferir” para as mãos de empresários estranhos, o ouro que ainda resta e que está a garantir os fundos bancários, também caminhará para outros governos, transformando Portugal numa mera província estrangeira.
Estarei enganado?
Lembro as exigências da antiga Sociedade das Nações a quem impunha poder fiscalizar a actividade do Governo Português para lhe caucionar o empréstimo indispensável ao equilíbrio das finanças nacionais. Lembro o equilíbrio financeiro alcançado e a compra de ouro, trazido às toneladas pelos barcos dos “Carregadores Açorianos” e outros, para os cofres do Estado Português. Recordo o financiamento de Portugal às Nações beligerantes, durante a guerra 1939-1945. Mas tudo passou ao esquecimento.
Estamos a entrar no ano novo. Esperamos que ele traga aos portugueses dias melhores. Que a fome desapareça e deixe de haver necessidade das sopas do fim de semana e das ajudas solidárias, exigidas pelo desemprego e pela fome que essa situação acarreta. Que uma vez por todas a célebre Troika deixe de cruzar a fronteira e de aparecer na capital, a controlar a administração, a impor medidas cautelares, a fixar a meta das despesas normais com a extinção de serviços, o despedimento de funcionários, o limite dos salários e outros proventos legais, a exigir o aumento dos impostos, afinal, a transformação do velho Portugal numa filial da Comunidade Europeia.
Que a situação tenebrosa que vem sendo imposta aos portugueses se afaste para sempre.
Que desapareça de uma vez por todas o espectro do antigo político: “Adeus Portugal, que te vás à vela!”
Que Portugal volte a ser um País livre, e possa vir a dar, como outrora, lições novas ao mundo.
Que acabe, quanto possível, o flagelo da emigração; os portugueses se sintam bem na sua Pátria e não tenham de abandoná-la para encontrar trabalho e salários dignos, em outras nações.
E para todos os que lerem estas linhas, os mais sinceros votos de um ano feliz!


Lajes do Pico,
Dezº 2013.

Ermelindo Ávila.