sábado, 26 de julho de 2014

ANGRA DOS ANOS TRINTA

NOTAS DO MEU CANTINHO

Até meados do século XX, as ilhas açorianas eram terras quase ignoradas. Poucos eram os contactos que as suas gentes tinham com o exterior e, muitos açorianos nasciam, viviam e morriam sem conhecer a ilha que lhes ficava fronteira.
A navegação era escassa, pois os dois barcos da Empresa Insulana de Navegação que explorava a rota Lisboa – Madeira - Açores só saíam da capital duas vezes no mês. Por cá, inicialmente, eram os vapores de doze e de vinte e oito, dias em que chegavam a esta ilha.
Raramente, um dos barcos da Frabe Line – normalmente o “Sinaia”, passava no porto de Angra, pois a sua rota era Providence, (nos Estados Unidos) – Horta - Ponta Delgada - Lisboa.
Uma vez passou em Angra o “Saturnia” e o jornalista, convidado pela agência a visitar o barco, escrevia, admirado: É uma verdadeira cidade flutuante. Foi tal o assombro que lhe causou o luxo do transatlântico.
Valiam os barcos do Pico que, no verão, percorriam as ilhas do Grupo Central e Oriental. Primeiro a lancha “Calheta” e, depois, o “Ribeirense”, a seguir o “Andorinha”, para terminar no “Terra Alta” – “Terrialta” como vulgarmente era conhecido. E que alegria causava aos picoenses, ou picarotos, residentes em Angra, a chegada de um barco do Pico! Mas muitos dos angrenses também não faltavam, principalmente, para receberem notícias de S. Jorge a que alguns estavam ligados ou somente para assistir ao movimento do porto.
Certa ocasião, o “Andorinha” preparava-se, ao entardecer, para viajar para Ponta Delgada. Estava acostado ao Cais do Porto de Pipas. Terminada a manobra, iniciou muito lentamente a marcha e ia rodando a ponta do Cais, rumo a S. Miguel, quando um cavalheiro, caminha para a beira do molhe e diz: Mestre José Gaspar, pode trazer-me de S. Miguel uma dúzia de laranjas? Sim, Sr. João Baldaia, foi a resposta. Este um caso apenas de entre muitos outros idênticos.
Angra, apesar do isolamento, era uma cidade onde ainda existia e se respeitava certa aristocracia. Ainda conheci algumas senhoras irem à Missa dominical da Sé em coche puxado por dois lindos cavalos e com cocheiro de chapéu de pelo e luva branca.
Mas, mau grado o isolamento com o exterior, Angra tinha uma vida social e cultural intensa. Além de Famílias distintas que conservavam com certo orgulho as tradições do seu passado, tinha um ambiente cultural distinto, mercê das personalidades que por lá existiam.
Não dispunha, ao tempo, de grandes estabelecimentos comerciais mas tinha diversos e de variados ramos. A Loja do Atanásio era o centro de reunião da melhor sociedade angrense. Na Livraria Editora Andrade, à rua Direita, reuniam os intelectuais. E recordo o Tenente Coronel José Agostinho, o Dr. Luís da Silva Ribeiro, o Dr. Henrique Braz, o escritor Gervásio Lima, o Dr. Francisco Lourenço Valadão Jr., Maduro Dias, João Costa Moniz, Raimundo Belo, Dr. Cândido Forjaz, Dr. Manuel de Sousa Menezes, e tantos outros, que ali publicavam seus livros, apreciavam as recentes publicações e analisavam a vida intelectual.
E havia comerciantes de grande prestígio. Recordo Manuel Borges de Ávila, Manuel Magalhães, Basílio Simões, casa de atacados, e moagem de farinação de trigo e o sr. Pereira, da Rua Direita, o Lourenço. E tantos mais.
Luís Ribeiro, além de advogado, funcionário administrativo e etnógrafo distinto, era um grande violinista e crítico musical. E falando de música, lembro Tomás Borba, Henrique Vieira, com a sua orquestra, o Pe. José de Ávila e o orfeão do Seminário, estabelecimento de ensino de grande prestígio cultural pelos Mestres de que dispunha: Dr. Bernardo Almada, Dr. José Pacheco Bettencourt, Dr. Cardoso do Couto, Dr. António Vasconcelos, Dr. Garcia da Rosa, Cónego Pereira, Pe. Costa Ferreira e outros mais.
Desse prestigiado grupo de intelectuais surgiu mais tarde o Instituto Histórico da Ilha Terceira, presidido pelo Dr. Luís da Silva Ribeiro.
Mas a cidade não se ficava pelos seus habitantes e actividades económicas, sociais ou literárias. Eram notáveis as reuniões do Clube Musical, do Lawn Tennis Club ou da Cozinha Económica, para não referir o Teatro Angrense.
Subir à estrada de S.to António do Monte Brasil, ou à Memória; deixar para trás o histórico burgo e entrar no Jardim Público e acolher-se às suas frondosas árvores ou gozar o perfume deleitante do imenso roseiral que vicejava no relvado viçoso e lindo, além de outras espécies raras, tudo carinhosamente cuidado pelo antigo jardineiro, uma pessoa simpática e acolhedora, e, ao domingo, assistir aos magníficos concertos da Banda Militar; voltar às ruas do histórico burgo e ir até ao Pátio da Alfândega e aí encontrar alguns amigos ou conterrâneos, que os havia, gozar o espectáculo das bonançosas águas da esbelta baía ou tentar assistir à chegada de algum barco do Pico, anunciado pelo “facho”, e portador de alguma notícia familiar; quem não recorda esta cidade que, justamente, é hoje Património Mundial?
Angra do Heroísmo era assim nos anos trinta. Recordo-a com um misto de saudade, embora nem tudo nem todos possa aqui lembrar. São passados tantos anos...


Lajes do Pico,
Julho de 2014.

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 21 de julho de 2014

COISAS DO ARCO-DA-VELHA...

A MINHA NOTA

Assim reza o velho ditado, quando algo acontece contrário ao senso comum. E tantas que elas são!...
Durante anos, levou-se a reclamar a falta de um médico para o concelho. O facultativo ou médico municipal que cá havia, estou a referir-me ao princípio do século passado, mudou-se para S. Jorge e, até 1928, deixou de existir um médico, socorrendo-se os pacientes dos chamados “homeopatas”, que lhes aplicavam, normalmente, mezinhas caseiras.
Geralmente, eram os padres que, sendo cura de almas, eram também, por vezes com sucesso, cura de doentes. Tanto assim que, nos programas de ensino do seminário existia a aula de “higiene”, que mais não era do que os rudimentares ensinamentos da medicina caseira. O título do método era elucidativo: “O padre junto dos doentes e moribundos”.
Na minha adolescência, fui tratado por um excelente sacerdote que aconselhou que me ministrassem uma mesinha em água, às colheres.
Naquele ano de 1928, a Câmara Municipal conseguiu trazer para o concelho um médico que aqui se conservou durante quarenta anos. Que óptimo e competente era esse facultativo, o inesquecível Dr. José Pinheiro Cardoso de Campos.
Em 1960, a Misericórdia conseguiu abrir o, então classificado, hospital sub-regional. O Dr. Campos, entretanto adoeceu. E que pesar tinha ele de não poder desenvolver a sua actividade. Dizia-me: “Veio tarde o hospital”.
A ilha dispôs de médicos municipais em S. Roque e Madalena. A um deles, o Dr. Tibério de Ávila Brasil, erigiram um busto. Como podiam ter dedicado outros aos Dr. Campos e Dr. Luís Caetano de Mendonça, que bem o mereciam.
Outros médicos foram aparecendo e, actualmente, o hospital, que passou a ser simplesmente “centro de saúde”, tem um bom e respeitável corpo clínico. Mas, quando isso acontece, cortam-lhe, abruptamente, o desenvolvimento concentrando “contra natura” os serviços médicos num único centro de saúde, precisamente, aquele que é mais desaconselhável pela distância a que fica da população da ilha. Melhor: as urgências nocturnas e alguns serviços de diagnóstico.
Toma semelhante medida quem nunca viveu nas ilhas secundárias, onde a população é dispersa e envelhecida e, consequentemente, mais carecida de assistência médica. É que não conta a população, quando ela é nova e saudável. Mas quando a juventude vai desaparecendo e só ficam os idosos e doentes, apenas lhes podem valer duas instituições: as casas dos idosos e os centros clínicos.
A ilha do Pico, que nunca necessitou de asilos, hoje dispõe de quatro. Para os doentes dispunha de três unidades hospitalares, equipadas para os primeiros cuidados assistidas por médicos dedicados e acolhedores que atendiam os doentes, a qualquer hora do dia ou da noite. Agora ?!...
Com a saúde não se brinca, diz o povo. Estão em jogo muitas vidas e estas nem pagas nem substituídas podem ser.
Quase que é pena um daqueles que está a inventar estes serviços atabalhoados da saúde, não viver na Piedade e, em certa noite, não lhe aparecer uma pequena enxaqueca que o obrigasse a socorrer-se de um médico. Ia percorrer um môio de quilómetros para ir `a “Urgência” no Centro da Madalena?
Escreve quem isso conhece e sabe quanto custa!...
Só é para admirar que a “mudança” se não tenha feito com foguetes e um cálice do festejado néctar das parreiras picoenses.
Não serão “coisas do arco da velha”. Dos novos é que não devem ser, ou, antes, não deviam ser.

Pico, 13 de Julho de 2014.

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 16 de julho de 2014

JUNHO, O MÊS DA ALEGRIA

NOTAS DO MEU CANTINHO


Chegámos ao mês de Junho, o mês da alegria. Este ano é mesmo em cheio. No segundo domingo é o dia de Pentecostes, e nele principiam os “impérios”, com excepções do sábado anterior e do dia de S. Mateus, em que se realizam, na Silveira e naquela freguesia, impérios com distribuição de pão e rosquilhas, respectivamente, em cumprimento de votos feitos por ocasião das erupções vulcânicas de 1718 e 1720, que tanto abalaram as gentes do Sul do Pico.
No mês de Junho, para além das festas tradicionais de Santo António, São João e São Pedro, na ilha do Pico têm lugar os “impérios do Espírito Santo” .
Escreve Lacerda Machado:”No ano de 1523 desenvolveu-se na ilha de S. Miguel uma desoladora peste, que ocasionou 2.000 vítimas e se comunicou ao Faial no mês de Julho. O pânico foi geral em todas as ilhas e os povos aterrados recorreram a preces públicas, procissões e invocaram em especial o Espírito Santo, prometendo distribuir pelos pobres anualmente, pela festa de Pentecostes, as primícias de seus frutos, se escapassem do terrível flagelo, que se não comunicou ao Pico. – Instituíram-se irmandades em honra do Espírito Santo, celebrando-se em seu louvor bodo solenes, com folias e bailes ao uso do tempo.”(1)
Com as excepções atrás referidas, os impérios realizam-se na ilha nos três dias do Pentecostes e no domingo seguinte, ou domingo da Trindade.
Segundo investigação publicada pelos jornais picoenses, Jornal do Pico e Ilha Maior, respectivamente das vilas de S. Roque e Madalena, realizam-se na ilha do Pico 45 impérios. Nesses dias há jantares para cerca de vinte mil convidados, e rosquilhas, pão ou vésperas, consoante as localidades, para quarenta a cinquenta mil pessoas, aproximadamente. Nos impérios distribuem-se cerca de trezentas mil vésperas. Em alguns impérios mantêm-se a tradição de distribuir pão de “água” ou de “ovos”, como é o caso da Silveira e Ribeira do Meio. No lado Sul da Ilha, da Calheta à Madalena, faz-se a distribuição de rosquilhas e, na parte Norte, de “vésperas”, um bolo especial, de fabrico trabalhoso mas muito apreciado.
Quaisquer que sejam, todas as “vésperas” são bastante apreciadas, não somente pelos residentes como também por quantos se deslocam ao Pico, nessa época.
Na realidade os dias do Espírito Santo são os dias da autêntica Caridade, Fraternidade e Partilha. Todos os picoenses, remediados ou pobres (que ricos quase não existem) terão pão com fartura em suas mesas e em muitas haverá também a carne que, além da utilizada nos jantares, é distribuída ou em cumprimento de promessas ou até mesmo e só em louvor do Divino Espírito Santo.
O tempo do Espírito Santo é, na verdade, época festiva, onde reina a paz, a amizade, a fraternidade, em “nossa casa” e em “casa do vizinho”. É para além de tudo, o tempo da partilha, que não deve ser esquecido.
Sobre o culto popular ao Espírito Santo diz o Doutor Hélder Fonseca Mendes no seu douto e erudito trabalho, “Do Espírito Santo à Trindade” um dos mais profundos tratados sobre a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, na opinião autorizada de um crítico teológico:
Pelos ritos e símbolos, dá-se uma comunicação e auto-comunicação comunitária unificadora; dá-se uma renovação das relações comunitárias e das tarefas e compromissos comuns; manifesta-se a identidade da “communitas” e a identificação dos membros com ela, relembrando os valores comuns, actualizando os sentimentos de pertença; cresce-se na igualdade e fraternidade, em equilíbrio e abertura criadora; articula-se e estrutura-se a própria vida da comunidade, sobre os seus sinais visíveis celebrativos de referência, segundo os diversos papeis e funções.” (2)
E em “Conclusões” escreve o mesmo distinto Autor:
As razões para a permanência do culto nos Açores devem-se ao facto destas festas serem as que melhor permitem o entendimento entre os diversos povoadores e se enquadram num espírito de solidariedade necessário na luta contra as dificuldades (...).” (3)
Os açorianos, em todas as ilhas e até aqueles que vivem na Diáspora, estão a viver estes tempos do Espírito Santo de uma maneira muito especial e peculiar. A ementa dos jantares é a mesma por toda a parte. O cerimonial litúrgico não difere. Apenas os cortejos se adaptaram aos próprios meios onde se realizam, por razões muito especiais. Mas, acima de tudo, está o louvar ao Senhor Espírito Santo. Bem hajam!
_______
  1. Lacerda Machado, F.S., “História do Concelho das Lages”, 1939, pág.127.
  2. Mendes, Hélder Fonseca, “Do Espírito Santo à Trindade, Um Programa Social de Cristianismo Inculturado”, 2006, pág. 231.
  3. Ibidem, pág. 257.

Lajes do Pico,
Junho de 2014

E. Ávila

AS FÉRIAS QUE SE APROXIMAM

Notas do meu cantinho



Para a juventude que está ausente durante o ano lectivo, Julho é sempre um mês esperado com grande ansiedade. É o início das férias depois de um ano de trabalho escolar, para alguns trabalho exaustivo e cansativo, pois sem trabalho não é possível obterem-se as classificações que permitam atingir um futuro promissor e auspicioso.
Vêm, pois, aí as férias. Os estudantes estão a chegar. As famílias recebem-se com alegria, muito embora na época actual, os estudantes não estejam ausentes todo o ano lectivo como acontecia há meio século, em que se aproveitava a lancha “Calheta” ou os iates do Pico, para regressar, rapidamente, após o encerramento das aulas.
Hoje as facilidades de comunicações, quer nos meios de transporte, quer nos descontos que, por vezes, são concedidos, permitem que os alunos venham a casa mais do que uma vez: nas férias de Natal e Páscoa e até em outras ocasiões nas dispensas que acontecem durante o ano escolar. E só refiro os que estudam nas escolas açorianas porque os que foram obrigados a frequentar escolas do Continente, e alguns são, para esses as deslocações tornam-se mais difíceis pelos custos que acarretam.
Estão a chegar os estudantes. As famílias aguardam-nos com ansiedade e alegria. Alguns vêm de escolas superiores, já com rumos escolhidos. Todavia, e mercê da situação precária que se atravessa, outros por lá ficam a aguardar que as oportunidades de emprego surjam rapidamente.
Certo que, com todas as facilidades de ensino que hoje se oferecem, permitindo a escolha de áreas mais apetecíveis e concernentes com as aptidões ou vocações dos estudantes, há todavia um número razoável de alunos que se vê compelido a ingressar em áreas de ensino que não são aquelas que sempre idealizaram e desejaram mas que têm de aceitar para não ficarem privados de prosseguir os estudos, para que possam conseguir um futuro risonho e feliz.
Os nossos estudantes estão a chegar. Recebamo-los com amizade, carinho e proporcionemos-lhes umas férias agradáveis.
Interessemo-los pelos nossos problemas, pelas nossas festas, pelas nossas actividades sociais e recreativas. Façamos-lhes participar, activamente, na vida colectiva, para que eles se julguem úteis e capazes de uma colaboração activa, eficiente e útil. A inactividade nas férias a ninguém aproveita e “corta” o ritmo do trabalho a que se está habituado, se é que se tomou a sério a área escolar que se escolheu. O descanso intelectual não evita que o estudante se ocupe em outros misteres, diferentes embora, mas que servem para se manter em actividade contínua as faculdades intelectuais.
E há por aí tanta coisa a fazer. Não as indico pois não tenho já condições intelectuais e materiais para algo fazer. O meu tempo terminou...
Saúdo com amizade e carinho os estudantes que chegam. É uma ocasião muito interessante para se reviverem épocas passadas: a infância e a juventude. Se renovarem os afectos familiares e se preparar o futuro que se aproxima a passos velozes. E é também o tempo para se interessarem pelos problemas da terra, pelo seu desenvolvimento económico porque não?! – pelo seu futuro, pois a terra, com todos os seus problemas, dificuldades e atrasos, será sua.
Verdade porém e infelizmente, que por falta de estruturas, a terra não pode proporcionar a todos um futuro condigno. Daí a debandada que ultimamente se vem verificando e que tornou a terra despovoada e envelhecida com as graves consequências que daí advêm.
Aqui ou onde quer que se fixem, onde quer que se encontrem, os jovens de hoje, serão os mestres do ensino, os profissionais, os dirigentes da política, os comerciais e industriais, actividades que não vêm longe mas que se aproximam a passos largos.

Lajes do Pico,
Junho de 2014
Ermelindo Ávila


AS REGATAS

NOTAS DO MEU CANTINHO

Estão “oficializadas” as regatas com as antigas canoas baleeiras. Em chegada a época de verão, elas organizam-se em vários portos do grupo central, mesmo naqueles que nunca tiveram qualquer ligação com a caça à baleia, actividade que se perdeu sem quaisquer benefícios para ninguém, antes com graves prejuízo para os industriais e, sobretudo, para os marítimos que a praticavam.
As canoas e as lanchas de reboque foram, apressadamente, distribuídas aos clubes náuticos, criados e instalados para receberem o património que lhes era distribuído .
Não tenho interesse em saber quem hoje organiza as regatas. Sei que os tripulantes dos barquinhos são jovens de ambos os sexos, que os manobram quer a remos quer à vela. E não tenho conhecimento que algum antigo baleeiro faça parte das respectivas tripulações. No entanto, não deixa de ser agradável, nos determinados dias que fazem parte do calendário anual das provas náuticas, ver as antigas canoas, - o mais belo barco do mundo na expressão de antigo visitante estrangeiro - navegarem donairosas, velas desfraldadas, por esses mares calmos à compita do primeiro lugar; ou remando, esforçadamente, para ultrapassar o parceiro do lado.
Ver baleias é outro negócio. Exploram-no os operadores que, habilmente, vieram ocupar os lugares dos baleeiros, embora utilizando barcos motorizados simples e velozes – os semi-rígidos - para alcançarem os cardumes, ou as baleias isoladas, no menor espaço de tempo.
As baleias andam por aí, num navegar pachorrento, alimentando-se das diversas espécies piscícolas, que não apenas das lulas, provocando assim a carestia de pescado que se vai verificando em vários portos destas ilhas, outrora abundantes na cavala, no bonito, no chicharro e outras espécies mais. Hoje, dizem os marítimos, não há peixe. Nem admira. Os monstros marinhos tudo consomem. Com a proibição da caça da baleia ou cachalote deixou de haver o equilíbrio natural das variadas espécies piscícolas. E o homem – o rei da Natureza – é a vítima sofredora...
Impõe-se que a legislação marítima seja alterada, para que as capturas sejam intensificadas e volte a haver a pesca tradicional abundante e indispensável à subsistência do homem. O sistema de lotas sem peixe é anacrónico. É urgente actualizá-lo às necessidades domésticas.
Estas coisas dizem-se e escrevem-se, vezes sem conto, mas os responsáveis procuram ignorá-las, atentos que estão a outros interesses...
Não faltam visitantes, nacionais e estrangeiros, que aqui chegam, apressadamente, a tomar os pequenos barcos, que velozmente os levam junto do cardume e , regressados, a quase totalidade toma outros rumos, não lhes interessando se a terra tem qualquer interesse ou dispõe de instalações turísticas que lhes facilite a estadia de alguns dias.
Afinal, uma actividade económica que, turisticamente, não privilegia a terra...
Com esta situação deprimente a terra vai “definhando”, lentamente, a juventude vai abalando e os velhos caminhando para o fim sem retorno.
Não digo, porque é assustador, qual o número de habitantes da terra. Existem ainda serviços, mas a juventude que os serve nem cá reside. Em terminando o tempo de serviço, tomam os respectivos carros e abalam para as suas terras. E são os estudantes, enquanto a escola estiver na vila, os funcionários públicos, os empregados bancários, os do comércio ou dos restaurantes.
É por isso que, durante o dia, as ruas e parques de estacionamento estão superlotados, contando-se à dezenas ou mesmo centenas os automóveis e carrinhas que por aí permanecem o dia inteiro, enquanto os proprietários estão em serviço.
Vem chegando a mocidade estudantil que alguma animação trará ao burgo, mas por tempo limitado. E são eles, na maioria, que tripulam as canoas das regatas. Um desporto para eles, algo aliciante. Pois que venham. Cá os esperamos saudosos e de braços abertos.


Lajes do Pico, 5 de Julho de 2014
Ermelindo Ávila