domingo, 26 de março de 2017

A QUARESMA

A MINHA NOTA


Quando reinava a Monarquia, a Igreja Católica estava um tanto submetida ao domínio do Monarca. Com a Implantação da República, em 1910, tudo se modificou e a separação do poder civil da Igreja, passou a dominar a vida dos povos com um autoritarismo que deixou profundas mazelas nos indivíduos. Foi um verdadeiro tempo de perseguição religiosa que veio a acabar a meados do século passado, mas cuja acção anticlerical não deixou de marcar os indivíduos e a própria sociedade. Houve, porém, sectores da vida religiosa que se mantiveram, muitas vezes pela influência que certos dirigentes católicos exerciam e continuaram a manter essa situação junto da sociedade civil.
As Misericórdias eram e são, presentemente, instituições canónicas – o Prelado é que tem poder para aprovar os respectivos estatutos – que, em parte, estavam sujeitos à jurisdição civil.
Tenha-se em atenção o que aconteceu com os hospitais que acabariam por ser nacionalizados pelo Estado.
As obrigações canónicas das Santas Casas, como eram e ainda hoje são conhecidas as Misericórdias, mantiveram-se, principalmente, na celebração das procissões quaresmais, como é ainda hoje a Procissão de Passos que, ao menos em todas as ilhas da Diocese, se realizam com grande esplendor e concorrência de fieis.
A essa instituição pertencem os conhecidos “Passos”, pequenos altares incrustados nas paredes de muros de habitações, onde há a paragem do cortejo processional, para a prática litúrgica adequada.
A freguesia da Piedade ainda conserva alguns Passos que denominam  os sítios: Passos Novos ou Passos Velhos. Na Vila das Lajes existem, também, alguns Passos, muito embora, por motivo de construções urbanas, outros hajam desaparecido. Todavia, no dia da Procissão, os moradores do sítio têm o cuidado de “armar” altares apropriados onde há a tradicional paragem.
Em Angra conheci, há umas dezenas de anos, passos fechados com portas durante o ano, naturalmente para se evitarem actos de vandalismo.
Ainda bem que a tradição se conserva, sinal do catolicismo, tão tradicional das gentes açorianas, que não deixa de ser praticado, no Tempo Litúrgico da Quaresma com respeito, e certa solenidade. É o que vai acontecer, uma vez mais durante o corrente ano, segundo está anunciado pelas respectivas paróquias.
No tempo quaresmal realizavam-se também os chamados “quartéis”. A paróquia era dividida em diversos sectores com um certo número de paroquianos por dia, a fim de facilitar o cumprimento do preceito pascal. Curioso que algumas paróquias, ao menos aquelas que me foi dado conhecer, organizavam o registo de toda a população paroquial onde faziam a “descarga” daqueles que cumpriam o preceito. Registavam todos os habitantes da paróquia, por idades e sexos e, por esse registo, aqueles que restaram, decorrido mais de um século, sabe-se qual era a população da freguesia respectiva. Assim, no ano de 1888 a freguesia da Matriz da Santíssima Trindade da Vila das Lajes do Pico, no dia 31 de Dezembro de 1887, tinha 1110 indivíduos do sexo masculino, 1614 do sexo feminino, 246 crianças do sexo masculino até aos 7 anos e 200 do sexo feminino. O total da população, aquele ano, do Soldão às Terras, era de 3.270 habitantes, salvo erro. Em parêntesis, registe-se que é curioso notar que todos os que tinham idade para isso, cumpriram o preceito pascal.
Coisas de outros tempos, dirão. Pois que sejam.
Lajes do Pico,
Março de 2017

Ermelindo Ávila

ATAFONAS

A MINHA NOTA

                                         
Há dias, no Auditório do Museu dos Baleeiros, desta vila, passou o documentário ATAFONAS, uma evocação simpática dos velhos sistemas de farinação de cereais. 
         Tudo quando seja lembrar o passado, tem sempre quem aprecie os antigos sistemas de vivência das populações que aqui se fixaram na época do povoamento e tiveram de “inventar”os sistemas indispensáveis para poderem suportar o isolamento a que eram votados.
         Pela carta de 21 de Fevereiro de 1460, passada a favor de Joz de Utra, 2.º donatário do Faial e 3.º do Pico, D. Manuel, em carta de confirmação da doação, estabelece: “... Moinhos – “Outrossim nos praz que o dito Joz de Utra haja para si todos os moinhos de pão que houver nas ditas ilhas (Faial e Pico) de que lhe assim damos o cargo, e que ninguém não faça aí moinhos, somente ele ou quem lhe a ele prouver: e esto não entenda em mó de braço, que a faça quem quiser, não moendo a outrem, nem atafona a não tenha outrem, somente ele ou quem a ele aprouver. (1)
         Conheci diversas atafonas em casas particulares desta vila movimentadas por animais bovinos, quer mais pequenas, manuais, estas de uma só peça de basalto, com mós soltas, somente utilizadas em ocasiões de urgência. Havia ainda umas pequenas, também em basalto (ou pedra da terra), usadas para a farinação de cevada, café ou filho torrado, com que faziam uma mistura de “café”.
         Os moinhos e as atafonas eram os mais vulgares.
         Interessante, em dias de aragem, ver o rodopiar das velas dos moinhos – moinhos de vento - nos pequenos montes ou elevações perto das habitações onde eram instalados.
         Ainda hoje existem alguns moinhos espalhados pela ilha, muito poucos, afinal e que dão um aspecto característicos à paisagem. O Turismo aprecia-os na realidade e a nós, nativos, são uma recordação saudosa de tempos passados, Aqui perto tínhamos o moinho da “Terra da Forca”- um pequeno monte no Sul da Vila, que, felizmente, nunca foi utilizado. Lembro-me da construção do moinho do Juncal, de fatídica existência e o da Ladeira Nova. Mais além, o da Silveira e o do Mistério. De todos existe somente o da Ponta Rasa, entregue à exploração turística. Na Ilha ainda restam outros, embora inactivos.
         Mas volto às atafonas. Todas as casas de lavradores tinham, ou nas lojas das residências, ou numa casa ao lado, “na casa da atafona”, uma atafona para uso doméstico. E nela que se moía diariamente o milho, ou mesmo o trigo que este havia, para uso doméstico. De madrugada levantava-se um dos familiares e descia â loja (rés-do-chão) para moer o milho. Entretanto, a mãe ou uma filha, acompanhava-o para acender o forno. Quando este ficava suficientemente quente, a massa de milho estava pronta para entrar no forno, em forma de bolo do forno, porque, para acudir a uma emergência, também se fazia o bolo do tijolo.                                                      
    Com o aparecimento das moagens movidas a motor, quase desapareceram os instrumentos domésticos que hoje não passam de simples e saudosas recordações.
...
1)MACHADO, Lacerda. História do Concelho das Lajes.1936, pág. 76.

Vila das Lajes,
 20-Março. 2017
Ermelindo Ávila                                                                

SANTA CASA DA MISERICÓRDIA

NOTAS DO MEU CANTINHO


         No passado domingo realizou-se na Paróquia da Santíssima Trindade, sede da antiga Ouvidoria das Lajes do Pico, a tradicional Procissão do Senhor dos Passos. Um acto litúrgico que vem de longa época que é sempre feita com ordem, respeito e solenidade. O mesmo aconteceu realçando-se a comparência da Irmandade da Santa Casa, promotora daquele acto litúrgico, o único que, presentemente, assinala externamente o Tempo de Quaresma.
         A Santa Casa da Misericórdia da Vila das Lajes é actualmente a instituição sócio-religiosa mais antiga da Ilha. Foi fundada por Alvará régio de 14 de Novembro de 1592 . E diz o Alvará que o Provedor e Irmãos da Confraria “gozem e usem de todos as liberdades e privilégios e liberdades de que gozam e usam (...) o provedor e irmãos da confraria da misericórdia da cidade d´Angra da ilha Terceira e da ilha do Faial e isto naquelas coisas que se poderem aplicar à dita confraria da ilha do Pico...”.
         As Misericórdias de São Roque e Madalena são de recente fundação. Esta última foi fundada recentemente por Jacinto Ramos e outros, para aproveitar o legado de Terra Pinheiro e construir o antigamente classificado “hospital sub-regional” . A de São Roque teve a mesma finalidade. S. Roque construiu o hospital “Rainha Santa Isabel” primeiro que os outros. O das Lajes, apesar dos respectivos estatutos da Santa Casa preverem a construção de um hospital, este só veio a ser inaugurado em l de Janeiro de 1960 por dificuldades na aquisição do terreno onde foi implantado. Mesmo assim o projecto que lhe fora destinado pela Comissão de Construções Hospitalares e que foi cedido à Madalena, teve de ser novamente elaborado por aquela Comissão.
 Para a construção do hospital o Barão de Castelo de Paiva concedeu, em 10 de Janeiro de 1874, duas inscrições com o valor nominal de 500$000 (reis). Mas essas também desapareceram...
 Frei Diogo das Chagas no seu valioso “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores,” relata que a Santa Casa, em 1641, possuía uma casa que se encontrava em ruínas já no ano de 1718, quando se deram as primeiras erupções vulcânicas na Ilha do Pico. E Lacerda Machado, em artigo publicado no antigo jornal “As Lages”, escreve que a Misericórdia possuía um templo de duas naves, construído, por voto do povo, aquando daquelas erupções, sendo destruído em 1868 e mais tarde demolido para utilizarem os materiais na construção da Igreja Matriz. O local onde fora construído foi arrematado.
Segundo constava dos livros da contabilidade da Misericórdia das Lajes, incompreensivelmente desaparecidos, a instituição limitava a sua actividade a fazer empréstimos a pobres, a distribuir pensões de invalidez e a realizar as solenidades de Passos e Calvário.
          Os irmãos usavam nas cerimónias litúrgicas balandrau preto. O provedor empunhava nos actos públicos uma vara de metal prateada e nas procissões e funerais dos irmãos era levada a bandeira respectiva: um quadro hasteado numa vara e com pinturas em tela nas duas faces. Mas também estas insígnias desapareceram, e não há muitas dezenas de anos.
          Apreciei que a Santa Casa voltasse a dispor de bandeira e o provedor de vara e irmãos de balandrau. As senhoras que pelos novos estatutos podem inscrever-se como irmãs, usam opas pretas.
         Já isso escrevi em outra ocasião(1), mas não fica mal repetir...

1)Ávila, Ermelindo. Figuras & Factos. Vol 1

Vila das Lajes-
15-Março-2016
Ermelindo Ávila



POSTO DE TURISMO

NOTAS DO MEU CANTINHO

         Está em vias de conclusão o edifício destinado ao Posto de Turismo, a aceitar como realidade o que nos é dado observar.
         Até agora aquele serviço municipal tem funcionado no antigo castelo de Santo António, extra-muros, como soe dizer-se. Foi a ocupação encontrada para lhe dar certa utilidade pública. Mas não foi nem é suficiente para um imóvel daquela categoria.
         Trata-se de uma construção levada a efeito aquando da Revolução Francesa, decorria o ano de 1792. O forte ocupou o antigo posto de ordenança, que havia sido extinto, como todos os outros existentes no concelho, por decreto de 30 de Abril de 1832. Como já escrevi em “Figuras & Factos”, (1993), era constituído por duas vigias e sete ameias.
         Em 1885, na cerca ou parada, foi instalado um forno da cal que funcionou alguns anos sob a administração de uma sociedade constituída para o efeito. Depois foi abandonado.
         No século passado foi declarado imóvel de interesse público e nele a Câmara Municipal instalou o Posto de Turismo que será desactivado quando estiver concluído e inaugurado o edifício em construção na Rua dos Baleeiros, desta vila.
         Tratando-se, como se trata, de um imóvel de interesse público, não pode ser novamente abandonado. Há que encontrar para ele uma ocupação utilitária e digna. Uma simples livraria de venda de edições novas ao público é insuficiente. Julgo que mais merece. A antiga fortaleza, onde, aliás, nunca se praticou qualquer acto bélico, ainda hoje dá uma certa dignidade à vila mais antiga da ilha e que sempre se comportou com dignidade e elevação patriótica. Estou a recordar o Vigário Gonçalo de Lemos e o Capitão-Mor Garcia Gonçalves Madruga que foram exceptuados do perdão concedido aos açorianos pelo Rei de Castela, e confiscados seus bens, quando os Filipinos dominavam Portugal, por se manterem fiéis a Dom António, Prior do Crato.
         O Castelo, como é conhecido ainda hoje, fica presentemente numa zona de expansão da vila e pode muito bem ser utilizado para a instalação de um serviço de utilidade pública. E eles não faltarão.
         Na velha fortaleza devem ser repostos os pequenos canhões
que a ele pertenceram e que, depois, foram colocados no porto para servirem de cabeço às embarcações que o demandavam. Ainda conheci alguns. Fazer uma busca e recuperá-los é um gesto administrativo meritório, não somente para os mais novos que devem ter certo orgulho no passado da sua vila, já que o presente se encontra ou vai ficando um tanto “abalado”. E até para o turismo, pois os visitantes, principalmente os estrangeiros, não se interessam somente com as paisagens, arvoredos ou veredas e trilhos antigos. A História também lhes interessa e mais do que se possa julgar.
         O Castelo de Santo António, como se denominava, é um elemento histórico que algo tem a revelar a quem o “interrogue”.
Não o esqueçam, por favor. Conservem-no convenientemente. E já que, de momento, não tem nenhuma função oficial a desempenhar, ao menos que a sua estrutura bélica seja conservada “inocentemente”, voltando às respectivas ameias os pequenos canhões. Hoje é fácil reavê-los, pois não têm outra utilidade.

Vila das Lajes,
11-Março-2017

Ermelindo Ávila

OS PORTOS DO PICO

NOTAS DO MEU CANTIMNHO


         A Ilha do Pico foi daquelas ilhas que beneficiou, quase em último lugar, da construção de portos capazes de servirem o tráfego marítimo em condições de segurança e comodidade.
         Anos e anos se debateu na Imprensa do antigo distrito da Horta, pela construção de portos na ilha do Pico, mas as opiniões e pareceres técnicos divergiam quanto à respectiva localização. Tratou-se sempre de um problema político sem a discreta solução que merecia.
         Em certa altura surgiu na Imprensa a ideia do “Triângulo”, que cedo se apresentou como a justificação dos portos do Norte da Ilha. De início fui convidado para colaborar na iniciativa de um grupo de jovens faialenses, mas rapidamente me apercebi que não valia a minha colaboração em tão momentoso problema regional e fiquei por aqui, pelo Sul... O certo é que a ideia do Triângulo, descoberta a meados do século passado, vingou e perdura.
         E os portos do Pico acabaram por entrar nos projectos do Governo. Foi criada a “Missão dos Pequenos Portos do Distrito da Horta”, salvo erro, e construíram-se os portos da Calheta de Nesquim e Santa Cruz das Ribeiras. E quando alguém teve a ousadia de interpelar o Engenheiro dos Serviços Hidráulicos sobre o porto das Lajes, foi dito: Esse está sempre justificado. Mas não estava. Os oitocentos contos oferecidos (mas parece que não entregues...) serviram de bandeira para justificar o porto de Santa Cruz, e até se promoveu a inauguração com um dos já antigos e abandonados “Cruzeiros”, que já haviam entrado ao serviço das carreiras do Canal Faial – Pico.
         Construiu-se o porto do Cais do Pico e, a seguir, o faustoso porto da Madalena, com doca e rampas e, até, estaleiro de construção naval!
         Nessa altura alguém perguntou a um conceituado Técnico da Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos pelo porto do Sul e a resposta veio logo: Estão-se a construir portos na Ilha do Pico, mas não é ainda que se constrói o porto do Pico.
E, continuando a conversa, disse com a sua comprovada competência de Técnico: O porto do Pico será na Prainha do Sul.
         Com essa afirmação recordava o erudito Técnico o Galeão que o Capitão - Mór da Vila das Lajes, Garcia Gonçalves Madruga mandou construir nas suas propriedades da Prainha do Galeão, o galeão ”Trindade” para oferecer ao Rei em satisfação das suas dívidas ao fisco.
         O porto foi construído na Madalena, mas não decorreram muitas dezenas de anos para que as vagas de mar do Norte se encarregassem de destruir uma boa parte da muralha de defesa, além de outros prejuízos avultados. Há poucos dias estive naquele local e penalizou-me sobremodo os avultados prejuízos ali provocados pelo mar que ainda andava revolto para os lados da Barca. Afinal, uma situação que penalizou, directa ou indirectamente,  todos os picoenses.
         No porto das Lajes, há poucos anos construiu-se um molhe de defesa, que ficou “desdentado” com o mar de Oeste, muito embora tenha formado uma pequena lagoa no seu interior que veio a tornar-se de difícil navegabilidade por não se terem retirado, aquando da construção, pequenos cabeços submersos. Agora, cinco ou seis sinais avisam a navegação que, para entrar no porto interior, por ali tem passado. E era bem fácil fazê-los desaparecer. Incúria ou desinteresse? O porto das Lajes, transformado em Marina de recreio, não deixa de ser procurado, no verão, por veleiros estrangeiros...Vale a pena ver e contar os barcos e barquinhos que ali estacionam...
          No dia em que o Mar do Norte destruiu a muralha de defesa no porto da Madalena, o “Gilberto Mariano” fez viagem até ao porto de Santa Cruz, único acostável que permitiu a atracação e no Sul da Ilha.
         Os portos do Pico são indispensáveis ao desenvolvimento da ilha, a segunda em área do Arquipélago. Não podem nem devem ser esquecidos e, muito menos, abandonados... E não só os do Norte. Pelo Sul também vive uma boa parte dos picoenses. Isto sem deixar de lamentar-se o que acaba de acontecer na zona da Vila Fronteira – a Madalena. Anote-se !

Lajes do Pico,
Fevereiro de 2017-03-02

Ermelindo Ávila 

CHAMARRITAS E BAILES

NOTAS DO MEU CANTINHO

         Não tive o propósito de fazer um estudo dos antigos bailes e danças, mas apenas recordar aquilo que era motivo de divertimento em épocas longínquas, na minha juventude, bastante distante.
Hoje, falo da Chamarrita do Pico, que todas as ilhas têm a sua Chamarrita, embora com coreografias diferentes.
         Ainda agora, quando se anuncia uma Folga, acorrem de toda a ilha os bailadores, inquietos por “ir a terreiro”. Ficaram mesmo em algumas tradições populares, as velhas cantigas com que se “abrilhantavam” os antigos bailes. Para principiar: Chega pares, chega pares/ chega pares ao terreiro / chega raparigas novas / e rapazes solteiros.
         A meio do baile, ouvia-se por vezes: Ainda agora aqui cheguei / Mais cedo não pude vir / ‘tive embalando os rapazes / que ficaram a dormir”.
Para terminar bastava que alguém dissesse em voz alta: ”olé” e o baile acabava mesmo ali para principiar, dentro de pouco, com outros bailadores. E não tinha fim senão a altas horas da noite.
         Júlio Andrade fez uma recolha que se pode classificar de exaustiva dos “Bailhos, Rodas e Cantorias” que foi editado pela Comissão de Recolha do Folclore do Distrito da Horta, em 1948. Um trabalho de mérito, onde ficaram arquivados os diversos bailes das quatro ilhas que formavam o antigo distrito da Horta. E aí escreve como se formavam as chamarritas, que, no dizer do Autor, eram vinte e cinco.(1)
         Manuel Dionísio, apoiado nos costumes da sua freguesia natal, a Ribeirinha do Pico, inclui as Chamarritas nas Folgas e descreve ainda a Sapateia, o Caracol, a Tirana, a Praia, o Manjericão, a Sapateia de Cadeia. E refere ainda os bailes de roda: Chiro-chiro, o Pezinho, o Bravo, o Samacaio, e o Rema.(2)
         Por outro lado, no excelente trabalho “O Folclore da Ilha do Pico”, o seu Autor, João Homem Machado, além da tradicional Chamarrita, com algumas variações, descreve vinte e dois bailes de roda com as respectivas músicas, por certo o trabalho mais completo publicado nestas ilhas. (3)
         A meados do século passado, as Chamarritas foram passando ao esquecimento, para serem substituídas pelos “Bailes” realizados nos salões das sociedades recreativas. No entanto, parece que se está a fazer reviver a antiga chamarrita pois, ainda há dias, a Filarmónica Liberdade Lajense, para assinalar o 153º aniversário organizou um bom programa comemorativo e, num dos dias, anunciou-se um baile de chamarritas. A assistência foi enorme, vinda das diversas vilas e freguesias da ilha. Um sucesso, segundo me informaram.
         Desde sempre a viola da terra foi o instrumento preferido para as chamarritas. Depois juntou-se o bandolim, a guitarra, o violão e o violino (rabeca).
         Outros bailes antigos – os bailes de roda – já desapareceram, pois não há, presentemente, quem os saiba bailar. E é pena. Tinham coreografia, arte, movimentos atractivos que só os velhos bailadores sabiam “mandar”. E não eram poucos. J. Andrade chama-lhe os “Bailhos Velhos” e cita cerca de dúzia e meia, desde o “Abana Casaca” até ao “Xiro – Xiro.
         Alguns desses bailes, como acima refiro, eram de difícil execução e tanto assim que passaram ao esquecimento. É pena, pois, além de ser uma manifestação simpática da nossa cultura popular, são um testemunho insofismável do nosso passado. Que ninguém é capaz de descobrir a origem.
          Há três ou mais vintenas de anos, andei pelo continente em Cursos de formação profissional. Somente uma maneira de juntar as pessoas pois, neles, nada se aprendia... Numa dessas ocasiões um antigo fornecedor de material para os municípios, quis obsequiar os participantes com um repasto nas suas modernas e amplas instalações e, para abrilhantar o acto, teve a gentileza de apresentar vários grupos folclóricos da Região. Um deles executou um baile que era, praticamente, uma autêntica réplica da nossa Chamarrita, embora com uma ou outra modificação. Um colega, ao lado, pergunta-me como explicava o facto. A resposta foi-lhe assim dada e com ela se conformou: Foi naturalmente daqui e aqui regressou agora.
         Mas, como disse, já tantos anos se passaram...


1) Andrade, Júlio – Bailhos, Rodas e Cantares. Comissão de Recolha e Divulgação do Folclore do Distrito da Horta, 1948(?)
2) Dionísio, Manuel – Costumes Açorianos. 1937
3) Machado, João Homem – O Folclore da Ilha do Pico. Núcleo Cultural da Horta, 1991


Quinta-feira de Amigas, 2017

Ermelindo Ávila

DANÇAS POPULARES

NOTAS DO MEU CANTINHO


         Os picoenses eram um povo isolado, que só ia às cidades na época do verão fazer os seus negócios de frutas e lenhas, pois a ilha pouco mais produzia. Durante o inverno tecia nos teares o seu o principal vestuário e fazia meias de lã.  No entanto, nos serões de inverno, naquelas noites em que o trabalho era “posto de parte, porque ou eram dias de descanso, ou de festas familiares, organizava-se as “folgas”, com a velha viola de cordas de arame e aí bailavam as “chamarritas” e os “bailes de roda”. Mais tarde, apareceram os pianos nas casas solarengas, mas nestas, raramente, havia aquelas distrações. Era o povo que melhor se divertia nos serões ou Folgas que chegaram a nossos dias e que arrastavam bailadores entusiastas dos mais distantes lugares. Improvisavam quadras e cantavam “ao desafio”.
Hoje, porém, recordo outros divertimentos. Trago à liça as Danças Populares que se exibiam, principalmente, nos arraiais.
        Também por cá as houve, não em tempos muito remotos.  Eram diferentes das actuais. Não se limitavam à coreografia dançante, mas havia sempre um argumento a desenvolver. Fosse um namoro que envolvia certo escândalo, fosse uma comédia hilariante. Tudo servia de motivo para se organizar a dança, porque nela se dançava nos intervalos dos diálogos. E trajava-se a rigor. Não era qualquer fantasia que servia para se utilizar numa dança. Ainda hoje se fazem danças na Terceira e São Miguel. Até mesmo no Continente, onde têm fama as marchas de Santo António. Mas limitam-se quase só à dança e usam trajes uniformes, executados a rigor pela Alta Costura.
        Na ilha do Pico, pela Páscoa, saíam algumas danças, duas ou três, quando muito. E tinham os seus personagens tradicionais: o “Velho” que andava pela assistência a angariar os indispensáveis donativos para as despesas, o comandante, os “actores principais” e os “casais” componentes do entremês. Estou a reportar-me ao primeiro quartel do século passado.
        Lembro duas danças que me ficaram na memória: uma “a dança dos picões”, que saiu nas Lajes, pela Páscoa, comandada pelo Manuel Martiniano; a outra dança, bem organizada, com um argumento bem concebido, trajando a rigor, veio da freguesia de São Mateus, creio que pelo Espírito Santo, se a memória não me falha. No grupo só havia elementos do sexo masculino, mas uma parte trajava-se de feminino e caracterizava-se e maquilhava-se como se jovens mulheres fossem, o que não deixou, por vezes, de causar certos equívocos e situações hilariantes.
        Normalmente, o argumento era agradável e a execução perfeita, pelo que o grupo atraía, por onde passava, uma assistência numerosa e interessada.
        A dança de São Mateus percorreu a ilha e em toda a parte, se não erro, foi bastante aplaudida. Uma das danças que, naqueles recuados tempos, teve êxito mais assinalável.
        Mais tarde apareceram, de outras freguesias, algumas danças, mas de não tanto interesse, quer pela exibição quer pelo trajar.
        As danças populares eram autêntico teatro de rua. Exibiam-se em praças públicas. Não cobravam “bilhetes de presença”, mas nem por isso deixavam de recolher donativos suficientes para as despesas de organização, trajes, transportes e estadias nas localidades. O povo delirava, quando tinha notícia da chegada de uma dança, e os arraiais onde se exibiam parece que duplicavam a assistência.
        Como atrás referi, não havia outros divertimentos populares, pois as “folgas” limitavam-se a recintos particulares e, por vezes, de espaços limitados. O teatro de amadores era raro e os recintos onde se exibia, também acanhados, não permitiam grandes assistências. Aqui e ali chegou-se mesmo a fazer teatro ao “ar livre”, sem cobrança de entradas, mas somente com a recolha de donativos, o que se tornou um sistema vulgar.
        Era no tempo de Quaresma que todos estes divertimentos se preparavam e ensaiavam para se apresentarem ao público, quase sempre, do Domingo de Páscoa ao Espírito Santo.
        Em vez das danças, surgiram as “Marchas”;  as de S.to António, em Lisboa, de São João, em Vila Franca do Campo, as Sanjoaninas, em Angra, e outras mais.
No entanto, o que mais se divulgou foi a Televisão. Cada qual utiliza a TV no canal que escolhe, para “assistir” aos jogos de futebol, às telenovelas, ao teatro, a revistas e ao fado (mais raro)...
        Hoje, os serões não são de melhor qualidade. No entanto, são maneiras novas de ocupar os finais do dia. Valha-nos ao menos isso.

Quinta-feira de Comadres, 2017

Ermelindo Ávila

ANTIGOS MANJARES

NOTAS  DO MEU CANTINHO


         Quando os primeiros povoadores aqui chegaram, mais de quinhentos anos são decorridos, devem ter vivido horas amargas, “procurando soluções, improvisando, suprindo tudo quanto o isolamento lhes negava”.
         E o historiador, que venho de citar, continua: “ À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bôlo, (...) assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de cultivar, ou de que faltavam sementes, (...) inventaram molhos gratos ao paladar, para suprir a falta de azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.
         No entanto, poucos anos decorridos, o Rei Dom Manuel, por carta passada em 31 de Maio de 1509 a favor do primeiro Donatário, Józ de Utra, regulamentava o uso de moinhos, com excepção de “mós de braço”, ou atafona de mão, que muitas houve, bem como fornos de pão. Nestes não inclua “fornalhas para seu pão que as faça e não para outro nenhum.” (1)
         Hoje é tudo tão diferente. Desapareceram os moinhos e as atafonas. A farinha de trigo é importada e o milho é moído em moagens a motor.
         O pão é cozido quase somente em fornos electrificados. Os molhos são muitas vezes importados e os manjares confeccionados por cozinheiros  diplomados e especializados.
         Presentemente, há uma diferença colossal nas cozinhas e nas mesas dos remediados e ricos, que os pobres continuam com suas mazelas a sofrer da “carestia da vida”.
          Nas festas principais sempre se procurou melhorar a “mesa”, com “pratos” diferentes. É muito antiga a “carne de caçoilha”, só usada em dias festivos. Pelos casamentos, os padrinhos, normalmente, ofereciam o “pão leve”, um grande bolo que só “especialistas” sabiam  fabricar.
           Nos baptizados à mesa dos padrinhos, eram  apresentadas as “fatias douradas” (nalguns lugares chamam-lhe sopas fritas).  Os pudins e outras  “iguarias”, que hoje se adquirem diariamente nas Pastelarias, quase não eram conhecidos.
          Os pratos vulgares eram as sopas de funcho (ainda), de couves, de nabos, de feijão ou de ervilhas, com batata branca. A condimentá-las, carne de porco, quando a havia.
           Raramente havia o prato de sobremesa, de carne de vaca ou até mesmo de peixe. Este era usado nos almoços, fresco ou seco. Se fresco era muitas vezes apresentado frito com molho cru: vinagre e água, pimenta (malagueta), alho,  salsa e sal (quanto baste). 
         Para o peixe seco, bonito, cavala, chicharro, e outras espécies, usava-se o “molho fervido”: água, banha de porco, cebola, alhos, malagueta, salsa, colorau e pouco mais. Tudo era fervido na sertã e servido quente.
         Verdadeiras “especialidades” da cozinha rural, que todos apreciavam.
         Enquanto durava a carne de porco na “salgadeira”, as sopas eram acompanhadas de toucinho e carne daquele animal, principalmente  em dias especiais.
         Não se usava o café, mas uma mistura de cevada e milho torrados e moídos, “temperados”com leite de cabra ou de vaca.
Quando o leite era abundante, os rurais, principalmente, faziam refeições com aquele produto, adicionando-lhe sopas de bolo de milho cozido no forno. E que  apreciadas eram.
         O bolo de milho era cozido no forno de lenha e, geralmente, durava uma semana.
         Havia um regime de vida muito singular, que hoje está praticamente esquecido: na quinta-feira ia-se à mercearia (venda) comprar  os géneros necessários para a semana. Quase sempre era feito por troca de géneros caseiros: milho, ovos, batatas, cebolas, etc.
         Na sexta-feira cozia-se no forno de lenha o bolo para a semana. Algumas famílias já usavam o pão de milho ou de duas farinhas, como lhe chamavam (milho e trigo). No sábado era para a limpeza da casa para poderem descansar no domingo, dia em que a generalidade das famílias era escrupulosa no cumprimentos dos seus deveres religiosos. E os de mais longe eram os que melhor cumpriam.
         Uma vida difícil mas, em certa medida, pacata e feliz. E muito mais se podia dizer da vida de nossos avós.  Deixemos para outros esse encargo e fiquemos hoje por aqui, prestando homenagem àqueles que nos antecederam e viveram com tamanhas dificuldades e carestias para nos legarem o extraordinário “modus vivendi” que agora se usufrui. 

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1)        Machado, F.S. Lacerda. História do Concelho das Lages. 1936, pág.75.

     Lajes do Pico,
27-1-2017

Ermelindo Ávila

MÁSCARAS E MASCARADOS

A MINHA NOTA

         Estamos no seu tempo, mas é tradição que vai desaparecendo. E que hilariantes eram as máscaras e os mascarados que, no mês anterior ao Carnaval, faziam o delírio das famílias lajenses e, naturalmente, em outras localidades da ilha.
         As imitações eram inofensivas e delirantes. Às “casas de mascarados” acorriam famílias inteiras – familiares, amigos  e vizinhos. E era por isso que os “mascarados” só apareciam nas casas onde existissem espaços alargados, para se poderem exibir à vontade.
           Qualquer ocorrência, por simples que fosse, passada nos dias ou semanas anteriores era  levada “a terreiro” e, por vezes, largamente aplaudida.
          Num dos subúrbios da vila das Lajes havia um lavrador rico que tinha boas amizades na vila. No entanto, era homem sisudo e de trato difícil.
         Certa noite um dos comediantes- mascarado, lembrou-se de se mascarar com trajes semelhantes ao daquele lavrador. Se melhor o pensou  mais rapidamente o pôs em prática. E, em certa noite, daquelas em que se viam mascarados”.
         Na primeira visita que fez foi logo identificado:  o Limão da Canada das Vinhas. E ficou. O “actor” tomou para si a identificação e passou a usar um estilo de fala muito parecido com o do Limão.
         Em certa casa de mascarados encontrou o dono, velho amigo do Limão e comerciante que possuía uma lancha de pesca. Quando Limão precisava de algum peixe mandava recado ao comerciante e este enviava-lhe daquele que havia sido pescado.
         Não esperou e dirigindo-se ao José Francisco, atira-lhe logo: Ó amigo foste o tal que há dias, em vez de mandares um bom peixe para um caldo, tiveste a ousadia de me mandar umas “garranchas” que nem  o gato as quis. Olha que amigo tu és.
         Os risos foram gerais. O José Francisco ficou embaraçado, pois nada daquilo havia acontecido. O comediante saiu porta fora, acompanhado dos rapazes que sempre o seguiam, e foi a outra casa, onde apresentou outro 
 Sketch.
         Uma ou duas semanas depois o  Limão veio à Vila, tratar calmamente dos seus negócios. Quando o mascarado soube da estada dele, refugiou-se, não viesse o Limão procurá-lo para  alguma  explicação menos agradável.
         Eram assim  as pequenos ocorrências que, certas ou inventadas, entretinham as pessoas, nas casas de mascarados, durante a época carnavalesca. Acontecia, por vezes, que algum tocador de viola ou guitarra aparecia e, mesmo “em família”, lá se bailava uma chamarrita ou, raramente, uma valsa.
         Outros tempos de saudosas recordações, que não voltam mais.


Vila das Lajes,
Fevº 2017-
Ermelindo Ávila                                                          

COSTUMES & TRADIÇÕES

NOTAS DO MEU CANTINHO
      
Vão desaparecendo dos nossos meios ilhéus os costumes e tradições que herdamos de nossos avós. É fácil de compreender a razão desse “esquecimento”, digamos.
         Os emigrantes retornados, trouxeram consigo os  novos sistemas de vida que colheram nas terras da Diáspora, quer na maneira de vestir, quer nos hábitos sociais e alimentares. Por outro lado, os turistas das diversas partes do mundo, que aqui chegam, não seguem os hábitos e costumes das terras que visitam. Antes, sem  o imporem, deixam por aí novos sistemas de vida e de trajar que os nativos vão imitando, por lhes parecer mais elegante.
         Estamos na época das grandes tradições. Mas, para onde foram elas ?  
         As semanas que antecediam a Quaresma ou, melhor dito, a quadra do Entrudo ou Carnaval, era um tempo de festas familiares muito apreciado e desejado. Ainda hoje se vão juntando, em ágapes festivos, os amigos e amigas, compadres e comadres. Estamos mesmo a meio do Entrudo, e ainda há notícia de alguns jantares, aqui e ali, a recordar os velhos tempos. Felizmente que isso acontece, pois é uma maneira simpática das pessoas se reunirem e conviverem. 
       Era nestas semanas que, em dia escolhido com a devida antecedência, se realizavam as matanças dos porcos, criados durante um ano, para serem abatidos antes da Quaresma chegar. E que luzida era a festa! Juntavam-se as famílias e, por vezes, aproveitava-se para se reconciliarem algumas desavindas; combinava-se os dias para que não houvesse atropelos, e preparava-se os utensílios e tudo o necessário para que a festa fosse digna. No quintal havia-se plantado o cebolinho adquirido aos fornecedores da Candelária, principalmente, para estar em condições de ser utilizado como cebolas, na matança. Trazia-se do mato o queiró quê se punha a secar nas paredes do quintal, moía-se o trigo, se o havia, ou adquiria-se a farinha de trigo para as massas que deviam ser apresentadas nas refeições: pão de trigo e pão de “duas misturas” -milho e trigo (pão de milho, propriamente). Não faltava o peixe, nem a boa carne para as refeições principais do dia da matança. Esta dava-se de madrugada, porque os homens que nela tomavam parte tinham de estar desembaraçados e almoçados antes de amanhecer. É que alguns deles eram baleeiros e o sinal de baleia podia ser dado, logo que raiava a Aurora. Depois era o lavar das tripas na costa, se o mar permitia, (não havia ainda água canalizada) e, a seguir, o encher e cozer as morcelas. O rapazio nesse dia estava dispensado da escola e aproveitava a bexiga do animal para os seus jogos, enquanto ela durava...
         À noite, era o jantar aos amigos e familiares e, depois, a reunião na sala principal, ou em outra de algum vizinho, para as “chamarritas” e as máscaras. Geralmente, o desmanchar da carcassa do animal fazia-se no dia seguinte. Seleccionavam-se as carnes: para os “presentes”, para os torresmos, juntamente com os ossos, donde se extraía a banha a utilizar durante o ano, para a linguiça e para a salga.
         Na vila das Lajes, desapareceu a criação de suínos e, consequentemente, deixou de haver as “matanças dos porcos”. Mantém-se, porém, esse velho costume nas zonas rurais e freguesias. No entanto, a primeira parte - a matança, o chamuscar, o limpar, etc. – praticamente desapareceu com a instalação do Matadouro Industrial.
         Ainda há dias, tive o prazer de tomar parte num jantar de “matança”, num dos subúrbios da vila. Os familiares juntaram-se e abateram, na véspera, os seus animais. No dia em que lá estive, preparavam-se as carnes para as linguiças. Uma “mestra” fazia as caldas para o curtume das carnes já picadas e preparadas. Em grandes caldeirões, derretiam-se as gorduras para as banhas a utilizar na cozinha durante o ano. Tudo previsto e bem cuidado. Dezenas de pessoas, amigos e conhecidos, participaram no jantar que decorreu entre sorrisos, ditos amigos e conversas agradáveis. Um verdadeiro dia de festa para aqueles famílias.
         E era assim em outros tempos.

Lajes do Pico,
Quinta-feira de Amigas de 09/02/2017.

Ermelindo Ávila