sábado, 22 de março de 2014

Os Poentes...

NOTAS DO MEU CANTINHO


Vivo voltado para o Poente... Para o horizonte, onde o Sol se põe. Para o poente da vida que se vai aproximando...
Vivi sempre voltado ao poente. Por aqui passavam, no meses de estio, os transatlânticos que, saídos dos portos europeus, iam a caminho das Américas.
Navegavam junto das costas pois o mar estava em calmia e as “lavadias de Agosto” só em Agosto chegavam. Mesmo assim não impunham a alteração dos percursos marítimos.
Por aqui andou o “Andrea Dória” que, infelizmente, terminou seus dias ao chegar, da última viagem, nos mares de New York. Mas também outros mais. E todos eles costeavam a ilha, navegavam a baía para que os seus utentes pudessem ver e admirar a beleza encantadora que, destes lados, nos oferece a Montanha mais alta de Portugal.
E, quando não passavam os grandes transatlânticos, as canoas baleeiras faziam-se ao mar na perseguição do monstro marinho que era o pão dos pobres.
Hoje é tudo tão diferente! Desapareceu a navegação transatlântica. Abateram as traineiras do atum, cuja frota foi importante para este lado Sul. Distribuíram as airosas canoas baleeiras picoenses, para darem fim a uma actividade secular.
Criaram um outro sistema de ver baleias. interessa, porque dá interesse aos exploradores. E o mar continua na sua calmia, à espera que voltem os barcos de açúcar do outro lado do Atlântico, ou os navios italianos – o “Sinaia”, o “Saturnia”, “o Vulcania”, o “Sebastián Elcano”, ou mesmo um novo “Andrea Dória”, voltem a sulcá-lo como o faziam no século passado.
A montanha, branca de neve no Inverno, vai-se tornando bela e flamejante, nesta Primavera que se aproxima, para assim ficar até aos primeiros dia de Outono, que não tardará. É que o tempo corre veloz e, quando menos se espera, a estação passou...
Mas, não somente a navegação transatlântica desapareceu, substituída que foi pelas aeronaves que sulcam o céu que nos cobre.
Por onde ficaram os antigos “Barcos do Pico” tão úteis que eram à economia dos picoenses e até mesmo da generalidade dos açorianos? Eles levavam daqui os saborosos queijos do Pico, a lenha para as cozinhas, a fruta saborosa para as mesas dos pobres, que os ricos tinham outros manjares apetecidos. E levavam também as pessoas que, na época de calmia, iam de ilha em ilha, fazer “negócios” ou visitar familiares. Ou traziam, no verão, aqueles picoenses que, havendo emigrado, voltavam à ilha, colher as uvas e fabricar o vinho de suas pequenas jeiras, ou gozar o fresco da ilha, nas casas que por cá ficaram. E muitos eram esses picoenses.
Naveguei na “Calheta”, quando iniciou as viagens semanais, pelas ilha do chamado Grupo Central. Recordo o mestre José Goulart e os marinheiros, simpáticos homens do Pico que a todos acolhiam com lhaneza e simpatia. Como um pouco mais adiante, no “Ribeirense”, do inesquecível Amigo Mestre João Silveira Alves e no “antigo “Andorinha” do Mestre José Gaspar...
A vida do Sul do Pico era intensa. Todos estavam de olhos voltados para o mar e todos sabiam os horários das lanchas das Lajes e dos barcos do Pico que passavam, semanalmente, nos portos do Sul, desde a Calheta a S. Mateus, para se encaminharem para a Horta ou, no regresso, para Angra, via S. Jorge. Um tempo que foi e não volta.
O Sul do Pico foi abandonado, ardilosamente (?) e deixou de figurar nos mapas de navegação... Mas a vida das gentes do Pico não melhorou. Asfixiou-se e desapareceu. As terras foram sendo abandonadas pela juventude e mais velhos “armazenados” nos “Lares”. As terras abandonadas e as vivências definhadas...
É este o Pico que nos deixaram e do qual se lembram nas ocasiões em que os votos ainda existentes são apetecidos.
Mas esses que por cá teimosamente ficaram, continuam a olhar o horizonte, a gozar a beleza da montanha, a desfrutar o encanto que é, em dias estivais, o poente, multicolor e indicativo do dia que se segue...
Da minha janela, diariamente, olho a Montanha e nela “leio”, mal embora, o dia que vamos ter... E quedo-me na contemplação desse gigante que não nos causa temor mas nos oferece belezas tamanhas e encantos sem medida.



Lajes do Pico,
Março de 2014

Ermelindo Ávila