NOTAS DO MEU
CANTINHO
Vivo
voltado para o Poente... Para o horizonte, onde o Sol se põe. Para o
poente da vida que se vai aproximando...
Vivi sempre
voltado ao poente. Por aqui passavam, no meses de estio, os
transatlânticos que, saídos dos portos europeus, iam a caminho das
Américas.
Navegavam
junto das costas pois o mar estava em calmia e as “lavadias de
Agosto” só em Agosto chegavam. Mesmo assim não impunham a
alteração dos percursos marítimos.
Por aqui
andou o “Andrea Dória” que, infelizmente, terminou seus dias ao
chegar, da última viagem, nos mares de New York. Mas também outros
mais. E todos eles costeavam a ilha, navegavam a baía para que os
seus utentes pudessem ver e admirar a beleza encantadora que, destes
lados, nos oferece a Montanha mais alta de
Portugal.
E, quando
não passavam os grandes transatlânticos, as canoas baleeiras
faziam-se ao mar na
perseguição do monstro marinho que era o pão
dos pobres.
Hoje é
tudo tão diferente! Desapareceu a navegação transatlântica.
Abateram as traineiras do atum, cuja frota foi importante para este
lado Sul. Distribuíram as airosas canoas baleeiras picoenses, para
darem fim a uma actividade secular.
Criaram um
outro sistema de ver baleias. Só
interessa, porque dá interesse aos exploradores. E o mar continua na
sua calmia, à espera que voltem os barcos de açúcar do outro lado
do Atlântico, ou os navios italianos – o “Sinaia”, o
“Saturnia”, “o Vulcania”, o “Sebastián Elcano”, ou mesmo
um novo “Andrea Dória”, voltem a sulcá-lo como o faziam no
século passado.
A
montanha, branca de neve no Inverno, vai-se tornando bela e
flamejante, nesta Primavera que se aproxima, para assim ficar até
aos primeiros dia de Outono, que não tardará. É que o
tempo corre veloz e, quando menos se
espera, a estação passou...
Mas, não
somente a navegação transatlântica desapareceu, substituída que
foi pelas aeronaves que sulcam o céu que nos cobre.
Por onde
ficaram os antigos “Barcos do Pico”
tão úteis que eram à economia dos picoenses e até mesmo da
generalidade dos açorianos? Eles levavam daqui os saborosos queijos
do Pico, a lenha para as cozinhas, a fruta
saborosa para as mesas dos pobres, que os ricos tinham outros
manjares apetecidos. E levavam também as pessoas que, na época de
calmia, iam de ilha em ilha, fazer “negócios” ou visitar
familiares. Ou traziam, no verão, aqueles picoenses que, havendo
emigrado, voltavam à ilha, colher as uvas e fabricar o vinho de suas
pequenas jeiras, ou gozar o fresco da ilha, nas casas que por cá
ficaram. E muitos eram esses picoenses.
Naveguei na
“Calheta”, quando iniciou as viagens semanais, pelas ilha do
chamado Grupo Central. Recordo o mestre José Goulart e os
marinheiros, simpáticos homens do Pico que a todos acolhiam com
lhaneza e simpatia. Como um pouco mais adiante, no “Ribeirense”,
do inesquecível Amigo Mestre João Silveira Alves e no “antigo
“Andorinha” do Mestre José Gaspar...
A vida do
Sul do Pico era intensa. Todos estavam de olhos voltados para o mar e
todos sabiam os horários das lanchas das Lajes e dos barcos do Pico
que passavam, semanalmente, nos portos do Sul, desde a Calheta a S.
Mateus, para se encaminharem para a Horta ou, no regresso, para
Angra, via S. Jorge. Um tempo que foi e não volta.
O Sul do
Pico foi abandonado, ardilosamente (?) e deixou de figurar nos mapas
de navegação... Mas a vida das gentes do Pico não melhorou.
Asfixiou-se e desapareceu. As terras foram sendo abandonadas pela
juventude e mais velhos “armazenados” nos “Lares”. As terras
abandonadas e as vivências definhadas...
É este o
Pico que nos deixaram e do qual se lembram nas ocasiões em que os
votos ainda existentes são apetecidos.
Mas esses
que por cá teimosamente ficaram, continuam a olhar o horizonte, a
gozar a beleza da montanha, a desfrutar o encanto que é, em dias
estivais, o poente, multicolor e indicativo do dia que se segue...
Da
minha janela, diariamente, olho a Montanha e nela “leio”, mal
embora, o dia que vamos ter... E quedo-me na contemplação desse
gigante que não nos causa temor mas nos oferece belezas tamanhas e
encantos sem medida.
Lajes
do Pico,
Março
de 2014
Ermelindo
Ávila
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