domingo, 20 de novembro de 2016

INICIATIVA PLAUSÍVEL

A MINHA NOTA


         Pode assim classificar-se a que teve, há um ano, o Dr. José Caldeira, instalando no Cais do Pico, em zona bastante central e desfrutando de um magnífico panorama.
         Embora se trate de um estabelecimento comercial, tem uma finalidade cultural de muito apreço até porque, na ilha não abundam muitas instituições do género.
          Presentemente, pode registar-se a iniciativa dos CTT, uma instituição secular do Estado e que passou a ser propriedade de uma empresa privada. Mas, para os açorianos, o seu interesse é relativo, uma vez que só dispensa a sua actividade a edições continentais. E as edições açorianas já são bastantes, para justificarem o interesse que lhes devia dispensar a actual proprietária dos Correios Públicos.
          Na vila das Lajes, felizmente, temos o Centro de Arte, instalado na antiga SIBIL, propriedade da Câmara Municipal, que expõe à venda pública as edições que o Município patrocina. O mesmo acontece com o Museu dos Baleeiros, onde podem ser adquiridas as edições da Direcção Regional da Cultura. O mesmo deve acontecer na Madalena onde, desde há cerca de sete dezenas de anos, existe um simpático estabelecimento de venda mista e onde sempre se encontraram boas edições literárias.
           A Livraria D. Dinis tem uma característica especial, pois dedica-se, quase na exclusividade, à venda de edições de todo o País, o que não deixa de representar a prestação de um serviço público de certa valia.
           Não fui encarregado de trazer a público a abertura e funcionamento deste estabelecimento comercial. Faço-o, porque entendo importante para a ilha a sua existência. O Pico é das ilhas que mais edita, não somente livros científicos, mas pequenos romances, contos e novelas, históricos e poesia rural. Tem hoje uma empresa – a “Companhia das Ilhas” - que se dedica à edição de obras literárias de qualquer espécie.
            Se fizermos um levantamento estatístico, verificaremos que todas as freguesias da ilha têm autores de apreço. E já não refiro os consagrados escritores José Martins Garcia e José Dias de Melo. Almeida Firmino não publicou muitos livros, mas o bastante para ser considerado um grande Poeta. Embora não fosse natural do Pico, à Ilha Montanha se dedicou e nela quis ficar... José Enes foi um Senhor da Cultura, que nos deixou uma obra científica de meritória valia, principalmente no campo filosófico. De registar a Doutora Susana Goulart Costa, professora universitária, com raízes picoenses, como notável historiadora. E não esqueço o poeta e escritor Dr. Manuel Tomás, e o falecido Pe. José Idalmiro.
         Em décadas passadas a Ilha possuiu poetisas, como Amélia Ernestina de Avelar, e contistas, como Rodrigo Guerra e Nunes da Rosa, além de outros. Mas hoje abundam os escritores e publicistas. Porque todos os conhecem, fico por aqui...
          Bom serviço prestou e presta às Letras picoenses o Dr. José Caldeira com a Livraria D. Dinis. Ainda há “espaço” para outros mais, nas vilas picoenses, e não somente. Basta terem igual iniciativa a bem das Letras e da Cultura em geral. Daí este meu singelo apontamento.

         Lajes do Pico,
          8 de Nov. de 2016
          Ermelindo Ávila


PÃO POR DEUS

NOTAS DO MEU CANTINHO


No nosso viver habitual, vão desaparecendo as nossas seculares tradições. É a história que se adultera. São os hábitos e costumes que vão.
Atravessamos uma época de verdadeira confusão social.
Nunca houve tanta riqueza acumulada e tanta pobreza. É a chamada crise económica. As falências das actividades comerciais e industriais, e particularmente da própria banca, são uma constante, e normalmente arrastam para a miséria não poucas famílias. Basta estar atento ao que nos transmite a comunicação social.
         Com a “importação” de certas modernices estranhas ao nosso viver substituído por certos sistemas sem significado, é toda uma vida ancestral que se modifica sem proveito para ninguém,
         Agora, surgiram, com certa insistência e algum patrocínio de estranhos, no tradicional Dia do Pão Por Deus, os fantasmas horripilantes, por vezes. E aquele, sim, tinha um significado altruísta e de benemerência, que todos aceitavam e respeitavam, como, por cá, ainda hoje acontece.
         Quando a vida era mais difícil, quando a pobreza atingia maior número de famílias, mais notória no dia de “Todos os Santos” – 1º de Novembro - todas as casas se preparavam para receber aqueles que lhes “batiam à porta” a pedir uma esmolinha por amor de Deus ou o “pão por Deus”. E recebiam géneros de várias espécies, que tudo lhes servia. Ultimamente, porém, são as crianças que, em pequenos grupos, ainda aparecem com seus saquitéis, especialmente feitos de retalhos pelas mães ou avós, a pedir, numa cantilena agradável, o “pão por Deus!”. E nunca deixam de receber umas moedas ou uns doces – chocolates, queijadas, e outros.
         Felizmente que a tradição não se perdeu e ainda hoje acontece, tal como anteriormente. É agradável recebê-los, com eles ter uma pequena conversa, dar-lhes o desejado “pão por Deus” e despedi-los, até ao ano, se Deus quiser. Um gesto cristão que só dignifica quem o pratica.
         Este ano, porém, algumas escolas prepararam as crianças com vestes horríveis, para percorrerem os lugares, representando o Halloween que nada tem com os nossos hábitos e costumes.
         Por que não deixar a cada um a herança, embora modesta, que recebeu de seus avós? Não só é um gesto de respeito pelo passado como, sobretudo, um sinal de cultura simpático e - porque não? – educativo.
         Na realidade, vai desaparecendo, pouco a pouco, uma tradição de alguns séculos. Em certos hábitos e costumes vamo-nos aproximando de um estrangeirismo, diria feroz, que nos vai transformando em autênticas pessoas neutras.
         E não é dizer que hoje não haja pobreza. Ela existe, a maioria das vezes encapotada e envergonhada. Aliás, os tempos que decorrem, com a actual crise que se atravessa, provocam, se não por cá, nos meios mais desenvolvidos, uma autêntica pobreza. Basta ter em atenção o que se passa nalgumas cidades mesmo açorianas, onde já existem pessoas a viver na rua, como há muito acontece nas nações mais ricas: os sem-abrigo. Nos Estados Unidos são os tramps – um verdadeiro flagelo social e uma vergonha para este século.
         A ilha do Pico, se não tem grandes riquezas, também nela não existem ainda notórias carências e miséria. Mas convêm acautelar.
         Sabido que não é com o “pão por Deus” que se vai debelar qualquer surto de pobreza. Mas não deixa de ajudar e é, sobretudo, um gesto dignificante que não se deve ignorar e, muito menos, substituir pelo moderno halloween, ou qualquer outra diversion.
         Este ano já passou o dia do Pão por Deus. Para o ano que vem ele surgirá novamente. Um apelo fica: que pais e professores preparem os filhos e alunos para uma simpática e cristã tradição que só dignifica quem a pratica. E haverá sempre crianças que esperam por esse dia para saborearem uma guloseima...


Lajes do Pico,
7 de Nov. de 2016

Ermelindo Ávila 0

A “MATANÇA”

NOTAS DO MEU CANTINHO

                                             

        Não se trata daquelas que, dia a dia, os noticiários da TV e da Rádio nos trazem e, de tanto repetir a notícia, nos obriga, por vezes, a desviar para outro canal, pela maneira indiferente como a notícia é tratada.
        Nas zonas rurais já se vai falando nas matanças dos porcos. Uma festa de família que, a partir dos finais do Outono e durante o Inverno, tinha lugar em todas as freguesias da Ilha.
        E que interessante era. Para a gente miúda era uma grande festa se bem que, para os adultos representava dias de intenso trabalho doméstico.
        Nem sei hoje como são as tradicionais matanças de porcos. Refiro, pois, o que acontecia há umas dezenas de anos, quando as famílias eram, geralmente, numerosas e os suínos eram tratados cuidadosamente durante o ano para que a matança fosse um acontecimento familiar e festivo.
        A preparação do acontecimento já era de festa. Desde o apanhar das vassouras (urze), que se punham a secar no quintal, com a devida antecedência, até à apanha e preparação das cebolas, cultivadas especialmente para as morcelas, tudo representava para muitos, quase actos festivos.
        Marcado o dia da matança, - e tinha de ser combinado com os familiares para não coincidir com os dos outros amigos ou familiares - iniciavam-se os trabalhos de preparação dos utensílios, além de outros indispensáveis, para que tudo estivesse pronto no dia aprazado.
         Moíam-se os cereais – trigo e milho – para o fabrico do pão de milho e de trigo, e bolo de milho, em quantidades suficientes para os dias da matança. Os dias antecedentes eram destinados à cozedura dos pães de trigo, por vezes maça sovada, de milho ou de  “duas farinhas”, a limpeza da casa e da loja, ou rés-do-chão, onde era pendurada a carcaça do animal, a enxugar algumas horas ou um dia e noite .
         Convidavam-se o “matador” e os ajudantes, com a devida antecedência, bem como as mulheres que iriam ajudar nos trabalhos de cozinha; e, geralmente, moças para “picar as cebolas”, na véspera do dia.
         De madrugada alguém ia chamar os que iriam ajudar nos trabalhos da matança, bastante cansativos, pois era necessário que todo o trabalho se fizesse de madrugada e os homens que o executavam pudessem almoçar antes do nascer do Sol, pois tinham de estar livres para o caso de “aparecer baleia”, visto que todos ou quase todos eram baleeiros.
          Os mais miúdos aguardavam o dia com ansiedade: não iam à escola e aguardavam a bexiga para a encherem de ar e com ela fazerem na rua os seus jogos de futebol, brincadeira que hoje se tornaria impossível, dado o trânsito automóvel que desde cedo circula.
          Hoje é tudo diferente. Os animais são levados ao Matadouro e lá são abatidos e preparados, restando às famílias apenas os trabalhos de cozinha: derreter as carnes para os torresmos, e preparar as morcelas, a linguiça e pouco mais, porque as arcas frigoríficas fazem o resto.
          Mesmo assim, o dia da matança não deixa de ser um dia especial para as famílias que ainda seguem a tradição. Ainda se fazem os presentes, serviço que as crianças aguardam com interesse pelas gorjetas que normalmente recebem.
          Há dias assisti, com muitos lajenses, a um almoço comunitário de porco, abatido no matadouro. E não faltaram as morcelas e os torresmos. Um repasto apetitoso e um convívio agradável, que todos apreciaram, e eram umas dezenas. Uma maneira simples de nos encontrarmos, já que a maioria, embora residente na vila, pouco ou quase nenhum convívio tem. E bem necessários que eles são pois, o isolamento que se vive é atrofiante e cada vez mais isso se nota, com a paralisação de serviços, repartições e oficinas, que antes existiam e, nestas, muitas vezes se juntavam para amena cavaqueira.
          O convívio foi uma maneira de reunir fundos para um fim comunitário e de juntar os lajenses, que poucos faltaram. Aguardemos outro...

Lajes do Pico,
24. Outº- 2916

Ermelindo Ávila

O JORNALISMO

A MINHA NOTA

       Desde o século XVII que em Portugal se cultiva o jornalismo. E já não refiro Gutenberg, o inventor da tipografia.
         Inicialmente eram as folhas clandestinas, imprensas ou manuscritas, que circulavam entre as classes mais destacadas. Depois, generalizou-se e veio a surgir o grande jornalismo.
         Nas terras pequenas foram aparecendo os pequenos jornais, onde, ao lado das grandes notícias ou das questões políticas que sempre as houve, eram publicadas as notícias de mero interesse social: nascimentos, casamentos, falecimentos... E não faltava a propaganda comercial de certos produtos.
         Desde 1942 que os jornais e as folhas soltas foram objecto da “censura”oficial, para evitar que a acção governativa fosse criticada...
         Os Açores não fugiram ao aparecimento do jornalismo. Presentemente tem orgulho de possuir o mais antigo jornal português – o “Açoriano Oriental”. Embora haja passado por diversas vicissitudes, conseguiu singrar estes anos todos e hoje continua a ser um dos mais destacados órgãos da Imprensa açoriana e portuguesa.
          Por cá, mantém-se ainda o centenário ”Diário dos Açores”, e os semanários “A Crença”, já com cem anos e “O Dever”, a atingi-los em poucos meses.
Infelizmente, desapareceram, na Horta o diário “O Telégrafo” e em Angra o diário “A União”. Nas colecções arquivadas nas Bibliotecas encontra-se a história do século passado, destas ilhas, principalmente dos distritos da Horta e de Angra.
         A Ilha do Pico nunca publicou um jornal diário. Foram vários os que surgiram, desde o século XIX, nos três concelhos da Ilha mas quase todos de vida efémera e alguns deles criados e mantidos pela política partidária, o que explica a sua escassa existência. Mas outros houve de boa qualidade literária, como sejam “A Voz”e “Os Sinos da Aldeia”, do saudoso Mestre da Cultura, Padre Nunes da Rosa. O mais recente, embora com a categoria de boletim paroquial, foi “0 Bom Combate” fundado e mantido pelo P. José Fortuna, enquanto Vigário e Ouvidor da Vila da Madalena. E não deve esquecer-se o mensário “Ecos do Santuário” do P. Filipe Madruga, enquanto Pároco e Reitor do Santuário do Bom Jesus, em S. Mateus, onde colaboraram personalidades distintas do clero e onde a vida paroquial e social daquela freguesia picoense, e não só, está devidamente registada.
         Hoje a imprensa picoense tem certa estabilidade, pois, ao contrário do que se possa julgar e em certa medida aceitar, existe à margem dos Partidos. E felizmente que assim acontece.
         Além de “O Dever”, já referido, conta ainda com os semanários “ilha maior”, a atingir os trinta anos e “Jornal do Pico”, publicado em São Roque do Pico, há quase catorze anos.
Os jornais do Pico, ao que creio, não estão enfeudados à política, propriamente dita. Pertencem a grupos locais e procuram ser defensores dos direitos e das reivindicações dos respectivos territórios. E ainda bem que assim procedem.
O “Jornal do Pico”, onde são publicados alguns dos meus escritos, desde a sua fundação, já lá vão doze anos, tem procurado ser, com dignidade e persistentemente, o defensor dos interesses do seu concelho, Louvores merece, por assim continuar a olhar com dignidade para sua terra e suas gentes, sem deixar de trazer ao de cima, sempre que oportuno, os interesses picoenses em geral.

Lajes do Pico.
 18 – Outº-  2016

Ermelindo Ávila