domingo, 23 de novembro de 2014

FILHOS E ENTEADOS?

NOTAS DO MEU CANTINHO


Somos tratados por enteados a quem o padrasto dá uma sopa mal cozinhada. Não, isso não é a realidade, mas assim parece.
O governo esteve em visita de desobriga na ilha do Pico. Numa parte da ilha do Pico. Visitou obras e departamentos regionais. Todavia, parece ter ignorado que o Pico é constituído por três concelhos, dado que deixou de visitar “oficialmente” um deles. Afinal, o mais esquecido e abandonado, mas que existiu antes dos outros e onde não faltam problemas para resolver. Verdade que um ou outro membro do Governo saltou, aqui e ali, a espreitar casos pontuais, mas somente.
Julgo que não é esse o espírito da Lei que assim reza:O Governo Regional visita cada uma das ilhas da Região pelo menos uma vez por ano”. (nº l do Artº 87º do Estatuto da Região Autónoma). Mas ao referir cada uma das ilhas, pelo menos uma vez por ano, deduz-se, facilmente, que foi intenção do legislador impor que o Governo visitasse todos os concelhos da Ilha, e consequentemente da Região, que não somente um ou dois em cada ano. Demais, quando foi estudada por diversas comissões a organização administrativa dos Açores, esteve sempre presente o concelho, como instituto independente, considerando-se a ilha uma parcela autónoma da Região. Não se previa um governo único sedeado numa das ilhas, como veio a acontecer. E foi daí que nasceu a obrigatoriedade da visita anual.
Assim, e tal como se vem praticando, só de longe em longe se resolvem os assuntos de toda a ilha, o que, julga-se, não estava no entendimento dos legisladores. Mas, e como diz o ditado popular: mudam-se os ventos, mudam-se os pensamentos...
Há tempos passados, um temporal com chuvas violentas, atingiu a zona de Santa Cruz das Ribeiras, danificando a estrada e o ramal de acesso ao porto. Depois de muitos meses de espera, a estrada acabou por ser reparada e aberto ao trânsito. O mesmo não sucedeu ao Ramal que, aliás, pertence à mesma entidade administrativa. O trânsito continua vedado às camionetas da carreira urbana que, para irem ao centro de Santa Cruz, tem de utilizar o ramal de acesso a Santa Bárbara e o caminho municipal de Santa Bárbara a Santa Cruz. Não se compreende porque não foram incluídas, no projecto de restauro, os dois troços danificados.
Aqui há anos, não muitos, foi construído um paredão que fechou a “Carreira” e evitou que o mar galgasse mais frequentemente a vila. Uma obra que todos aplaudiram. Dessa construção resultou uma pequena enseada que, tornando-se abrigada, permite à navegação por ali passar com certa segurança. E refiro “certa segurança” porque não se fez então a limpeza do fundo, passando a sinalizar-se depois os “cabeços” encobertos para evitar que provoquem qualquer naufrágio. Na altura da construção do molhe de defesa teria sido fácil eliminar esses obstáculos sem grandes agravamentos de verbas.
Não precisa ser-se técnico para perceber que o “pátio” do caneiro (denominemo-lo assim), poderia servir de cais de embarque, se tivesse sido concluída a escada que nele ficou esboçada pelo lado Oeste, quando construído.
A nova “lagoa” que resultou da construção do paredão de defesa poderia – devia – ser preparada para receber a navegação de recreio – marina – desimpedindo a lagoa interior que ficaria somente para os barcos de pesca, que são ainda alguns.
E, aqui, apetece deixar a pergunta: Quando é construída a nova “pesqueira” ou lota para substituir aquela que foi destruída quando da construção da rampa interior?
Ou será que o “monopólio” do pescado é para manter à distância e “ad aeternum” ?
Não será por estas e por outras atitudes ininteligíveis que o Sul e a sede do respectivo concelho se vão despovoando, talvez com gáudio de outros?...
Quando o “mundo” era diferente, não se estranhavam situações similares. Mas nos tempos actuais, em que se espalha aos quatro ventos que tudo será resolvido se o povo soberano (?) quiser, é estranho que o abandono dos sítios degradados continuem esquecidos ou ignorados.
Seja como for, porque todos somos contribuintes, todos temos iguais direitos; e governar não é distribuir benesses, mas repartir o bem com justeza, equilíbrio e atempadamente, para que o povo acredite e possa fazer justiça nos momentos próprios.


Vila das Lajes do Pico,
12-XI-2014
Ermelindo Ávila


P.S. Já depois de escrita esta crónica foi anunciado o início das obras no Ramal de Sta Cruz.

NOVAS LEIS DE EMIGRAÇÃO

NOTAS DO MEU CANTINHO


A dar crédito ao que anuncia a comunicação social, o Canadá vai modificar as suas leis de imigração, no sentido de dar maiores facilidades à fixação de técnicos especializados no País. Um sistema novo para atrair a juventude que sai das universidades de outros países e que neles não encontra colocações para as especialidades obtidas. Um novo sistema de atrair os jovens formados de outros países sem que tenha concorrido para a sua formação. Como é o caso de Portugal.
Afinal a nova legislação canadiana vem de encontro ao que aqui há tempos passados aconselhava um dirigente político português: que a juventude formada e desempregada emigrasse!
O aviso, ou “conselho” mal pensado encontrou, no entanto, eco nos nossos jovens que, rapidamente, abalaram para os países onde encontraram colocação, deixando o País mais pobre e envelhecido, entregue à chamada “terceira idade”!
As famílias que, tendo investido, largamente, na formação dos filhos, vêem-se agora privadas da sua presença e assistência física, encaminhando-se alguns dos seus membros, forçadamente, para os lares da terceira idade; instituições outrora desconhecidas mas que, mesmo assim, vêm colmatar situações precárias em que alguns dos seus utentes viviam.
Não haverá um sistema mais humano que resolva a situação dos jovens desempregados?
Nada tenho contra a emigração. Aprecio e respeito os emigrantes que, mais por melhoria do futuro dos filhos do que pela sua, abandonam famílias e bens para se fixarem em outros países onde o futuro dos seus é assegurado, como foi o caso da emigração que se deu a meados do século XX. Louvo mesmo a coragem que tiveram e aprecio as vivências que adoptaram, nunca esquecendo as terras de origem que, quando as posses lhes permitem, visitam com alguma frequência. E, nas terras onde se fixaram, procuram manter a educação que receberam na juventude, a religião que lhes transmitiram os pais, as tradições sociais, por vezes modestas e simples, mas nobres e dignas.
Basta ver, principalmente, nos Estados Unidos e Canadá, as numerosas sociedades fraternais onde convivem e se entreajudam. É o caso das “Casas dos Açores”, organizações semi-oficiais que hoje encontramos instaladas em diversas comunidades açorianas da Diáspora.
Grandiosas são as igrejas católicas que ergueram as festividades que anualmente realizam, recordando aquelas que são tradicionais nas suas terras de origem, como sejam as solenidades do Divino Espírito Santo as devoções ao Santo Cristo e aos santos Padroeiros.
A cultura do espírito não é esquecida. Hoje há jovens açorianos com cursos universitários a exercer, nas estranhas terras, cargos da maior responsabilidade política, económica e social. Alguns estão nas profissões liberais: médicos, advogados, professores e outras mais. Outros celebrizaram-se na agricultura, no comércio e na indústria.
Aquilo que podiam exercer nas suas terras de origem estão a desempenhar nas terras de acolhimento. E alguns desejavam, mesmo, voltar ao torrão natal e colocar as suas aptidões culturais e profissionais ao serviço dos seus concidadãos, se lhes dessem essa oportunidade.
Os governos têm de implementar e desenvolver uma política de acolhimento dos emigrantes para que retornem às terras de origem: distribuindo-lhes terras, apoiando a instalação de indústrias, e outras iniciativas atractivas para que estas ilhas rejuvenesçam e se desenvolvam, e não fiquem despovoadas em futuro mais próximo do que se possa imaginar.
Deixo-lhes o apelo.

Lajes do Pico,
3-XI-2014

Ermelindo Ávila

A AGRICULTURA

NOTAS DO MEU CANTNHO



A Ilha do Pico, tal como as demais do Arquipélago dos Açores, são constituídas por terrenos que permitem uma normal e satisfatória produção agrícola. E foi assim desde os seus primórdios.
Quando os homens do Infante aqui aportaram, eram portadores de sementes de trigo que, deitadas à terra, permitiram boas colheitas. (Não assim na Povoação, onde as sementes produziram grossas canas, e nenhuma semente, dada a sua natureza excessivamente forte, como diz Gaspar Frutuoso.)
Mais tarde apareceu o milho, trazido dos Estados Unidos onde os índios o cultivavam, com pouco esforço e grande êxito, para a sua alimentação.
E foi o milho, por mais produtivo, que substituiu o trigo, cereal de produção mais delicada e a exigir um tratamento mais cauteloso, principalmente pela praga que o procurava e devastava.
O milho passou a ser a base da alimentação e, por isso, quando os temporais devastavam os milheirais, a fome atingia quase toda a população açoriana, obrigando à importação do cereal de outras terras.
Havia mesmo o ditado: boa colheita, ano farto.
O trigo só era cultivado especialmente quando o casal “levava a coroa” e pouco mais. Todavia, normalmente, a casa do lavrador fazia a sementeira de um determinado terreno – o serrado do trigo – para ter farinha de trigo para a “mistura” da massa de milho, para utilizar o pão de trigo nas matanças e em certas e tradicionais festividades, quer religiosas quer domésticas.
Hoje, nem milho há. Tudo é importado, não só porque falta a mão de obra para trabalhar os campos - os trabalhadores rurais ou emigram ou passam a exercer outras profissões, - e os terrenos ficam abandonados, ou porque é mais fácil e menos trabalhoso, utilizá-los em pastagens para o gado.
Todavia, causa pena ver para aí tantos terrenos abandonados e ocupados por uma vegetação selvagem que quase chega às ruas por onde transitamos.
Não há muitos anos, v.g., toda a encosta leste da vila das Lajes era utilizada na cultura do milho . E produzia moios...
Nessa época, os proprietários faziam a colheita, por vezes com a ajuda de vizinhos e amigos, e arrecadavam o cereal em recipientes apropriados – as barricas, os depósitos de ferro zincado, os arquibancos, para ser utilizado durante o ano. Por cá não se utilizava o sistema de “burra”, como em outras ilhas.
Já Júlio Dinis, em “As Pupilas do Senhor Reitor”, há mais de cem anos, nos descrevia a Esfolhada como um acontecimento tradicional da Província portuguesa, tal como nestas ilhas acontecia.
Hoje tudo se perdeu. Os terrenos estão abandonados. A ilha do Pico, não passa de uma mata de espécies daninhas. As culturas, praticamente, desapareceram, para se importar, do continente e/ou do estrangeiro, tudo o que é indispensável à subsistência das pessoas. Mas não passa de um sistema errado, para o qual as entidades oficiais têm de voltar a sua atenção. Não basta aproveitar os terrenos baixos para a produção de forragens para o gado leiteiro ou de exportação. Há que pensar na população em geral e facilitar-lhe a produção ou a aquisição dos elementos essenciais à sua subsistência.
Quando chegará o tempo, em que os terrenos sejam aproveitados em culturas e a ilha deixe de ser um todo, onde só aqui e ali se vêem alguns campos de vinha e raros de semeadura, e no seu conjunto, um matagal imenso de faias e incensos?
Não verei esse dia, pois pelas premissas actuais se podem tirar as conclusões. E as conclusões são tristes e amargas.
Repito: Há que voltar ao princípio e arrotear os terrenos, utilizando-os em culturas necessárias à alimentação do ser humano: o milho, a batata branca ou doce, a hortaliça, os primores agrícolas, as fruteiras!... Que excelente era a fruta! - os figos, as uvas, as peras e maçãs, as laranjas, que na Ilha se produzia e os Barcos do Pico, no verão, levavam para as outras Ilhas!...
E, a propósito, há que trazer ao de cima as precárias instalações dos serviços agrícolas nesta vila. Ocupam um barracão construído aquando da construção da muralha de defesa da Lagoa, para os serviços de ferreiro e carpinteiro e devia ter sido demolido na altura da conclusão das obras. Mas ficou e continua. É tempo de estarem aqueles serviços condigna e convenientemente instalados para que possam promover o fomento agrícola desta parte da ilha, a mais rica em terrenos aráveis, e terem a autonomia que ainda agora merecem.
Já o disse e continuo a afirmar: os serviços agrícolas devem estar instalados no Sul e nunca, como julgo, afastados, num extremo inóspito da Ilha. Não será tempo de acabar-se com a política bairrista e de se fazer justiça?...
Finalmente, uma pergunta que pode parecer incómoda, mas que é inofensiva: Os titulares do Sector Agrícola da Região, conhecem a parte da ilha que vai da estrada transversal à Ponta da Ilha? Já calcorrearam suas pastagens montes e vales? Valia a pena.
E quedo-me aqui. Não careço de resposta.
Lajes do Pico, 29-l0-2014

Ermelindo Ávila 

AS LANCHAS DO PICO

A MINHA NOTA


Fizeram história as “Lanchas do Pico”. E não somente as que trafegaram nos portos de Horta e Madalena. Nas década de vinte - trinta do século passado, contribuíram, igualmente, para a prática do comércio e da indústria das ilhas do grupo central do Arquipélago. Hoje, praticamente, deixaram de existir e passaram ao esquecimento. Outros transportes modernizados, os “Cruzeiros” as substituíram.
Há dias, porém, a comunicação social trouxe a público a notícia de que a “Espalamaca”, -antiga lancha do Canal - estacionada no porto da Madalena, conjuntamente com a “Calheta”, ia ser recuperada para servir de museu ou, talvez de peça de mais um liliputiano “museu” da ilha.
Ambas as lanchas citadas fizeram parte da frota da “Empresa das Lanchas do Pico”, com óptimos serviços prestados às populações das ilhas do Pico e do Faial. Não merecem, pois, o abandono a que têm sido votadas, depois que as lanchas do canal, como referi, foram substituídas pelos “Cruzeiros” e, agora, por novos barcos.
No entanto, afigura-se-me que, mais interessante do que a história da “Espalamaca”, é a da “Calheta”.
Segundo Amílcar Goulart Quaresma, em “Maresias”, a “Calheta” foi construída nos estaleiros de S. Amaro por Mestre Manuel Bento, para a Empresa Calhetense de Navegação e Pesca, Lda., com sede na Calheta de Nesquim. Navegou vários anos entre as ilhas Terceira, S. Jorge, Pico e Faial, com viagens regulares todas as semanas. Em 1931, foi adquirida por Miguel Zeferino, das Angústias e, em 1932, passou a pertencer à Empresa Açoriana de Navegação e Pescas, L.da, que a transferiu, em 1950, para a Empresa das Lanchas do Pico, que a incorporou na sua frota. Desde 1996, encontra-se estacionada no porto da Madalena, até que desapareça totalmente.
Cheguei a navegar da Terceira para o Pico na “Calheta”. Tinha uma tripulação cortez, sob o comando do mestre José Goulart, um marítimo destemido e uma figura simpática, apesar do seu aspecto fortemente másculo e impulsivo. Afinal, um bom homem como soe dizer-se.
Foi a primeira embarcação motorizada que fez serviço de passageiros e carga entre as ilhas do grupo Central, mesmo antes do antigo “Ribeirense” iniciar o seu benemérito serviço de passageiros e carga, durante os meses de verão, entre S. Miguel e Faial, passando pelas restantes ilhas do percurso, excepto a Graciosa, por ficar mais afastada, “fora de mão”, como se diz.
Tenho pena que a lancha “Calheta”, uma das poucas que conservou sempre a sua denominação, acabe tão ingloriamente seus dias, pois não deixaria de ser um testemunho forte da intrepidez dos marinheiros do Pico e dos óptimos serviços que prestou ao seu Povo, durante uma boa parte do séc. XX.
Não é, gratuitamente, que Goulart Quaresma, no seu excelente trabalho, a classifica de “Rainha das Lanchas”.
O mesmo aconteceu com as lanchas do porto das Lajes, “Lourdes” e “Hermínia”, construídas, respectivamente, em 192l e 1922, pelo célebre Francisco José Machado, o “Experiente”, e que acabaram por ser abatidas para serem substituídas por traineiras da pesca do atum.
Já antes a primeira lancha baleeira “Margarida”, uma vedeta construída em 1921 pelo Mestre António da Fonseca Santos, para recreio e que, depois, foi utilizada na caça da baleia, também acabou seus dias junto ao muro da rua da Pesqueira, desfeita por um grande temporal marítimo, deixando de ser arrecadada no Museu, como estava projectado.
Lajes do Pico,
1 de Novembro de 2014-11-01

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

RECORDANDO

NOTAS DO MEU CANTINHO


Passaram-se já tantos anos. Nada menos de 75 anos. Estava na minha juventude despreocupada e feliz.
Tinha conseguido, com a ajuda de um Amigo que não esqueço, um pequeno emprego, que era o início da minha carreira profissional. Resolvi ir gozar uma parte das minhas primeiras férias a S. Miguel, aonde tinha ido anos antes em condições nada agradáveis mas que não interessam recordar...
Era o mês de Agosto. Viajei no “Ribeirense” por gentileza do respectivo Mestre, o conhecido Mestre João Alves, de saudosa memória, que me ofereceu a viagem.
Em Ponta Delgada, hospedei-me na Pensão “Fontes” na Rua dos Mercadores. Uma senhora viúva e muito simpática, que acolhia os hóspedes – e éramos vários – muito familiarmente.
Passava os dias quase só, num dos cafés do Largo da Matriz. Um deles era o “Giesta” e um outro pertencente a um judeu cujo nome não recordo, mas que fornecia umas cavacas deliciosas. O sol de Agosto não permitia grandes passeatas pela cidade.

Não existia a Avenida. Naquelas noites quentes de Agosto, o sítio mais procurado era o “Aterro” que ficava nas traseira dos “cafés”, virado para a doca a qual, nessa altura, estava a ser prolongada com mais vinte e cinco metros, para melhor acolher a navegação. Trabalhava-se, naquela gigantesca obra, continuamente, de noite e de dia.
Normalmente, a navegação não atracava ao molhe, mas ficava no meio da bacia. Os passageiros eram dali transportados nas lanchinhas do Manteiga para o cais da Alfandega, um pequeno espaço, com escada e acesso à via pública, junto do edifício onde estava instalada a Alfândega. Hoje, é o quartel da PSP. A carga era transportada em batelões, da doca para os navios e vice-versa.
A navegação, naqueles recuados tempos, quase se limitava aos dois barcos da EIN, Lima e Carvalho Araújo e aos cargueiros dos Carregadores Açorianos, destinados a transportar para a Europa os ananáses produzidos em S. Miguel. Eram quatro ou cinco navios com acomodações para uma dúzia de passageiros.
Algumas vezes no ano, passava, pelos portos de Horta e Ponta Delgada, o Sináia, da Empresa Fabre Line. Depois apareceram, ainda nos primeiros anos da década de trinta, o Saturnia e o Vulcania, verdadeiras cidades flutuantes, como os classificou um jornalista da época. Nesses recuados tempos estava pouco desenvolvida a navegação turística.
Por indicação do Pe. José Jacinto Rebelo, já meu conhecido, relacionei-me com dois ou três jovens que faziam parte do grupo de Jocistas, movimento católico formado havia poucos anos e que já chegara às Lajes do Pico.
No domingo que lá estive, creio que foi o primeiro domingo de Agosto, ofereceram-me um passeio até à freguesia da Relva que, nesse dia, celebrava a festa da Padroeira. Qual? Já nem me lembro.
Tomei parte numa reunião jocista em casa do Pe. Rebelo, bastante animada. Aí conheci outros jovens jocistas.
Mas, no sábado anterior, estava sentado numa cadeira das várias que os Cafés colocavam nos passeios em frente aos respectivos estabelecimentos, e tive oportunidade de ler o jornal do dia – “A Ilha”.
Ponta Delgada vivia, na época, um período de grande desenvolvimento turístico, mercê da Casa Bensaúde, que ali se havia estabelecido. Sob o seu patrocínio apareceu a Sociedade Terra Nostra que construiu nas Furnas o primeiro hotel da Ilha. Na cidade construiu a Pensão Terra Nostra e instalou o Bureau de Turismo. Explorava a carreira de navegação Empresa Ínsula de Navegação. Fundou o jornal A Ilha, cuja direcção (creio) entregou ao Dr. Agnelo Casimiro, professor liceal e um dos mais destacados literatos açorianos do tempo. Julgo que não estou errado e se isso acontece o leitor que corrija.
O Bureau de Turismo, a seguir aos cafés, estava entregue a um jovem que o desenvolveu, notavelmente. Refiro o velho e saudoso amigo J. Silva Júnior, que ali esteve durante muitos anos.
Nas Furnas, a sociedade Terra Nostra havia construído um campo de Golfe, parece que, ainda hoje, um dos melhores do mundo.
Para a inauguração desse complexo desportivo foi convidado um Milionário americano.
Nesse sábado em que me encontrava em Ponta Delgada, o jornal “A Ilha”, julgo que órgão da Terra Nostra, e naturalmente os restantes jornais que ali se publicavam: ”O Açoriano Oriental”, o “Diário dos Açores” e “Correio dos Açores”, salvo erro, davam a notícia em parangonas na primeira página, da chegada do Milionário americano e seu secretário para inaugurarem o campo de golfe das Furnas. E como atrativo havia uma “matança de porco” em estilo regional!...
Nessa tarde a cidade despovoou-se. Ao tempo, eram poucos os carros que circulavam, mas todos eles se encaminharam para as Furnas, ou para assistir à exibição do Milionário ou para assistir à tradicional matança. Qualquer delas era um atractivo aliciante.
E, como no princípio dizia, já se passaram setenta e cinco anos!

Lajes do Pico,
27 de Outubro de 2014
Ermelindo Ávila