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sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

REGRESSO…

                                   REGRESSO….

Há muitos anos que não dava notícias. A mãe, a esposa e sua filhinha que acabara de nascer após o casamento, não o conheciam. Partira numa noite esplendorosa da Primavera, num dos primeiros navios a motor que por aqui passaram, com viagem paga aos Furtados, em moeda nacional.
Fora para não mais dar noticia suas…
A filha foi crescendo naquele tugúrio que nenhum conforto tinha. Uma casa antiga, com tecto de telha corrida, por onde o vento entrava desalmadamente nas noites de Inverno, e nem havia água canalizada, nem electricidade. Na cozinha continuava a candeia alimentada a azeite de toninha. No quarto de dormir, única sala existente, uma vela de cebo e, por vezes de estearina. Tudo muito pobre e rude.
Ao canto deste pequeno cubículo, uma mesinha, em cima, uma estampa de Nossa Senhora de Fátima e no centro uma pequena Imagem do Menino Jesus, mal enroladinho.
No inverno o frio era terrível e as três tinham de deitar-se cedo, envoltas num cobertor de lã de ovelha, tecido nos anos em que a avó era ainda moça. Normalmente, dormiam vestidas pois não suportavam o frio da noite.
O outro filhinho do casal morrera de desinteria, há algum tempo, após o embarque do pai.
Os emigrantes que regressavam à terra não sabiam dar notícias do João das Grotas, pois nunca se encontraram com ele nas terras de Imigração. É que o João chegara a Montevideu e metera-se por terra dentro – para o interior – e deixara de contactar com os conterrâneos. O mesmo com a mulher e mãe. Um silêncio tenebroso que obrigou-as a andarem trajadas de preto, como as viúvas.
A mãe trabalhava nas casas vizinhas para angariar sustento. A mulher empregara-se como mulher a dias e, nos intervalos, trabalhava na fábrica do peixe. A filha, já crescida, frequentava a escola primária, e nos intervalos fazia mandaletes às famílias vizinhas….
Todavia, nos domingos e dias santificados não deixavam nunca de cumprir os seus deveres religiosos e a filha, com vestes emprestadas, fizera a Comunhão Solene. Todos tinham pena das três mulheres, mas mais não lhe podiam fazer porque a terra também era habitada por gente pobre.
Mas, um dia, aconteceu o imprevisto…
+++
Chovia torrencialmente há dias. As pessoas mal podiam sair de casa. Nem à novena…Era já noite de Natal. A Igreja, como acontecia habitualmente todos os anos, estava iluminada. Os sinos da torre da velha igreja da paróquia, tocavam festivamente e aproximava-se a meia noite - a Meia Noite de Natal, quando a Igreja Católica celebra o Nascimento do Menino Jesus, em Belém, há mais de dois mil anos. À igreja iam chegando somente aqueles que tinham meios de condução. Os outros ficavam por casa esperando que o tempo abrandasse para irem à Missa do Galo.
As mulherzinhas, entretanto, recolhidas num canto junto ao lar a saborear umas sopas mal cozidas e pior temperadas, ouvem bater à porta, apressadamente e ficam muito preocupadas. O bater insiste e uma voz do exterior chama apressadamente: - Ó Izabel, abre a porta, está aqui teu marido!... Era a voz do vizinho e compadre que a chamava. O marido chegara na última camioneta da carreira e estava ali, junto dele.  Ela lá foi, e atrás, a mãe e a filha, até à porta do tugúrio. Na sua frente um homem bem-falante, rodeado de malas de viagem. Chegara há poucas horas e imediatamente procurara a casa, mas nem se lembrava onde ficava ela. Há tantos anos que dali partira…
Na sua frente estava um homem bem-posto, inquieto por abraçar as três. Não é possível descrever o resto.
Depois de explicações e respostas, parece que não estavam separados há tantos anos… Era quase dia de Natal quando a conversa acabou e se deitaram para descansar um pouco das emoções e fadigas.
Mas o dia seguinte, o dia de Natal, foi o grande dia. Para trás ficava um tempo horrível de sofrimento e miséria. Na frente de todos uma nova época de fartura e de esperança.
Um milagre autêntico do Menino Jesus!
Pico, Dezº 2017
E. Ávila                          


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

P´RA ESCOLA !

NOTAS DO MEU CANTINHO


Há quantos anos não ouço esta cantilena! E era algo agradável, quando os alunos da escola que nos ficava em frente, numa “gritaria” ensurdecedora, chamavam os colegas para a aula, pois o recreio, passado no pátio em frente, havia terminado. Outros tempos. Quase um século é passado.
Era no tempo em que os professores eram poucos, quase todas as escolas, principalmente as que funcionavam nas localidades fora das sedes de concelho, eram mista ou comuns aos dois sexos. E poucos eram os alunos que as frequentavam.
Nas localidades sem escola havia quase sempre alguém que ensinava as primeiras letras, principalmente em escolas nocturnas aos jovens que desejavam emigrar, normalmente para os Estados Unidos. Lá ninguém entrava que fosse analfabeto. E eram esses “mestres–escola” que, pacientemente, ensinavam o a b c, utilizando a velha cartilha de João de Deus. Cartilha Maternal se intitulava, em duas partes. Na primeira aprendia-se o alfabeto e, em lições diversas, as vogais e as consoantes, separadamente. A Mestra sabia de cor e salteado a Cartilha e obrigava os alunos a ler correctamente as lições. Quando algum falhava recebia o castigo: uma, duas ou três palmatoadas com “palmatória” de osso de baleia - a “Maria dos cinco olhos” lhe chamavam, porque tinha cinco furos.
A segunda parte, para os alunos mais adiantados, era constituída por pequenos contos, ou histórias, que os alunos decoravam, por vezes gostosamente.
No final, uma série de quadras, narra a miséria em que vivia a ceguinha e o filho: Era já noite cerrada / Diz o filho – “Oh minha mãe, / Debaixo daquela arcada / Passava-se a noite bem!” E no final: “Então ceguinha e filhinho, / Vendo a sua esperança vã, / Deitaram-se no caminho/ Até romper a manhã.”
Recordo, respeitosamente e com alguma saudade, a minha Mestra que pacientemente me ensinou a cartilha de João de Deus, e a outros da mesma idade que a minha, e a decorar a tabuada, fazendo as quatro operações da Aritmética: somar e diminuir, multiplicar e dividir.
Quando chegávamos à escola já conhecíamos o alfabeto e algumas coisas mais.
Nas localidades onde não existiam escolas oficiais eram os Mestres-escola, conhecidos por “professores” que ensinavam a ler e escrever, principalmente aos moços que desejavam partir para a América. Conheci os mestres - escolas das Terras e de São João pessoas respeitáveis e estimadas das populações.
E, a propósito de emigração, um facto curioso: Após a grande guerra de 1939-45, a Companhia de Navegação Carregadores Açorianos, navegava para os Estados Unidos, podendo transportar, além de carga diversa, doze passageiros. Próximo do Natal um indivíduo açoriano desejou ir passar a Festa com a família imigrada naquele País. E lá foi num dos Carregadores. Quando chegou a New York o barco foi visitado pelo Agente. O Comandante, algo preocupado, informou-o que levava um passageiro analfabeto, o que não deixou de incomodar também o Agente. Mas este teve uma ideia luminosa: Pediu ao Comandante uma Bíblia e disse ao passageiro: -Quando o Oficial de Imigração chegar a bordo e te mandar ler, abres a Bíblia e rezas muito pausadamente o Pai Nosso. E assim aconteceu. O funcionário americano, ao ouvir o primeiro versículo, exclama:-OK! e mandou desembarcar o velho passageiro.
O próprio agente narrou, passado algum tempo, o episódio em crónica publicada no jornal micaelense “A ILHA”. Lia a saborosa crónica e fixei com gosto o “milagroso” acontecimento.
Hoje é tudo diferente. Até o tempo em que as aulas dos diversos estabelecimentos escolares iniciam a sua actividade. Setembro deixou de ser um dos meses de férias. Actualmente, as aulas principiam quando o verão ainda vai decorrendo e muitos aproveitam as baías para os banhos refrescantes. Nem tempo dão aos filhos dos vinhateiros para provar o mosto das uvas colhidas durante o mês.
Outubro deixou de ser o tradicional mês de abertura das aulas. Bem? Mal? – Pouco importa.



Lajes do Pico,
Setembro de 2015

Ermelindo Ávila

domingo, 23 de novembro de 2014

NOVAS LEIS DE EMIGRAÇÃO

NOTAS DO MEU CANTINHO


A dar crédito ao que anuncia a comunicação social, o Canadá vai modificar as suas leis de imigração, no sentido de dar maiores facilidades à fixação de técnicos especializados no País. Um sistema novo para atrair a juventude que sai das universidades de outros países e que neles não encontra colocações para as especialidades obtidas. Um novo sistema de atrair os jovens formados de outros países sem que tenha concorrido para a sua formação. Como é o caso de Portugal.
Afinal a nova legislação canadiana vem de encontro ao que aqui há tempos passados aconselhava um dirigente político português: que a juventude formada e desempregada emigrasse!
O aviso, ou “conselho” mal pensado encontrou, no entanto, eco nos nossos jovens que, rapidamente, abalaram para os países onde encontraram colocação, deixando o País mais pobre e envelhecido, entregue à chamada “terceira idade”!
As famílias que, tendo investido, largamente, na formação dos filhos, vêem-se agora privadas da sua presença e assistência física, encaminhando-se alguns dos seus membros, forçadamente, para os lares da terceira idade; instituições outrora desconhecidas mas que, mesmo assim, vêm colmatar situações precárias em que alguns dos seus utentes viviam.
Não haverá um sistema mais humano que resolva a situação dos jovens desempregados?
Nada tenho contra a emigração. Aprecio e respeito os emigrantes que, mais por melhoria do futuro dos filhos do que pela sua, abandonam famílias e bens para se fixarem em outros países onde o futuro dos seus é assegurado, como foi o caso da emigração que se deu a meados do século XX. Louvo mesmo a coragem que tiveram e aprecio as vivências que adoptaram, nunca esquecendo as terras de origem que, quando as posses lhes permitem, visitam com alguma frequência. E, nas terras onde se fixaram, procuram manter a educação que receberam na juventude, a religião que lhes transmitiram os pais, as tradições sociais, por vezes modestas e simples, mas nobres e dignas.
Basta ver, principalmente, nos Estados Unidos e Canadá, as numerosas sociedades fraternais onde convivem e se entreajudam. É o caso das “Casas dos Açores”, organizações semi-oficiais que hoje encontramos instaladas em diversas comunidades açorianas da Diáspora.
Grandiosas são as igrejas católicas que ergueram as festividades que anualmente realizam, recordando aquelas que são tradicionais nas suas terras de origem, como sejam as solenidades do Divino Espírito Santo as devoções ao Santo Cristo e aos santos Padroeiros.
A cultura do espírito não é esquecida. Hoje há jovens açorianos com cursos universitários a exercer, nas estranhas terras, cargos da maior responsabilidade política, económica e social. Alguns estão nas profissões liberais: médicos, advogados, professores e outras mais. Outros celebrizaram-se na agricultura, no comércio e na indústria.
Aquilo que podiam exercer nas suas terras de origem estão a desempenhar nas terras de acolhimento. E alguns desejavam, mesmo, voltar ao torrão natal e colocar as suas aptidões culturais e profissionais ao serviço dos seus concidadãos, se lhes dessem essa oportunidade.
Os governos têm de implementar e desenvolver uma política de acolhimento dos emigrantes para que retornem às terras de origem: distribuindo-lhes terras, apoiando a instalação de indústrias, e outras iniciativas atractivas para que estas ilhas rejuvenesçam e se desenvolvam, e não fiquem despovoadas em futuro mais próximo do que se possa imaginar.
Deixo-lhes o apelo.

Lajes do Pico,
3-XI-2014

Ermelindo Ávila