quinta-feira, 30 de abril de 2015

PLANO DIRECTOR MUNICIPAL

NOTAS DO MEU CANTINHO


Andou em “discussão pública” o Plano Director Municipal. O segundo, porque o primeiro foi elaborado e aprovado há anos.
Trata-se, afinal, de um documento de interesse para os munícipes pois através dele se acautelam os valores patrimoniais do concelho, o que bastante importante é. Mas, nem sempre os documentos dessa natureza são respeitados, alterando-se, aqui e ali, os princípios basilares.
Aqui há anos, era o Plano de Urbanização de cada localidade que os Municípios elaboravam para que as construções não fossem implantadas a capricho dos seus proprietários e não ficassem, aqui e ali, autênticos monstrengos que ainda hoje existem.
Durante vários anos, esteve no salão e sala das sessões da Câmara, um projecto de modernização da vila onde o seu autor, entre outras sugestões, indicava um arruamento que, ligando a rua do Saco com a rua da Miragaia, vinha sair no centro da vila, permitindo, além da possibilidade de construções urbanas, que houvesse um “escoamento” das pessoas em ocasiões de “enchentes de mar”, vulgares naqueles recuados anos. Além disso, propunha a urbanização da zona do Juncal onde, durante muitos anos, esteve instalado o campo de jogos. Mas isso não aconteceu. Só nos últimos anos se procedeu ao arranjo daquele largo espaço. Mas parece que algo mais há ainda a fazer.
O projecto da autoria de Lacerda Machado, que estava exposto em quadro, desapareceu há vários anos. Nem dele me lembro. E, em vez do arruamento previsto, foi permitida a construção de prédios urbanos nas entrada e saída, impossibilitando-se que mais uma rua valorizasse o traçado urbano da vila.
Há prédios urbanos, na antiga Rua Direita que, pela sua antiguidade, deviam ter sido classificados como imóveis de interesse público, e que acabaram por ser abandonados, caindo em ruínas. Um deles vem do século XVIII e é o prédio mais antigo da vila. Os outros são do século XIX. (Segundo a tradição, para a construção de um desses prédios o proprietário contratou um ferreiro e, no fim do dia, contava os pregos que ele havia feito, pois sabia quantas pancadas do martelo na bigorna eram precisas para fazer um prego...)
Mas, segundo informações que vieram a público, a vila parece que vai deixar de ser o centro urbano, tal como aconteceu há anos, com a vila de S. Roque, que transferiu a sede para o Cais. O mais antigo centro urbano da ilha e com melhor traçado arquitectónico, na opinião de urbanistas consagrados que por aqui hão passado, vai tornar-se um simples subúrbio?
Em artigo publicado no antigo jornal “As Lages”, o articulista que se acoberta com as iniciais F.C. (Fernando Castro ?) escreve: “O assunto de que vamos tratar hoje, refere-se à execução da planta feita e oferecida à câmara municipal deste concelho, pelo nosso ilustre patrício, capitão Francisco S. de Lacerda Machado, sobre a projectada avenida que acompanha o muro que circunda a vila. É certo que as vereações transactas se descuraram no embelezamento da vila, mas também não convém que estas e as outras que virão, sigam pelo mesmo trilho.1) E no jornal de 15 de Novembro de 1914 - um século é decorrido ! – escreve Lacerda Machado: “Não se trata de aprovar este ou aquele projecto, mas um qualquer, que seja maduramente ponderado e que dê unidade de sequencia a tudo o que de futuro se construir ou modificar”. E depois de referir o alinhamento da avenida marginal e a arrematação dos terrenos sobrantes, propõe: A verba proveniente da venda dos terrenos poderia ser aplicada, por exemplo, na abertura das Ruas do Saco e da Miragaia, ligando-as com a rua Nova e no alinhamento da Rua Direita “. 2)
O próprio jornal, a 15 de Março de 1915, (ocorrem hoje cem anos) em artigo da Redacção, analisa o assunto de maneira contundente, escrevendo: “É inacreditável que nada de bom se pode fazer, no intuito de modificar e melhorar as deficiências da planta actual da nossa vila, sem que tudo obedeça a plano conscienciosamente elaborado. Fora desta norma, nunca se poderá atingir o grau de beleza tão desejado para a nossa vila, que como sede do concelho, de que tem o nome¸ é merecedora de mais alguns benefícios e atenções.” 3)
Como disse, um século é decorrido. Verdade que os municípios viveram horas atribuladas, sem receitas e com dificuldades diversas, incluindo as alterações políticas que os atingiram. Mas esse tempo já passou há muito.
Será que, decorridos estes anos todos, o PDM vai permitir um cuidado mais atempado da mais antiga povoação da Ilha e sede de concelho ou, pelo contrário, abandoná-la para criar outros centros urbanos? A ver vamos.
________
  1. As Lages”, nº13, de 13-10-1914
  2. Ibidem, nº 15 de 15-11-1914
  3. Ibidem, nº 23 de 15-3-1915

Lajes do Pico,
15-Março-2015
Ermelindo Ávila


A CAÇA AO BOTO

A MINHA NOTA


Ernesto Rebello, escritor faialense dos finais do século XIX, deixou-nos uma interessante narrativa da caça ao boto na vila das Lajes.
Escreve o douto faialense sobre “Botos e pombas”, uma excelente crónica sobre a visita que fez à Vila das Lagens (sic) e narra uma caçada ao boto a que assistiu.
Na costa a multidão era enorme, homens, mulheres, creanças, todos com verdadeira ancia esperando o bom ou mau succedimento da pesca. – O cardume de bôtos, afinal já perto da estreita passagem que o queriam obrigar a transpôr, pareceu ter consciencia do perigo que o ameaçava e tentava retroceder, levantando uma grandiosa salseirada. – As lanchas, porém, à força de remos, de gritos e de pedras, conseguiram tornar a reunir os peixes, que ainda assim, temerosos, pararam à entrada do canal, que ladeado de rochedos conduzia para o interior da grande bacia. As pedras choveram então com mais força sobre os resistentes cetaceos. / Afinal um dos maiores peixes, medindo talvez quatro metros de comprimento, possante e luzidio, como uma lamina de aço, encaminhou-se bufando de desespero, para o começo da garganta da Lagôa, e deixando um sulco de escuma na sua passagem, desapareceu, em breve, na direcção da terra. / (...) A pesca estava bem segura, tanto pela disposição dos rochedos, como pela estreiteza da passagem. A este tempo na Matriz soava meio dia.(...) Os lajenses dão certa solemnidade a esta pesca.
E depois de descrever a rendosa caça e a transformação do toucinho em azeite, narra uma caçada aos pombos da costa, onde não foi menor a colheita.
Realmente, era um autêntico espectáculo que atraía toda a população às cercanias da lagoa o arpoar dos botos. Ainda me lembro de uma ou duas caçadas, depois de rodeados os botos, ou moleiros, para o “poção”. Era um trabalho árduo pois exigia valentia e esforço por parte daqueles que arpoavam os animais como, antes, dos que os rodeavam para o poção onde eram “guardados” com redes até serem arpoados e mortos, aproveitando-se as capas de toucinho para azeite de iluminação. O petróleo era de preço elevado e ainda cá não chegara a electricidade. Mas a operação do derretimento só se podia fazer durante a noite, dado o insuportável mau cheiro que exalava. Havia um edital do Administrador do Concelho que regulamentava essa operação.
No fim de dois dias, regressou Ernesto Rebello à sua ilha. Havia empreendido uma viagem longa e temerosa. Ele próprio a narra no princípio da crónica: “Depois de nove horas de jornada, de haver atravessado a serra, subido e descido muitas ladeiras e cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada, entremeada aqui e além por moutas de rasteiras faias, descampados a que se dá o nome de mysterios, por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegamos, ao cair da noite, à Vila das Lajes.” E acrescenta: “Os nossos companheiros de jornada eram um rapaz da vila, que tinha ido ao Fayal, donde regressava, por causa do recrutamento, um homem da Magdalena, que tinha a seu cargo os dois péssimos burros que montávamos e um cão, rateiro, de raça ordinaríssima, que durante todo o caminho matara, na serra, dois coelhos, dos quais o arrieiro logo se apoderara, e pela estrada vários ratos de enormes proporções.” (1)
Uma descrição viva e interessante a revelar-nos o que era a ilha do Pico, há quase duzentos anos.
O Pico hoje tem estradas, tem transportes colectivos e dezenas de carros ligeiros, mas por aí ficou. O progresso parece que estagnou e os que nela habitam quase só vegetam...
-------------------
l) Arquivo dos Açores, Vol. VIII, pág.295

Vila das Lajes,
Abril de 2015

Ermelindo Ávila

O VIVER DE OUTROS TEMPOS

Notas do meu cantinho



Notas do meu cantinho

       

                                        Em pescado, o porto das Lajes era o mais importante do Sul do Pico. Os pescadores muitos, e os batéis de pesca, quando em terra, enchiam o antigo varadoiro.
Parte da população só vivia do mar. E a actividade marítima, quase bastava para a subsistência das respectivas famílias.
Quando o mar permitia, os batéis - barcos e lanchas, saíam ao amanhecer, a pescar garoupas nas “marcas” que ficavam perto pois, ao meio dia, estavam de volta com o peixe para o jantar. O horário das refeições era diferente do de hoje.
O pescado era quase só a garoupa, conhecida por “galinha do mar”, a abrótea, o rocaz e poucas espécies mais. Polvo e lagosta só para “especialistas”-.
Se o tempo não permitia a saída do porto, e por vezes era difícil devido à agitação na “Carreira”, alguns pescadores iam à noite ou de madrugada para a costa, ou mesmo para o “caneiro”, na entrada da Lagoa interior, pescar sargos, que eram vendidos logo de manhã a fregueses habituais. No inverno, uma ou outra vez, deitava-se a rede na Maré, onde abundava o peixe miúdo.
No Outono apanhava-se, de rede, o chicharro. A pesca, normalmente abundante, permitia a venda imediata ou a salga, para ser consumido no Inverno.
Descarregado o peixe era retirado o “dízimo” e dividido em soldadas pelos pescadores. O “dízimo” era leiloado pelo Guarda-fiscal, sempre presente à chegada dos barcos. Havia Guardas-fiscais em S. João, S Cruz das Ribeiras, Calheta e Calhau da Piedade, que viviam em casas do Estado. Nas Lajes estava fixada a secção da G.F. sob o comando de um sargento que, após a extinção das chamadas “barreiras alfandegárias”, passou a viver no antigo edifício da Alfandega. Depois a Secção foi transferida para o Cais do Pico e incorporada na Guarda Republicana. Ficaram abandonadas, nas Lajes a casa da Alfandega e nas freguesias indicadas os respectivos postos da G.F., propriedade do Estado. Quer a casa da alfândega quer os antigos postos estão hoje abandonados, incompreensivelmente, quando podiam ter sido entregues a outro serviço público ou distribuídos por casais carenciados. Em pouco serão ruínas a remover...
 Voltando ao pescado, algum era levado pelos familiares dos pescadores, ao interior da ilha, quase só para ser trocado por produtos da terra. Mas verdade, um viver simples que, mesmo assim, garantia a subsistência de muitas famílias. 
Não há muitos anos, várias famílias das zonas agrícolas viviam da troca de produtos. Até mesmo nos pequenos estabelecimentos de mercearia, que sempre os houve, os géneros eram trocados por milho, batatas, cebolas, hortaliças ou ovos, que depois eram vendidos a outros fregueses. Era um estilo de vida autenticamente comunitário e que não deixava de ser útil e proveitoso.
Os lavradores trabalhavam as terras com as ajudas de uns e outros companheiros pois não havia dinheiro para salários. 
Até nas roças, ou limpeza das pastagens isso acontecia e, nesses terrenos do alto, muitos ficavam em abrigos improvisados durante a noite, para evitarem as longas caminhadas e haver mais horas para o trabalho.
Mas, há três ou quatro décadas os Serviços Florestais foram instalados na ilha e abriram cerca de 275 quilómetros de caminhos florestais e de penetração, depois de construídas a estrada de volta da ilha e as transversal e longitudinal, melhoramentos pelos quais a ilha esperou mais de cinco séculos!
 Não deve esquecer-se a caça da baleia que, embora iniciada a meados do século XIX, teve o seu período de maior desenvolvimento nas décadas de trinta/quarenta do século passado para, pouco depois, terminar abruptamente, sem outra actividade que a substituísse, pois aquela que apareceu a seguir está limitada a dois ou três industriais locais sem grandes ou notórios efeitos económicos no meio. Não se esquece o período em que aqui foi instalada e funcionou a indústria de conserva de peixe. Uma actividade que foi algo florescente mas que não resistiu, por razões várias e que importa esquecer.            E referindo a baleação, não eram somente os pescadores profissionais que se dedicavam a ir à baleia, mas todos aqueles que conseguiam uma “cédula marítima”: carpinteiro, ferreiro ou pedreiro, ou mesmo (e até) funcionário público, que alguns havia... A baleação proporcionou certo bem-estar a uma parte da população, embora nem um século durasse. Tarde virá outra que a ela se iguale.
Apesar da vida modesta dos anos passados, o concelho das Lajes caiu numa verdadeira penúria e a juventude, que adquiriu outros hábitos de vida mais modernos, não encontra aqui ocupações. Vê-se por isso obrigada a emigrar para outros meios nacionais ou para o estrangeiro.
Uma tristeza de vida dir-me-ia um velho amigo aqui há uns anos passados...
Presentemente transformado quase só em porto de recreio, o porto das Lajes do Pico nem mesmo assim oferece as condições indispensáveis à permanência de embarcações de outros portos e muito menos estrangeiras.

Lajes do Pico.
13 de Abril de 2015

 Ermelindo Ávila

quinta-feira, 2 de abril de 2015

O JOGO DO PIÃO

A MINHA NOTA


       O jogo do pião tinha a sua época, como qual qualquer outro jogo. Mas este era considerado de maneira especial, para se respeitar as épocas litúrgicas que, aliás, toda a gente nesta ilha cumpria, cinquenta anos atrás...
       Não havia trânsito nas ruas, cujos pavimentos eram de simples bagacina, ou macadame, embora nos últimos anos prensada. Depois vieram os automóveis e a seguir a asfaltagem das estradas e ruas e tudo se modificou. As pessoas já não podem permanecer nos leitos das ruas e estas, actualmente, estão calcetadas, embora por vezes com um piso algo irregular...
       O jogo do pião só se realizava após o toque dos sinos a anunciar a Ressurreição de Cristo, no sábado de Aleluia.
E tinha um “cerimonial” próprio. Normalmente, isso acontecia ao meio-dia e aqueles que não iam às cerimónias ficavam-se pela vila a aguardar o sinal do sino, já com os piões enfileirados para iniciarem os jogos.
       Jogar o pião, antes daquele momento festivo, era ofensivo para os crentes, pois, diziam os pais aos filhos, era picar a cara de Nosso Senhor. Na realidade, outros tempos em que a religião católica era, para os açorianos, quase todos, a orientadora de toda a vida social, que não somente religiosa. E não era um atraso de vida, como hoje diriam.
       Até os homens jogavam, na frente das mercearias e tabernas, nas tardes dos domingos, o pião e, depois, o “vinte e cinco”, porque a malha era uma antiga moeda de vinte e cinco reis, já fora de uso.
       Durante a época da Páscoa o jogo do pião era o entretenimento quase exclusivo dos adolescentes e jovens.
       Os miúdos usavam um pião pequeno. Os mais crescidos um pião pouco maior e os adultos tinham piões de oito e dez centímetros de diâmetro.
       Quando algum miúdo perdia o jogo, o pião era sujeito a umas tantas “ferroadas” que, muitas vezes o inutilizavam, provocando um choro inconsolável ao seu dono.
       Sistemas de uma vida simples que, nestes tempos actuais, não seriam realizáveis ou até mesmo algo ridicularizados.
       Hoje, nem o pião se joga. Há outros sistemas de divertimento. Ninguém se lembra do pião, da “caça à baleia”, da “barra”, do “esconder”, do jogo de “apanhar outro” em longas correrias; e até do “jogo do botão” este que algumas vezes levava os miúdos a retirar às mães os botões que ela guardava para substituírem os que os vestuários perdiam, quando, algumas vezes, não se arrancavam do próprio vestuário para pagar “a dívida” ao ganhador...
       Mais tarde, apareceu o jogo do “belamente”, mas já esse recordei em uma destas talvez incipientes notas.
       Fico por aqui, desejando ao possível leitor uma Páscoa alegre e feliz.

Lajes do Pico,
Março de 2015

Ermelindo Ávila