quinta-feira, 2 de abril de 2015

O JOGO DO PIÃO

A MINHA NOTA


       O jogo do pião tinha a sua época, como qual qualquer outro jogo. Mas este era considerado de maneira especial, para se respeitar as épocas litúrgicas que, aliás, toda a gente nesta ilha cumpria, cinquenta anos atrás...
       Não havia trânsito nas ruas, cujos pavimentos eram de simples bagacina, ou macadame, embora nos últimos anos prensada. Depois vieram os automóveis e a seguir a asfaltagem das estradas e ruas e tudo se modificou. As pessoas já não podem permanecer nos leitos das ruas e estas, actualmente, estão calcetadas, embora por vezes com um piso algo irregular...
       O jogo do pião só se realizava após o toque dos sinos a anunciar a Ressurreição de Cristo, no sábado de Aleluia.
E tinha um “cerimonial” próprio. Normalmente, isso acontecia ao meio-dia e aqueles que não iam às cerimónias ficavam-se pela vila a aguardar o sinal do sino, já com os piões enfileirados para iniciarem os jogos.
       Jogar o pião, antes daquele momento festivo, era ofensivo para os crentes, pois, diziam os pais aos filhos, era picar a cara de Nosso Senhor. Na realidade, outros tempos em que a religião católica era, para os açorianos, quase todos, a orientadora de toda a vida social, que não somente religiosa. E não era um atraso de vida, como hoje diriam.
       Até os homens jogavam, na frente das mercearias e tabernas, nas tardes dos domingos, o pião e, depois, o “vinte e cinco”, porque a malha era uma antiga moeda de vinte e cinco reis, já fora de uso.
       Durante a época da Páscoa o jogo do pião era o entretenimento quase exclusivo dos adolescentes e jovens.
       Os miúdos usavam um pião pequeno. Os mais crescidos um pião pouco maior e os adultos tinham piões de oito e dez centímetros de diâmetro.
       Quando algum miúdo perdia o jogo, o pião era sujeito a umas tantas “ferroadas” que, muitas vezes o inutilizavam, provocando um choro inconsolável ao seu dono.
       Sistemas de uma vida simples que, nestes tempos actuais, não seriam realizáveis ou até mesmo algo ridicularizados.
       Hoje, nem o pião se joga. Há outros sistemas de divertimento. Ninguém se lembra do pião, da “caça à baleia”, da “barra”, do “esconder”, do jogo de “apanhar outro” em longas correrias; e até do “jogo do botão” este que algumas vezes levava os miúdos a retirar às mães os botões que ela guardava para substituírem os que os vestuários perdiam, quando, algumas vezes, não se arrancavam do próprio vestuário para pagar “a dívida” ao ganhador...
       Mais tarde, apareceu o jogo do “belamente”, mas já esse recordei em uma destas talvez incipientes notas.
       Fico por aqui, desejando ao possível leitor uma Páscoa alegre e feliz.

Lajes do Pico,
Março de 2015

Ermelindo Ávila 

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