A MINHA NOTA
O jogo do pião tinha a sua época, como
qual qualquer outro jogo. Mas este era considerado de maneira especial, para se
respeitar as épocas litúrgicas que, aliás, toda a gente nesta ilha cumpria,
cinquenta anos atrás...
Não havia trânsito nas ruas, cujos
pavimentos eram de simples bagacina, ou macadame, embora nos últimos anos
prensada. Depois vieram os automóveis e a seguir a asfaltagem das estradas e
ruas e tudo se modificou. As pessoas já não podem permanecer nos leitos das
ruas e estas, actualmente, estão calcetadas, embora por vezes com um piso algo
irregular...
O jogo do pião só se realizava após o
toque dos sinos a anunciar a Ressurreição de Cristo, no sábado de Aleluia.
E
tinha um “cerimonial” próprio. Normalmente, isso acontecia ao meio-dia e
aqueles que não iam às cerimónias ficavam-se pela vila a aguardar o sinal do
sino, já com os piões enfileirados para iniciarem os jogos.
Jogar o pião, antes daquele momento
festivo, era ofensivo para os crentes, pois, diziam os pais aos filhos, era picar a cara de Nosso Senhor. Na
realidade, outros tempos em que a religião católica era, para os açorianos,
quase todos, a orientadora de toda a vida social, que não somente religiosa. E não era um atraso de vida, como hoje
diriam.
Até os homens jogavam, na frente das
mercearias e tabernas, nas tardes dos domingos, o pião e, depois, o “vinte e
cinco”, porque a malha era uma antiga moeda de vinte e cinco reis, já fora de
uso.
Durante a época da Páscoa o jogo do pião
era o entretenimento quase exclusivo dos adolescentes e jovens.
Os miúdos usavam um pião pequeno. Os mais
crescidos um pião pouco maior e os adultos tinham piões de oito e dez
centímetros de diâmetro.
Quando algum miúdo perdia o jogo, o pião
era sujeito a umas tantas “ferroadas” que, muitas vezes o inutilizavam,
provocando um choro inconsolável ao seu dono.
Sistemas de uma vida simples que, nestes
tempos actuais, não seriam realizáveis ou até mesmo algo ridicularizados.
Hoje, nem o pião se joga. Há outros
sistemas de divertimento. Ninguém se lembra do pião, da “caça à baleia”, da
“barra”, do “esconder”, do jogo de “apanhar outro” em longas correrias; e até
do “jogo do botão” este que algumas vezes levava os miúdos a retirar às mães os
botões que ela guardava para substituírem os que os vestuários perdiam, quando,
algumas vezes, não se arrancavam do próprio vestuário para pagar “a dívida” ao
ganhador...
Mais tarde, apareceu o jogo do
“belamente”, mas já esse recordei em uma destas talvez incipientes notas.
Fico por aqui, desejando ao possível
leitor uma Páscoa alegre e feliz.
Lajes do Pico,
Março de 2015
Ermelindo Ávila
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