A MINHA NOTA
Ernesto
Rebello, escritor faialense dos finais do século XIX, deixou-nos uma
interessante narrativa da caça ao boto na vila das Lajes.
Escreve o
douto faialense sobre “Botos e pombas”, uma excelente crónica
sobre a visita que fez à Vila das Lagens (sic) e narra uma caçada
ao boto a que assistiu.
Na
costa a multidão era enorme, homens, mulheres, creanças, todos com
verdadeira ancia esperando o bom ou mau succedimento da pesca. – O
cardume de bôtos, afinal já perto da estreita passagem que o
queriam obrigar a transpôr, pareceu ter consciencia do perigo que o
ameaçava e tentava retroceder, levantando uma grandiosa salseirada.
– As lanchas, porém, à força de remos, de gritos e de pedras,
conseguiram tornar a reunir os peixes, que ainda assim, temerosos,
pararam à entrada do canal, que ladeado de rochedos conduzia para o
interior da grande bacia. As pedras choveram então com mais força
sobre os resistentes cetaceos. / Afinal um dos maiores peixes,
medindo talvez quatro metros de comprimento, possante e luzidio, como
uma lamina de aço, encaminhou-se bufando de desespero, para o começo
da garganta da Lagôa, e deixando um sulco de escuma na sua passagem,
desapareceu, em breve, na direcção da terra. / (...) A pesca estava
bem segura, tanto pela disposição dos rochedos, como pela
estreiteza da passagem. A este tempo na Matriz soava meio dia.(...)
Os lajenses dão certa solemnidade a esta pesca.
E depois
de descrever a rendosa caça e a transformação do toucinho em
azeite, narra uma caçada aos pombos da costa, onde não foi menor a
colheita.
Realmente,
era um autêntico espectáculo que atraía toda a população às
cercanias da lagoa o arpoar dos botos. Ainda me lembro de uma ou duas
caçadas, depois de rodeados os botos, ou moleiros, para o “poção”.
Era um trabalho árduo pois exigia valentia e esforço por parte
daqueles que arpoavam os animais como, antes, dos que os rodeavam
para o poção onde eram “guardados” com redes até serem
arpoados e mortos, aproveitando-se as capas de toucinho para azeite
de iluminação. O petróleo era de preço elevado e ainda cá não
chegara a electricidade. Mas a operação do derretimento só se
podia fazer durante a noite, dado o insuportável mau cheiro que
exalava. Havia um edital do Administrador do Concelho que
regulamentava essa operação.
No fim de
dois dias, regressou Ernesto Rebello à sua ilha. Havia empreendido
uma viagem longa e temerosa. Ele próprio a narra no princípio da
crónica: “Depois de nove horas de jornada,
de haver atravessado a serra, subido e descido muitas ladeiras e
cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada,
entremeada aqui e além por moutas de rasteiras faias, descampados a
que se dá o nome de mysterios,
por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de
refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegamos,
ao cair da noite, à Vila das Lajes.” E
acrescenta: “Os nossos companheiros de
jornada eram um rapaz da vila, que tinha ido ao Fayal, donde
regressava, por causa do recrutamento, um homem da Magdalena, que
tinha a seu cargo os dois péssimos burros que montávamos e um cão,
rateiro, de raça ordinaríssima, que durante todo o caminho matara,
na serra, dois coelhos, dos quais o arrieiro logo se apoderara, e
pela estrada vários ratos de enormes proporções.” (1)
Uma
descrição viva e interessante a revelar-nos o que era a ilha do
Pico, há quase duzentos anos.
O Pico hoje tem estradas,
tem transportes colectivos e dezenas de carros ligeiros, mas por aí
ficou. O progresso parece que estagnou e os que nela habitam quase
só vegetam...
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l) Arquivo dos Açores,
Vol. VIII, pág.295
Vila das Lajes,
Abril de 2015
Ermelindo Ávila
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