quinta-feira, 30 de abril de 2015

A CAÇA AO BOTO

A MINHA NOTA


Ernesto Rebello, escritor faialense dos finais do século XIX, deixou-nos uma interessante narrativa da caça ao boto na vila das Lajes.
Escreve o douto faialense sobre “Botos e pombas”, uma excelente crónica sobre a visita que fez à Vila das Lagens (sic) e narra uma caçada ao boto a que assistiu.
Na costa a multidão era enorme, homens, mulheres, creanças, todos com verdadeira ancia esperando o bom ou mau succedimento da pesca. – O cardume de bôtos, afinal já perto da estreita passagem que o queriam obrigar a transpôr, pareceu ter consciencia do perigo que o ameaçava e tentava retroceder, levantando uma grandiosa salseirada. – As lanchas, porém, à força de remos, de gritos e de pedras, conseguiram tornar a reunir os peixes, que ainda assim, temerosos, pararam à entrada do canal, que ladeado de rochedos conduzia para o interior da grande bacia. As pedras choveram então com mais força sobre os resistentes cetaceos. / Afinal um dos maiores peixes, medindo talvez quatro metros de comprimento, possante e luzidio, como uma lamina de aço, encaminhou-se bufando de desespero, para o começo da garganta da Lagôa, e deixando um sulco de escuma na sua passagem, desapareceu, em breve, na direcção da terra. / (...) A pesca estava bem segura, tanto pela disposição dos rochedos, como pela estreiteza da passagem. A este tempo na Matriz soava meio dia.(...) Os lajenses dão certa solemnidade a esta pesca.
E depois de descrever a rendosa caça e a transformação do toucinho em azeite, narra uma caçada aos pombos da costa, onde não foi menor a colheita.
Realmente, era um autêntico espectáculo que atraía toda a população às cercanias da lagoa o arpoar dos botos. Ainda me lembro de uma ou duas caçadas, depois de rodeados os botos, ou moleiros, para o “poção”. Era um trabalho árduo pois exigia valentia e esforço por parte daqueles que arpoavam os animais como, antes, dos que os rodeavam para o poção onde eram “guardados” com redes até serem arpoados e mortos, aproveitando-se as capas de toucinho para azeite de iluminação. O petróleo era de preço elevado e ainda cá não chegara a electricidade. Mas a operação do derretimento só se podia fazer durante a noite, dado o insuportável mau cheiro que exalava. Havia um edital do Administrador do Concelho que regulamentava essa operação.
No fim de dois dias, regressou Ernesto Rebello à sua ilha. Havia empreendido uma viagem longa e temerosa. Ele próprio a narra no princípio da crónica: “Depois de nove horas de jornada, de haver atravessado a serra, subido e descido muitas ladeiras e cruzado os grandes descampados de pedra roliça e requeimada, entremeada aqui e além por moutas de rasteiras faias, descampados a que se dá o nome de mysterios, por serem estes os sítios por onde passaram as ribeiras de refervente lava das antigas erupções vulcânicas do Pico, chegamos, ao cair da noite, à Vila das Lajes.” E acrescenta: “Os nossos companheiros de jornada eram um rapaz da vila, que tinha ido ao Fayal, donde regressava, por causa do recrutamento, um homem da Magdalena, que tinha a seu cargo os dois péssimos burros que montávamos e um cão, rateiro, de raça ordinaríssima, que durante todo o caminho matara, na serra, dois coelhos, dos quais o arrieiro logo se apoderara, e pela estrada vários ratos de enormes proporções.” (1)
Uma descrição viva e interessante a revelar-nos o que era a ilha do Pico, há quase duzentos anos.
O Pico hoje tem estradas, tem transportes colectivos e dezenas de carros ligeiros, mas por aí ficou. O progresso parece que estagnou e os que nela habitam quase só vegetam...
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l) Arquivo dos Açores, Vol. VIII, pág.295

Vila das Lajes,
Abril de 2015

Ermelindo Ávila

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