quinta-feira, 30 de abril de 2015

O VIVER DE OUTROS TEMPOS

Notas do meu cantinho



Notas do meu cantinho

       

                                        Em pescado, o porto das Lajes era o mais importante do Sul do Pico. Os pescadores muitos, e os batéis de pesca, quando em terra, enchiam o antigo varadoiro.
Parte da população só vivia do mar. E a actividade marítima, quase bastava para a subsistência das respectivas famílias.
Quando o mar permitia, os batéis - barcos e lanchas, saíam ao amanhecer, a pescar garoupas nas “marcas” que ficavam perto pois, ao meio dia, estavam de volta com o peixe para o jantar. O horário das refeições era diferente do de hoje.
O pescado era quase só a garoupa, conhecida por “galinha do mar”, a abrótea, o rocaz e poucas espécies mais. Polvo e lagosta só para “especialistas”-.
Se o tempo não permitia a saída do porto, e por vezes era difícil devido à agitação na “Carreira”, alguns pescadores iam à noite ou de madrugada para a costa, ou mesmo para o “caneiro”, na entrada da Lagoa interior, pescar sargos, que eram vendidos logo de manhã a fregueses habituais. No inverno, uma ou outra vez, deitava-se a rede na Maré, onde abundava o peixe miúdo.
No Outono apanhava-se, de rede, o chicharro. A pesca, normalmente abundante, permitia a venda imediata ou a salga, para ser consumido no Inverno.
Descarregado o peixe era retirado o “dízimo” e dividido em soldadas pelos pescadores. O “dízimo” era leiloado pelo Guarda-fiscal, sempre presente à chegada dos barcos. Havia Guardas-fiscais em S. João, S Cruz das Ribeiras, Calheta e Calhau da Piedade, que viviam em casas do Estado. Nas Lajes estava fixada a secção da G.F. sob o comando de um sargento que, após a extinção das chamadas “barreiras alfandegárias”, passou a viver no antigo edifício da Alfandega. Depois a Secção foi transferida para o Cais do Pico e incorporada na Guarda Republicana. Ficaram abandonadas, nas Lajes a casa da Alfandega e nas freguesias indicadas os respectivos postos da G.F., propriedade do Estado. Quer a casa da alfândega quer os antigos postos estão hoje abandonados, incompreensivelmente, quando podiam ter sido entregues a outro serviço público ou distribuídos por casais carenciados. Em pouco serão ruínas a remover...
 Voltando ao pescado, algum era levado pelos familiares dos pescadores, ao interior da ilha, quase só para ser trocado por produtos da terra. Mas verdade, um viver simples que, mesmo assim, garantia a subsistência de muitas famílias. 
Não há muitos anos, várias famílias das zonas agrícolas viviam da troca de produtos. Até mesmo nos pequenos estabelecimentos de mercearia, que sempre os houve, os géneros eram trocados por milho, batatas, cebolas, hortaliças ou ovos, que depois eram vendidos a outros fregueses. Era um estilo de vida autenticamente comunitário e que não deixava de ser útil e proveitoso.
Os lavradores trabalhavam as terras com as ajudas de uns e outros companheiros pois não havia dinheiro para salários. 
Até nas roças, ou limpeza das pastagens isso acontecia e, nesses terrenos do alto, muitos ficavam em abrigos improvisados durante a noite, para evitarem as longas caminhadas e haver mais horas para o trabalho.
Mas, há três ou quatro décadas os Serviços Florestais foram instalados na ilha e abriram cerca de 275 quilómetros de caminhos florestais e de penetração, depois de construídas a estrada de volta da ilha e as transversal e longitudinal, melhoramentos pelos quais a ilha esperou mais de cinco séculos!
 Não deve esquecer-se a caça da baleia que, embora iniciada a meados do século XIX, teve o seu período de maior desenvolvimento nas décadas de trinta/quarenta do século passado para, pouco depois, terminar abruptamente, sem outra actividade que a substituísse, pois aquela que apareceu a seguir está limitada a dois ou três industriais locais sem grandes ou notórios efeitos económicos no meio. Não se esquece o período em que aqui foi instalada e funcionou a indústria de conserva de peixe. Uma actividade que foi algo florescente mas que não resistiu, por razões várias e que importa esquecer.            E referindo a baleação, não eram somente os pescadores profissionais que se dedicavam a ir à baleia, mas todos aqueles que conseguiam uma “cédula marítima”: carpinteiro, ferreiro ou pedreiro, ou mesmo (e até) funcionário público, que alguns havia... A baleação proporcionou certo bem-estar a uma parte da população, embora nem um século durasse. Tarde virá outra que a ela se iguale.
Apesar da vida modesta dos anos passados, o concelho das Lajes caiu numa verdadeira penúria e a juventude, que adquiriu outros hábitos de vida mais modernos, não encontra aqui ocupações. Vê-se por isso obrigada a emigrar para outros meios nacionais ou para o estrangeiro.
Uma tristeza de vida dir-me-ia um velho amigo aqui há uns anos passados...
Presentemente transformado quase só em porto de recreio, o porto das Lajes do Pico nem mesmo assim oferece as condições indispensáveis à permanência de embarcações de outros portos e muito menos estrangeiras.

Lajes do Pico.
13 de Abril de 2015

 Ermelindo Ávila

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