quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O NASCIMENTO DO MENINO


Maria estava para ser Mãe. O Menino nasceu quando estava em Belém. As estalagens estavam cheias daqueles que, descendentes da Casa de David, se tinham ido recensear, tal como José. E não havendo lugar nas hospedarias, recolheram-se numa casa de animais. O Menino aí nasceu e teve como berço a manjedoura que lá existia. E no meio desta pobreza e desconforto, Maria envolveu o Filho em panos. Era o enxoval que possuía.

No entanto, o Céu iluminou-se. Um coro de anjos entoou o “Gloria in excelsis Deo” e os pastores que andavam pelos montes a guardar os rebanhos, acordaram sobressaltados. Uma estrela lhes apareceu e lhes indicou o caminho até junto do Menino e Seus Pais.

E o dia do Nascimento do Menino, que era o Filho de Deus, hoje, decorridos 2011 anos, ainda se celebra.

Os templos católicos iluminam-se e revestem as melhores alfaias para festejar a histórica data e o mais assombroso acontecimento da Humanidade.

O Nascimento de Jesus é um facto histórico que se encontra narrado nos Evangelhos. Celebra-se no dia 25 de Dezembro. Não importa que seja a data exacta. Importa celebrar o festivo evento.

Diz Ariel Alvarez Valdês (1): Jesus Cristo não nasceu no dia 25 de Dezembro. Esta é uma data simbólica. Porém, não podia ter sido escolhido um dia melhor para festejar o seu Nascimento. E se alguma vez, com eventuais descobertas, se viesse a conhecer exactamente o dia em que Jesus nasceu, não faria sentido mudar a data. Deveria continuar a celebrar-se a 25 de Dezembro. Porquê? Porque aquilo que se pretendeu, ao fixar esse dia, mais do que evocar um facto histórico, foi transmitir uma excelente mensagem.

E escreve o mesmo douto articulista: Nenhuma outra celebração religiosa – nem sequer a Páscoa, que é a mais importante das festas cristãs tem a carga de ternura e recolhimento que o Natal encerra.(2)

Até ontem havia quem celebrasse o Natal das mais diversas e díspares maneiras. Eram os jantares de colegas e amigos, com a distribuição mútua de prendas; as reuniões familiares junto das esplendorosas árvores do Natal e as mais diversas ofertas distribuídas por um improvisado “Pai Natal” para uns ou o São Nicolau para outros. As casas enfeitavam-se, e nelas não faltavam as vistosas “árvores de Natal”; as ruas principais iluminavam-se; e até os concursos dos Presépios se faziam aqui e ali.

Havia quem, para celebrar o grande acontecimento, se lembrasse dos pobres e necessitados. Todavia, no presente ano e, com certeza, nos que se lhe vão seguir, talvez isso não aconteça. Mas importa que haja quem socorra não só esses pobres, como igualmente aqueles que agora são privados de algum rendimento do seu trabalho, para que, ao menos no dia de Natal, encontrem uma mesa onde o pão chegue para todos os familiares, principalmente os idosos e as crianças, pois, para estas, nem talvez um brinquedo haja, como era tradição.

*

Ao trazer aqui algo do que é, ainda hoje, a comemoração do Nascimento do Menino Jesus em Belém, recordo o Natal da minha adolescência e juventude, dezenas de anos são passados.

Dias antes eram as novenas, celebradas com esplendor litúrgico, já noite dentro, e com largo concurso de fiéis. Anteriormente, era a novena, incluída na Missa diária, ao amanhecer, para que os trabalhadores nela tomassem parte entes de seguirem para os seus trabalhos agrícolas. E muitos compareciam com as respectivas famílias.

Ainda tenho presente os cânticos entoados pela Capela, no antigo coreto da igreja de S. Francisco das Lajes, a servir de Matriz. O que encerrava a cerimónia tinha para nós um significado especial:

Ó Infante suavíssimo / Ó meu amado Jesus / Vinde alumiar minh’alma / Vinde dar ao mundo luz.

Esperávamos, ansiosamente, a Missa do Galo, à meia noite. Toda a gente corria para a Igreja. Não havia iluminação pública. Utilizavam-se no percurso os candeeiros as velas de estearina e, mais tarde a petróleo. O templo também era iluminado com candeeiros (lamparinas) a petróleo e, depois, com candeeiros incandescentes, quando estes apareceram.

O Presépio estava “escondido” com uma cortina, e só era desvendado quando o celebrante entoava o Gloria in excelsis Deo! As campainhas tocavam e os sinos repicavam, anunciando a Boa Nova. Não se batiam palmas mas havia um desusado sussurro na assistência, principalmente entre as crianças, a levantar as cabecinhas, no desejo de melhor verem o Presépio e a gruta onde se encontrava a manjedoira com o Menino reclinado e, junto, Seus Pais. Embeveciam-nos também o repuxo de água que, saindo de algures, caía no pequeno “lago”. Tudo eram surpresas e motivos de alegria.

As prendas do Menino Jesus, de mistura com figos passados, alguns deles das próprias figueiras da horta, eram bem singelas mas encantavam as crianças. Todavia, só apareciam quando eles acordavam no dia de Natal e as procuravam debaixo do travesseiro ou em sítios mais recônditos. Fosse o que fosse, eram essas modestas prendas motivo de grandes alegrias e enorme prazer para a miudagem.

Depois, tudo se modificou. Apareceram as árvores de Natal, enfeitadas e iluminadas (quando apareceu a electricidade) e nelas as prendas destinadas não só aos miúdos da casa como, igualmente, aos adultos. Uma maneira mais magnificente de celebrar o Natal. E, em algumas habitações, de mais elevados rendimentos, surgia o “Pai Natal” a substituir o Menino Jesus que, antes, era quem deixava as prendas ... Uma maneira paganizada de celebrar o Nascimento do Redentor...

_______________

1)Ariel Alvarez Valdês, in Revista “Bíblica”, ano 57/Nº337. Tradução de Lopes Morgado.

2) ibidem

Vila das Lajes,

25 Novº.2011

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

OS ANTIGOS BOLIEIROS

O Caetano e o José das Cruzes eram duas figuras típicas que, no primeiro quartel do século passado, percorriam, diariamente, a estrada que vai das Lajes à Madalena, ou vice-versa.

Conduziam o carro da mala, como era conhecido. Um carro de bestas que fazia o transporte da mala do correio e de passageiros entre as duas vila, principalmente, aqueles que viajavam até à ilha do Faial.

As mulas, já envelhecidas e cansadas, faziam o trajecto, pausadamente, havendo ocasiões em que os passageiros eram forçados a sair dos seus lugares para subirem a pé as ladeiras do percurso. E esses tradicionais transportes não tinham espaço para muitos passageiros. Nem uma dúzia sequer. É por isso que andavam sempre lotados. Raramente, alguns dos passageiros que neles transitavam, ficavam pelas freguesias do percurso, o que permitia a outros ocuparem os lugares então vazios.

Os boleeiros ou cocheiros não tinham grandes pressas. Deixavam os animais seguir o seu caminho, vagarosamente, pois sabiam que deles não podiam exigir mais.

Enquanto uma parelha ficava no final do percurso, a descansar, outra tomava o lugar. E assim, alternadamente.

Os carros eram pouco cómodos. Deviam ter iniciado a carreira quando a estrada Madalena -Lajes ficou completa. E as pontes da Ribeira do Meio tem as datas de 1877 e 1879. Os acentos estavam gastos de tantos anos de uso e não ofereciam nenhum conforto aos utentes.

No entanto, já em 1920 existiam na Madalena carros de aluguer pertencentes a Manuel Garcia da Costa, Manuel Francisco da Silva e José da Silva Telheiros. Estes deviam ser carros de bestas como eram conhecidos, pois, além desses, havia dois automóveis pertencentes, respectivamente, a António Moniz Furtado de Simas e Estevam Garcia da Costa.

Nos princípios dos anos vinte do século passado, fundaram-se as empresas de camionagem Cristiano, Lda. e Empresa União Automobilística Madalense. Esta teve pouca duração e o respectivo património foi incorporado na Cristiano, Lda. que hoje se mantém e explora a actividade em toda a ilha.

As lanchas do canal faziam duas viagens, uma de manhã e outra ao meio dia. As camionetas, respeitando aquele horário, partiam das Lajes às quatro horas da madrugada para “apanharem” a lancha e regressavam, depois de ela chegar ao porto da Madalena, no princípio da tarde. O movimento de passageiros, de diminuto que era, não aconselhava outros horários, como actualmente.

Era sempre uma festa quando, no início, as camionetas chegavam às Lajes, meia tarde, vindas da Madalena, transportando alguma carga, mala do correio e passageiros. Um dos primeiros condutores foi Flamínio d’Oliveira Frayão, da Horta, que aqui fixou residência com a esposa e filhos e foi um dos introdutores do futebol, nesta Vila, em 1924. É mesmo um dos subscritores dos primeiros e únicos estatutos do Clube Desportivo Lajense (Alvará de 28-4-1924). A primeira bola de futebol que existiu nas Lajes foi por ele trazida da Horta.

Simpáticos, atenciosos e serviçais eram, e são, os condutores das camionetas do Pico. Podia lembrar o Manuel Prudêncio, o Luís Caetano das Neves, o Manuel Fernandes, o Emílio Azevedo e outros mais, como igualmente, os respectivos ajudantes, como o José Luís e o António de São João. Durante estes anos todos a lista seria avantajada. No canal foi o Caetano e o histórico Gilberto.

O Caetano, que foi um dos bolieiros dos carros de bestas, ficou pela Madalena e dedicou-se a fazer “mandaletes” entre os portos do Pico e Faial nas lanchas do Canal. E quando já não podia fazer as viagens, era vê-lo sempre no cais, já envelhecido e alquebrado, à chegada das lanchas...para tomar o cabo e receber algumas moedas de antigos “fregueses”. Causava pena vê-lo por ali, já sem quase ninguém que lhe prestasse atenção.

O José das Cruzes desapareceu cedo e pouco o conheci. E outros mais houve, bons serviçais que se distinguiam pela sua seriedade e honestidade.

Por esta Ilha além, outras figuras houve que ficaram esquecidas para sempre e que, no entanto, nos seus tempos, tiveram alguma projecção nas sociedades onde viveram. Recordo o Manuel Joaquim (Búzio), o João da Joaquina e outros mais que faziam o percurso a pé, às segundas e quintas-feiras, da Piedade à Lajes, conduzindo a mala do correio para todas as freguesias e lugares, onde existiam postos do correio a cargo de comerciantes idóneos. É pena que assim aconteça e que esses servidores hajam passado ao esquecimento das gerações que se lhes seguiram. A todos presto a minha singela homenagem.


Vila das Lajes,

15-11-2011

Ermelindo Ávila

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Nossa Senhora da Conceição

A devoção a Nossa Senhora da Conceição é uma das mais antigas do calendário litúrgico português. E, naturalmente, alicerçada nessa devoção, são as inúmeras capelas ou ermidas dedicadas à Mãe de Deus sob o título de Nossa Senhora da Conceição, mesmo muitos anos antes de ser proclamado o dogma que definiu a Virgem como concebida sem mácula.

Nesta Ilha do Pico, a história regista um facto curioso. Narra Frei Diogo das Chagas, em seu “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, que a ermida de Nossa Senhora da Conceição, junto da qual se fundou o convento dos franciscanos, em 1641, (a cuja ordem pertencia o Autor) pertencente a uma Mor (ou Maria) Pereira, a qual deixou em testamento que, “se os frades de São Francisco quisessem fazer convento junto daquela ermida, lhe deixava doada a fábrica e foros”.

E regista o motivo da construção da ermida, naquele lugar.

Mais tarde o convento foi ampliado. Ainda hoje é bem visível a diferença das duas construções, pois a segunda é de cantaria mais rica. No seguimento do convento foi construída, no lado Norte, a actual Igreja também dedicada a Nossa Senhora da Conceição.

A propósito desta, diz Silveira de Macedo, (História das Quatro Ilhas que Formam o Distrito da Horta – Vol. I Pág. 206) que a igreja foi dedicada em 1768 (no entanto) “só em 1804 é que conseguiram ultimá-la (...)ficando um dos belos templos da ilha pelo primor da escultura dos retábulos e perfeição do dourado, possuindo já os ornamentos necessários, vasos sagrados, uma lâmpada de prata, coroas e resplendores em todas as imagens, o que tudo foi pasto das chamas de um voraz incêndio que em Fevereiro de 1830 reduziu a cinzas a igreja com suas imagens e alfaias, podendo apenas salvar-se o convento.

A igreja foi restaurada pelo Pe. Francisco Salles, último guardião do convento, com as esmolas que chegaram de toda a parte mas, interiormente, só foi possível construir um pequeno altar onde colocaram três pequenas imagens; Nossa Senhora da Conceição, São Francisco e S. Benedito, que haviam pertencido a um dos extintos conventos da Horta. (Essas imagens, segundo me é dado saber, encontram-se no Museu de Arte Sacra daquela cidade).

Parece que o actual retábulo da Capela Mor veio do antigo convento da Glória, que existiu na Horta, onde hoje se encontra o Mercado Municipal.

A primitiva ermida, aquela que foi doada aos franciscanos por Mor Pereira, não foi destruída. Ficou junto do edifício do convento e, depois deste ter sido ocupado pelo Estado (por Decreto assinado por Dom Pedro de Bragança, em 17 de Maio de 1832) e entregue à Câmara Municipal, em 3 de Janeiro de 1840, serviu de arquivo da Repartição de Finanças, ali instalada, até que, na década de quarenta, do século passado, aquando das obras de restauro do convento, foi demolida. Ninguém pensou em conservá-la. Foi pena.

Na mesma Igreja, que serviu de paroquial enquanto as obras da nova Matriz não ficaram concluídas, e muitos anos decorreram, pois estiveram suspensas desde 1904 a 1967, no altar mor, além da Imagem de Nossa Senhora da Conceição, foram colocadas, a imagem de Santo António, adquirida pela antiga Irmandade, por volta de 1915, e a de Santa Teresinha, oferecida em 1927 por Francisca Angélica Ávila em cumprimento de um voto.

A capela mor e o respectivo retábulo foram pintados e dourados na década de trinta, pelo mestre Virgínio Belém. É dele também o desenho da pintura da abóbada da capela mor.

No altar lateral do lado esquerdo, foi colocada uma Imagem Senhor Jesus Crucificado, oferta da Companhia Baleeira Venturosa que, em 1927, custeou igualmente a construção do retábulo altar, obra esta do artista faialense António Contente. Neste altar ficaram também as antigas imagens de São José e de Nossa Senhora do Rosário, que haviam pertencido à Velha Matriz. Mais tarde o altar foi também dourado pelo Mestre Virgílio Belém, a expensas da mesma Sociedade Venturosa.

O altar do lado direito, com um modesto retábulo construído pelo Mestre Carpinteiro António Feliciano, era pintado a gesso, o qual era coberto com chapas de cortiça, a imitar uma gruta, nas festas de Nossa Senhora de Lourdes. Possui, actualmente, um retábulo, obra dos Mestres Rodrigues Quaresma, e foi dourado pelo Mestre Manuel Madruga. Nele encontram-se as imagens do Coração de Jesus, oferta de João Joaquim Brum da Silveira e as de Nossa Senhora e Sua Prima Santa Isabel (Visitação); imagens que, segundo a tradição, pertenceram à antiga Igreja da Misericórdia. São de uma beleza artística invulgar.

A Imagem de Nossa Senhora da Conceição foi adquirida em 1906 com esmolas angariadas em várias ilhas dos Açores pela jovem Rita Carolina. Trata-se de uma escultura de rara beleza, obra dum artista continental, que é também o autor de idênticas imagens existentes na Igreja da Conceição de Angra e na Matriz de Santa Cruz das Flores.

A Igreja de Nossa Senhora da Conceição ficou muito danificada com sismo de 1998. Foi a seguir completamente restaurada e os três altares convenientemente pintados e dourados. No entanto, dela foi retirado o coreto que havia sido construído quando os serviços da Matriz foram nela instalados em 1904.

O púlpito, que antigamente era constituído por um simples gradeamento, no qual se colocava uma coberta da cor litúrgica da celebração do dia, foi construído aquando da construção do altar do Senhor Jesus, pelos operários do Mestre Contente. Está agora também devidamente pintado e dourado.

Na ala lateral do lado leste da igreja franciscana está instalado um pequeno museu missionário. Se estivesse no corpo da igreja, ou mesmo, para início, no coro alto, podia receber alguns valores que pertenceram aos Bispos e Missionários picoenses, uma vez que o primeiro Bispo Missionário, Dom João Paulino, era natural desta vila, em cujo cemitério se encontra a capela - mausoléu com os seus restos mortais.

Não seria caso único, pois isso acontece por esse País fora !


Vila das Lajes,

3 de Dezº. de 2011

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

LATOEIROS, FERREIROS E TANOEIROS


Tanoeiros, ferreiros e funileiros eram duas artes exploradas por artífices habilidosos e que produziam diversos recipientes indispensáveis ao serviço doméstico e a outros serviços.

Nas Lajes, conheci os antigos tanoeiros José Alves e irmão Tomé Alves e, na Ribeira do Meio, o “Tabuão” e o Manuel de Brum.

Como latoeiros, conheci o Arnaldo Silva que aprendeu o ofício com o Mestre Ventura, da Horta, o Alberto Lemos, cujo pai antes de emigrar para a América também se dedicava ao ofício, ficando a família conhecida pela “Latoeiro”, e o Maciel, que da Horta veio quando a esposa D. Lídia Maciel foi colocada como professora primária na escola da Ribeira do Meio e aqui montou oficina de funileiro, como se dizia. Era um hábil artista. O último deles foi o Francisco Adelino da Silva que, deixando a oficina, ingressou na fábrica de Conservas, onde passou a exercer a profissão e foi um distinto artista.

Os tanoeiros, trabalhando com madeira de cedro, - hoje seria impossível ... – faziam os potes para a água, e os baldes para a tirar dos poços de maré e das cisternas, as canecas para trazer o leite das vacas, e, ainda, os socalcos para os socos para os tamancos que os homens, geralmente, usavam, quando em descanso, as celhas para os diversos usos domésticos, etc.

O ofício de ferreiro deve ter sido o primeiro exercido na Ilha. Segundo Frei Diogo das Chagas,(1) em 1506, os homens bons e mais oficiais da Câmara fizeram Postura para trazerem o ferreiro Gonçalo Anes para ilha, o qual foi contratado por quatro anos, recebendo dois moios de trigo e uma “casa tamanha como a casa da Câmara”. E foi esse artista que fez os pregos, as trancas, as fechaduras das casas que se iam construindo e, naturalmente, os utensílios para a Lavoura.

Lacerda Machado, comentando o facto, escreve: Hoje,(1936) pela emigração desordenada e pela importação das ferramentas de fabrico mecânico, o ofício de ferreiro está quase extinto, havendo apenas um as Lajes. Ainda me lembro de quem passava na “Ladeira dos Ferreiros”,na Silveira, hoje silenciosa, tinha a impressão de se aproximar de um arsenal, pelo ruído intenso dos alhos em sete oficinas (lojas de ferreiro), quase consecutivas. (2)

Com o desenvolvimento da actividade baleeira, as oficinas de ferreiro aumentaram. Lembro os diversos artistas com oficinas montadas: além dos mestres Constâncias, na Silveira, – uma geração de artistas, durante mais de um século, que terminou no dia 22 de Setembro passado, com o falecimento do mestre António Constância, - na Vila existiram as oficinas de Manuel Inácio Fagundes e de Manuel António Macedo e nas terras o Tobias da Rosa Soares, e o Francisco Rosa. Mas outros mais houve em quase todas as freguesias da Ilha. Recordo Manuel Jorge do Nascimento, de S. Roque do Pico, exímio artista, que se distinguiu, particularmente, na execução de peças várias para as traineiras da pesca do atum, quando esta actividade teve o seu auge, na década de quarenta /cinquenta.

No tempos antigos, não eram importados utensílios de cozinha. Valiam aqueles que eram feitos pelos funileiros em folha de Flandres (lata). E nisso eram bastante hábeis. Tachos, vasilhas para água ou leite, canecos, enfim, um sem número de utensílios. Nos últimos tempos apareceu a folha de zinco e com ela faziam os latoeiros os grandes recipientes para guardar o milho do ano. Mas uma nota a registar. Na época das matanças de porcos, reservava-se quase sempre uma parte da linguiça para mandar aos filhos, parentes ou amigos imigrados nos Estados Unidos. Os latoeiros faziam uns pequenos recipientes em folha de Flandres – latas lhe chamavam – onde se arrumava uma porção de linguiça, que depois era coberta com banha, e voltavam ao latoeiro para soldar a tampa. Um carpinteiro encaixava a lata numa grade de madeira e assim seguia o destino. Parece que algumas ficavam pelo caminho... Em troca vinham as “sacas com roupas e calçado”. E que apreciadas eram! Os avisos amarelos dos correios eram, ansiosamente esperados por toda ou quase toda a gente. Afinal, um meio de sobrevivência para muitas famílias sem recursos monetários.

Os ferreiros ou serralheiros, como também eram conhecidos, fabricavam, além dos arpões e lanças e outros utensílios para a indústria baleeira, as diversas ferramentas da lavoura, alviões e foices e outros mais, como as sachadeiras ou “caliveiras”, uma cópia daquelas que eram trazidas dos E.U., e os fogões de lenha, executados com arte, para as cozinhas, utilizando como modelos igualmente os que os emigrantes retornados traziam.

A oficina do mestre Manuel António Macedo encontra-se incorporada no Museu dos Baleeiros, tal como a deixou o seu proprietário.

Interessante era ver, na Primavera, e quando o trânsito se fazia pela rua Direita da Vila, pois a estrada Lajes-Piedade andava em papéis nas gavetas dos gabinetes ministeriais, grupos de moças da Almagreira e Silveira passar em ranchos, com as canecas à cabeça ou a tiracolo, com o leite tirado das vacas que pastavam nas Terras da Queimada ou outras, do lado Sul.

Raramente, esse leite era entregue na fábrica de lacticínios. A quase totalidade ficava em casa do lavrador e com ele se fabricava o autêntico, saboroso e especial “queijo do Pico”, quer para uso de casa quer para venda. E quão procurado era o nosso antigo queijo!

Tudo mudou. As actividades artesanais, digamos, desapareceram. Quase tudo se importa. Melhor ou pior?

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1) Frei Diogo das Chagas, “Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores”, 19089, pág- 518

2) F. S. Lacerda Machado,”História do Concelho das Lages” 1936, pág.113


Vila das Lajes,

22 de Nov. de 2011.

Ermelindo Ávila

terça-feira, 29 de novembro de 2011

NOVEMBRO


Nunca me agradou este mês. Sempre o achei cheio de tristeza e de lugubridade. O mês em que se recorda, com um misto de saudade, aqueles que partiram e não voltarão.

Passamos nas ruas e já não os encontramos. Em lugar deles topamo-nos com caras desconhecidas, muitas delas nem de cá são e que passam indiferentes, ao largo.

O mês de Novembro, antes do Concílio Vaticano II era um mês de luto e de tristeza. E isso ficou-me para o resto da vida. Nas igrejas, celebravam-se ofícios fúnebres, ante um cadafalso coberto de panos negros. Os próprios paramentos usados pelo clero celebrante eram pretos. Tudo envolto num ambiente tétrico, que causava pavor aos miúdos e contribuía para a tristeza que se estampava nos rostos dos adultos.

Actualmente desapareceram os paramentos pretos. Foram substituídos pelos roxos que amenizam um pouco o ambiente das celebrações litúrgicas.

Os altares eram enfeitados com crisântemos, normalmente roxos, que, mesmo assim, eram retirados nos dias das celebrações fúnebres. E, nesses dias, a Igreja recordava a antífona própria do tempo: Lembra-te que és pó e em pó te hás-de tornar.

Libera animus omnium fidelium defunctorum de poenis inferni. Livrai-nos das fauces do leão, não as engula o abismo e não caiam nas profundezas tenebrosas” .

A Igreja continua a lembrar os mortos e a orar pelas suas almas. Normalmente, os cristãos têm uma particular devoção às almas do Purgatório. Recorda-as com sufrágios especiais neste mês que lhes é dedicado de uma maneira especial.

É por isso que aqueles temores da infância e juventude já desapareceram há muito. Quando a realidade da vida é compreendida, de uma maneira especial, encaramo-la com certa naturalidade e quase, senão todos os meses passam a ser iguais no recordar aqueles que nos deixaram para sempre.

Se os lembramos a quase todos os momentos da vida que nos resta, não deixamos de implorar para eles a Misericórdia divina!...

Bem sabemos e respeitamos os sentimentos daqueles que estão convictos de que a vida acaba com a morte, mas, por isso mesmo, também temos o direito de esperar que respeitem e tolerem os nossos sentimentos no que respeita à vida que não se acaba mas apenas se transforma com a morte corporal.

Para os cristãos este mês de Novembro é um mês especial dedicado particularmente aos fiéis defuntos. Eles também não se esquecem de nós. Retribuamos-lhes, generosamente com nossas preces, com esmolas e actos de generosidade a tantos carenciados, que, nestes tempos de crise, por aí vagueiam à espera de algo que lhes mate a fome ou lhes permita adquirir os remédios de que carecem. E são tantos!

Vila das Lajes,

26 Outº. 2011

Ermelindo Ávila

OS BOIS DA PORTA


Hoje já não existem os chamados “bois da porta”, aqueles bovinos que eram estabulados nas “lojas da atafona” das próprias habitações ou nas “casas de pasto” ou de abegoaria juntas às residências dos lavradores. Deixaram de ter utilidade, com a introdução das máquinas. Aqui há vários anos, eram esses animais que faziam a grande maioria dos trabalhos domésticos: lavravam os terrenos para as sementeiras, carreavam as lenhas e os produtos agrícolas e moíam nas atafonas. Havia deles que, além desses serviços, prestavam outros de encomenda, como carrear as cargas dos cais de desembarque para os armazéns e até as malas do correio. Animais mansos e pachorrentos, eram tratados por nomes que eles conheciam: o Brilhante, o Cupido e outros mais.

Verdade que os animais conheciam já os percursos e nem careciam da orientação dos condutores. No entanto, os donos com eles falavam como se fossem companheiros de jornada.

Lembro-me do João Moniz que, além de levar no seu carro mercadorias para os comerciantes até à Ponta da Ilha, tinha a seu cargo o transporte da mala do correio. O Manuel Francisco de Simas (o Grande) e o Manuel Inácio, da freguesia de São João que, quase diariamente, vinham à vila com os seus carros de bois transportando lenha (achas) para consumo doméstico e daqui levavam encomendas diversas para a freguesia. Homens bons, sérios e simpáticos que gozavam da maior estima dos lajenses.

Todavia, dois casos houve que tiveram consequências desagradáveis. Um deles causou a morte do dono. Este trazia o boi pela corda, das terras do alto para a residência, na vila. A certa altura lembrou-se de fumar. Prendeu a corda no pulso para fazer o cigarro de tabaco da terra, em folha de milho. Parece que tropeçou numa pedra da calçada do caminho, ao que se supõe, e caiu. O animal continuou a andar e foi arrastando o homem pela calçada, o qual não teve possibilidade de mandar parar o boi. Infelizmente, ninguém presenciou o infausto acontecimento e o boi só veio a parar junto da residência, trazendo o dono preso pela corda e já sem vida.

Um outro caso, embora de menores consequências. Na loja da casa de moradia estava montada a atafona e dois bois ali pernoitavam junto das respectivas manjedoiras. Certo dia um deles rebenta a trela que o prendia ao pau da manjedoira e ataca o outro. O dono, sentindo o barulho da refrega, desce à loja e, fiado na sua força, tenta separar os animais. Resultado: foi apertado entre as cabeças dos dois animais que lhe provocaram o estrangulamento de uma hérnia. Não morreu, mas ficou quase inválido o resto da vida.

Em certa noite de inverno, bastante escura, pois a vila não tinha iluminação pública - aquela que existira a petróleo fora destruída pelo Mestre Quim, um doente mental que, quando solto, tudo desfazia - um miúdo de cerca de sete anos de idade, desceu a escada da residência e encaminhou-se para a rua. Nessa altura passava um boi da porta, que era trazido pelo dono para estabular na loja da atafona da respectiva residência, afim de, na madrugada do dia seguinte, “fazer a moenda” de milho para o dia. O miúdo, na correria, foi de encontro ao animal e caiu. Entretanto o boi, que era manso, deu um salto e deixou a criança deitada no chão mas sem sofrer qualquer ferimento. Um sorte!

Valerá a pena recordar estes acontecimentos? Outros mais devem ter existido. Creio que não ficará mal. Demais não identifico as pessoas e podia fazê-lo.


Vila das Lajes,

10 de Nov.º de 2011.

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A MARÉ

Fernão Alvares Evangelho, o primeiro homem que aportou à Ilha, tomou-a pela parte Sul e saltou no Penedo Negro que fica ao fundo da enseada do Castelete, junto à encosta da ilha. Afinal, uma história muito antiga e que todos conhecem.

Do Castelete para o sul fica a Maré, pequeno lago que o mar forma e que ainda hoje se conserva, apesar das obras que em seu redor se têm realizado: pelo leste a muralha de defesa e pelo norte e leste a muralha que a rodeia e que evita que o mar, quando embravecido, caminhe pela ruas circundantes, invadindo a Vila, como ainda acontecia até meados do século XX.

“O espectáculo da planície magnífica suscitou na mente dos povoadores um sonho belo, que as más condições do porto não deixaram realizar na plenitude da aspiração.

A vila “não se construiu ao acaso: assentou-se num plano, fixou-se a planta – porque nos mais antigos documentos, como são instituições de vínculos e outros, tenho encontrado, em confrontações de propriedades, quase todos os nomes das ruas da vila, incluindo a da Barra, a partir das proximidades de André Rodrigues e cuja utilidade hoje se não compreende, mas que, como todas as coisas, teve a sua razão de ser, quando a Barra serviu de porto. “ (1)

E a leste da Maré está o primeiro templo da ilha: “catedral ingénua, tendo por abóbada palhas puríssimas, talvez do trigo que deu a primeira hóstia nela consagrada” e onde “frei Pedro Gigante abençoou as uniões do amor... e, num dia memorável que as gerações esqueceram, aí celebrou solenemente o baptismo do primeiro filho da nova pátria”. (2)

Junto à dita muralha, construída nos anos Sessenta, para suporte do ramal que ligou a parte Sul da Vila à Estrada Regional, ainda se pode descobrir um troço do antigo caminho, em calçada à romana, e onde existem, bem visíveis, os sulcos dos carros de bois que por ela transitavam, quando seguiam, pela antiga “Ladeira da Vila”, às zonas agrícolas, ou no velho caminho que dava volta à Ilha.

Foi naqueles lados que a vila principiou, muito embora Fernão Alvares, primeiro povoador tenha construído sua moradia junto à ribeira que durante muitos anos teve o seu nome e que depois passou a chamar-se “Ribeira da Burra”. A vila “começou junto à ermida de S. Pedro, onde becos estreitos e tortuosos bem claramente indicam (indicavam...) o início da povoação, confirmando a tradição e a história.” (3)

A Maré é um lago calmo e, nas tardes amenas, nela se espelham os raios do Sol no poente. Empresta, pois, à zona um panorama maravilhoso.

Pode o mar embravecido bater na costa e entrar pelo Oeste no grande espaço que é denominado “Juncal”, todavia a Maré, normalmente, está calma. É um viveiro onde se desenvolvem as mais diversas espécies piscícolas. E raramente são pescadas. Só ali conheci, há muitos anos, um pequeno barco – dori – que pertenceu a Manuel Vieira (Chiné) e que, praticamente, era utilizado no apoio à rede (ou estremalho) que nela se deitava no Inverno, quando o mar não permitia que os barcos de pesca saíssem do porto. Na Maré apanhava-se normalmente peixe miúdo.

Mas, já anteriormente, falei de pescas, e basta.

A Maré serve como “espelho” poético a quem a contempla, extasiado, com o Castelete ao fundo a servir-lhe de guarda avançado aos mares do sudoeste. Um espectáculo único por estes lados...

Pelo Oeste há o chamado “mar da Barra” a única “praia” de banhos ou zona balnear que a vila possui. Encontra-se quase no seu estado primitivo, pois as obras que ali se executaram pouco beneficiaram a utilização. E é pena, pois podia ser um bom local para banhos, hoje tanto em voga.

Antigamente, quando a Maré estava no seu estado primitivo, na baixa-mar ficava com uma zona a descoberto e era aproveitada para os pescadores colherem o caranguejo e o camarão miúdo para isca na pesca do alto. Hoje nem sei o que acontece.

Na Maré, se não erro, podia praticar-se diversos desportos à vela e a remos. Demais, parece que as águas não são próprias para banhos, dada a influência das águas doces que brotam da terra. Certo é que, antes de haver água canalizada, muitas pessoas iam à Maré, junto da margem Leste, lavar a roupa em “regos” que abriam na baixa-mar e donde brotava água, se não doce ao menos salobra. E era aí que algumas mulheres, até vindas das Terras, lavavam as roupas da semana. O mesmo acontecia na “Mouraria”, a Norte, no sopé do monte de Santa Catarina. E igualmente na Ribeira do Meio, onde ainda existem o poço e as pias de lavagem ao lado, um arranjo de 1942 e que foi de grande utilidade para a população da Almagreira, Ribeira do Meio e Vila. Com a montagem da rede de distribuição de água, na década de sessenta do século passado, tudo passou ao esquecimento.

Hoje a zona terrestre da Maré está completamente urbanizada, muito embora a lagoa conserve o seu aspecto primitivo. Bom seria que os restos da calçada que ainda existe e que tem continuação no princípio da antiga “Ladeira da Vila”, fossem devidamente acautelados, pois é o que resta, por aqui, do secular caminho em volta da Ilha o qual, para os lados do Norte, das Lajes à Madalena, tinha a denominação de “Caminho dos ilhéus”.

E, já agora, lembro os antigos poços de maré que ainda existem junto da ermida de São Pedro, nas cercanias da Maré e na Rochinha, perto do antigo campo de jogos. (Outros poços públicos, houve que se “sumiram” na voragem dos tempos. E refiro públicos porque quase todas as casas da vila possuíam poços de maré.

São marcos históricos de uma vivência de trabalhos e canseiras, quando as águas das chuvas eram somente captadas e guardadas em grandes talhas, nas casas principais. Os tanques ou cisternas vieram muito mais tarde, praticamente no século XIX. Umas pequenas lápides indicativas e a conservação dos “bucais”, devidamente tapados (como alias acontece nos poços da Rochinha e de São Pedro), bastavam para assinalar esses verdadeiros monumentos históricos.


_____________

1) F.S.Lacerda Machado – “História do Concelho das Lages” . 1936 .

2)ibidem

3)ibidem


Vila das Lajes,

19 de Outº de 2011

Ermelindo Ávila

sábado, 5 de novembro de 2011

AS CASTANHAS

A MINHA NOTA




Quando a vida era risonha e bela, havia tradições e costumes que se respeitavam e cumpriam nas épocas próprias. É o caso das castanhas que hoje trago à ribalta.

Por estes lados do Sul da Ilha o castanheiro não medrava, capazmente. Desenvolvia-se a árvore, mas os frutos eram mesquinhos. Daí que se tornasse necessário procurá-las nos sítios próprios, neste caso a Norte da Ilha.

O comércio importava a castanha do continente, mas não era igual à que se produzia nestas ilhas. Tinham um sabor diferente...

Em chegando às proximidades da comemoração de Todos os Santos, reuniam-se as moças destas bandas em ranchos, e, pelos caminhos da Serra, iam até à Prainha do Note, comprar castanhas, pois por ali os castanheiros produziam bons frutos. Seguiam pelo “caminho dos burros”, descansavam muitas vezes às “mesas”, para chegarem ao destino nas primeiras horas da manhã. Ali compravam uns meios alqueires de castanhas ou trocavam por produtos de cá, e voltavam, chegando a casa ao entardecer. Uma viagem longa mas alegre, pelo convívio e pela amenidade do tempo de Outono, que muito classificavam de a “Primavera das Ilhas”.

Como anteriormente já referi, a Prainha fica no outro lado da Ilha. Lajes e Prainha são as duas freguesias mais próximas. E quem refere as Lajes diz, normalmente, Almagreira, Silveira e Ribeira do Meio. É só atravessar a Serra e já se está num ou noutro lado.

Disse produtos de cá mas não muitos. A Prainha sempre foi uma das zonas da Ilha onde se produziram bons cereais, especialmente o trigo e o milho.

Infelizmente, esses cereais vão sendo abandonados. Já não se encontram as cearas de trigo, onde geralmente as raparigas passavam as manhãs e o entardecer a espantar a praga,( canários, principalmente, pois os pardais apareceram em intensidade a meados do século passado), que caía sobre as searas de trigo. O trigo, que fez parte da diminuta bagagem dos povoadores, foi o primeiro cereal produzido na ilha. O milho só apareceu mais tarde, aí por 1670, trazido por Denis Gregório de Melo, capitão -general dos Açores. Dada a sua larga produção passou a ser o cereal preferido na alimentação do homem, deixando o trigo de ser cultivado em grandes quantidades. Por estes lados, era normal intensificar-se a sementeira de trigo quase só nos anos em que se tinha o encargo da função em louvor do Divino Espírito Santo.

Actualmente, o milho passou a ser quase só cultivado para alimento dos bovinos, no Inverno, depois de mecanicamente ensilado. Contudo vale a farinha de trigo importada.

E ficamos com as castanhas. Não passam de um fruto que, depois de assado ou cozido, serve de sobremesa nas refeições da época, ou nas adegas, de aperitivo às provas do vinho novo.

Vila das Lajes,

Outubro de 2011.

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

PÃO POR DEUS

Uma tradição antiga que se mantém e que até há pouco era praticada somente por crianças que, de porta em porta, iam pedindo, numa cantilena habitual, “pão por Deus, por amor de Deus.

Hoje é diferente. Não apenas aqui, mas por esse Portugal fora. A fome, que actualmente se denomina de “crise”, porque dela é resultante, está a atingir uma parte avantajada das gentes portuguesas. E chegou a estas ilhas. Impressionante foi ver, aqui há dias, p.e., no adro da Sé de Angra, a distribuição de um pratinho de sopa às muitas pessoas que lá apareceram. E quantos casos semelhantes acontecem, felizmente digo, por esse País fora. E ainda bem, pois será a única refeição que muitos terão diariamente. Mas é sinal de que o País caiu, repentinamente, na miséria e não há quem lhe acuda, nem os responsáveis são identificados...

Já escrevi ao contrário daquilo que hoje aqui trago. Durante vário anos, nesta ilha não havia quem estendesse a mão à caridade pública. Hoje alguns não o fazem por vergonha.

Os investimentos públicos estão quase paralisados e eram eles que garantiam o salário diário a muitos operários dos diversos sectores.

Deixando de haver obras, onde poderão os operários ir buscar o salário para o sustento diário dele e da família?

Para alguns valem as vacas. Mas nem todos têm essa actividade, nem as terras que estão sendo utilizadas permitem o aumento das manadas.

Há, por aí, muitos hectares de terrenos incultos e ocupados por arvoredo selvagem sem interesse para ninguém. No entanto parece que, por neles existirem espécies classificadas, não é permitido o abate. O Pico está cheio de incensos e faias, tamujo, urze, sanguinho, pau-branco, e até canavial e roca-de-velha, algumas delas espécies classificadas como endémicas. Endémicas ou não, não deixam de ser, nesta ilha, plantas infestantes que prejudicam seriamente os terrenos e impedem as espécies úteis de progredir, como é o caso do incenso que só tem o único mérito de ter uma floração aromática. Mas isso não basta para a conservarmos em terrenos aptos a outras culturas.

Julgo que as entidades públicas, ao porem em execução as normas impostas pela Troika, devem analisar, previamente, os seus efeitos prejudiciais ao bem estar das populações. “Apertar o cinto” e morrer na miséria não é sistema honesto. Encontrem-se outros meios de pagar as dívidas e debelar a crise, não à custa dos míseros salários e ordenados da maioria dos portugueses e do indispensável sustento das famílias, sem esquecer as crianças indefesas e os velhos. Pois estes já deram o seu contributo muito avantajado para o sustento e progresso da Nação. E agora, quantos deles vivem da caridade publica ou nos lares, ou recebendo esmola das instituições particulares!

Hoje o pão por Deus não é apenas o reatar de uma tradição, mas um dia em que os necessitados, crianças ou idosos, principalmente, estendem a mão à caridade pública, à espera de uns cêntimos (por onde andam os escudos de saudosa memória?!) para mitigar a fome.



Vila das Lajes.

24 de Outº de 2011

Ermelindo Ávila

domingo, 30 de outubro de 2011

Artesãos e artífices

Há muito que o artesanato – arte e técnica de trabalhos manuais e caseiros – constitui uma actividade picoense de valoroso interesse.

Podemos considerar como artesanato as antigas rendas de bilro, croché e outros tipo executados pelas chamadas rendeiras, as mulheres que, quase exclusivamente, se dedicavam à manufactura dessas maravilhas que ainda hoje despertam curiosidade e interesse nos que nos visitam.

Primitivamente, eram manufacturadas rendas de diversos tipos para enviar, como oferta, aos parentes e amigos imigrados nos Estados Unidos, em retribuição das roupas e de algum calçado que de lá enviavam pelo correio, nos tradicionais “sacos da América” ou em mão de emigrantes que vinham de visita à terra natal.

Actualmente, é outro o tipo de artesanato que mais procurado é pelo Turismo. Refiro, especialmente, o conhecido “scrimshaw”, ou trabalhos em osso e dente de baleia de grande procura. Não menos procuradas são as miniaturas de utensílios diversos, executadas em madeira pelos artesãos picoenses, uma classe de artistas exímios que, hoje, estão a contribuir imenso para o desenvolvimento da apreciada actividade.

Nas Lajes existem, ao menos, duas casas de artesanato com representação nacional e cujos artefactos já receberam prémios em exposições nacionais e internacionais, pela beleza dos objectos e pela arte e inspiração artística que revelam.

Conheci, no primeiro quartel do século passado, o Capitão de baleeiras americanas, José Francisco Fidalgo, senhor de respeitável trato e notável artista de “scrimshaw”. Na sua residência possuía uma pequena oficina onde executava, como recreio, trabalhos em dente de baleia (cachalote), matéria prima que, ao tempo, abundava e era gratuita.

Outro bom artesão foi João Soares de Lacerda. Possuía, igualmente, uma pequena oficina onde executava trabalhos em osso de baleia e não só.

Mais tarde apareceram Manuel Rodrigues Quaresma Jr. e Clarence Moniz da Rosa. Foram destes dois artistas os objectos, em osso e dente de baleia, que a Câmara Municipal ofereceu ao Presidente Carmona, e a alguns membros da Comitiva presidencial, aquando da visita que fez aos Açores, em 1940. Salvo erro, um jogo de xadrez, um conjunto de peças de escritório, uma garrafa e cálices, tudo em dente de cachalote. Maravilhas de confecção, arrumadas em artísticos estojos, e que foram bastante apreciados.

Santo Amaro do Pico é uma freguesia de notável relevância artística. Lá existiram os célebres estaleiros da construção naval, hoje praticamente inactivos, donde saíram as mais belas embarcações de pesca e de tráfego local. Recordo sobretudo as traineiras de pesça de atum que, a meados do século passado, foram construídas nos estaleiros dos Mestres José Costa, Júlio Matos, Manuel Joaquim e João Alberto, que tanto movimentaram a freguesia, hoje praticamente paralisada...

Recordo até que a traineira “Ponta da Ilha” foi a primeira construída pelo Mestre Júlio Matos, nas cercanias do porto da Manhenha, para uma sociedade daquela freguesia, antes de instalar a sua oficina em Santo Amaro.

Algumas das embarcações ainda navegam pelos mares dos Açores na faina da pesca do atum. Outras foram abandonadas, como abandonadas foram as célebres lanchas do Canal “Espalamaca” e “Calheta”, também remodeladas nos estaleiros de Santo Amaro.

Na “Calheta” , construída pelos Mestres Oliveira, da Aguada, Ribeiras, antes de pertencer à Empresa das Lanchas do Pico, naveguei entre a Terceira e o Pico, como igualmente na “Lourdes” e Hermínia”, estas construídas pelos mestres Francisco José Machado e Filhos. Elegante era a “Margarida”, primeira lancha baleeira, construída nas Lajes pelo Mestre António dos Santos Fonseca, que igualmente construiu belas canoas baleeiras.

Os calafates lajenses, que os houve e bons artistas, tinham como missão principal a construção de canos baleeiras, depois do Mestre Experiente, Francisco José Machado, ter construído a primeira, o “São José”. Nos estaleiros das Lajes construíram-se e dezenas de canoas e lanchas a motor para a caça da baleia, e que foram utilizadas nos diversos portos dos Açores e até na Madeira e Continente. E não deixo de referir os inúmeros batéis de pesca local.

De lembrar também a Escola de Artesanato de Santo Amaro. Nela as Irmãs Neves preparam várias jovens para a maravilhosa arte, além de executarem os mais diversos artigos em renda e costura e dos mais diversificados géneros. Interessante por lá passar e admirar a multiplicidade de artesanato ali confeccionado.



Engrade, Ilha do Pico,

24 - 09 – 2011

Ermelindo Ávila



sábado, 22 de outubro de 2011

NOTAS DO MEU CANTINHO

PESCA ARTESANAL



Os açorianos “andam de barco de cabotagem e de lancha de remos de terra para bordo, do mar para a terra, de porto para porto, pipas e barricas de vinho e aguardente, vasilhame e madeiras para construção de casas, carruagens e barcos, pedra de cal e telha, aduelas e arcaduras, mastros e remos, para canoas, de gados para o mercado e feiras da lavoura, para criação e gastos de casa, trastes e mobílias de baleeiros, animais, porcos.”

“O mar foi tudo para o açoriano – caminho e atalho, mercado e feira, estaleiro e oficina, festa e tragédia, alegria e lágrimas, pão e conduto, vida e morte.”

“A estrada é o mar. O caminho mais fácil, aberto e chão ou agitado é o mar, durante séculos. – As estradas reais não existem.” (1)

E foi assim. Como diz o autor a que me reporto, durante séculos. As estradas e os meios de transportes terrestres, os barcos a vapor e os aviões são recentes. De nossos dias como soe dizer- se.

Antes valiam o mar e as embarcações que o homem ia construindo para se transportar a outras terras ou para se fazer ao mar à cata do peixe, alimento principal dele e das famílias.

Conta Lacerda Machado: “No reinado de D. João III, achando-se (o primeiro capitão-mór Garcia Gonçalves Madruga) devedor à fazenda real de certa quantia, por motivos hoje ignorados, mandou construir na Prainha do Sul, um “galeão real” a que pôs o nome de Trindade, orago da Vila e foi oferecê-lo a El-rei que se deu, diz o Historiador, por pago e satisfeito, ficando desde então àquela localidade o nome de Prainha do Galeão, que ainda hoje conserva.” (2)

A arte da construção naval parece ter nascido ali e, depois, se espalhado por todo o Pico, pois em quase todos os portos picoenses houve bons e notáveis construtores navais. Foi nas Lajes o mestre Francisco José Machado, que construiu a primeira canoa baleeira, nos Açores, foram os mestres de Santo Amaro com a construções de veleiros e traineiras. E em todos os portos houve calafates que construíam os batéis de pesca neles utilizados. Já os referi algumas vezes e não vou repetir-me.

A actividade marítima foi uma das principais do homem do Pico. A terra era árida. Os vulcões destruíam os terrenos aráveis e não era fácil o viver das gentes. As ervas dos campos substituíam as hortaliças. O pão era fabricado em lajes . Existiam os gados selvagens de difícil captura. Era o mar que valia com a abundância de peixes de diversas qualidades que abundavam nas costas.

A propósito, escreve Lacerda Machado: “À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo, assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de a cultivar, ou de que faltavam sementes, uso que ainda subsiste, posto que, raramente, inventaram molhos, gratos ao paladar, para suprir a falta do azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.” (3) O probo e erudito Autor não refere o peixe nem como o apanhavam. Devia ser fácil pois, como disse, devia abundar nas costas.

Ainda no século passado, existiam batéis ou barcos de pesca em todos os portos e portecos, como já os classificaram, à volta da ilha e o mesmo nas outras ilhas. Por cá pescava-se o chamado “peixe de fundo”,principalmente, durante a noite e o chicharro ou carapau nas baías. Os barcos dos portos das Lajes e de São João exploravam o “limpo”, quase junto à costa. Era agradável ver, durante as noites de bom tempo, esses barcos iluminados (com candeeiros) a “ingodar” o peixe, que era apanhado em redes. Amanheciam em terra, com os barcos carregados do pescado. Uma fartura que a todos chegava, quer por compra, quer por troca de cereais. Secos ao sol, eram apreciado alimento no inverno.

Praticamente, desapareceu o chicharro depois da proibição da caça à baleia... Deixou de existir, praticamente, o equilíbrio ecológico.

A pesca de fundo fazia-se em “marcas” certas, onde eram pescadas diversas espécies bastante apreciáveis. Foi ainda no princípio do século XX que se descobriram os “bancos” Princesa Alice e Dom João de Castro mas, para lá chegar gastavam-se horas quer na ida, quer no regresso.

No Verão alguns barcos de pesca iam até São Jorge, onde ficavam semanas ou meses. Os costados dos barcos era aumentados com tábuas – “bordas falsas – e neles seguiam, além dos marinheiros, todas as suas bagagens, incluindo sacas com “bolo torrado” que servia para as sopas dos caldos de peixe com que os marinheiros, geralmente, se alimentavam. E não regressavam enfraquecidos... Uma parte do pescado era vendida localmente e outra seca ao sol e trazida para cá: o peixe seco muito apreciado no inverno, pois, no tempo, o bacalhau mal era conhecido.

Por cá ficavam outros marinheiros. Aqueles que se dedicavam à pesca e à caça da baleia. Um conheci que só era pescador: o mestre Bento. Era proprietário de um barco de pesca e todos os dias, manhã cedo, se fazia ao mar. Regressava, geralmente, ao meio dia, com o pescado que servia para o jantar. E falando do Mestre Bento, outros mais houve, com igual traficância, como o João Luiz, os Garcias e outros. Em chegando ao porto, o peixe era colocado no areal e dividido em soldadas (quinhões): para o barco, para o “monte-mór”, para o mestre, para os marinheiros e para o dízimo, ou seja o imposto, do qual tomava conta o Guarda-Fiscal, funcionário do Estado que existia em todos os portos de pesca.

Nas Lajes sedeava-se a Secção da Guarda-Fiscal, comandada por um sargento e composta de quatro guardas. A Secção superintendia nos guardas destacados nos portos. Do Sul, desde São Mateus ao Calhau da Piedade existiam postos da Guarda-Fiscal. O posto da Calheta tinha ainda funções aduaneiras. Um serviço que, praticamente, desapareceu com a promulgação da lei que extinguiu as chamadas “barreiras alfandegarias” e, depois, com a transferência do serviço dos barcos da Insulana para o Cais do Pico. Agora existe a Lota. Deixou quase de haver o peixe fresco, chegado do mar, para haver peixe congelado.

O Guarda-Fiscal, o Professor e o Pároco formavam um “triunvirato” nas respectivas freguesias, muito respeitado pelo povo. Hoje são figuras históricas, praticamente.

Antes da criação dos serviços dos portos, havia os guardas da Alfandega, que mais se preocupavam com a fiscalização do contrabando de tabaco.

Anteriormente, porém, eram as câmaras municipais, que davam licenças para os barcos de pesca exercerem a sua actividade ou outra, como se lê na deliberação da Vereação das Lajes, de 3 de Dezembro de 1817, quase dois séculos são decorridos:

Acusou o Alcaide a António Silveira Quaresma, Mestre de um barco de pesca do porto da Calheta, na razão de que no princípio do Verão do presente ano pedindo licença para ir à pesca para a Ilha 3ª, e sendo-lhe denegada pelo Presidente desta Câmara com o fundamento de ser o único que ficava no seu porto para acudir a qualquer necessidade assim como para dar, isto é vender o peixe ao povo, sem embargo disso sempre saíra no seu barco à pescaria para a Ilha 3ª sem levar os competentes Despachos de Licença e carta de saúde, e depois recolhendo ao seu porto tornara a ir à Ilha 3ª sem os ditos Despachos o que ele praticava por ser insubordinado, e costumado ... O Réu compareceu e confessou que era verdade ter ido à Ilha 3ª duas vezes sem os competentes Despachos. Condenado em 3$000 e em três dias de cadeia não sendo solto sem pagar a dita coima e custas.”

Outros tempos em que as Câmaras exerciam a justiça em variados senão em todos os sectores sociais.

___________

1) P. Júlio da Rosa – “A Cidade da Horta – Cinquenta anos da sua vida cultural, religiosa e artística nas década de 40 a 80”. 1989

2) Francisco Soares de Lacerda Machado, -“Os Capitães-Móres das Lages”, pág.19 - 1915

3) Ibidem – “História do Concelho das Lages”, pág. 78 - 1936


Vila das Lajes,

17-Outº-2011

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

AMARGURAS DA HORA PRESENTE


Portugal atravessa um dos momentos mais cruciais da sua secular existência Dia-a-dia surgem noticias alarmantes da situação económica do País e, consequentemente. da falta de trabalho, dos despedimentos, do “apertar do cinto” da maioria dos

Portugueses e muito mais que não importa recordar agora.

Inventou-se a “Troika” para justificar as medidas de austeridade que os governantes vão tomando com reflexos perniciosos nas classes mais baixas, aquelas que têm de “comer o pão com o suor do seu rosto”

E em tudo se mistura uma política de desagregação, seja das chamadas direita ou esquerda.

Creio que nunca se explicou à Nação se a crise económica que se atravessa é resultante de uma má administração dos negócios públicos ou da carência de receitas provenientes das contribuições e dos impostos, que no entanto já são avantajados.

Não quero penetrar no âmbito da análise política da situação portuguesa porque só interessa àqueles que vivem da Política ou para a Política. Talvez melhor dito da política de Bordalo Pinheiro...

A crise está instalada, não só em Portugal mas em outras nações mais, principalmente uma parte das que formam a União Europeia. E alguns dos seus dirigentes privilegiados já anunciam que nações há que vão perder parte da sua soberania, como se fosse possível ter uma meia ou limitada independência.

No primeiro quartel do século XX um tresloucado apossou-se da governação da grande nação que sempre foi a Alemanha. Passados três quartos de século surgem os novos senhores da Europa a tomar medidas de repressão e fiscalização de outras nações como se os direitos dos povos permitissem pacificamente a sujeição dos mais fracos aos mais poderosos.

No meio de todo o barulho que se instalou na Europa, um problema há que parece não ser equacionado e, muito menos, resolvido satisfatoriamente.

Os trabalhadores não diferenciados deixaram de ser considerados. A sua situação agrava-se com a falta de trabalho. Portugal não possui as industrias e outras actividades económicas que sejam capazes de absorver a mão-de-obra que excede por toda a parte. Há jovens que possuem cursos universitários que não conseguem emprego, mesmo como serventes em qualquer actividade. Basta ler o que nos trás a comunicação social. É desolador ver uma jovem, entre tantas, com a licenciatura em história – v.g. - que nem consegue o lugar de empregada doméstica, ou criada de servir como antes se dizia. “G.M é licenciada em Românicas.-. Estava empregada numa empresa há oito anos. Foi despedida pelos novos proprietários. Está desempregada. Decidiu, entretanto, colocar um anúncio no site olx.pt., onde se oferece para qualquer tipo de trabalho, desde empregada doméstica ou motorista a acompanhante de crianças e idosos.” (Visão, nº 933,de 26-01-2011) Este um caso entre tantos gv. E pior será quando o Estado e as Autarquias deixarem de investir ou executar totalmente obras de interesse social, privando as populações da sua utilização e, simultaneamente, o que é mais grave, lançando para o desemprego milhares de trabalhadores. E quem diz desemprego pode referir a fome, a miséria e, depois, o crime nos mais variados aspectos: o roubo, os assaltos, a droga, como vai acontecendo por esse mundo fora.

Hoje fico por estas reflexões amargas...


29-09-2011


Ermelindo Ávila



Nossa Senhora das Mercês

A Manhenha, outrora lugar famoso pelo vinho verdelho que nele se produzia, acaba de celebrar a sua festa em honra da Senhora das Mercês, na secular ermida de São Tomé.

A ermida foi convenientemente conservada e a Imagem secular de Nossa Senhora das Mercês, restaurada numa oficina de Vila do Conde.

A festa decorreu com o tradicional entusiasmo dos veraneantes e residentes naquele lugar, e com larga assistência de vizinhos e de outros de diversas partes da ilha.

Como vem sendo já tradição nas festas da Ponta da Ilha, não faltou uma noite de fados e bailados e uma tarde de tourada à corda.

Nas semanas anteriores tinham decorrido as vindimas, este ano bastante irregulares. Uns com boas colheitas outros com produções diminutas. Há quem diga que tem de fazer ainda uma segunda ou mesmo terceira colheita, tal a irregularidade da produção.

Mesmo assim o vinho novo nunca deixa de existir nas adegas, para oferecer aos amigos e visitantes. Uma velha tradição.

Mas é uma pena ver como esta Ponta da Ilha, ou melhor os lugares da Manhenha, Engrade, Calhau vão se enchendo de arvoredo selvagem, quando outrora era rica em vinho verdelho, em terrenos pertencentes não só aos naturais mas ainda a muitos jorgenses, que no verão aqui vinham fazer suas colheitas, transportando depois o vinho para a ilha à semelhança do que outrora e ainda agora acontece para os lados da Fronteira.

E o que se exportava para o Norte da Europa, directamente desta zona ?! Ao lado da baia da Engrade há ainda a “Baia dos franceses” onde aportavam as barcas as barcas daquele País ou daqui partiam as de cá.

Foi na Manhenha que o Estado, quando instalou os serviços agrícolas Matos Souto, adquiriu uma porção de terreno, fez o plantio de vinhas e construiu uma pequena adega. O terreno ainda pertence ao Estado ou, actualmente, à Região, mas não vejo que haja aproveitamento de qualquer produção vinícola.

Só se fala na “zona protegida”, nos muros dos currais de vinha e nos “maroiços” de ouras zonas, como se por cá não existissem iguais “construções”, (também feitas pelas mãos dos homens…)

As vindimas vão decorrendo. Ainda existem os lagares nas adegas. Todavia os baldes de plástico tomaram o lugar dos cestos. Na quase totalidade das adegas, o “pisar” das uvas foi substituído por “engenhos” apropriados. O transporte das uvas já não é feito em burros, como há cinquenta e quarenta anos, mas em camionetas e tractores. No entanto o sumo da uva, embora de castas diversas, é o mesmo e o vinho não deixa de existir nas adegas ou nas habitações dos actuais residentes, que muitos são, para ser usado durante o ano ou oferecido aos visitantes e amigos.

Curiosamente ainda se mantém a recolha, no fim da época das vindimas, do pote de vinho para os “impérios” do Espírito Santo, do ano seguinte. E ainda bem que a tradição se mantém.

A Manhenha, outrora a vileta das cem adegas e hoje uma cidadela, com excelentes vivendas, salão de recreio e festas, ermida e até piscina com balneários. Ao lado, fica-lhe a Engrade, de tradições saudosas, já com várias “adegas” de veraneio e algumas habitações. Brevemente, terá uma ermida, talvez a primeira dedicada ao Beato João Paulo II. Para lá vamos.

Engrade, Piedade,

26-09-2011.

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

PIEDADE EM FESTA

NOTAS DO MEU CANTINHO


Estamos na semana da Festa da Piedade. Tal como acontece em todas as outras localidades, a festa da Padroeira é, normalmente, preparada com respeito e entusiasmo. E creio que esta atitude dos respectivos paroquianos vem desde a instituição da freguesia, uma das mais antigas da Ilha, pois já existia nos princípios do século dezasseis. Mas deixemos a história.
Há dezenas de anos que estou ligado à freguesia da Piedade por laços familiares. Aqui criei amizades e passei momentos que não esqueço pois esta terra e as suas gentes são de uma simpatia pouco vulgar.
A Piedade tem lugares de veraneio paradisíacos: a Manhenha com as suas cem adegas como a definiu um escritor faialense há mais de meio século, o Calhau com a sua baía magnífica e porto embora de reduzidas dimensões; aqui, mais recolhida a Engrade, com uma baía abundante em peixe para as pescarias de “costa”. Para não esquecer os seus famosos vinhos verdelho há muito desaparecidos.
Hoje fico pelo Calhau, uma apreciada estância de verão com excelentes adegas, agora transformadas em belas moradias. Lá existe a ermida de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, mandada construir em 1854, pelo Padre Manuel Inácio da Silveira Campelo, vigário de S, Mateus da Terceira. Foi propriedade de Manuel Vieira Machado e, actualmente, pertence aos descendentes de José Joaquim Goulart. Infelizmente, encontra-se em ruínas.
Para a substituir foi construída, junto ao Porto, uma pequena capela onde, anualmente, os locais promovem uma festa à Senhora da Boa Viagem.
Aludindo ao porto do Calhau aqui deixo o que informa o Professor Manuel de Ávila Coelho:
“O Reverendo Pe. Gabriel Soares – que legou a sua casa do Calhau à Paróquia da Piedade onde viveu muitos anos o P. Francisco Soares – Velho – também dizia muitas vezes, com os olhos postos na magnífica baía do “Calhau da Ponta”, que não tem rival na ilha; “Ainda hei-de embarcar e desembarcar ali num cais, a pé enxuto”. Um dia abriu a bolsa e deu bem; o Estado agradeceu, reforçou a verba e ordenou o começo das obras que chegaram ao ponto em que há anos se encontram”. (Isto escrito em 1961). E continua: “Pouca sorte outra vez mas os habitantes da Piedade não tiveram culpa. Nesta maior baía do Pico, de fundo direito e saídas desafogadas, já se abrigaram navios se grande calado e, por mais de uma vez, o antigo “Funchal”, da Empresa Insulana de Navegação, ali fez serviço de mala e passageiros.
Além disto, óptimo varadouro, pela sua grande área e insignificante diferença de nível, presta-se a ser utilizado por grandes embarcações. Contudo já vimos uma traineira de pesca da albacora, das duas pertencentes à freguesia, varada no porto de Santa Cruz das Ribeiras em terra!” (A Freguesia de Nª.Sª. da Piedade, na Ilha do Pico, Boletim do NCH, 1961)
Hoje o Calhau dispõe de um bom porto, com cais acostável, embora de pequena dimensão.
Infelizmente, os iates do Pico que faziam as ligações semanais entre Pico-Faial e as restantes ilhas dos Grupos Central e Oriental desapareceram e a ilha só tem ligações com o exterior, no verão, através do porto do Cais do Pico. Toda a Zona Sul da Ilha está abandonada. Dizem que é progresso e que tudo está melhor!
E fiquemos por aqui, gozando um pouco deste verão calmoso mas agradável por estas bandas.

Engrade, 2 de Setembro de 2011
Ermelindo Ávila

segunda-feira, 6 de junho de 2011

SANTO CRISTO


Santo Cristo, em São Miguel, Bom Jesus, em São Mateus do Pico, ou Senhor das Preces, na vila das Lajes, são alguns dos diversos títulos ou nomes que o povo cristão dá a Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Qualquer das Imagens que existem, nos templos católicos, representam o Senhor nas diversas fases da Sua Paixão e Morte na Cruz. Santo Cristo, representado somente em busto, venera-se na Igreja da Esperança em Ponta Delgada. Veio de Roma, oferecida a duas religiosas que se haviam deslocado à Cidade Eterna, pelo Papa Paulo III. Dessa Veneranda Imagem se tornou grande devota, a Venerável Madre Teresa da Anunciada, que havia nascido na então Vila da Ribeira Grande, em Novembro de 1658. Estas ilhas haviam sido descobertas e povoadas dois séculos antes.

A devoção a Santo Cristo dos Milagres, como passou a ser conhecida a Veneranda Imagem espalhou-se por toda a parte, quer no Brasil quer nos Estados Unidos ou onde quer que haja um açoriano e, particularmente, um micaelense.

A sua festa, que jamais deixou de ser celebrada no sexto domingo da Páscoa, atrai a Ponta Delgada grande concurso de devotos e não só.

Mas com a mesma invocação ou outra, Jesus Cristo é celebrado, anualmente, em diversas paróquias dos Açores.

Na Ilha do Pico celebra-se desde 1862, a 6 de Agosto, a grande festa do Bom Jesus, em São Mateus, cuja Imagem foi trazida de Iguape, Brasil, pelo emigrante retornado, Francisco Ferreira Goulart. Pela devoção tributada ao Bom Jesus, a igreja paroquial foi elevada à categoria de Matriz e de Santuário, um privilégio que mal foi aproveitado, se bem que a devoção ao Bom Jesus não haja esmorecido. Mas o Senhor, com o mesmo título, também é celebrado na Calheta de Nesquim, desde 1906, ano em que para ali veio a bela Imagem, oferta da devota Maria Filomena Gomes. E há, igualmente, a Imagem do Bom Jesus na Criação Velha, desde 1914, adquirida pelo pároco Pe. Ferreira Porto.

Na Silveira, das Lajes do Pico, celebra-se em Agosto a solenidade de Santo Cristo, cuja Imagem ali se venera há muitos anos, muito embora já não exista a primitiva, desaparecida com o incêndio daquela Igreja em 1925.

Em Santa Cruz das Ribeiras e na Matriz das Lajes existem à veneração, Imagens do Senhor Jesus, crucificado. Segundo a tradição estas Imagens, de escultura excelente, foram recolhidas no mar, aquando da perseguição que a Inglaterra moveu à Igreja Católica no tempo da reforma protestante. Assim informa Silveira de Macedo (in História das Quatro Ilhas...”, lº Vol. Pág. 220 – 1871): “Consta que esta imagem foi também arrojada pelo mar à praia daquela vila pelo mesmo tempo que o fora outra semelhante à Praia do Almoxarife, ilha do Faial, o que faz julgar terem ambas a mesma procedência.”

Esta nota acresce à informação: No princípio de Janeiro de 1731 chegou à vila das Lajes do Pico o doutor Luiz Homem da Costa e trouxe uma relíquia do santo lenho numa custódia de prata com um cristal lapidado, oferecido pela condessa do Rio Grande à confraria do Bom Jesus das Preces erecta na Matriz daquela Vila, e juntamente o breve de aprovação da mesma relíquia passado em Roma pelo bispo Listrense, Epifânio de Nápoles em 1730.

Em Santa Cruz venera-se também uma Imagem do Senhor Jesus Crucificado que, segundo a tradição, na mesma época (1540?)apareceu numa pedra existente no meio do porto e que há anos foi removida para um pequeno jardim adjacente à Paroquial.

Os Açores estão em festa. As suas Festas Maiores. Vale a pena vive-las com alegrias e paz, sem esquecer a Fé que os antepassados cultivaram com entusiasmo, e nos transmitiram, instituindo as festas que ainda celebramos ,algo materialmente, mas, mesmo assim, sem deixar de as fazer acompanhar do respeito que é devido aos acontecimentos que celebramos e à espiritualidade que está latente em cada um de nós.


vila das Lajes,

Maio de 2011

Ermelindo Ávila


quarta-feira, 18 de maio de 2011

OS VELHOS SISTEMAS DE FARINAÇÃO

A Ilha do Pico estava rodeada de moinhos de vento. Neles se fazia a moenda do milho e do trigo das respectivas populações. Antes serviam as atafonas que quase todos os lavradores tinham nas lojas das respectivas habitações ou em alguma abegoaria anexa que, por isso, se denominava a “Casa da Atafona”. E havia as pequenas atafonas-de-mão, que eram utilizadas, normalmente, em casos de emergência e cuja farinha servia para as papas da manhã ou para o bolo de tijolo do almoço.

Depois apareceram os moinhos de vento.

No Pico houve dois tipos: o somente de pedra, com a cobertura de madeira, de dois pisos no interior, saindo da respectiva junção o pau que sustentava no exterior as quatro velas ou panos; e o de madeira, assente num soco de pedra. Ambos os tipos de moinho giravam em volta do “monte” conforme a direcção do vento. E quando o vento era capaz de mover os panos, presos em quatro armações, o moleiro assoprava num grande búzio que produzia um sinal de alarme que percorria o povoado. Era então que mulheres e homens e, por vezes rapazes, seguiam com os sacos da “novidade”, de um ou dois alqueires (quinze ou trinta litros) , para o moinho, onde eram atendidos “à vez”.

Igual função tinham as atafonas que, normalmente, só eram utilizadas para o serviço do próprio dono, se bem que houvesse excepções pois algumas havia que também moíam “para fora”. E porque o dinheiro era raro, o pagamento, quer nos moinhos, quer nas atafonas, era feito mediante uma pequena quantia de farinhas que o moleiro retirava das respectivas sacas.

Mas, porque os moinhos eram instalados, normalmente, em pequenas elevações, tornavam-se lugares lazer para alguns que neles passavam algumas horas.

Com a instalação da actividade baleeira, os moinhos serviam para o respectivo moleiro fazer a vigia de baleias como acontecia no que estava instalado na “Terra da Forca” que, diariamente, era ocupado pelo vigia Francisco Moniz Barreto que já sucedera ao Pai, José Moniz.

Com a instalação das moagens a quase totalidade dos moinhos deixou de ser utilizada, mas alguns continuaram a servir de “vigia”, pelo local onde se encontravam. É o caso do moinho da Terra da Forca, já referido, e o do Cabeço da Era, na Piedade, ocupado pelo vigia das Armações da Calheta.


Daqueles (dois) que existiram na Terra da Forca, nos Biscoitos, no Soldão, e no Mistério da Silveira, resta o do fim do Mistério, no início da freguesia de São João, hoje transformado em Posto de Turismo. Não sei se outros mais há à volta do Pico.

Foi pena que os deixassem ao abandono e viessem a desaparecer. Eram testemunhas fortes dos trabalhos e das canseiras dos nossos avós e,

ao mesmo tempo, sinais de vida destas gentes que, por aqui, ainda hoje, mourejam o pão de cada dia.

Bem poucos anos bastaram, para que tudo se tornasse diferente. Nem moagens há, pois deixaram de cultivar o trigo; e o milho é bem escasso. É quase tudo importado, até que se volte à terra quando a fome, que não anda longe, por aqui passar...

Lembro-me da moagem que o Dr. José Maria de Melo, que aqui exerceu as funções de facultativo médico municipal e acabou por se transferir para as Velas, tinha instalada na rua que ainda alguns conhecem por “rua do engenho”. A casa principal, onde se encontrava a maquinaria, ainda lá existe. Ao lado havia a casa da caldeira, que já desapareceu. A caldeira era alimentada a lenha, que um carro de um boi trazia do Mistério. Na moagem tanto se moía o trigo como o milho. E estava preparada para tratar a farinha, retirando-lhe o calouro. Com a ida do proprietário para S. Jorge, a moagem para lá foi transferida e as casas, que haviam sido construídas para a instalação da indústria, foram vendidas. Resta, como disse, a principal, de três pisos.

Depois vieram as moagens para farinação de milho. A primeira foi instalada na rua de Olivença, rua de Baixo, onde mais tarde foi construída a sede da Sociedade de Santo António. Creio que o primeiro proprietário foi Gil Xavier Bettencourt que veio, mais tarde, a trespassá-la para Epifânio Batista. Este, passando a encarregado da Central Eléctrica, nos anos trinta, encerrou a moagem e passou a trabalhar na moagem da central, então nos baixos do edifício do convento franciscano. Depois instalou uma moagem na Ribeira do Meio, próximo dos Biscoitos, e uma outra na Silveira. Em Santa Cruz das Ribeiras, pela mesma época, Manuel Silveira de Ávila (Veludo) instalou uma moagem, perto do porto; e o Dr. José Alves Pereira montou uma moagem na Calheta de Nesquim. Ficou assim o concelho com uma cobertura de moagens de farinação de milho que, praticamente, vieram a substituir os antigos moinhos.

Já uma vez recordei este assunto. Não importa repeti-lo. Diz um velho aforismo: Recordar é viver.


Vila das Lajes,

5 de Maio de 2011.

Ermelindo Ávila