terça-feira, 29 de novembro de 2011

OS BOIS DA PORTA


Hoje já não existem os chamados “bois da porta”, aqueles bovinos que eram estabulados nas “lojas da atafona” das próprias habitações ou nas “casas de pasto” ou de abegoaria juntas às residências dos lavradores. Deixaram de ter utilidade, com a introdução das máquinas. Aqui há vários anos, eram esses animais que faziam a grande maioria dos trabalhos domésticos: lavravam os terrenos para as sementeiras, carreavam as lenhas e os produtos agrícolas e moíam nas atafonas. Havia deles que, além desses serviços, prestavam outros de encomenda, como carrear as cargas dos cais de desembarque para os armazéns e até as malas do correio. Animais mansos e pachorrentos, eram tratados por nomes que eles conheciam: o Brilhante, o Cupido e outros mais.

Verdade que os animais conheciam já os percursos e nem careciam da orientação dos condutores. No entanto, os donos com eles falavam como se fossem companheiros de jornada.

Lembro-me do João Moniz que, além de levar no seu carro mercadorias para os comerciantes até à Ponta da Ilha, tinha a seu cargo o transporte da mala do correio. O Manuel Francisco de Simas (o Grande) e o Manuel Inácio, da freguesia de São João que, quase diariamente, vinham à vila com os seus carros de bois transportando lenha (achas) para consumo doméstico e daqui levavam encomendas diversas para a freguesia. Homens bons, sérios e simpáticos que gozavam da maior estima dos lajenses.

Todavia, dois casos houve que tiveram consequências desagradáveis. Um deles causou a morte do dono. Este trazia o boi pela corda, das terras do alto para a residência, na vila. A certa altura lembrou-se de fumar. Prendeu a corda no pulso para fazer o cigarro de tabaco da terra, em folha de milho. Parece que tropeçou numa pedra da calçada do caminho, ao que se supõe, e caiu. O animal continuou a andar e foi arrastando o homem pela calçada, o qual não teve possibilidade de mandar parar o boi. Infelizmente, ninguém presenciou o infausto acontecimento e o boi só veio a parar junto da residência, trazendo o dono preso pela corda e já sem vida.

Um outro caso, embora de menores consequências. Na loja da casa de moradia estava montada a atafona e dois bois ali pernoitavam junto das respectivas manjedoiras. Certo dia um deles rebenta a trela que o prendia ao pau da manjedoira e ataca o outro. O dono, sentindo o barulho da refrega, desce à loja e, fiado na sua força, tenta separar os animais. Resultado: foi apertado entre as cabeças dos dois animais que lhe provocaram o estrangulamento de uma hérnia. Não morreu, mas ficou quase inválido o resto da vida.

Em certa noite de inverno, bastante escura, pois a vila não tinha iluminação pública - aquela que existira a petróleo fora destruída pelo Mestre Quim, um doente mental que, quando solto, tudo desfazia - um miúdo de cerca de sete anos de idade, desceu a escada da residência e encaminhou-se para a rua. Nessa altura passava um boi da porta, que era trazido pelo dono para estabular na loja da atafona da respectiva residência, afim de, na madrugada do dia seguinte, “fazer a moenda” de milho para o dia. O miúdo, na correria, foi de encontro ao animal e caiu. Entretanto o boi, que era manso, deu um salto e deixou a criança deitada no chão mas sem sofrer qualquer ferimento. Um sorte!

Valerá a pena recordar estes acontecimentos? Outros mais devem ter existido. Creio que não ficará mal. Demais não identifico as pessoas e podia fazê-lo.


Vila das Lajes,

10 de Nov.º de 2011.

Ermelindo Ávila

Sem comentários: