sábado, 16 de fevereiro de 2013

A FOLGA



O Tony emigrou criança, com os pais, para “Betefet”, nos Estados Unidos da América. Por lá andou estes anos todos, vivendo, alegremente, com os companheiros luso-americanos, sem se lembrar da terra onde nascera.
Um dia, falando com outros companheiros também nascidos nas ilhas, surgiu-lhe o desejo de vir à terra onde nascera e onde ainda tinha parentes. Falou nisso aos Pais. Ficaram radiantes e preparam logo a viagem.
Na ilha tinha um padrinho de baptismo que não conhecia, mas a ele se dirigiu comunicando-lhe o seu desejo de vir à terra natal. E assim aconteceu.
Algum tempo após a chegada, o padrinho resolveu dar uma “Folga”, em homenagem ao afilhado. Tudo se combinou e ficou escolhido um sábado. Convidaram-se os tocadores e cantores, e outras pessoas para a “Folga”.
Por cá é habitual que, se a folga se realiza na Almagreira, convidam-se os amigos da Prainha; se nas Terras, os amigos do lado Sul, da Piedade a S. João.
Para a “Chama-a-Rita”, o instrumento especial é a viola da Terra. Havia, na Terra do Pão, o Saca que era bom artista. Nas Ribeiras, o Mestre Bemfeito, e nas outras freguesias não faltavam quem as construísse com arte.
Foram convidados bons violeiros e cantadores. A casa escolhida era a que tinha melhor e mais ampla sala, que foi preparada com antecedência.
Não faltaram os da Prainha do Norte que, na tarde desse dia, sacola ao ombro com os sapatos e a fatiota domingueira, cá chegaram a tempo e horas de tomar parte da “Folga”. Outros, de mais perto, já andavam nas imediações da casa.
Mal anoiteceu, a porta da sala abriu-se. As moças bailadeiras tomaram os seus lugares, os bailadores ficaram pela porta de entrada e junto das janelas e um dentre eles, sai-se com a primeira “cantiga”: Ainda agora aqui cheguei / Mais cedo não pude vir / estive a deitar os rapazes / que lá ficaram a dormir. E logo outro cantador: Boas noites meus senhores / boas noites vos quero dar / Esta casa está bem posta / Vamos começar a bailar.
A folga começou. Os tocadores dedilhavam os seus dedos. Os cantadores cantavam entusiasmados, lançando alguns despiques que continuaram...E tudo decorreu em ordem. O Tony estava encantado e manifestava o seu entusiasmo aos que o rodeavam.
A festa ia em meio o entusiasmo era grande mas, era a hora do “serviço”. Houve uma pausa. Vieram algumas moças trazendo bandejas com cálices e garrafas com aguardente de vinho, fabrico da casa, e outras com figos passados, das figueiras do quintal, que foram distribuindo pelos assistentes para animar a festa.
O violeiro dá as primeiras pancadas na viola. Um dos cantadores prepara-se para cantar. Os bailarinos fixam-se no meio da sala e a folga continua. Tudo com calma.
A meia noite ia-se aproximando. Alguns dos presentes preparavam-se para sair. O dia seguinte era, realmente, domingo, mas havia que tratar do gado da porte e ir à Missa. Tudo tinha de ser feito. Afinal, tudo ia a tempo e horas.
Tony ficou com pena da festa acabar. Estava encantado com tudo aquilo mas não deixava de deitar o seu “rabo de olho” a uma moça do lugar, como bailadeira, e de sorriso franco. Não tinha vindo para casar mas as coisas estavam a modificar-se e ele estava indeciso no que havia de fazer. No entanto, deixou o caso para depois...
O certo é que o nosso emigrante foi tomando as coisas a sério e, passados algumas semanas, o casamento estava ajustado.
As folgas têm sempre destas surpresas. Tudo tinha acontecido na Época do Carnaval; e o Carnaval proporciona, quase sempre, estas ocasiões.

Lajes do Pico,
Fevereiro de 2013.
Ermelindo Ávila



quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A MODERNIZAÇÃO DA VILA


NOTAS DO MEU CANTINHO


É este o título com que o então Major Lacerda Machado intitulava um artigo publicado no jornal “As Lages”(l), há quase cem anos e no qual tecia diversas considerações sobre o projecto que apresentara, então, à Câmara Municipal sobre a construção da avenida marginal. Não vou repetir o que nessa altura escreveu o distinto General lajense. Fico-me apenas pela referência de que foram necessários cem anos, um século, para que a Vila das Lajes viesse a beneficiar de uma adequada modernização.
Não se construíu a avenida proposta mas, antes, procedeu-se à limpeza do antigo Juncal - a lixeira da zona – e um centro infeccioso com lamentáveis vítimas provocadas pelo surto de doença pestosa proveniente da ratazana que ali se desenvolvia, construindo-se o já antigo campo de jogos para o qual todos os lajenses trabalharam. (Também ajudei, levando, com outros da minha idade juvenil, caixotes de terra para o nivelamento do campo. Há quantos anos!)
O campo foi transferido há poucos anos, embora o novo recinto não tenha, ao que dizem, as dimensões regulamentares desejadas. Mas, antes um mal menor do que nada feito.
O espaço do antigo Juncal, encravado na parte Oeste da Vila e formado pela muralha que a veio defender dos temporais marítimos, está a ser transformado em jardim, “Jardim da Baleia”, evocação simpática duma época de desenvolvimento industrial e de algum desafogo económico que desapareceu.
Para mim, que quase desconheço a leitura de uma planta topográfica, não sei se está, convenientemente, acautelada a ligação, pelo Oeste, das ruas transversais da Vila que, saindo da antiga Rua Direita, ligam ao Juncal, dando origem à actual via que circundava o campo e que havia sido melhorada aquando do Centenário da Festa de Lourdes, em 1982. Um novo arruamento está a ser, acertadamente, construído junto da muralha, permitindo uma circulação de veículos em recta. No lado oposto, onde corre ainda o actual arruamento que liga as ruas vulgarmente denominadas de Baixo, da Cadeia, do Engenho e dos Sapateiros, não sei como vai ficar a ligação dessas artérias para utilização de peões. Julgo que deve manter-se o actual arruamento, embora corrigido e só destinado a peões. Junto da muralha ficará o novo arruamento reservado ao trânsito de pessoas e veículos.
Conheci em Angra, hoje Cidade Património Mundial, quando há umas dezenas de anos por lá andei, arruamentos que, partindo da rua da Sé iam e vão terminar na rua de Cima da Rocha. Para evitar a circulação de veículos - no tempo bem poucos automóveis havia - estavam colocados blocos a impedir essa circulação. E parece que ainda hoje o trânsito é assim regulado. Coisa semelhante pode cá fazer-se. Se o Autor do projecto das obras em execução não previu essa circunstância, a Fiscalização respectiva pode promovê-la, julgo eu.
Precisamente, há um ano publiquei neste jornal um escrito com o título “Faça-se”. Reportava-me aos trabalhos que agora estão a decorrer. Mantenho o que então escrevi. No entanto, há que acautelar certos pormenores que, não o sendo, podem ser prejudiciais no futuro. É por isso que, em todas as Empreitadas há, ao que sei, uma entidade fiscalizadora, representante do dono da obra. Não será?
Na opinião de um Arquitecto que há anos por aqui passou, os arruamentos da vila foram todos voltados a Oeste para permitirem a saída ou fuga dos habitantes em ocasiões de temporais que sempre atormentaram os lajenses, até há bem poucos anos. A muralha de defesa foi construída há um século, embora com projecto defeituoso e só há poucos anos se conseguiu melhorar o que antes havia sido feito, muito embora houvesse técnicos que projectassem o conhecido “muro da vergonha” que bem pouco durou. Não se repita, pois, o que então se fez...
Que a obra prossiga e que a Vila retome o lugar de primeiro centro urbano da Ilha, com uma existência de cinco séculos, mas que se acautele o direito de circulação das pessoas e se não prejudique o secular traçado urbano!
_________
1) jornal As Lajes, nº 15, de 15-11-1914

Vila das Lajes do Pico,
Janº. 2013
Ermelindo Ávila

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

UM ANIVERSÁRIO A COMEMORAR


NOTAS DO MEU CANTINHO

Bem merece que dele não nos esqueçamos. Merece uma comemoração condigna, quer pela data invulgar, quer pela obra extraordinária que tem realizado em 143 anos de vida. Refiro o aniversário do “Diário dos Açores”, actualmente um dos mais antigos jornais portugueses.
Gutenberg, ao inventar a Tipografia, jamais previu que o seu invento ia provocar uma autêntica revolução nas letras e até nas ciências, apesar das condenações que sofreu por ter inventado a Imprensa, hoje algo abandonada pela descoberta de outros sistemas de Informática. No entanto, a Imprensa escrita terá sempre o seu lugar na vida dos povos. Principalmente, os jornais jamais deixarão de aparecer, com mais ou menos brilho, em todas as partes do Mundo.
Em Portugal, os jornais surgiram com maior intensidade, sobretudo no século XIX. A partir daí os jornais e revistas têm-se multiplicado, a quase totalidade, porém, de vida efémera.
A grande maioria eram jornais panfletários, postos a circular pelos caciques políticos, vários deles a coberto de outros “testas de ferro”, que davam o seu nome para aparecer no cabeçalho mas que, muitas vezes, eram quase analfabetos.
Apesar disso, sempre houve bons jornais, alguns deles atingindo os cem anos e muitos mais. Há dois meses desapareceu em Angra o Diário “A União” fundado em 3 de Dezembro de 1893 e que passara para propriedade da Diocese, em 1 de Dezembro de 1924, ou seja há oitenta e oito anos.
Na Horta, em 2007, já havia desaparecido o “Correio da Horta”, fundado em 4 de Dezembro de 1929 e que era também propriedade da Diocese.
“O Telégrafo”, fundado em 2 de Setembro de 1893, por Manuel Emídio Gonçalves foi continuado pela Família até 1993. Foi adquirido pelos Irmãos Souto Gonçalves que o fizeram desaparecer, passando a publicar o “Incentivo”, jornal há muito desaparecido e que havia sido fundado em 10 de Janeiro de 1857 por João José da Graça, professor do liceu, e que foi um combativo jornalista, chegando a estar seis meses preso por desobediência à Lei da Imprensa vigente. E diz-se que, da prisão, mandava os seus trabalhos para o jornal, escritos nos punhos gomados das camisas, quando iam a lavar. Mas o “Incentivo” deixara de existir há muito, quando os actuais proprietários o fizeram “ressuscitar”, em 1993.
A Ponta Delgada cabe a honra de ainda publicar, sem interrupção, o mais antigo jornal português, “O Açoriano Oriental”, fundado por Manuel António Vasconcelos, em 18 de Abril de 1835. Durante muitos anos esteve na posse de Manuel Ferreira de Almeida que o publicava semanalmente. “O Açoriano Oriental” passou a diário em 1979 e, com o falecimento de Mestre Cícero de Medeiros, fundador e proprietário do diário “Açores”, este transformou-se em semanário e depois em revista, continuando o velho “O Açoriano Oriental” a publicar-se, embora passasse a pertencer, praticamente, a entidades estranhas a S. Miguel.
De referir, com o devido relevo que merece, o “Correio dos Açores”, cujo primeiro número se publicou em Ponta Delgada, em 1 de Maio de 1920. Dentro de meia dúzia de anos atingirá o centenário. Fundado pelos Drs. José Bruno Carreiro e Francisco Luís Tavares, nesta sua já longa carreira tem mantido uma conduta prestigiante, pugnando pela defesa dos interesses açorianos e micaelenses e, sobretudo, pela defesa intransigente da Autonomia dos Açores.
No dia 5 de Fevereiro, o “Diário dos Açores”, como atrás disse, celebra 144 anos de existência e de publicação ininterrupta, quase na Família do Fundador, o jornalista Manuel A. Tavares de Resende. Sucedeu-o o sobrinho Manuel Resende Carreiro, que o dirigiu 47 anos e, a este, os filhos, os Drs. Manuel e Carlos Carreiro. O Dr. Manuel Carreiro dedicou-se com maior intensidade ao jornal dirigindo-o, com o Irmão, com superior elevação até ao falecimento, em 8 de Setembro de 1974. Sucedeu-lhe o irmão, Dr. Carlos, e por falecimento deste, D. Maria Isabel Carreiro Machado Costa, que teve como director adjunto o ilustre jornalista J. Silva Júnior, passando depois a Director executivo até à nomeação de Director Honorário, em 2 de Março de 1994, quando deixou a direcção efectiva do Jornal. Sucedeu-lhe o Dr. Eduardo de Medeiros.
Foi o Dr. Manuel Carreiro que teve a deferência de me chamar, em 1964, a dar a minha modesta colaboração ao seu jornal. Já lá vão quase 50 anos.
O Dr. Manuel Carreiro preocupava-se em trazer o seu Jornal sempre actualizado, tratando os assuntos com elevação e dedicação extremas, apesar da vida profissional que exercia.
Aliás, como todos os jornais que se publicavam há quarenta ou cinquenta anos, tinha uma rede de correspondentes, quer na própria ilha quer nas outras do Arquipélago e no continente, que lhe forneciam as mais diversas notícias regionais ou nacionais. Além disso mantinha uma secção noticiosa, onde eram publicadas as mais simples notícias e acontecimentos, festividades religiosas e movimento demográfico. Uma boa parte dos assinantes , principalmente da Diáspora, interessava-se sobretudo por saber quem havia nascido, casado ou falecido nas suas localidades. Era assunto que o jornal, qualquer que ele fosse, das cidades ou vilas, e fosse de quem se tratasse, não descurava. Faziam-se circunstanciadas reportagens dos acontecimentos ocorridos para deles dar conhecimento pormenorizado, por vezes, aos seus assinantes emigrados. Pois era a primeira coisa que eles liam e lhes servia de conversa no primeiro encontro. (Constava-se até que os jornais diários do continente tinham em carteira as biografias das personalidades que caíam doentes, para publicar notícia necrológica circunstanciada no próprio dia do falecimento.)
Publicava-se a lista dos passageiros que saíam ou entravam na ilha, dando, naturalmente, realce aos viajantes de maior categoria social. Hoje, na verdade, seria impossível, dadas as centenas de pessoas que, quase diariamente, se deslocam ou por doença ou pelos mais diversos assuntos de interesse comercial ou pessoal.
Era um jornalismo diferente mas aquele que interessava e ainda hoje interessa à maioria dos assinantes, e o “Diário dos Açores” não se afastava desse sistema.
Quando não existiam as Bibliotecas itinerantes, os jornais publicavam em folhetim romances e novelas, pois era leitura apetecida. E não faltava uma ou duas páginas de anúncios, pois a TV não existia...
Normalmente, era publicado o “artigo de fundo” versando os mais diversos assuntos, quase sempre da autoria do Director, ou do chefe da Redacção ou mesmo de Colaborador categorizado. E havia sempre quem os lesse, e até, diziam, alguns leitores os decoravam.
Os 143 volumes do Diário dos Açores são um precioso e rico património, sobretudo, da história da vida social, religiosa, cultural e industrial micaelense.
Ponta Delgada possuiu sempre um escol de jornalistas distintos que muito contribuíram para o brilhantismo da sua Imprensa. Recordo, além de Silva Júnior e dos outros citados, os que conheci: Manuel Ferreira, recentemente falecido e a quem presto aqui a minha homenagem de amigo e admirador, o Dr. Carreiro da Costa, José Barbosa, Flamínio Peixoto, Victor Pedroso, Manuel José Dias Jr. e mais, muitos mais. Excedi-me neste modesto testemunho. Desculpe o leitor.
Prestando a minha homenagem à distinta Família Carreiro, expresso os meus cumprimentos de parabéns às distintas Direcção e Redacção do “Diário dos Açores”, deixando o voto simples de que a sua vida se prolongue por muitos anos.

Lajes do Pico, Janeiro de 2013
Ermelindo Ávila

_____________
Bibliografia: ANDRADE, Manuel Jacinto,-Jornais Centenários dos Açorese LIMA, Marcelino – Anais do Município da Horta

domingo, 3 de fevereiro de 2013

A ILUMINAÇÃO


Notas do meu cantinho


Passou há semanas o Natal. A iluminação pública a cargo do Município, foi muito fraca. Quase só serviu para assinalar a época. O mesmo aconteceu pela maioria dos diversos concelhos da Região.
Por cá admitiu-se o sistema de só abrir a iluminação nocturna em metade da vila. A parte que circunda a Matriz continua sem iluminação há algum tempo, o que provoca certos embaraços às pessoas que participam nos actos litúrgicos ao entardecer e que, ao sair da igreja, se deparam com a escuridão da noite...
Uma medida restritiva imposta pela economia troikiana que vai atingindo todos os sectores da vida, provocando já a fome e a miséria, como nos deram notícia os órgãos da Comunicação Social, durante a época natalícia. E era ver, com mágoa tamanha aqui o registo, os movimentos de solidariedade que por aí se foram organizando, para se ficar com uma pálida ideia da miséria que já existe em muitos lares, obrigando os seus membros a sair à rua, de prato na mão, a receber uma sopa, distribuída pelas associações de solidariedade social. Se doloroso é receber assim ”em público” a esmola para matar a fome, também o é para muitos dos que assistem, embora casualmente, a tão deprimente espectáculo.
Prenuncia-se, como medida de singular administração económica, a subida da electricidade, da água, dos combustíveis e de outros produtos mais essenciais à vida das pessoas, e simultaneamente, torna-se pública a necessidade de fazer cortes nas pensões miseráveis que os utentes recebem, porque a vida toda descontaram para, agora, delas puderem usufruir. São, pois, um direito adquirido com sacrifício e do qual não podem nem devem ser privados. Houve quem estivesse ao serviço e a descontar para a C.G.A. quarenta e seis anos para, ao reformar-se, apenas puder receber trinta e seis anos, aliás como estava legislado.
=//=
Portugal continental tem electricidade através de várias fontes: de combustíveis fósseis, da geotermia, da hidráulica, da eólica e já tentou das ondas. E isso referindo, volto a um assunto que não desejava. Tinha mesmo feito o propósito de não mais o trazer a público, dada a maneira como há sido tratado pelas entidades responsáveis que, quase todas, com honrosas excepções, se mostraram desinteressadas no aproveitamento da hidroeléctrica da ilha do Pico, depois de haver sido devidamente estudado com resultados positivos.
Mas, não sou eu, que pouco conto neste sector como aliás em tantos outros. A população, a sua generalidade, é que está a sofrer o desinteresse de tão momentoso assunto. E há meio século, se não mais, que ele anda a ser discutido e estudado. Estudado e programado porque alguns (outros já partiram...) sabem que o respectivo projecto foi elaborado e aprovado e só não foi por diante porque a respectiva entidade gestora o relegou para o “fundo da gaveta”.
Por deferência e gentileza do Autor dos Estudos e Projecto, pude compulsar, aqui há anos, o processo que só não foi por diante porque a ilha não estava totalmente electrificada e, consequentemente, não absorvia a produção da energia produzida pelas respectivas turbinas. Estava-se, então, a electrificar a ilha com a chamada “rede rural” porque assim o Estado pagaria a totalidade da obra, informou-me o distinto Engenheiro. Mas tudo ficou “em águas de bacalhau” e os picoenses vêem subir, dia-a-dia, o custo do respectivo kilowatt com grande prejuízo para as suas paupérrimas bolsas. Uma situação catastrófica que quase ninguém se importa de remediar, mormente aqueles que, depois disso, promoveram a construção de grandiosos edifícios com escritórios mobilados onde não faltam os assentos espaldares . Quem não conhece a história?!...
Estão no seu direito! Os outros que alarguem a bolsa para irem pagando a factura mensal do consumo ou do prevista consumo...
Dia virá em que as caldeiras para movimentarem as turbinas produtoras passem a ser alimentadas pela lenha dos Mistérios; ou, então, terá de encarar-se a sério o aproveitamento das lagoas do interior da ilha, para fazer mover as máquinas produtoras. E não será novidade. Nos anos quarenta do século passado, quando a guerra de Hitler dominava a Europa, na ilha do Pico, e não só, as camionetas eram movidas a gás produzido por lenha e, também, algumas a óleo de gata e de baleia...Outros tempos? Talvez!

Vila das Lajes do Pico,
Janeiro de 2013
Ermelindo Ávila 

SERVIÇOS DE SAÚDE



NOTAS DO MEU CANTINHO


         A Misericórdia das Lajes do Pico, a primeira existente na Ilha, foi criada por Alvará régio de 14 de Novembro de 1592. Atingiu, pois, 420 anos de existência, em 14 de Novembro passado. Ficou com os mesmos privilégios e regalias de que gozam as misericórdias da cidade de Angra e do Faial, determinando o Rei que, pelo dito Alvará as referidas Misericórdias de Angra e Horta lhe enviassem os traslados autênticos dos privilégios e liberdades de que gozam os irmãos das referidas instituições.
Os primeiros estatutos foram escritos em 28 de Dezembro de 1750 ficando como provedor o padre Mathias Cardoso Machado Bettencourt.
A casa da misericórdia estava em ruínas quando das crises sísmicas de 1718 e 1720, sendo nessa altura, em cumprimento de promessa, levantada uma nova Igreja que, decorrido pouco mais de um século, por estar em ruínas, foi demolida e o material aplicado na construção da nova Matriz.
A Misericórdia promovia, anualmente, as solenidades da Visitação, cujas Imagens se encontram na igreja de São Francisco e a de Passos, que ainda hoje é realizada.
Um dos objectivos da Misericórdia era a criação de um hospital, chegando a receber duas inscrições de valor nominal de 500.000 reis cada, doadas pelo barão de Castelo de Paiva.
O Hospital só veio a concretizar-se em 1960, dentro do Plano de Construções Hospitalares do País. O terreno foi adquirido pela Misericórdia, mediante expropriação judicial e foi essa instituição que o construiu, embora com a comparticipação do Estado. Entrou em funcionamento em 1 de Janeiro de 1960. Com a Revolução de Abril de 1974, passou à administração do Estado, e por lá ficou...
Inicialmente, foi escolhido para o local da construção o terreno de Santa Catarina, onde actualmente se encontra o LajeShoping, sendo o terreno do largo destinado ao edifício escolar. Não o entendeu assim o Ministro das O. P., Frederico Ulriche, quando visitou o concelho, e determinou ao então Director de Obras Públicas que o edifício hospitalar fosse construído no Largo, onde actualmente se encontra. Para isso houve que elaborar novo projecto, na Comissão de Construções Hospitalares, da autoria do Engenheiro Nina, passando o edifício de um só piso, destinado a esta vila, para a Madalena, onde a Misericórdia, recentemente criada, aproveitou os terrenos doados pelo Conselheiro Terra Pinheiro que ainda não haviam tido qualquer aplicação. Em parêntese devo acrescentar que pela criação da Misericórdia e do hospital daquela vila muito se empenhou o provedor nomeado, Jacinto Ramos, então a exercer funções profissionais na Madalena. Ambos os hospitais, com a classificação de sub-regionais e, depois, de postos clínicos, passaram a funcionar, regularmente, sob a direcção dos respectivos delegados de Saúde. O de São Roque, denominado da Rainha Santa Isabel, havia sido construído anos antes, por influência do Coronel Linhares de Lima, e ficara sob a direcção do Dr. Ávila Brasil, delegado de saúde naquele concelho.
Mas, por falta de pessoal, quer médico quer paramédico, nunca foi fácil o funcionamento dos hospitais do Pico, contando sempre com a aversão sistemática do Hospital Walter Bensaúde, da Horta.
O respectivo estatuto de funcionamento foi-se alterando até que retiraram aos estabelecimentos hospitalares do Pico a faculdade de poderem realizar partos, medida que bastante tem prejudicado a população picoense, pois obriga as parturientes a passar diversas vezes o canal para consultas da especialidade e/ou nascimentos. Tem mesmo acontecido que um ou outro parto haja acontecido durante as viagens, quer em terra quer no mar. Quantos já nasceram sobretudo no canal? Por essa razão deixou de haver natalidade na ilha e hoje todos nascem na ilha vizinha ou em outras para onde as senhoras se encaminham... Uma anomalia inconcebível nos séculos actuais.
Mas o pior vai acontecer. Qualquer pessoa atacado de doença grave durante a noite não pode ser atendida no seu domicílio nem mesmo no respectivo centro hospitalar, pois estes vão ser privados desse serviço, que passará a ser exercido no novo hospital na Madalena. Será por ficar mais perto do hospital da Horta para onde serão encaminhados os doentes mais graves? E quando o mar não permitir atravessar o canal?
Não ficam mal as perguntas: E quando acabará essa descriminação nada benéfica nem para o doente nem para o familiar que terá de o acompanhar? E para que servem os médicos de família? Qual a sua função profissional? Quantos deles, se não a totalidade, são clínicos bastante dedicados e competentes!
Não muito longe vão os tempos em que os médicos concelhios, porque na ilha só uma parte era servida por estrada, se deslocavam de dia ou de noite, a cavalo, para ir atender o doente no seu domicílio! E se a doença era grave ou exigia tratamento prolongado, quantos eram trazidos em padiolas para casas amigas, para ficarem junto do médico e assim melhor assistidos.
A saúde é o maior bem de que pode gozar qualquer indivíduo. Não brinquem com ela aqueles que, sentados em gabinetes, só promulgam medidas que beneficiam os serviços prejudicando altamente os utentes.

Vila das Lajes do Pico,
19-Jan.-2013
Ermelindo Ávila