sábado, 16 de fevereiro de 2013

A FOLGA



O Tony emigrou criança, com os pais, para “Betefet”, nos Estados Unidos da América. Por lá andou estes anos todos, vivendo, alegremente, com os companheiros luso-americanos, sem se lembrar da terra onde nascera.
Um dia, falando com outros companheiros também nascidos nas ilhas, surgiu-lhe o desejo de vir à terra onde nascera e onde ainda tinha parentes. Falou nisso aos Pais. Ficaram radiantes e preparam logo a viagem.
Na ilha tinha um padrinho de baptismo que não conhecia, mas a ele se dirigiu comunicando-lhe o seu desejo de vir à terra natal. E assim aconteceu.
Algum tempo após a chegada, o padrinho resolveu dar uma “Folga”, em homenagem ao afilhado. Tudo se combinou e ficou escolhido um sábado. Convidaram-se os tocadores e cantores, e outras pessoas para a “Folga”.
Por cá é habitual que, se a folga se realiza na Almagreira, convidam-se os amigos da Prainha; se nas Terras, os amigos do lado Sul, da Piedade a S. João.
Para a “Chama-a-Rita”, o instrumento especial é a viola da Terra. Havia, na Terra do Pão, o Saca que era bom artista. Nas Ribeiras, o Mestre Bemfeito, e nas outras freguesias não faltavam quem as construísse com arte.
Foram convidados bons violeiros e cantadores. A casa escolhida era a que tinha melhor e mais ampla sala, que foi preparada com antecedência.
Não faltaram os da Prainha do Norte que, na tarde desse dia, sacola ao ombro com os sapatos e a fatiota domingueira, cá chegaram a tempo e horas de tomar parte da “Folga”. Outros, de mais perto, já andavam nas imediações da casa.
Mal anoiteceu, a porta da sala abriu-se. As moças bailadeiras tomaram os seus lugares, os bailadores ficaram pela porta de entrada e junto das janelas e um dentre eles, sai-se com a primeira “cantiga”: Ainda agora aqui cheguei / Mais cedo não pude vir / estive a deitar os rapazes / que lá ficaram a dormir. E logo outro cantador: Boas noites meus senhores / boas noites vos quero dar / Esta casa está bem posta / Vamos começar a bailar.
A folga começou. Os tocadores dedilhavam os seus dedos. Os cantadores cantavam entusiasmados, lançando alguns despiques que continuaram...E tudo decorreu em ordem. O Tony estava encantado e manifestava o seu entusiasmo aos que o rodeavam.
A festa ia em meio o entusiasmo era grande mas, era a hora do “serviço”. Houve uma pausa. Vieram algumas moças trazendo bandejas com cálices e garrafas com aguardente de vinho, fabrico da casa, e outras com figos passados, das figueiras do quintal, que foram distribuindo pelos assistentes para animar a festa.
O violeiro dá as primeiras pancadas na viola. Um dos cantadores prepara-se para cantar. Os bailarinos fixam-se no meio da sala e a folga continua. Tudo com calma.
A meia noite ia-se aproximando. Alguns dos presentes preparavam-se para sair. O dia seguinte era, realmente, domingo, mas havia que tratar do gado da porte e ir à Missa. Tudo tinha de ser feito. Afinal, tudo ia a tempo e horas.
Tony ficou com pena da festa acabar. Estava encantado com tudo aquilo mas não deixava de deitar o seu “rabo de olho” a uma moça do lugar, como bailadeira, e de sorriso franco. Não tinha vindo para casar mas as coisas estavam a modificar-se e ele estava indeciso no que havia de fazer. No entanto, deixou o caso para depois...
O certo é que o nosso emigrante foi tomando as coisas a sério e, passados algumas semanas, o casamento estava ajustado.
As folgas têm sempre destas surpresas. Tudo tinha acontecido na Época do Carnaval; e o Carnaval proporciona, quase sempre, estas ocasiões.

Lajes do Pico,
Fevereiro de 2013.
Ermelindo Ávila



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