sábado, 26 de junho de 2010

ESTAS ILHAS


Alguns cientistas afirmam que as ilhas açorianas são restos da Atlântida que ligava o continente Europeu ao continente Americano. Outros, que as ilhas são resultado de antigas erupções vulcânicas que emergiram das profundezas dos Oceanos, pois eles são povoados de ilhas e ilhéus.
Certo ou errado, as ilhas existem há milhares ou milhões de anos mas parece que só foram descobertas ou povoadas há meio milhar de anos.
Se o Infante delas tinha conhecimento quando as mandou “descobrir” e mais tarde povoar, pois naturalmente se pois naturalmente Seia objecto de estudos da Escola de Sagres, não deixa de ser uma incógnita. Se bem que haja resquícios de que os Fenícios, povo empreendedor que habitou a Ásia Menor, três mil anos a.C. por estes mares andaram nas suas incursões pelo Mediterrâneo.
Seja como for. Todas as ilhas, com mais ou menos meios de subsistência, foram reconhecidas e povoadas. Há quem diga mesmo que certas povoações foram ocupadas por pessoas condenadas a penas maiores. Outras por estrangeiros ao serviço de Portugal.
Hoje nem é possível distinguir as origens portuguesas das flamengas, ou de outras. Tudo se há misturado, num entendimento harmónico, fazendo crescer as populações, e, com elas, as freguesias, as vilas e as cidades.
E agora, decorridos quase seis séculos, poderá pergunta-se: Valeu a pena o sacrifício dos antepassados?
É que parece que alguns consideram estas ilhas um estorvo para o desenvolvimento e progresso da própria Nação... De que valeram, pois, o esforço, a tenacidade, os sacrifícios dos portugueses de Quinhentos ?
Na realidade somos vulcões extintos, perdidos neste mar Atlântico, sem qualquer utilidade para Portugal. Parece que apenas servimos de marco ou ponto estratégico em ocasiões de conflitos bélicos. Nessas alturas as grande potências sabem da existência das Ilhas Açorianas e procuram alcançar posições de relevo que permitam manter os inimigos afastados das suas costas. Depois, esquecem-nos.
O certo é que nós, que povoamos estes pináculos, sentimo-nos bem aqui, usufruindo uma paisagem idílica, um clima temperado, umas manhãs radiosas, um sol esplendoroso, uns poentes multicolores, luares difusos, crepúsculos de sonho. E aqui estamos no sossego destas noites reconfortantes, que nem o piar das cagarras altera ou prejudica. È que, infelizmente, essas aves
notivagas também vão desaparecendo, como os milhafres (açores?), e até os simpáticos canários, os multicolores pintassilgos ou os melros com o seu chilrear mavioso.
Resta a praga do coelho e o pardal de recente aparecimento, que tudo destroem nesses campos que a mão do homem ainda cultiva, nem eu sei até quando.
E aqui continuamos, rodeamos de mar por todos os lados, como ensinam os alfarrábios, sofrendo ciclones e tempestades, num isolamento atroz, por vezes esquecidos e como que abandonados à nossa sorte.
Quantas vezes vivemos horas de infortúnio e de angústia, sem que haja um “voluntário”, como agora é agradável dizer, que nos valha.
È por isso que se caminha a passos largos, para o despovoamento de certas ilhas, aquelas que, durante cinco séculos, foram ignoradas por quem as tutelava. Ontem era o fugir ou “emigrar de salto”. Hoje é a mudança que se opera constantemente com a saída da juventude, que ainda existe, quer para o ensino superior quer para ocupações que a ilha não oferece. E vão para não mais voltarem. Presentemente é o flagelo daqueles que teimam em por cá ainda ficar.

Vila das Lajes.
7 de Junho de 2010
Ermelindo Ávila

domingo, 20 de junho de 2010

MIRADOUROS

Os Serviços de Obras Públicas anunciaram a execução de alguns melhoramentos nas estradas regionais da Ilha do Pico.

Congratulamo-nos com o facto pois, na realidade, algumas das estradas estavam a reclamar, há muito, uma cuidada atenção por parte dos Serviços respectivos.

É que o movimento das estradas do Pico, como vem acontecendo, aliás, por toda a parte, não é o mesmo de há cinquenta anos em que uma ou duas viaturas de transportes colectivos por elas circulavam e mais uma escassa dezena de automóveis. Hoje, o parque automóvel, segundo consta, anda por cerca de dez mil veículos, o que não deixa de ser algo exagerado, face à população da ilha que pouco ultrapassa os quinze mil habitantes. Trata-se de uma circunstância que não deixa de ser apreensiva para o progresso e desenvolvimento do Pico.

Anunciam também que estão em execução três miradouros, no Norte da Ilha. E, pergunto eu: o Sul não carece de alguns miradouros? Não será de construir miradouros no Caminho Largo da Piedade, no Alto do Arrife, na Terra da Forca, em São Mateus?

Não será o da Terra da Forca aquele que melhor panorama oferece da Baía das Lajes e da Montanha do Pico?

É tempo de se considerarem com isenção e seriedade as potencialidades da Ilha, quer sob o aspecto económico, quer sob o aspecto turístico - paisagístico.

É tempo de se olhar para a Ilha como um todo, repleto de valores inaproveitados e que, noutras ilhas, há muito teriam sido considerados.

Porque na Ilha existem três concelhos, dizem... E São Jorge, a Terceira, as Flores? Não teremos os mesmos direitos? Já se esqueceu que a Ilha do Pico é a segunda em área? Porquê, pois, esta perseguição contínua a uma ilha e a um povo que sempre tem sido amesquinhado, sacrificado, e considerado de terceira ordem?

É tempo para se dizer: Basta!

Aqui fica um alerta aos picoenses, a todos os picoenses, para que estejam atentos e saibam pugnar e defender a sua terra como um todo cheio de valores que outros talvez não possuem.

******

No próximo domingo, 2 de Maio, vai ser inaugurado o novo hipermercado Lajeshoping, localizado em Santa Catarina, ao lado do actual campo de jogos e do quartel dos Bombeiros. Um complexo moderno que, além das instalações próprias, possui ainda seis lojas a explorar por outros comerciantes.

São seus proprietários o comendador Manuel Eduardo Vieira, com uma próspera exploração agrícola na Califórnia e o Dr. Ricardo da Rosa Vieira, com actividades industriais no continente que, para esta actividade, constituíram a empresa Ancora Parque, Lda.

Uma iniciativa que valoriza e dignifica a ilha do Pico e que merece, por isso, o acolhimento de todos os picoenses.


Vila das Lajes.

27 de Abril de 2010

Ermelindo Ávila

sábado, 19 de junho de 2010

PRIMAVERA

Entramos no mês de Junho. O mês da Primavera, dos Santos Populares e das festas tradicionais de Santo António, de São João e de São Pedro.

Outrora eram dias assinalados, principalmente o dia de São João, em que se faziam fogueiras no meio das ruas da vila, sem quaisquer embaraços municipais. Um divertimento, por vezes perigoso, o saltar às fogueiras mas que não deixava de ser hilariante. E aqui recordo a grande fogueira que o velho comerciante João de Deus Macedo fazia em frente ao seu estabelecimento de louças e mercearias no antigo largo das Casas Velhas, agora “Largo Edmundo Machado Ávila”, com as barricas e a palha que traziam de Lisboa as louças de uso doméstico e que ele guardava para aquela noite de São João. A noite das sortes... e dos arraiais, nas ladeiras da encosta da Vila, por entre os arvoredos, que se iluminavam com balões à veneziana, e onde se faziam merendas, quando não eram à tarde do dia na costa, apanhando lapas e caranguejos, ou na Terra da Forca. Passeava-se, de barco, junto da costa. Viviam-se dias alegres e de sã confraternização. Na realidade, infelizmente tudo isso passou ao esquecimento. Hoje é tão diferente !...

Já não é possível festejar as noites de São João. Os tempos são diferentes e outros divertimentos atraem os jovens.

E são diferentes os tempos em diversos aspectos.

O Inverno continua e o verão está a duas semanas de distância...

Este ano não tivemos Primavera. E tão agradável que ela era em outros tempos. A época das flores em que os cravos e as rosas enchiam de aromas e cores os campos e os jardins, num regalo da vista e o encanto das cores e dos aromas.

Nesta época de encanto os poetas produziam das suas melhores poesias. Recordo aqui a poetisa picoense Amélia Ernestina Avelar, falecida em 1887 e que nos deixou um punhado de poemas de encantadora beleza, de quem outro festejado Poeta, Osório Goulart, escreveu: Foi uma Poetisa que usou brilhantemente os adereços literários do seu tempo. Se vivesse hoje, seriam muito diversos os motivos de exteriorizar a sua inspiração. - ...foi na sua época uma Poetisa de merecimento. Por seu lado, em “Antologia Poética dos Açores”, Vol. I, escreve o seu autor, Ruy Galvão de Carvalho: “São versos reveladores de uma alma toda dotada dos “mais doces sentimentos” romântica e sonhadora”. E fico por aqui, transcrevendo de “ENSAIOS POÉTICOS” o poema:

Á PRIMAVERA


Ela chega, sorri, e diz radiosa:

- Cale-se da tormenta a voz sombria!

Recubra o campo o divinal mistério,

que sobre a natureza o meu império

é da paz, do amor e da alegria!


Ao seu feliz regresso à terra exulta:

cobre-a um manto de florido verdor,.

um hino universal aos céus ascende,

e aos borbotões de luz que o sol desprende,

sorri o monte, o prado, a linda flor!


E hoje tudo são festas e harmonias

na terra e dos espaços na amplitude;

prendem-nas todas o mais doce laço!

A flor une-se a outra n’um abraço,

mil aromas confunde a viração.


Eu te saúdo, ó quadra primorosa,

que trazes a bonança ao campo, aos céus!

Quando chegas, envolta em áureo manto

é toda a natureza amor, encanto,

em tudo se traduz poesia, Deus!...

Vila das Lajes,

Junho de 2010

Ermelindo Ávila

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Serviços Marítimos

Noticiaram os órgãos de Comunicação Social, nem sei se todos, a inauguração dos trabalhos de restauro do edifício da antiga Delegação Marítima das Lajes do Pico. Trata-se, afinal, de um edifício com poucas dezenas de anos de existência, muito embora aqueles serviços hajam sido instalados nesta vila, em 20 de Julho de 1905. Porque muito me debati contra o encerramento deste Serviço, aqui estou hoje a congratular-me com o acontecimento e a felicitar a Entidade que tomou a iniciativa e até os lajenses, seus directos usufrutuários.

Com o encerramento da actividade baleeira, os serviços marítimos praticamente encerraram. Saiu de cá, para a Delegação de São Roque, o oficial que aqui exercia suas funções com aprazimento de todos os lajenses (e que ali veio a falecer.) Com a passagem à reforma do cabo do mar, segundo me é dado saber, o lugar foi extinto, como já antes havia acontecido com o de Santa Cruz das Ribeiras.

Em substituição dos cabos do mar apareceram mais tarde os polícias marítimos, que, ao que consta, passaram a ocupar uma parte do edifício agora restaurado. Mas isso não era o suficiente para o regular funcionamento de tão importante Serviço Público.

Segundo a informação prestada à Imprensa no acto inaugural, a Delegação Marítima abrirá duas vezes por semana com a presença do delegado Marítimo, agora com as funções de adjunto do capitão do porto da Horta, passando depois a ter o horário normal dos serviços públicos.

Torna-se indispensável que aquele Departamento Marítimo esteja em funcionamento permanente, dada a afluência de estrangeiros no porto desta vila, não só para a prática do Whale Watching, como ainda pela procura que ele tem de embarcações nacionais e estrangeiras, para utilizarem os serviços do novo porto de recreio ou marina. Chamemos-lhe assim. (E ele ainda não está totalmente melhorado e equipado...)

Uma outra notícia bastante agradável e de louvar é a reorganização do arquivo, o qual contem a história, não apenas da pesca artesanal mas igualmente da baleação, um período áureo da actividade marítima nesta vila, que outro não há igual, pois não deve ser esquecido o facto do primeiro contrato escrito em 28 de Abril de 1876, para a prática da baleação ter sido neste concelho, entre a Família Dabney ao tempo instalada na Horta, e o Piloto Anselmo Silva, natural e residente na Calheta de Nesquim, depois de haver regressado dos Estados Unidos, onde exercera aquela actividade. Daí a razão de esta vila, sede do concelho, ser justamente cognominada de Vila Baleeira. Não pode nem deve esquecer-se que o Museu dos Baleeiros é o mais visitado dos Açores e um dos mais procurados de Portugal. E as visitas não são do passado. São contínuas e todos os anos aumentam. (E, a propósito: quando deixará o Museu dos Baleeiros de andar atrelado ao hipotético Museu do Pico, organismo materialmente inexistente?)

Ainda por muitos anos, a actividade baleeira, extinta há mais de meio século, será objecto de estudo daqueles que se dedicarem à história desta terra. Esse estudo deverá compreender, simultaneamente, a emigração que se deu durante o século dezanove. Não é para esquecer aqueles dos nossos patrícios que um dia abalaram,”de salto”, nas antigas baleeiras americanas, para as Terras do Tio Sam, ou, em anos anteriores, principalmente depois da crise sísmica de 1718-1720, para as Terras de Santa Cruz. Os seus descendentes por lá andam agora, ou nos Estados Unidos ou no Brasil, a investigar as suas origens e os seus antepassados. E fazem-no com certo orgulho, como descendentes dos pioneiros. Embora nados, em segunda, terceira ou mais gerações, naquelas longínquas terras, consideram-se sempre açorianos e não esquecem as ilhas perdidas no meio do Atlântico, onde nasceram seus avós.

É, pois, de louvar a solução encontrada pelos Serviços Marítimos restaurando o edifício e pondo em funcionamento a secular Delegação Marítima das Lajes do Pico.



Vila Baleeira

6 de Junho de 2010

Ermelindo Ávila

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O DEVER

Há noventa e três anos, ou seja no primeiro de Junho de 1917 apareceu na Vila do Topo um semanário católico.

O regime republicano havia sido implantado em Portugal sete anos antes. Ainda estavam, e continuaram, exaltados os espíritos daqueles que professavam os ideais republicano-maçónicos e que, fieis a esses princípios, não deixavam de perseguir a Igreja Católica, o seu clero e até os cidadãos que eram fieis à Igreja e aos Evangelhos. E não foram poucos os que sofreram os ataques e os vexames desses esbirros.

O P. João Vieira XAVIER MADRUGA, que tinha sido ordenado Sacerdote em 5 de Novembro de 1905, havia ficado no Seminário como prefeito e professor. E nessa situação se encontrava quando o Governador do Bispado o convidou para paroquiar a Vila do Topo, onde o anterior pároco tinha sofrido ataques bruscos e haviam ocorrido incidentes vários. A propósito diz o Cónego Pereira (A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados, Vol.II, pág.45):

Na Vila do Topo, quando o rev.º Pe. Armelim Mendonça, que havia feito concurso para a respectiva Matriz, veio para tomar posse da igreja, uma multidão, movida por caciques políticos, foi-lhe ao encontro, gritando que o não queriam ali. Alegavam que ele não tinha licença do Ministro da Justiça para ir paroquiar aquela Vila! Ele retirou-se para Santo Antão, onde depois foi colocado. Poucos dias depois os manifestantes apagaram a lâmpada do SS. Sacramento, deixando ficar no Sacrário as Sagradas Espécies, fecharam a Igreja e foram em procissão lançar a chave ao mar!”

Para substituir o Pe. Armelim Mendonça, o Vigário Capitular, Dr. Reis Fisher, nomeou em 1911 o Pe. Xavier Madruga para Pároco e Ouvidor da Vila do Topo, onde os mesmos caciques não deixaram de persegui-lo e caluniá-lo. Ele, porém, nunca se amedrontou e, em l de Junho de 1917, funda o Semanário “O Dever”, cujo lema era: “Quem não é comigo é contra mim”, parafraseando o Apóstolo S. Mateus.

Constantemente perseguido pelos seus inimigos, que inimigos da Igreja eram ferozmente, depois de alguns anos de lutas e trabalho, ficou naturalmente cansado e doente. Retirou-se por isso em 1927, para a sua casa, nesta Vila, sendo depois colocado como Pároco da Candelária, onde se manteve alguns anos.

Em Setembro de 1938 transfere o seu jornal, que até aí se publicava na Calheta de S. Jorge, para esta vila, onde passou a publicar-se sob a sua direcção. Entretanto, em 1946 foi de visita a dois irmãos e outros familiares, residentes na Califórnia, onde se demorou cerca de dois anos.”Acenou-lhe nesse sentido um bom número de colegas, uns de quem tinha sido companheiro e outros de quem fora superior e mestre no Seminário de Angra. Pensavam eles sobretudo em quão frutuosa seria a sua pregação entre os nossos que para lá partiram e ficaram. Abalou e assim aconteceu. Quase dois anos (de 1946 a 1948) de intensa e alargada evangelização por igrejas portuguesas e outras com importantes núcleos da nossa gente, tanto na Nova Inglaterra como na Califórnia. Deu-se por inteiro a missões paroquiais, retiros, novenas, tríduos, sermões de festas, conferências, entrevistas na rádio e na imprensa luso-americanas, etc.” (Pe. José Carlos, in “Daqui houve Missionários até aos confins do Mundo”) De lá enviava semanalmente uma “Carta da América” para “O Dever”, tratando os mais diversos assuntos. Chegou a autorizar o Núcleo Cultural da Horta a fazer a publicação integral dessas Cartas, mas por razões que desconheço, aquele Instituto nunca se dispôs a fazer a publicação.

Em l925 foi a Roma, integrado numa peregrinação portuguesa, publicando mais tarde, em volume, “Dos Açores a Roma”, obra há muito esgotada. Tomou parte no Congresso Eucarístico de Budapeste e, dessa viagem pela Europa, deixou-nos outro volume com as impressões de viagem, “ Até ao Danúbio”. Estava-se nas vésperas da Segunda Guerra Mundial e as crónicas do Pe. Xavier Madruga, trazendo à ribalta, o ambiente bélico que Hitler criara, podem hoje ser consideradas uma antevisão da hecatombe que assolou o mundo durante o período de 1939 a 1945.

Com a publicação, em volume, das “Cartas da América”, ficaria à disposição dos interessados um dos mais importantes estudos do período atribulado da primeira metade do Século XX.

Por Provisão do Bispo de Angra, de 24 de Dezembro de 1969, foi autorizada a passagem da propriedade e oficinas do jornal “O Dever” para a Fábrica da Igreja Paroquial das Lajes do Pico. Ao faze-lo o Padre Xavier Madruga só impôs uma condição: continuar a escrever para o jornal... Mas isso de pouco valeu, pois veio a falecer a 30 de Março do ano seguinte.

Ao assinalar o seu falecimento escreveu o Boletim Eclesiástico dos Açores:

“Além de cura das almas, que exerceu com proficiência, dedicou-se às lides jornalísticas, fundando o jornal semanário “O DEVER” que dirigiu na qualidade de Director, durante 53 anos. Salientou-se pela sua dedicada consagração à Igreja e sem respeito humano propagou sempre a verdade duma forma clara e integérrima. O seu estilo fluente e acessível proporcionou aos seus leitores uma leitura agradável e proveitosa. Prestou sem dúvida um relevante serviço à Igreja e honrou a Diocese de Angra ao longo da sua vivência sacerdotal”.

Vila das Lajes

1 de Junho de 2010

Ermelindo Ávila

segunda-feira, 7 de junho de 2010

CORPO DE DEUS

Era uma das solenidades mais importantes da Nação Portuguesa. No tempo da Monarquia o próprio Rei tomava parte na procissão com toda a sua corte e, por vezes, levava uma das varas do pálio. Implantada a República, e com a lei da separação da Igreja do Estado, e até com a perseguição feita pelo poder republicano às instituições canónicas e ao próprio clero, deixou a procissão de ter a cooperação dos poderes públicos. No entanto, largos anos houve em que a Igreja promovia a solenidade de Corpus Christi bem como a procissão e todos os católicos nela tomavam parte.
Embora, após a Concordata de 1932 com a Santa Sé se mantenha a Quinta-Feira de Corpo de Deus, festa móvel, dia santo de guarda, e feriado nacional, ele deixou de ter o brilho e a solenidade que era tradicional.
Em artigos publicados no “Peregrino de Lourdes”, em 1889, sobre o início da devoção a Nossa Senhora de Lourdes, instituída em 1883 na Matriz das Lajes, escreveu o Dr. João Paulino, ao tempo vice-reitor do Seminário de Angra e que viria a ser Bispo de Macau: “A vila das Lajes, triste e pacata de ordinário, toma durante estes dias (em que se realizam as festas de Nossa Senhora de Lourdes) um aspecto risonho, alegre e animado. Desacostumada de ver gente de fora tomar parte em suas festas desde o tempo dos capitães - mores, em que a festa anual de Corpus Christi atraia ao seu recinto, vindos de todo o concelho, uns legendários corpos de milícias armados de chuços e espadas, em atitudes bélicas, - vê-se durante estes dias povoada de estranhos, que em atitude pacífica, armados quando muito do rosário a visitam...”
Ainda hoje se celebra em várias paróquias a Quinta-Feira do Corpo de Deus, bem como a procissão. E embora não haja os corpos de milícia, o povo de Deus costuma nela tomar parte com grande espírito de fé e de religiosidade. São mesmo de assinalar os tapetes de verduras e flores, alguns de artística contextura, que cobrem as ruas por onde o Senhor passa.
Todavia há que louvar a presença dos escuteiros e de um piquete do corpo de bombeiros nas diversas procissões que se promovem na Paróquia. E são os soldados da paz que, algumas vezes, conduzem os próprios andores.
A Festa de Corpo de Deus é uma das que se realizam(vam) na Paróquia com mais solenidade. Agora nem sempre tem lugar no dia próprio ou no domingo seguinte – Domingo do Senhor como era também designado.
O clero é escasso. O catolicismo vai afrouxando. As festas principais vão desaparecendo dos calendários paroquiais... Tudo se vai sujeitando ao modus vivendi modernista.
Não haverá necessidade de adquirir, por qualquer meio, certos vasos sagrados, para as paróquias, por não carecerem deles as cerimónias litúrgicas que hoje se celebram com a mais singela solenidade. Nos tempos actuais com certeza que o Padre vigário da Piedade não careceria de trazer, do tesouro da Sé, para a sua igreja, uma custódia, como aconteceu no século dezanove, nem o Ministro da Justiça e dos Cultos, de então, teria de publicar na folha oficial um Decreto a determinar a transferência da mesma, evitando oficialmente o retorno à Sé, como aconteceu.
Isso nos informa o prof. Ávila Coelho na sua monografia “A Freguesia de Nossa Senhora da Piedade na Ilha do Pico”. E vou transcrever, (não é a primeira vez que tomo essa liberdade), do Boletim do Núcleo Cultural da Horta: “O vigário(...),cónego António Silveira d’Ávila Furtado, pediu ao seu Bispo uma custódia emprestada (...) e este autorizou o tesoureiro da Sé a emprestá-la. O tesoureiro ao ver o cónego, que muito bem conhecia, mordeu o beiço, sabendo-o useiro e vezeiro em certas habilidades, mas estava ali o cartão do Prelado e cumpriu a ordem, correndo depois ao Paço a dizer que a Custódia não voltaria mais porque aquele padre não restituía os objectos que levava para a sua igreja, por empréstimo, ficando o tesouro privado daquela preciosidade. Entretanto o cónego entrega a Custódia ao mestre de um iate do Pico, que só esperava por ela para partir, e quando foi chamado ao Paço, onde lhe puserem embargos ao empréstimo, o facto estava consumado. Passada a festa, começou a troca de correspondência para que a Custódia voltasse ao seu antigo lugar, mas o cónego, sempre muito respeitosamente, foi protelando a entrega, até que um dia apareceu, como água fria na fervura, um decreto ministerial transferindo a famigerada Custódia da Sé de Angra para a igreja de Nossa Senhora da Piedade.” Coisas do passado...

E a custódia continua na Igreja de Nossa Senhora da Piedade, fazendo parte legal do seu rico e artístico património.


Vila das Lajes,

17 -04-2010

Ermelindo Ávila