quarta-feira, 16 de junho de 2010

O DEVER

Há noventa e três anos, ou seja no primeiro de Junho de 1917 apareceu na Vila do Topo um semanário católico.

O regime republicano havia sido implantado em Portugal sete anos antes. Ainda estavam, e continuaram, exaltados os espíritos daqueles que professavam os ideais republicano-maçónicos e que, fieis a esses princípios, não deixavam de perseguir a Igreja Católica, o seu clero e até os cidadãos que eram fieis à Igreja e aos Evangelhos. E não foram poucos os que sofreram os ataques e os vexames desses esbirros.

O P. João Vieira XAVIER MADRUGA, que tinha sido ordenado Sacerdote em 5 de Novembro de 1905, havia ficado no Seminário como prefeito e professor. E nessa situação se encontrava quando o Governador do Bispado o convidou para paroquiar a Vila do Topo, onde o anterior pároco tinha sofrido ataques bruscos e haviam ocorrido incidentes vários. A propósito diz o Cónego Pereira (A Diocese de Angra na História dos Seus Prelados, Vol.II, pág.45):

Na Vila do Topo, quando o rev.º Pe. Armelim Mendonça, que havia feito concurso para a respectiva Matriz, veio para tomar posse da igreja, uma multidão, movida por caciques políticos, foi-lhe ao encontro, gritando que o não queriam ali. Alegavam que ele não tinha licença do Ministro da Justiça para ir paroquiar aquela Vila! Ele retirou-se para Santo Antão, onde depois foi colocado. Poucos dias depois os manifestantes apagaram a lâmpada do SS. Sacramento, deixando ficar no Sacrário as Sagradas Espécies, fecharam a Igreja e foram em procissão lançar a chave ao mar!”

Para substituir o Pe. Armelim Mendonça, o Vigário Capitular, Dr. Reis Fisher, nomeou em 1911 o Pe. Xavier Madruga para Pároco e Ouvidor da Vila do Topo, onde os mesmos caciques não deixaram de persegui-lo e caluniá-lo. Ele, porém, nunca se amedrontou e, em l de Junho de 1917, funda o Semanário “O Dever”, cujo lema era: “Quem não é comigo é contra mim”, parafraseando o Apóstolo S. Mateus.

Constantemente perseguido pelos seus inimigos, que inimigos da Igreja eram ferozmente, depois de alguns anos de lutas e trabalho, ficou naturalmente cansado e doente. Retirou-se por isso em 1927, para a sua casa, nesta Vila, sendo depois colocado como Pároco da Candelária, onde se manteve alguns anos.

Em Setembro de 1938 transfere o seu jornal, que até aí se publicava na Calheta de S. Jorge, para esta vila, onde passou a publicar-se sob a sua direcção. Entretanto, em 1946 foi de visita a dois irmãos e outros familiares, residentes na Califórnia, onde se demorou cerca de dois anos.”Acenou-lhe nesse sentido um bom número de colegas, uns de quem tinha sido companheiro e outros de quem fora superior e mestre no Seminário de Angra. Pensavam eles sobretudo em quão frutuosa seria a sua pregação entre os nossos que para lá partiram e ficaram. Abalou e assim aconteceu. Quase dois anos (de 1946 a 1948) de intensa e alargada evangelização por igrejas portuguesas e outras com importantes núcleos da nossa gente, tanto na Nova Inglaterra como na Califórnia. Deu-se por inteiro a missões paroquiais, retiros, novenas, tríduos, sermões de festas, conferências, entrevistas na rádio e na imprensa luso-americanas, etc.” (Pe. José Carlos, in “Daqui houve Missionários até aos confins do Mundo”) De lá enviava semanalmente uma “Carta da América” para “O Dever”, tratando os mais diversos assuntos. Chegou a autorizar o Núcleo Cultural da Horta a fazer a publicação integral dessas Cartas, mas por razões que desconheço, aquele Instituto nunca se dispôs a fazer a publicação.

Em l925 foi a Roma, integrado numa peregrinação portuguesa, publicando mais tarde, em volume, “Dos Açores a Roma”, obra há muito esgotada. Tomou parte no Congresso Eucarístico de Budapeste e, dessa viagem pela Europa, deixou-nos outro volume com as impressões de viagem, “ Até ao Danúbio”. Estava-se nas vésperas da Segunda Guerra Mundial e as crónicas do Pe. Xavier Madruga, trazendo à ribalta, o ambiente bélico que Hitler criara, podem hoje ser consideradas uma antevisão da hecatombe que assolou o mundo durante o período de 1939 a 1945.

Com a publicação, em volume, das “Cartas da América”, ficaria à disposição dos interessados um dos mais importantes estudos do período atribulado da primeira metade do Século XX.

Por Provisão do Bispo de Angra, de 24 de Dezembro de 1969, foi autorizada a passagem da propriedade e oficinas do jornal “O Dever” para a Fábrica da Igreja Paroquial das Lajes do Pico. Ao faze-lo o Padre Xavier Madruga só impôs uma condição: continuar a escrever para o jornal... Mas isso de pouco valeu, pois veio a falecer a 30 de Março do ano seguinte.

Ao assinalar o seu falecimento escreveu o Boletim Eclesiástico dos Açores:

“Além de cura das almas, que exerceu com proficiência, dedicou-se às lides jornalísticas, fundando o jornal semanário “O DEVER” que dirigiu na qualidade de Director, durante 53 anos. Salientou-se pela sua dedicada consagração à Igreja e sem respeito humano propagou sempre a verdade duma forma clara e integérrima. O seu estilo fluente e acessível proporcionou aos seus leitores uma leitura agradável e proveitosa. Prestou sem dúvida um relevante serviço à Igreja e honrou a Diocese de Angra ao longo da sua vivência sacerdotal”.

Vila das Lajes

1 de Junho de 2010

Ermelindo Ávila

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