sábado, 22 de outubro de 2011

NOTAS DO MEU CANTINHO

PESCA ARTESANAL



Os açorianos “andam de barco de cabotagem e de lancha de remos de terra para bordo, do mar para a terra, de porto para porto, pipas e barricas de vinho e aguardente, vasilhame e madeiras para construção de casas, carruagens e barcos, pedra de cal e telha, aduelas e arcaduras, mastros e remos, para canoas, de gados para o mercado e feiras da lavoura, para criação e gastos de casa, trastes e mobílias de baleeiros, animais, porcos.”

“O mar foi tudo para o açoriano – caminho e atalho, mercado e feira, estaleiro e oficina, festa e tragédia, alegria e lágrimas, pão e conduto, vida e morte.”

“A estrada é o mar. O caminho mais fácil, aberto e chão ou agitado é o mar, durante séculos. – As estradas reais não existem.” (1)

E foi assim. Como diz o autor a que me reporto, durante séculos. As estradas e os meios de transportes terrestres, os barcos a vapor e os aviões são recentes. De nossos dias como soe dizer- se.

Antes valiam o mar e as embarcações que o homem ia construindo para se transportar a outras terras ou para se fazer ao mar à cata do peixe, alimento principal dele e das famílias.

Conta Lacerda Machado: “No reinado de D. João III, achando-se (o primeiro capitão-mór Garcia Gonçalves Madruga) devedor à fazenda real de certa quantia, por motivos hoje ignorados, mandou construir na Prainha do Sul, um “galeão real” a que pôs o nome de Trindade, orago da Vila e foi oferecê-lo a El-rei que se deu, diz o Historiador, por pago e satisfeito, ficando desde então àquela localidade o nome de Prainha do Galeão, que ainda hoje conserva.” (2)

A arte da construção naval parece ter nascido ali e, depois, se espalhado por todo o Pico, pois em quase todos os portos picoenses houve bons e notáveis construtores navais. Foi nas Lajes o mestre Francisco José Machado, que construiu a primeira canoa baleeira, nos Açores, foram os mestres de Santo Amaro com a construções de veleiros e traineiras. E em todos os portos houve calafates que construíam os batéis de pesca neles utilizados. Já os referi algumas vezes e não vou repetir-me.

A actividade marítima foi uma das principais do homem do Pico. A terra era árida. Os vulcões destruíam os terrenos aráveis e não era fácil o viver das gentes. As ervas dos campos substituíam as hortaliças. O pão era fabricado em lajes . Existiam os gados selvagens de difícil captura. Era o mar que valia com a abundância de peixes de diversas qualidades que abundavam nas costas.

A propósito, escreve Lacerda Machado: “À falta de forno, cozeram na laje o pão rudimentar das suas refeições frugais, e mais tarde o bolo, assavam a carne no borralho, o funcho substituiu a hortaliça que ainda não houvera tempo de a cultivar, ou de que faltavam sementes, uso que ainda subsiste, posto que, raramente, inventaram molhos, gratos ao paladar, para suprir a falta do azeite de oliveira, tardia em frutos, costume que perdura, pois só recentemente se começou a tentar a sua cultura.” (3) O probo e erudito Autor não refere o peixe nem como o apanhavam. Devia ser fácil pois, como disse, devia abundar nas costas.

Ainda no século passado, existiam batéis ou barcos de pesca em todos os portos e portecos, como já os classificaram, à volta da ilha e o mesmo nas outras ilhas. Por cá pescava-se o chamado “peixe de fundo”,principalmente, durante a noite e o chicharro ou carapau nas baías. Os barcos dos portos das Lajes e de São João exploravam o “limpo”, quase junto à costa. Era agradável ver, durante as noites de bom tempo, esses barcos iluminados (com candeeiros) a “ingodar” o peixe, que era apanhado em redes. Amanheciam em terra, com os barcos carregados do pescado. Uma fartura que a todos chegava, quer por compra, quer por troca de cereais. Secos ao sol, eram apreciado alimento no inverno.

Praticamente, desapareceu o chicharro depois da proibição da caça à baleia... Deixou de existir, praticamente, o equilíbrio ecológico.

A pesca de fundo fazia-se em “marcas” certas, onde eram pescadas diversas espécies bastante apreciáveis. Foi ainda no princípio do século XX que se descobriram os “bancos” Princesa Alice e Dom João de Castro mas, para lá chegar gastavam-se horas quer na ida, quer no regresso.

No Verão alguns barcos de pesca iam até São Jorge, onde ficavam semanas ou meses. Os costados dos barcos era aumentados com tábuas – “bordas falsas – e neles seguiam, além dos marinheiros, todas as suas bagagens, incluindo sacas com “bolo torrado” que servia para as sopas dos caldos de peixe com que os marinheiros, geralmente, se alimentavam. E não regressavam enfraquecidos... Uma parte do pescado era vendida localmente e outra seca ao sol e trazida para cá: o peixe seco muito apreciado no inverno, pois, no tempo, o bacalhau mal era conhecido.

Por cá ficavam outros marinheiros. Aqueles que se dedicavam à pesca e à caça da baleia. Um conheci que só era pescador: o mestre Bento. Era proprietário de um barco de pesca e todos os dias, manhã cedo, se fazia ao mar. Regressava, geralmente, ao meio dia, com o pescado que servia para o jantar. E falando do Mestre Bento, outros mais houve, com igual traficância, como o João Luiz, os Garcias e outros. Em chegando ao porto, o peixe era colocado no areal e dividido em soldadas (quinhões): para o barco, para o “monte-mór”, para o mestre, para os marinheiros e para o dízimo, ou seja o imposto, do qual tomava conta o Guarda-Fiscal, funcionário do Estado que existia em todos os portos de pesca.

Nas Lajes sedeava-se a Secção da Guarda-Fiscal, comandada por um sargento e composta de quatro guardas. A Secção superintendia nos guardas destacados nos portos. Do Sul, desde São Mateus ao Calhau da Piedade existiam postos da Guarda-Fiscal. O posto da Calheta tinha ainda funções aduaneiras. Um serviço que, praticamente, desapareceu com a promulgação da lei que extinguiu as chamadas “barreiras alfandegarias” e, depois, com a transferência do serviço dos barcos da Insulana para o Cais do Pico. Agora existe a Lota. Deixou quase de haver o peixe fresco, chegado do mar, para haver peixe congelado.

O Guarda-Fiscal, o Professor e o Pároco formavam um “triunvirato” nas respectivas freguesias, muito respeitado pelo povo. Hoje são figuras históricas, praticamente.

Antes da criação dos serviços dos portos, havia os guardas da Alfandega, que mais se preocupavam com a fiscalização do contrabando de tabaco.

Anteriormente, porém, eram as câmaras municipais, que davam licenças para os barcos de pesca exercerem a sua actividade ou outra, como se lê na deliberação da Vereação das Lajes, de 3 de Dezembro de 1817, quase dois séculos são decorridos:

Acusou o Alcaide a António Silveira Quaresma, Mestre de um barco de pesca do porto da Calheta, na razão de que no princípio do Verão do presente ano pedindo licença para ir à pesca para a Ilha 3ª, e sendo-lhe denegada pelo Presidente desta Câmara com o fundamento de ser o único que ficava no seu porto para acudir a qualquer necessidade assim como para dar, isto é vender o peixe ao povo, sem embargo disso sempre saíra no seu barco à pescaria para a Ilha 3ª sem levar os competentes Despachos de Licença e carta de saúde, e depois recolhendo ao seu porto tornara a ir à Ilha 3ª sem os ditos Despachos o que ele praticava por ser insubordinado, e costumado ... O Réu compareceu e confessou que era verdade ter ido à Ilha 3ª duas vezes sem os competentes Despachos. Condenado em 3$000 e em três dias de cadeia não sendo solto sem pagar a dita coima e custas.”

Outros tempos em que as Câmaras exerciam a justiça em variados senão em todos os sectores sociais.

___________

1) P. Júlio da Rosa – “A Cidade da Horta – Cinquenta anos da sua vida cultural, religiosa e artística nas década de 40 a 80”. 1989

2) Francisco Soares de Lacerda Machado, -“Os Capitães-Móres das Lages”, pág.19 - 1915

3) Ibidem – “História do Concelho das Lages”, pág. 78 - 1936


Vila das Lajes,

17-Outº-2011

Ermelindo Ávila

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