A MINHA NOTA
...
estão aí na
nossa frente. No
entanto, ninguém as descobre. Um matagal imenso as cobre, de baixo a
cima, não permitindo que se possam vêr ainda os “serrados” que
outrora eram férteis na produção de milho, o cereal principal da
alimentação familiar.
Aos
socalcos, as ladeiras estendiam-se dos quintais das habitações até
lá ao lado da encosta que rodeia o velho burgo. São restos do
escoamento das lavas que formaram a fajã, cá em baixo, junto ao
mar, onde se assentou o velho burgo. Ainda existem restos
inaproveitados da antiga planície onde se desenvolve o junco que
outrora era utilizado e que hoje ninguém utiliza ou admira, a não
ser os cientistas que andam à cata de novas espécies.
As
ladeiras, que daqui de baixo, da planície, caminhavam em socalcos –
os serrados, suportados por paredes de encosto, trabalhados com
grande esforço, mas sempre produtivos, - estão hoje repletas de
arvoredo selvagem: faias, incensos, canavial, que tudo cobre e nada
permite que se aproveite.
Aqui,
há meio século, o arvoredo só se desenvolvia no cimo das ladeiras
e era cortado periodicamente, fornecendo as lenhas que era o
combustível para os lares que cozinhavam a fogo directo as refeições
diárias, e para os fornos onde se cozia o pão e o bolo e neles,
também, se secavam os milhos que eram produzidos nas ladeiras e em
outros terrenos do casal.
Hoje
não se cultiva nem milho nem trigo. Importa-se a farinha ou
compra-se o pão fabricado nas padarias.
Dos
serrados das ladeiras já não se colhem as couves, os nabos, os
funchos, nem as batatas doces ou “brancas”.
Os
terrenos anexos às habitações – os chamados quintais - tudo
produziam: além das hortaliças, os feijões, as ervilhas, as
favas, as cebolas, os alhos e até o açaflor ou açafrão, as
batatas brancas de inverno, e tantos outros produtos. E até neles
existiam as figueiras e, aos cantos, as bananeiras, as parreiras de
vinha... Em algumas casas não faltavam os belos jardins com sécias,
craveiros, roseiras e outras plantas aromáticas e medicinais. Em
alguns as camélias.
Actualmente
tudo está abandonado. Desapareceu a mão de obra. Os trabalhadores
rurais embarcaram.
Deixou
de haver quem pudesse trabalhar, de foice e alvião ou sacho, os
terrenos. Já não existem por cá os chamados “homens a dias”,
que, normalmente, tinham a seu cuidado os quintais. Os animais “da
porta” que puxavam os arados e as grades, foram substituídos pelos
tractores e outras máquinas, incapazes de subirem as ladeiras. O
abandono dos terrenos foi a única solução.
Causa
pena ver o estado selvagem que agora nos rodeia. Uma saudade nasce ao
recordar os molhos ou feixes de lenha que, ao fim do dia, presos a
roldanas, eram enviados em fios, do alto das ladeiras, onde
existiam as lenhas, até aos quintais, para serem utilizados nas
cozinhas. O contacto das roldanas no fio provoca, ao anoitecer,
faíscas que iluminavam e que eram o encanto da miudagem. Mas isso já
não se pratica.
O
uso do gás e da electricidade veio substituir as achas que os
carreiros de São João traziam diariamente aos “fregueses” da
vila, ou iam, através dos barcos da Fronteira para o Faial,
conjuntamente com os cacetes para as fornalhas das caldeiras da
central eléctrica E lembrando a freguesia de S. João, nem o célebre
“queijo do Pico”
aparece. Outras qualidades de leite, outros sistemas de fabrico,
outros tipos de queijo, embora alguns classificados de “queijo do
Pico”...
Para
exportação resta o
vinho mas não aquele
que chegou às mesas dos czares. Outras castas e outras qualidades.
Hoje
é tudo tão diferente! Todavia, recordar é viver.
Lajes
do Pico,
3-3-2015
Ermelindo
Ávila
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