sábado, 21 de março de 2015

AS LADEIRAS...

A MINHA NOTA


... estão aí na nossa frente. No entanto, ninguém as descobre. Um matagal imenso as cobre, de baixo a cima, não permitindo que se possam vêr ainda os “serrados” que outrora eram férteis na produção de milho, o cereal principal da alimentação familiar.
Aos socalcos, as ladeiras estendiam-se dos quintais das habitações até lá ao lado da encosta que rodeia o velho burgo. São restos do escoamento das lavas que formaram a fajã, cá em baixo, junto ao mar, onde se assentou o velho burgo. Ainda existem restos inaproveitados da antiga planície onde se desenvolve o junco que outrora era utilizado e que hoje ninguém utiliza ou admira, a não ser os cientistas que andam à cata de novas espécies.
As ladeiras, que daqui de baixo, da planície, caminhavam em socalcos – os serrados, suportados por paredes de encosto, trabalhados com grande esforço, mas sempre produtivos, - estão hoje repletas de arvoredo selvagem: faias, incensos, canavial, que tudo cobre e nada permite que se aproveite.
Aqui, há meio século, o arvoredo só se desenvolvia no cimo das ladeiras e era cortado periodicamente, fornecendo as lenhas que era o combustível para os lares que cozinhavam a fogo directo as refeições diárias, e para os fornos onde se cozia o pão e o bolo e neles, também, se secavam os milhos que eram produzidos nas ladeiras e em outros terrenos do casal.
Hoje não se cultiva nem milho nem trigo. Importa-se a farinha ou compra-se o pão fabricado nas padarias.
Dos serrados das ladeiras já não se colhem as couves, os nabos, os funchos, nem as batatas doces ou “brancas”.
Os terrenos anexos às habitações – os chamados quintais - tudo produziam: além das hortaliças, os feijões, as ervilhas, as favas, as cebolas, os alhos e até o açaflor ou açafrão, as batatas brancas de inverno, e tantos outros produtos. E até neles existiam as figueiras e, aos cantos, as bananeiras, as parreiras de vinha... Em algumas casas não faltavam os belos jardins com sécias, craveiros, roseiras e outras plantas aromáticas e medicinais. Em alguns as camélias.
Actualmente tudo está abandonado. Desapareceu a mão de obra. Os trabalhadores rurais embarcaram.
Deixou de haver quem pudesse trabalhar, de foice e alvião ou sacho, os terrenos. Já não existem por cá os chamados “homens a dias”, que, normalmente, tinham a seu cuidado os quintais. Os animais “da porta” que puxavam os arados e as grades, foram substituídos pelos tractores e outras máquinas, incapazes de subirem as ladeiras. O abandono dos terrenos foi a única solução.
Causa pena ver o estado selvagem que agora nos rodeia. Uma saudade nasce ao recordar os molhos ou feixes de lenha que, ao fim do dia, presos a roldanas, eram enviados em fios, do alto das ladeiras, onde existiam as lenhas, até aos quintais, para serem utilizados nas cozinhas. O contacto das roldanas no fio provoca, ao anoitecer, faíscas que iluminavam e que eram o encanto da miudagem. Mas isso já não se pratica.
O uso do gás e da electricidade veio substituir as achas que os carreiros de São João traziam diariamente aos “fregueses” da vila, ou iam, através dos barcos da Fronteira para o Faial, conjuntamente com os cacetes para as fornalhas das caldeiras da central eléctrica E lembrando a freguesia de S. João, nem o célebre “queijo do Pico” aparece. Outras qualidades de leite, outros sistemas de fabrico, outros tipos de queijo, embora alguns classificados de “queijo do Pico”...
Para exportação resta o vinho mas não aquele que chegou às mesas dos czares. Outras castas e outras qualidades.
Hoje é tudo tão diferente! Todavia, recordar é viver.

Lajes do Pico,
3-3-2015

Ermelindo Ávila

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